Mermaid escrita por Pietrah


Capítulo 2
Daydream


Notas iniciais do capítulo

Meninas, fiz algumas pesquisas sobre a biologia marinha para acrescentar um quê de realidade na sereia, então vocês vão ver coisas como membrana nictante, tipos de escama, guelras, e mais algumas coisinhas que não vou contar por enquanto :3



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— Claire.

Sou desperta de meus devaneios por Heather, que antes gesticulava empolgada, mas já tinha cessado e abraçado os braços enquanto me encarava. A encaro de volta, mexendo o suco de laranja com um canudo, na mesa da lanchonete.

— Eu não poderia concordar mais com você. - Assinto, tentando ser convincente. Seus longos cabelos loiros caíam em cacho ao balançar negativo de sua cabeça, e seus olhos azuis me olhavam com reprovação.

— Você precisa ser sincera comigo. Sabe que é importante. Acha que ele gosta de mim? Eu não quero parecer uma louca. - Ela agitava os ombros levemente, frisando cada palavra.

— Eu nem o conheço! Você está levando um caso de verão muito a sério, Heather. Nem é confirmada a vinda dele para cá. Por que não relaxa e se prepara para a semana de provas? - Comentei enquanto coçava minhas coxas insistentemente. O formigamento em minhas pernas estava insuportável há, pelo menos, três dias.

Ela assente, derrotada.

— É por isso que você vai morrer solteira. É cética demais.

— Não é exatamente minha prioridade. - Dou de ombros, bebericando meu copo.

Ela mexeu os lábios em uma frase ininteligível com os olhos arregalados e saiu da lanchonete. Provavelmente, seu pai estava chegando e não podia vê-la ali. Ela é um ano mais velha que eu, e, em seus 17 anos, não me surpreenderia que tivesse passado no mínimo 8 de castigo. Seu rosto tem feições angelicais, mas sua impulsividade é inegável. Às vezes invejo isso nela. Em outras, me pergunto aonde sua amizade vai me levar, já que muitas vezes me peguei pensando em aceitar suas propostas, malucas em todos os níveis. Admito que fico intrigada com isso. Desde as mínimas coisas, como quando me convenceu a pular na piscina, numa festa em que entramos de penetra, e tive meu primeiro beijo.

Suspirei e fui para a casa. Finalmente só. Me despi no banheiro do meu quarto, me sentando na lateral da banheira, enquanto ligava a água. Minhas pernas seguiam dormentes, e aproximei meus dedos das coxas novamente, mas recuei, assustada. Pequenas protuberâncias se criaram em minha derme, na camada mais profunda da pele, como se estivessem prestes a rasgar os tecidos. Eram duras como ossos, do tamanho aproximado de minhas unhas.

Me levanto devagar, sem sentir dor, apenas com o formigamento crônico, e me olho no espelho, pousando a mão em meu pescoço, devagar. Três pequenos cortes horizontais se abriam e fechavam conforme a minha respiração. Quando inspirava, essa espécie de guelra deixava aparente um fundo vermelho escuro. Curvei meus ombros para frente, na intenção de ver melhor e de que, ao piscar dos meus olhos, tudo se mostrasse uma alucinação e questionasse meu juízo. Mas eu pisquei os olhos, e o que aconteceu foi diferente. Uma pequena camada branca cobria as laterais de meus globos oculares, como a membrana nictante dos.... peixes. Eu estudei isso em biologia há um, talvez dois anos atrás. É como uma terceira pálpebra. Saber o que é deveria me deixar aliviada, mas minha cabeça começou a girar. Desliguei a água, tonta e com um zumbido incessante ao fundo, e entrei na banheira.

Senti pequenas pontadas por toda a extensão de minhas pernas. Entre meus dedos, uma camada superficial de pele surgia. As guelras abriam e fechavam mais lentamente e as sentia com facilidade. Fechei os olhos por um segundo. Ao abrir, minha testa doía como uma enxaqueca chata e percebi, por fim, que as protuberâncias não estavam mais lá. Tinham sido substituídas por escamas cicloide. Cada escama levemente arredondada, porém afiada, refletia a luz que entrava pela janela, variando entre tons de azul, roxo e rosa. Onde deveria ser a ponta de meus pés, se iniciava uma comprida continuação, com uma textura diferente, separada por subseções grossas de linhas verticais. O desenho final tinha os lados mais largos e um formato semelhante ao de um coração no meio. Toda a energia que senti passar pela minha cabeça e ir descendo resultou em algo próximo a uma...

Antes de concluir minha linha de raciocínio, me desespero, interligando todos os acontecimentos. Descansei meus braços sobre a beirada da banheira e puxei meu corpo para cima, com certa dificuldade. A cauda pesava, e tinha uma linha lateral que me permitia sentir todos os movimentos e vibrações da água, como um tubarão. Ergui a cabeça, encarando o teto por um segundo, procurando por uma saída.

Respirei fundo em uma sequência numérica e assenti. Sequei a cauda, mas só o que senti foi incômodo e uma estranha falta de ar. Peguei meu celular, na tentativa de encontrar algo, mas ao abrir a aba de pesquisas, nenhuma palavra me vinha à mente para formular uma pergunta com sentido. Ao invés disso, me distraí, encarando as peles entre os dedos que envolviam meu celular e sequer pareciam meus. Larguei o celular, apertando a cerâmica da madeira dos dois lados de meu corpo com força e mordendo os lábios, nervosa.

Uma explosão iminente tomava conta de minha cabeça e meu corpo tremia. O barulho em meus pensamentos aumentava e explodia e batidas aconteciam contra as paredes internas de meu cérebro, e foi a segunda vez em uma semana que presenciei a escuridão absurda, dessa vez com minha cabeça se chocando contra o chão e meu corpo amolecendo lentamente. Foi como se todas as camadas e texturas que houvessem sido criadas a mais em meu corpo voltassem para dentro de uma só vez. Minha última sensação antes de atingir a inconsciência foi o movimento rápido de espasmo dos meus dedos do pé, e senti o líquido quente resultante do choque de minha cabeça molhar meus cabelos. Com os olhos fechados, tive milésimos de segundo para comparar o vermelho do sangue ao dos meus cabelos. Só.


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Notas finais do capítulo

E aiii, o que acharam?



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