Meiko

Após a Cerimónia de Receção – da qual fui expulsa pelo diretor -, tivemos que nos dirigir às nossas respetivas salas para sabermos a sua localização, e onde iríamos passar o resto do ano, conhecermos o nosso professor responsável e respetivos colegas. Ao que parecia estava na mesma sala que o Tenma e o Shinzuke, o qual me foi apresentado logo após a cerimónia e a caminho da sala. Ainda que soubesse dos planos deles, de se irem logo inscrever após toda a receção terminar, tiveram que mos contar como se fosse a primeira vez que ouvia. Claro que alinhei com tudo, iríamos logo ao clube assim que tudo terminasse. O Shinzuke aproveitou para me perguntar sobre o que disse em relação ao Quinto Setor. O Tenma pediu-lhe para que esperasse antes de lhe explicar-los e que o faríamos mais tarde. Salvou-me a pele porque eu não sabia mesmo o que dizer. Realmente devia ter mais cuidado com o que dizia.

A professora demorou séculos a falar, a dar-nos as boas vindas e houve alguns que também prolongaram a sua apresentação. Porque razão alguns engraçadinhos diziam que nunca tinham tido namorada e depois olhavam para mim? Felizmente um olhar sempre bastou para percebessem que não estava para ali virada. E eu... Eu nem precisei de me apresentar, a professora fê-lo por mim e fez a menção de mencionar o que acontecera na frente do diretor e de todos os alunos do primeiro ano. E assim que tudo terminou, deixou-nos sair. Bastou olhar para aqueles dois e os três parecíamos ter tido o mesmo pensamento... Sair a correr em direção ao clube.

—Tenma! Meiko! Esperem.- Olhamos os três para trás ao ouvir a voz da Aoi que corria atrás de nós- Já acabaram a cerimónia, vamos voltar todos juntos?!

—Não vai dar. Nós os três vamos ao clube de futebol.- Por muito feliz que isso me fizesse, já que seria a primeira vez que voltaria com alguém no caminho para casa, tinha de recusar.

—É que estou um pouco preocupada. Com toda a confusão que aconteceu esta manhã...- também não era para menos. Quem não estivesse dentro do assunto era normal ficar assim, e quem estava... Bom, não havia palavras- Espera um pouco... Disseste nós os três?- aí olhou para baixo vendo o pequeno Shinzuke- Tu és Nishizono Shinzuke, não é?

—Sim, mas desculpa...- sorriu mostrando-se atrapalhado com a situação- Ainda não decorei o teu nome.- A Aoi também o fez, mas mais descontraída.

—É normal. É a primeira vez que temos aulas juntos. Eu também não sei o nome de todos os alunos!

—Esta aqui é a Aoi.

—Ei, Tenma! Como assim “esta”?- rimo-nos com a cara de chateada com fizera- Chamo-me Sorano Aoi. O Tenma e eu estávamos no mesmo colégio na primária. Já a Meiko conheci após o jogo desta manhã.- Assenti.

—Bem, já está tudo explicado. Aoi, temos que despachar-nos.- Concordava. Já tínhamos demorado muito.

—Esperem! Eu também vou!

—Estão corre!- gritei enquanto me ri-a. Não tinha muitas amigas, aliás, só uma mesmo para dizer a verdade, e a Aoi estava a revelar-se alguém interessante.

Corremos rapidamente os três até ao clube. Fui todo o caminho a conversar com a Aoi. Éramos a únicas raparigas e os rapazes não pareciam estar muito interessado em participar na conversa. Durante a conversa, surgiu-me alguém no pensamento... Onde estaria o idiota do Tsurugi? Vi-o na cerimónia mas não sabia porque razão tinha de estar ali. Pensei que o propósito dele fosse só destruir o clube de futebol e não participar em qualquer tipo de coisa que envolvesse a escola ou atividade escolar. Já se teria ido embora? Para bem dele esperava que não estivesse no clube. E ao pensar nesse mesmo, acabamos por passar pela antiga sede do clube de futebol... Estava despedaçada. A porta escancarada, nem dava para fechar, uma das paredes estava amolgada, e placa do clube estava caída no chão, partida em duas. Eles os três recomeçaram a correr sem mim. Curvei para venerar o respeito que tinha por aquele local. Ali nascera o futebol que amava, naquela sede da Raimon, e era na Raimon que o verdadeira futebol se iria voltar a jogar.

Corremos um pouco mais, atravessando o resto da escola e passando por vários alunos. Alguns ficavam a olhar para a nossa correria, enquanto outros o faziam e comentavam. Teria alguma coisa com que o fiz na cerimónia? A meu ver tinha feito bem, mas começava a arrepender-me. E quando finalmente chegamos perto da nova sede, não pude deixar de contemplar o quão grande era, e de perto parecia gigante.

—É enorme.- A Aoi não era a única impressionada. Por dentro o espaço era gigantesco, e nós estávamos naquilo que se podia chamar all de entrada.

Pusemo-nos a observar o espaço maioritariamente azul, contemplando-o, quando se ouviu portas automáticas a deslizar, passando por elas dois alunos da Raimon... E jogadores da equipa B de futebol. Só que estavam com o uniforme escolar. Não demoraram muito a dar pela nossa presença.

—São vocês.- O mais alto reconheceu-nos logo. Também não era difícil. Já o mais baixo sorriu e apontou por cima do ombro.

—Neste momento estão todos um pouco chateados.

—Mas o que se passou?- o Tenma correu até eles, assim como a Aoi e o Shinzuke, eu fiquei no mesmo lugar, escutando o que se passava.

—Se vocês vêm para se juntarem ao clube, mais vale esquecerem.- Qual era o problema do tipo alto
? Ele estava no clube e falava assim?

—O clube de futebol está acabado.- Não pude evitar ficar chocada com as palavras dele.

—Olha lá, o que queres dizer?!- o Shinzuke tirou-me as palavras da boca.- O mais alto apenas encolheu os ombros antes de começar a andar seguido pelo companheiro.

—Deixa-os. Vamos.- E saíram sem dizer nada mais. Só então me aproximei dos três.

—Mas que idiotas.- Encarei o Tenma que parecia preocupado- Está a passar-se alguma coisa lá dentro.- Sem dizer nada, começou a correr na direção de onde aqueles dois tinham saído- Ei! Tenma!- nós três fizemos o mesmo.

—Agora que chamamos a atenção do Quinto Setor, jamais poderemos poderemos voltar a jogar.- Foi a primeira coisa que se ouviu por parte de um jogador da equipa B mal as portas de abriram- E o Tsurugi, aquele rapaz do primeiro ano, venceu-me com só olhar para mim. Conseguimos aguentar até agora mas isto é demasiado.

O capitão não respondeu. Continuou ali na frente de todos, sentado num dos degraus em que o chão era elevado, pensativo. Todos os jogadores estavam sentados e silenciosos, estando equipa B e a A em lados opostos da sala, mas o ânimo de ambos todos era igual, pura frustração e medo. E nós três limitavamo-nos a observar.

—Os ânimos estão um pouco exaltados.- Qualquer um de nós percebia.

—De certeza que é pelo que aconteceu esta manhã, Shinzuke.

—Provavelmente.- Talvez o Tenma tivesse razão.

—Nós vamos embora.- Foram as últimas palavras daquele rapaz alto que era o único que dizia algo naquela sala. Pôs-se a andar e com ele os jogadores da equipa B.

—Espera! Estão a falar a sério?- um dos jogadores da A parecia espantado com a decisão. Para mim parecia lógico aqueles cobardes abandonarem o clube.

—Mas rapazes...- um outro jogadores, enorme, pôs-se na frente, detendo-os.

—Sim. Estamos a falar a sério.

—E isto parece-te bem, Shindou?- o capitão continuou calmo e em silêncio. O que estaria a pensar fazer ao ver a equipa desmoronar-se. Os companheiros comentavam, mas ele não abria a boca.

—A equipa B acabou.- Olhei para o rapaz moreno que dissera aquilo. Era um dos poucos ainda sentados, mas pensava desistir?

—Vamos embora.- Outros três levantaram-se para ir embora. Dois deles eram capazes de erguer a cabeça. Que irritantes.

—Nós também.- Fiquei surpresa. Dois jogadores da equipa A estavam a desistir.

—Como?! Vocês também?

—Depois de vos ter costado também passar para a equipa principal, abandonam-nos?

—Sim, porque temos medo do Quinto Setor.- Aquilo já começava a irritar. Quinto Setor... Quinto Setor... Mas eles eram assim tão cobardes contra o Quinto Setor? Estavam sempre a usar essa desculpa.

—No meu currículo ficou ótimo formar parte do clube, mas o futebol sempre me foi indiferente.

—Seu...- cerrei os punhos e tentei conter-me para lhe bater.

—Olha lá, a que propósito veio isso?- o jogador da equipa A não hesitou em aproximar-se daqueles dois, que ficaram logo assustados com o tom alterado deles. Esperava que lhes desse uma boa lição.

—Para, Kurumada! Já chega!- infelizmente, ele parou mesmo.

—Ouve lá, Sangoku...- acabou por baixar o punho e sentar-se na mesa- Aqui todos estamos na mesma situação e não nos saímos com esta!- olhei para o capitão... Sorriu.

—Rapazes, obrigado por tudo o que fizeram.- Estaria a conter-se para não se passar?

—Perdidos... Estamos perdidos.

Sem pensar duas, coloquei-me à frente da porta. Eles três afastaram-me mas eu queria manter-me ali. Se eles não faziam nada, eu faria.

—Me-Meiko... Sai daí.- Não pretendia fazer caso à Aoi.

—Esperem lá aí um pouco. Porque razão vão deixar a equipa de futebol?

—Sinto muito, mas já o decidimos.

—Mas vocês três vamos unir-nos ao clube. Terão mais reforços, isso não vos faria pensar um pouco em ficar?

—Não és mais que uma criança.

—Como?- detestava que me tratassem como uma criança e o tal ex-jogador da primeira equipa começava a enervar-me.

—Não viste o que se passou hoje? Isso é tudo o que a Raimon tem para oferecer.

—Isso não é verdade.- Olhei para o lado vendo que o Tenma aproximar-se. O jogador não achou piada nenhuma.

—Ouçam, assusta-nos como está agora o futebol.

—Assusta-vos? Mas como é que o futebol vos pode assustar?- deixei-o prosseguir. Se fosse eu a falar provavelmente começavam os insultos- Eu acho que o futebol é muito divertido. Pensem em como se sentirá o pobre futebol se nós não nos sentirmos feliz a joga-lo.- Fiquei um pouco espantada com o que ele disse. Já todos os presentes começaram a rir.

—Olha lá rapaz, como que o pobre futebol? O futebol não é uma pessoa.- E continuaram a rir.

—Já chega, parem de rir feito idiotas dos sentimentos dos outros!- todos se calaram- O Tenma tem razão. Se todos nos divertirmos a jogar, o futebol sempre será divertido.

—Deixa que se vão embora.- Foi tudo o que o capitão Shindou me respondeu.

—Mas...

—Muito obrigado, Shindou.- Bati com o pé já farta da situação, tornando a para-los.

—És tão ou mais cobarde como eles! Como podes deixa-los partir?! E vocês são todos assim tão medrosos a ponto de fugirem que nem ratos? O futebol para vocês só serve para uma questão académica?- eles não gostaram nem pouco do que eu disse, ainda que tivessem consciência de que não dissera mentira alguma.

—Olha lá, só por seres filha de um dos antigos jogadores da Raimon, isso não te dá direito sobre nada!- o ex-jogador da equipa A aproximou-se de forma desafiante. Se ele achava que me ia intimidar estava muito enganado.

—Jamais usei o nome dos meus pais para o que fosse, mas uso o meu amor pelo futebol para o defender de traidores como tu.- Agarrou-me logo pelo laço do uniforme escolar, erguendo-me os calcanhares do chão, mas não pensei duas vezes em agarra-lo também pelo colarinho do casaco.

—Já chega!

Não largamos logo a peça de roupa um do outro mesmo com o pedido do goleiro, mas foi lentamente que isso aconteceu. A Aoi agarrou-me de seguida pelo braço, puxando-me para junto dela, enquanto ajeitava a peça do uniforme e ambos trocávamos um olhar de desprezo antes dele sair. E era bom que nunca mais regressasse.

—Capitão.- Desta vez foi uma voz feminina que falou- Sentimos muito.- E sem esperar uma resposta, as cinco ajudantes saíram da sala a correr.

—Perdidos... Estamos perdidos...- concordava plenamente. Da maneira que o clube ia e com os jogadores a fazer nada para impedir as baixas, o clube estava perdido.

—Vocês pensam continuar?- ao que parecia ainda sobravam dois da equipa B. Mas pelas caras de ambos não seria por muito tempo. Houve uma qualquer troca de olhares entre ambos os capitães, antes de o da equipa B se levantar.

—A equipa B acabou. Nós também vamos.- Mais uma vez, o capitão da Raimon sorriu. Não sabia fazer mais nada? O que faria o meu tio num momento assim? Pergunto-me se isto chegaria a acontecer caso ele fosse o capitão.

—Entendo.

Passaram vários minutos sem trocar uma palavra entre si. Havia um deles que parecia estar a desesperar mas mesmo assim não abria a boca, até que o goleiro foi o primeiro a dizer que era melhor ele se acalmar e esperar pelo que o treinador ia dizer. Nem imaginava o que ele pudesse dizer quando visse esta situação. E foi em silêncio, de novo, que continuamos. Já estava mais calma e ninguém me disse nada depois do que aconteceu, e esperava que não se voltasse a tocar no assunto. Nós quatro caminhamos até um canto onde ficamos sem abrir a boca, vendo, pouco tempo depois, o treinador chegar acompanhado com a Haruna.

—Então que só ficar vocês.- Ela olhou para toda a sala observando cada um.

—Sim. No clube só sobramos os nove.- O capitão foi o único a pronunciar-se.

—Estou a ver.- Como é que o treinador podia estar tão calmo? Sempre ouvi dizer que o treinador Kudou tinha sangue-frio, mas não desta maneira.

—Faltou-me convicção.- Revirei os olhos. Se fosse só isso.

—É como dizem sobre os ratos que abandonam o barco quando se afunda.

—Mas isso não nos converte em ratos.- Que raio de conversa.

—Somos membros do clube de futebol.- Ora ali estava uma resposta inteligente. Eu e o Shinzuke olhamos para o Tenma ao vê-lo entusiasmado com a resposta do defesa, antes de nos encararmos e rirmos.

—Rapazes, sei que isto é muito injusto, mas se decidirem deixar o clube, não levarei a mal.- Esta era uma das coisas que faltava ao capitão... Ser capitão- E vocês são Matsukaze Tenma e Goenji Meiko, não é?

—Sim.- O Tenma e o Shinzuke ficarem extremamente tensos e completamente direitos, seguidos da Aoi. Para que era aquela formalidade. Suspirei.

—Muito obrigado pelo de esta manhã. Porém, apesar dos vossos esforços, já podem ver como está agora o clube de futebol.

—Não me importa, capitão!- nem tive tempo de começar a responder- Vou entrar no clube de futebol.- Sorri.

—Eu sou uma pessoa de ideias fixas, e não penso mudar esta.

—Eu também quero entrar! Por favor, capitão!- olharam todos espantados para o Shinzuke.

—És do primeiro ano, não?

—Sim. Chamo-me Nishizono Shinzuke.

—Afinal há gente que quer subir ao barco que se afunda!- um dos jogadores parecia entusiasmado.

—Eu acho que não perceberam nada.- Já outros desanimavam uma pessoa. E o capitão parecia não saber o que dizer enquanto nos observava.

—Não. Não podem entrar aqui.- Fiquei sem palavras. Como não?

—Não digas isso, Shindou-kun.- A Haruna foi a única que se opôs à ideia- Ouçam, o que aconteceu esta manhã foi especial, mas na verdade há uma prova para entrar no clube.

—O quê?!- saiu-nos a pergunta ao mesmo tempo. Já esperava por isso mas não evitou que me surpreendesse. Já não tinha bastado o que aconteceu?

—Pensei que já fizéssemos parte do clube.- Assenti. Olhei para o treinador mas continuava sem reação. A Haruna ria-se da situação enquanto o Tenma desanimava.

—Uma prova assim de repente...- o Shinzuke parecia não ter gostado da ideia.

—Mas então é agora?!- seria já?

—Espera!- ela pôs-lhe logo a mão à frente para que se acalmasse- Treinador Kudou, apesar de tudo o que aconteceu hoje, não podíamos...

—Está bem.- Não consegui evitar sorrir- Venham aqui, amanhã, depois das aulas.- Mas foi logo desfeito.

—Sim.- Fui a única que teve ânimo para concordar.