Meiko

Tentei seguir as indicações que a Haruna me deu para chegar à casa do Shindou-senpai. Claro que podia pedir ao meu tio, mas ele começou novamente com as histórias de que não me devia deixar ir, porque estava sobre os seus cuidados. Pensei que isso só me aconteceria com os meus pais, mas o meu tio parece querer começar a preparar-se para quando fôr pai. Tornei a olhar para o papel branco que trazia na mão, percebendo que tinha de parar em frente daquele enorme portão mesmo diante de mim e do Tenma, sim, porque mal ele me ouviu falar com a Haruna, insistiu em vir comigo. E o mesmo ficou boquiaberto ao ver a enormidade daquela casa. Claro que também estava espantada com a mansão, mas tentei não mostrar o quão escandalizada estava.

—Isto é mais que uma casa! É um castelo!- agora ele estava a exagerar.

Tocamos à campainha e quem nos pediu identificação foi uma das criadas da casa, a qual nos levou até ao quarto do Shindou-senpai. Durante o caminho até lá, conseguíamos ouvir uma bela música tocada ao piano naquela casa. Não era música passada num computador, era mesma feita por alguém, naquele momento. E assim que a mulher nos permitiu entrar, após perguntar ao nosso veterano - deixando-me espantada por ter autorizado a nossa entrada -, percebi que era quem entoava aquela bela melodia, que continuou mesmo depois de entrarmos. Observei toda a divisão, estava repleta de luxos, um candeeiro de cristal, sem que a única coisa mais singela era uma velha bola de futebol. Pouco tempo depois, parou de tocar.

—Capitão, isso foi fantástico!- o Tenma foi o único que abriu a boca.

—O quê?- e depois eu era grosseira?

—É incrível o quão bem tocas piano! Foi assim que surgiu a tática Kami no Takuto, não foi?! Estou impressionado! Gostaria tanto de ver essa tática! Agora que já sei que final do ano passado foi de verdade...- assustei-me logo ao ouvi-lo carregar com toda a força nas teclas do piano. E com certeza não fui a única.

—Não, não foi! Só foi o facto do Quinto Setor dar permissão para jogarmos livremente esse jogo, porque no fundo fazemos sempre o que nos dizem!

—Capitão...

—Então porque razão parecias tão feliz quando marcas-te o único golo da partida com o Fortissimo? Isso também foi uma ordem do Quinto Setor, capitão?!- desligou logo a face. Ele sabia que eu tinha razão.

—Já chega desta conversa. E eu já não sou o capitão.

—Mas eu quero jogar a teu lado, capitão...- ele não era o único. Eu queria jogar jogar ao lado de todos os jogadores da Raimon, incluindo-o- Quero jogar sobe as ordens do Kami no Takuto!

—Cala-te de uma vez! Sei perfeitamente que se continuar no clube, acabarei odiando o futebol!

Aquelas palavras doeram-me muito mais do que ele podia imaginar. Conhecia aquelas palavras. Já odiei o futebol. Já houve momentos em que nem conseguia ver uma bola de futebol à frente. Sabia o vazio que esse ódio deixava no coração das pessoas. Era um anjo do futebol, não me permitiria passar por algo assim e jamais deixaria que acontecesse com alguém. Peguei na bola à minha frente, após caminhar até ela.

—Acho que tens estado a proteger o teu amor pelo futebol.

—O que queres dizer?

—Por isso mesmo disseste que o deixarias.- O Tenma aproximou-se e colocou a mão sobre a bola.

—Concordo. Mas, capitão, se o deixares de verdade, o futebol iria sentir-se muito triste.

—Deixa de falar do futebol como se fosse um amigo!- não o era, mas por vezes era o único que nos podia alegrar- Desobedecemos as ordens do Quinto Setor no jogo contra a Eito e reparem nos problemas que isso causou ao instituto!- aproximou-se. Estava realmente furioso, tanto que aproximou a sua face da minha. Senti-me corar um pouco com a aproximação repentina, mas não pensava deixar-me ficar.

—Percebe bem uma coisa; nós não fizemos nada de mal!- sorriu antes de me voltar as costas, não sem antes me tirar a bola das mãos- É inútil falar contigo. Ou com qualquer um de vocês.

—Mas capitão...

—O futebol de agora não vale para nada.

—Isso não é verdade!- o Tenma tinha-me tirado as palavras da boca- O golo que marcamos contra a Eito acho que foi muito importante para todos!- percebi que ele reagiu àquelas palavras.

—Um golo importante? E para que serve o futebol de hoje em dia? O mundo do futebol está baixo controlo... De gente que não sente nada pelo futebol e muito menos amor por ele.- Mas ele sentia tudo isso! Então não podia voltar-lhe as costas!

—Mas com treinador Endou sei que poderemos jogar ao autêntico futebol!- porque razão acreditava em alguém como o meu tio?

—Foi por isso que ontem apareceu toda a equipa no campo junto ao rio!

—Por isso mesmo. É igual se estou lá ou se sou o capitão ou não.- Encarou-nos, sorrindo- Qualquer um serve. Além disso...- tornou a entregar-me a bola- No final o treinador Endou acabará por obedecer ao Quinto Setor como todos.- Aquela conversa já me começava a irritar de verdade. Queria disser-lhe o mesmo de quando o disse no telhado da escola, mas voltou-nos as costas- Vão-se embora.- Queria protestar, mas estava no direito dele. Aquela era a sua casa.

—Está bem. Vamo-nos embora.- Fiquei até surpreendida com as palavras do Tenma- Lamento a moléstia.- Não havia alternativa, teria de ir sem dizer nada mais- Mas antes quero pedir-te um último favor.- Recuei o passo que havia dado de imediato, vendo o Tenma pegar na bola que tinha em mãos. Quase a levava comigo- Gostaria de ver o Fortissimo! Posso chamar o Shinzuke e poderíamos jogar os quatro! O Shinzuke também viu o video da final e ficou fascinado!

—Disse para se irem embora!

—Não iremos.- Estava até admirada com a resposta dele, nem consegui evitar um sorriso, parecido ao que o Tenma tinha.

—Sendo assim, ficaremos aqui até que concordes, capitão!- encostei-me na parede de braços atrás da cabeça.

—Outra vez a imporem-me coisas?- não entendi a pergunta- O último passe do jogo...- Se não me enganava, tinha sido eu a fazê-lo. Pus os braços para baixo e prestei mais atenção- Foi como se me dissesses para que olhasse para o futebol de frente.

—Mas eu não pretendia...- teria usado os meus poderes e não percebi?

—Não voltarei as receber os teus passes!

—Mas eu quero jogar contigo! Todos nós queremos jogar contigo, capitão!

—Que teimosa!

—Chega!- calei-me- Capitão, a Meiko tem razão! Queremos jogar contigo!- baixou-se para o tentar convencer- Peço-te.- Encarei a sua expressão cerrada antes de me curvar também. Tinha de pelo menos esforçar-me e parar de usar o meu mau temperamento.

—Por favor.- Estava a demorar em responder.

—Está bem.- Abri os olhos, espantada com a reposta- Mas só uma vez.- Levantamo-nos ao mesmo tempo.

—Muito obrigado! Então posso chamar o Shinzuke?!

—Sim.- Então isso queria dizer que ele ia fazer o Fortissimo?- Como queiras.

—Que bom, não é, Meiko?!- encarei-o não resistindo a sorrir, ao ver o dele.

—Sim!- tinha de admitir; esta bastante satisfeita!

—Parece que vocês gostam realmente do futebol

—Sim!

—Claro que sim! É difícil não gostar, afinal sou...- parei de imediato. Já ia dizer asneira. O capitão olhou para mim de forma bem estranha- Sou... Sou filha dos Goenji, não é?- comecei a rir com os nervos. Eu às vezes conseguia ser muito idiota.

*

—Vamos!- comei a correr com a bola primeiro.

Não demorou muito para que trocássemos as nossas roupas pelo equipamento de futebol. O Tenma realmente ligou ao Shinzuke e ele também apareceu sem muita demora. Chegou ao campo primeiro que todos nós, na verdade. O último foi o capitão. Não estava com muita vontade de descer as escadas e ir ao nosso encontro, mas não tinha grande alternativa.

Passei a bola para o Shinzuke, que a passou de seguida para o Tenma. Claro que era uma desvantagem serem três contra um... Mas de qualquer foi nenhum nós três jogava grande coisas, por isso não seria um grande desafio para ele. E bem o podia dizer. O Tenma perdeu logo a bola no primeiro passe.

—Concentrem-se nos movimentos da bola!- e quando dei por ele, já tinha conseguido a bola que pretendia conseguir- Uma coisa é amar o futebol, e outra coisa muito diferente é saber jogar!- sem grande esforço e com alguns passes, passou por nós dois, fazendo de seguida o Fortissimo, o qual passou bem perto de mim antes e entrar na baliza. Deu para sentir toda a sua força!

—Incrível!

—Genial!

—Impressionante!- era a única coisa que me surgia.

—Já chega, não?- voltou-nos as costas e foi-se embora. Mas já? Só aquilo? Agarrei na bola que rolou até aos meus pés antes de me curvar com os rapazes.

—Muito obrigado por tudo!

—Vou-me esforçar muito!

—E eu também!- eu nem precisava de dizer aquilo. Era óbvio que me esforçaria.

—Se voltarmos a jogar ao verdadeiro futebol, achas que poderás voltar à equipa?

—Ainda não entendes-te?! Esse autêntico futebol já não existe!

Correu até nós antes de saltar, dando de seguida com o joelho na bola. Inicialmente assustei-me com a sua ação, mas logo percebi a sua intenção e, assim como os rapazes, fomos a atrás dele e da bola. Voltou-se para nós, antes de chutar entre os rapazes, indo na direção da baliza, mas acabou por bater na barra e voltar para trás. O Shinzuke conseguiu dar uma cabeçada na bola passando-ma.

—Isso não é verdade, capitão! Eu sei que existe o verdadeiro futebol! Tenma!- passei-lhe a bola de imediato. O capitão acelerou atrás dele enquanto ficava para trás.

—Tenho a certeza de que o futebol está à espera que joguemos como ele é verdadeiramente!- continuou com a bola, correndo sempre em frente do capitão.

—Se achas que isso é verdade, tenta passar por mim com a bola.

O Tenma voltou-se para ele... Ia mesmo fazê-lo?! Era louco! Porém, viu que daquela forma não daria certo. Passou a bola para trás de si e fugiu de novo, mas o capitão estava a acompanha-lo. Queria ajuda-lo, mas sentia que era algo que só o Tenma podia fazer... Ainda que estivesse sempre a ir e a voltar com a bola, mas pelo menos mantinha a posse de bola, o que era excelente!

—Vou conseguir! Vou jogar o autêntico futebol...- tinha esperanças nele- Se mantiver o que sinto por ele!

Começou novamente a correr. Ele e o capitão estavam a uma grande distância. Porém, pouco depois do Tenma ter dado os primeiros passos, uma espécie de luz verde apareceu à volta do seu corpo, deixando-me boquiaberta. Ele parecia estar muito mais rápido do que nos treinos... Parecia que estava a voar com o vento. Principalmente quando um rasto de luz verde ficou para trás, fazendo-o avançar ainda mais rápido. E ao chegar ao capitão, deu a volta sobre si mesmo para evitar que lhe tirasse a bola, mas o vento que se formou à volta de ambos, fez o capitão ficar preso nele e ser levado para longe do Tenma, chamando à técnica Soyokaze Step. Fiquei... Boquiaberta.

—Consegui superar o capitão?- pus um braço à volta do seu pescoço, orgulhosa dele.

—Assim é que é!

—Que bom! No final, todos os treinos deram o seu fruto!

—Consegui! A Soyokaze Step!

—Sim! E é uma excelente técnica.- Tirei o braço de cima dele, antes se sorrirmos.

—Alucinante! Era como o vento!- assenti.

—Capitão, posso usar esta técnica no Holy Road.- E eu pretendia usar a minha técnica para isso mesmo- Superarei qualquer jogador, de qualquer equipa com esta técnica de drible!

—Sim! As coisas estás a ficar animadas!- ri-me com o entusiasmo dele.

—Agora só falta a tua própria técnica, Shinzuke!- eu e o Tenma já as tínhamos e realmente tinham a ver connosco. Perguntava-me que tipo de técnica teria o Shinzuke.

—Sim! Trabalharei duro!- ambos me esticaram uma das mãos, voltadas para cima. Inicialmente não percebi, mas depois acabei por sorrir e bater na mão de ambos, que me sorriram de volta. Erguei a cabeça e olhei para o capitão... Estava em lágrimas. Doeu-me um pouco vê-lo assim.

—Vocês estão a esforçar-se tanto e eu...- desviou a face, evitando encarar-nos- Isto demonstra que não tinha o que é necessário para ser capitão.

—Isso não... Isso não é verdade!- quantas vezes já havia dito aquilo? E quantas vezes me deu ouvidos? Nenhuma...

—Claro que tens!- voltamo-nos todos para o lado das escadas. O homem que falara era ninguém mais que o meu tio... Que vinha acompanhado pelo meu irmão, o qual me sorriu e acenou antes de parar um pouco depois de entrar no campo- Essas lágrimas são o requisito para ser capitão.- Mostrou a carta de demissão do capitão, a qual rasgou ao meio, deixando-me estupefacta- Porque são as lágrimas de alguém que não pode evitar amar o futebol.

—Tio Endou...- ficava maravilhada com as suas palavras.

—És um autêntico Kami no Takuto. Como um maestro que consegue tirar o máximo dos seus músicos, tu conseguiste com que surgisse o talento do Tenma. E no jogo contra a Eito, o mesmo aconteceu com a Meiko, que ao dar tudo para te passar a bola, acabou por descobrir a sua própria técnica.- Era a mais pura verdade. O meu irmão aproximou-se de mim e sorrimos um para o outro.

—Treinador...- os seus punhos estavam fechados com toda a força- Eu também... Eu também quero ganhar.- Um pequeno sorriso apareceu na minha fase- Não quero voltar a jogar a esse falso futebol, nunca mais!- não pude esconder a alegria na minha face.

—Esperava ouvir-te dizer isso, capitão!- o nosso treinador deu um dos seus maiores sorrisos.

—Vou esforçar-me imenso!

—Venceremos custe o que custar!- eles não eram os únicos!

—Vou dar o meu máximo para melhorar o meu futebol!

—Sim! Vão-se acabar os jogos definidos!

—Sim!

Olhei para o capitão Shindou. Estava a sorrir e a encarar-me. Não consegui evitar ficar um pouco constrangida com ele a ficar-me daquela forma, mas ainda assim sorri da mesma forma.

*

Saí de casa a correr, despedindo-me à pressa de todos! Estava entusiasmada por chegar à escola para poder ir para o treino da manhã! Desde a tarde passada que não conseguia parar quieta e que só queria jogar! Claro que o fiz com o meu tio e irmão em casa, até partirmos um dos vasos da minha tia e sermos obrigados a parar. Felizmente, estava quase a chegar à escola - sozinha, talvez porque saí um pouco cedo de mais, tanto que o tio teria de levar o Atsushi à escola - e quando passei o portão, lá estava o capitão um pouco mais à frente.

—Capitão!- corri até ele quando se voltou para mim- Bom dia!

—Olá.- Que entusiasmo.

—Estou em pulgas para começar o treino e melhorar a minha técnica para o Holy Road!- tornei a correr para me ir equipar rapidamente- Até já!

Mal podia esperar por começar a jogar no campeonato!