Meiko

O jogo contra a Kidokawa, no anterior, não deixava de ser emocionante. Tinha-o visto junto com o meu irmão em casa e ainda assim estava a repeti-lo. Os rapazes e a Aoi queriam ver o jogo, ou revê-lo. Todos nós o tínhamos visto quando deu em direto. E tinha de admitir, eles estavam sobre as ordens do Quinto Setor naquela época, mas tinha sido um jogo fantástico.

—É o capitão!

Naquela época, o capitão Shindou ainda era do primeiro ano, mas mesmo assim já vestia a camisola da equipa principal. Era de se ter respeito! Bom... Não também éramos do primeiro ano e vestíamos o mesmo equipamento... Mas as circunstâncias eram bem diferentes. Claro que também havia o facto dele saber jogar muitíssimo bem futebol. Tanto que já tinha a sua própria técnica, Kami no Takuto, uma técnica que interligava os jogadores para que os passes entre eles fossem mais precisos, como se ele liderasse uma perfeita orquestra.

—Kami no Takuto...- era uma técnica, sem dúvida, impressionante.

Até quando lhe passaram a bola, ele mostrou uma outra técnica que tinha. Não era apenas um bom estratega, mas como centro campista também tinha a sua própria técnica de tiro, o Fortissimo, com o qual marcou um dos golos da partida, e o primeiro da Raimon.

—É fantástico!- baixei-me um pouco para encarar o Shinzuke- O capitão estava livre!

—Talvez foi uma ordem do Quinto Setor.- Olhamos todos para a Aoi. Fiquei um pouco surpresa com o que ela dissera, mas até podia ser verdade.

—Não sei. Eu acompanhei com muita atenção a final do ano passado.- O Tenma não tinha sido o único.

—A mim parece-me que ambas as equipas estavam a jogar a sério.- Assenti. Mentiria se dissesse o contrário.

—Claro. Isso é porque foi completamente a sério.- Olhamos todos para trás, vendo a Haruna aproximar-se. Nem a ouvi entrar. Eles os três levantaram-se, eu limitei-me a pôr os joelhos no sofá, voltando-me para ela- Precisamente porque foi um jogo a sério desde o principio ao fim, o Shindou-kun pode usar o Kami no Takuto e rematar com o Fortissimo.- Por trás de mim, ouvi o apito do árbitro para o final do jogo. Olhei para o ecrã e vi os jogadores da Kidokawa a festejar por terem vencido a final, enquanto os jogadores da Raimon se viam de rastos com derrota. Só que nesse mesmo instante, a televisor foi desligado, pela própria Haruna- Perderam, mas sei que todos deram o máximo de si nesse jogo.- Sentou-se no sofá com um ar um pouco abatido- É verdade que o Quinto Setor controla os resultados, mas por vezes permite se jogue de verdade!- o seu sorriso desapareceu de imediato- É pouco comum que aconteça algo assim no Holy Road. Incluindo os jogos amigáveis, como aquele que jogamos contra a Eito; ou se joga com o resultado já decidido ou deixam jogar ao máximo.

—Que estranho, não?- encostei-me às costas do sofá.

—Esses tipos do Quinto Setor fazem coisa muito estranhas, isso sim.

—Bom, e porque estavam a ver a final do ano passado?

—Porque vai começar o Holy Road e queríamos ver como tinha sido o ano passado!

—E aqui há um monte de jogos antigos!

—Olá! Bom dia!- como já não tivesse cumprimentado o meu tio. Até tinha sido ele a oferecer-se para levar o Atsushi à escola- Que madrugadores.

—Bom dia, treinador!- nem lhe disse nada. Para quê? Era só sair do quarto e podia fazê-lo. Mas levantei-me. Apesar de ser meu tio, era meu treinador e devia-lhe algum respeito como ambos.

—Só estão vocês?- só quando começou a caminhar para junto da parede é que notei que trazia algo enrolado por baixo de um dos braços.

—Sim.

—Apesar de ontem terem estado todos no campo junto ao rio.- A Aoi estava ligeiramente enganada.

—Bem, nem todos.- Corri até ao meu tio e comecei a ver o que estava ele a fazer com aquele cartaz.

—O capitão não foi.

—Não se preocupem! Vão ver como acabam todos por vir.

À nossa frente estava um cartaz assim meio sombrio, com bandeiras azuis onde havia o símbolo, que, ao que parecia, era do Quinto Setor, com alguns homens, todos extremamente parecidos, curvados como que a fazer reverencia e no fundo via-se um prédio alto. No topo, por cima de tudo isso, estava escrito em letras dourada, Holy Road.

—Quando eu tinha a vossa idade, o torneio chamava-se.

—Football Frontier...- Encarei-o- Não é?!- tinha um cartaz no meu quarto! Para além de ter visto todos os jogos deles. Se bem que o cartaz era muito mais alegre do que este.

—Sim!- sorrimos um para o outro.

—Bom dia.- Os veteranos haviam chegado.

—Bom dia a todos.- Cumprimentamo-los, curvando-nos.

—Que bom, não é?- todos tinham aparecido. Acreditava que o Tenma estava bastante feliz.

—Sim.- Notava-se pelo seu sorriso.

—Que madrugadores os do primeiro ano!- Ao contrário deles...

—Ah, sim! Bom dia!- só agora é que o meu tio se lembrava?- Já estamos todos?

—E o capitão?

Após a pergunta do Tenma, olhei para a cara dos veteranos... Desviaram todos o olhar. Também não estava o Kurama-senpai, mas honestamente, não me preocupava muito com ele. Mal o treinador bateu com as mãos uma na outra, ganhou a minha atenção. Olhei para ele, já de mãos em cima do cartaz.

—Dentro de pouco tempo começa a fase eliminatória do torneio Holy Road. Por isso, vamos começar o treino!

Foi exatamente isso que fizemos. Eu saí e fui para o wc feminino onde troquei o uniforme escolar pelo equipamento do clube de futebol. Claro que tive que esperar um pouco até eles saírem do local onde guardávamos as roupas para poder ir guardar a minha. Eles não queriam que eu entrasse lá dentro com eles ali. Não sabia qual era o problema! O que havia para ver ali? Já tinha tomado banho e visto o meu irmão nu várias vezes... Qual seria a diferença? Porém, mal saíram todos, um pouco envergonhados depois do meu tio me ter impedido de entrar e quase arrastado para fora à força, consegui guardar tudo antes de ir para o campo e futebol.

O treino começou logo em seguida e todos pareciam empenhados. Era apenas o treino da manhã e notava-se que estavam a dar o seu melhor. Custava até a acreditar que era a mesma Raimon! Perguntava-me quanto tempo isso durar. Eu pelo menos estava a levar a sério, claro que acreditava no Tenma e no Shinzuke, quanto aos outros... Não ficava com muitas expectativas.

—Capitão!

Só quando ouvi o Tenma é que parei e voltei-me para trás. Olhei para o topo das escadas e lá estava ele, observando-nos. E sem pensar duas vezes, o Tenma foi a correr até ele. Corri um pouco para o parar, mas já ia muito avançado e desisti. Nem o impedi de subir o gramado a correr. Porém, antes mesmo dele lhe dizer algo, o capitão da Raimon voltou-lhe as costas, ainda assim, cumprimentou-o, antes do capitão se ir embora.

—Está claro. O Shindou vai-se demitir.- O ele não sabia ser capitão, devia ouvir o Hayami-senpai.

*

—O Shindou? Acho que o Sangoku veio busca-lo à bocado.

—Sabes, por acaso, aonde foram?

—Eu sei lá. Devem ter ido ao clube de futebol, não- O sorriso que pôs logo a seguir não me estava a agradar nada- Mas sei onde podemos ir nós dois!- sorri também.

Afastei-me da sala do segundo ano, ouvindo o idiota do veterano contorcer-se de dores após lhe dar uma forte pisadela no pé. Só não apanhou nas partes baixas porque estamos na escola. Não era obrigada a aturar tipos como aquele. Mas os dois que se aproximavam de mim a correr, esses tinha todo o gosto.

—O capitão está no terraço!- foi logo a primeira coisa que me disse o Shinzuke.

—A sério?- eu tive de passar por aquilo para nada? Quando o capitão estava no último andar da escola?

—Sim.

—Obrigada.- Comecei a correr de imediato- Vamos.

Corremos escada a cima, passando por vários alunos, até mesmo pelo andar do terceiro ano que ficou espantado a olhar para nós. Não me importava nem um pouco. Só queria chegar ao terraço da escola e saber o que raio tinha o capitão na cabeça.

—É impossível para mim.- Foram as primeiras palavras vindo dele que escutei mal abri a porta- Vou demitir-me.- O Sangoku-senpai e o Kirino-senpai ficaram em silêncio.

—Shindou, sabes o que pensávamos quando te cedemos o posto de capitão, não é?

—É pelo que viste ontem no campo junto ao rio?

—Afinal apareceste?!- estava tão admirada quando o nosso goleiro. Não o tinha visto.

—Sim.

—Capitão!- quando dei por aqueles dois, já estavam a correr na direção dos veteranos. Suspirei e caminhei calmamente- É verdade que vais deixar a equipa?

—Não vás, por favor.- Ele apenas desprezou as palavras deles.

—Estivemos a ver a final do ano passado.- Olharam todos para mim- E a Haruna disse-nos que o jogo foi de verdade.- Parei já junto dos da minha idade- Foi bastante impressionante até. O Kami no Takuto, o Fortissimo...

—Já chega.- Não chegava! Alguém precisava de lhe abrir os olhos.

—Se continuarmos a treinar com o treinador Endou, tenho a certeza que todos poderemos jogar o autêntico futebol!

—O que é isso de autêntico futebol?- era um pouco difícil responder àquilo.

—Co-Como o da final do...

—Até Endou Mamoru acabará dominado pelo Quinto Setor, como todos!

—Isso não é verdade!- não me importava que ele fosse mais velho! Não permitiria que dissesse uma coisa daquelas- Ele não é como todos os outros!

—Cala-te, por favor. Fico angustiado por te ouvir falar assim- Realmente não sabia mais o que dizer. Queria responder mal novamente, mas, de repente, pareceu-me faltar a coragem para o fazer- Acabou a conversa.- E voltou-nos a todos as costas, indo embora- Até logo.

Não demorou muito até os rumores de que o capitão do clube de futebol se tinha demitido, se espalharem por toda a escola. O Tenma parecia não saber exatamente o que fazer, e não era como se tivesse alguma ideia, porque não tinha pensado em absolutamente nada. Só me restou ir até ao clube, onde encontrei o meu tio, sentado numa das cadeiras e ao lado dele, em cima da mesa, estava um papel.

—É essa a carta de demissão dele?

—Sim.

—Tenho que falar novamente com ele!- não ia deixar que alguém voltasse as costas ao futebol. Nunca mais! Eu sabia qual era esse sentimento, sabia o quanto ele se arrependeria da sua decisão- Tenho a certeza que ele não sente de verdade o que escreveu ali.

—Achas isso?!- para que era aquele sorriso?

—Sim.- Encarei-o- Irei até à casa dele quando o treino terminar.

—À casa dele?- e pôs-se a pensar seriamente, com a mão por baixo do queixo.

—Sim, porquê?

—À casa de um rapaz?- já estava a ver onde é que ele queria chegar- Será que devo deixar uma coisa dessas? Sou teu treinador, mas ainda assim és minha sobrinha. Não sei se posso permitir uma coisa dessas?- a porta da sala abriu-se ao aproximar-me- Ah! Meiko! Espera!- e saí