Colors escrita por IVY


Capítulo 9
Chapter nine: Just a dream




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Quando a história chegou ao fim, percebi que minha boca estava aberta e que eu e a garota havíamos sentado em algumas almofadas – provavelmente nos aproximamos delas quando a história ficou extremamente interessante. Olhei de soslaio para ela e vi que a mesma também refletia minha reação. Encarei novamente o senhor que estava sentado em um banco feito a mão em nossa frente e engoli em seco. Mal podia acreditar no que havia ouvido. Eu simplesmente não conseguia.

Ficamos em silencio. Aproveitei para colocar meus pensamentos em ordem; Foi assim que Caleb perdeu seus chifres, foi assim que ele conheceu a si mesmo e ao Senhor Franco e... Uma mulher, irmã do Senhor Franco, ela também não enxergava as cores, assim como eu, assim como minha mãe... Não poderia ser, descartei a informação para mais tarde. Caleb Hunter era um homem muito vivido, havia passado por tudo aquilo e pensei em como deveria doer revelar sua história para meninas curiosas e desconfiadas. Apesar disso, eu confiaria cegamente nele a partir daquele momento, por mais que este fora persuadido pelo Diabo Branco... Ele havia tentado. E tentativas contam.

Ao contrário do que Caleb acabou de fazer, o Senhor Franco nunca havia me dito que tinha uma irmã mais nova, muito menos que ela possuía o mesmo problema que eu. Ele deveria sentir falta dela, era o único motivo que eu via para justificar seu silencio. Aprendi cedo que as pessoas escondem aquilo que as machuca, mais do que gostariam. Não sabia explicar o porquê, mas a garota ao meu lado parecia ter alguma conexão a isso: ela escondia seu nome.

Assenti, voltando a realidade. Mirei nos olhos de Caleb, percebi que havia mais água que o normal e me senti mal. Fazer alguém chorar não era algo para se orgulhar, principalmente quando esse alguém é maior e mais forte que você. Senti-me com sangue nas mãos, como se estivesse quebrado ele ao meio, ou recordá-lo de sua dor.

Sem sequer pensar, me atirei em cima dele, o abraçando com muita força. Ele poderia me atirar longe ou gritar comigo, mas eu sentia no fundo da minha alma que eu deveria demonstrar que eu o compreendia e o perdoava. Acreditei que ele precisava de um perdão, mais do que tudo. Era difícil conviver com a culpa, ele era a prova viva e eu estava indo para o mesmo caminho. Caleb ficou paralisado e eu virei a cabeça para olhar para a garota agora atrás de mim, lançando-lhe um olhar que dizia "venha aqui também". Ela me parecia chocada, mas não pude saber se era da minha atitude inesperada ou da história em si. Levantou-se e se juntou a mim.

O senhor levantou o rosto e eu vi os fios transparentes escorrendo finos como veias pelo seu rosto, ele ergueu-se do banco em que estivera sentado e seus braços envolveram eu e a garota em um abraço. Isso foi mais inesperado ainda. Ele não havia dito nada. Ficamos um bom tempo ali, até a garota soltar um bocejo ao meu lado. Foi então que Caleb se afastou e bagunçou nossos cabelos, sorrindo timidamente. – Vão dormir, boa noite. – então ele nos soltou completamente e, com sua chave, abriu a porta de seu quarto e a fechou em silencio.

Olhei para a garota, seus olhos estavam inchados. Sorri levemente como quem diz que vai ficar tudo bem. Abracei-a de lado e, juntas, fomos dormir.

...

Tudo estava branco, o chão, as paredes, o teto. Tudo também estava vazio, e eu estava sozinha no meio daquele infinito assustadoramente silencioso. Olhei para meus pés, estavam pálidos, ergui minhas mãos e eu percebi que estava estranhamente mais pálida que o normal. Logo minha visão ficou embaçada e senti meu estomago embrulhar. Meu olhar se voltou para cima e eu vi tudo espelhado, tudo me refletia – ou eu que refletia tudo? Estremeci.

Uma voz forte começou a gritar em minha mente, logo um som se juntou a essa voz e tudo ficou insuportável. Cai de joelhos no chão e levei minhas mãos até minhas orelhas, tentando bloquear o som – mas foi em vão. Observei meus cabelos brancos escorridos para frente por um tempo, tentando me acalmar e parar aquilo, mas isso só fazia meu coração bater cada vez mais forte.

Senti uma agonia em minhas narinas e garganta. Retirei as mãos das orelhas e as utilizei de apoio, ficando cada vez mais fraca. Meus olhos se fecharam involuntariamente, e eu os forcei a se abrirem. E então uma queimação subiu em minha garganta, saindo um liquido viscoso de minha boca que escorria para o chão branco. O liquido possuía uma cor diferente, uma cor que nunca havia visto na minha vida, era colorida. Arregalei os olhos, mas não conseguia parar de vomitar o liquido, me sentindo cada vez pior.

Engatinhei até uma das paredes, a que estava em minha frente e me forcei a levantar, logo tateei a mesma, procurando uma saída, uma porta. Mas só conseguia ver um reflexo de mim. Desesperada, comecei a bater nele com força, tentando quebrá-lo a todo custo enquanto observava meu reflexo embaçado. Podia ver o liquido escorrendo de meus lábios e deslizando até meu queixo. Mal percebi que o que eu socava na parede não era a saída, mas sim o meu reflexo.

— Você sangra como uma humana, minha querida – uma vez veio e silenciou as outras; parei de socar a parede, prestando atenção e ao mesmo tempo com medo do que viria em seguida – mas ainda assim posso quebrá-la como um mísero vidro.

Ouvi um estalo e virei para trás, uma sombra estava em minha frente e eu senti sua mão em minha cabeça, era pesada e enorme. – desperte. – senti algo crescendo, uma dor profunda em minha cabeça. Gritei alto, meus dentes rangendo, meu corpo queimando...

...

Acordei com a garota ao meu lado, apertando minha mão com força, utilizando a outra mão para encostar-se a meu rosto. Afastei-me, atordoada pelo sonho e ela não pareceu surpresa. Minha cabeça ainda doía e minha garganta estava seca. – Você estava gritando, tossindo e se batendo – ela começou a dizer com sua voz gentil – Pensei que estava tendo um ataque de pânico ou algo pior... – Olhei ao redor; alguns feixes de luz adentravam a casa, me dizendo que já era de manhã, as coisas continuavam do jeito que estavam à noite, tudo estava normal por ali. – O que houve? Conte-me.

Levantei meu tronco, sentando no colchão. Respirei fundo varias vezes antes de encarar a garota nos olhos. Ela me encarava de volta com aquela curiosidade absurda, parecia querer saber de tudo, sempre. Levei isso como uma qualidade, afinal, ao menos ela se interessava.

Contei meu sonho – ou pesadelo – a ela, que permaneceu calada durante este tempo. Eu esperava a reação dela às vezes, dando algumas pausas na minha narrativa apenas para observar como ela lidava com o acontecido e, se não fosse tão impactante, continuava. Quando finalmente acabei de contar tudo, ela abriu para falar algo, mas fora interrompida por Caleb Hunter, que havia aberto a porta de seu quarto silenciosamente, surpreendendo nós duas.

— Foi apenas um sonho – ele disse normalmente e saiu, indo até a cozinha, começando a preparar um café da manhã que eu duvidava que fosse realmente comestível.

Depois disso, eu e a garota conversamos mais, mas preferimos discutir coisas mais aleatórias, nos conhecendo melhor sem se preocupar com todos os problemas que nos cercavam. Foi divertido fingir que éramos normais, brincar e rir com uma pessoa amigável que não era adulta demais ou implicante demais, acredito que aquela garota era o equilíbrio. Nossa amizade não era de anos, mas não importava, era aconchegante como um chocolate quente em uma noite de inverno.

— Sério que você não gosta de pegar sol? – ela riu, achando graça. E eu a acompanhei – eu também não gosto! – confessou – mas era a luz do sol que me despertava todos os dias – sorri levemente, achando aquilo poético e um tanto triste. Sol não era algo que eu valorizava tanto. Ela deu de ombros – Era uma relação complicada, a minha com o sol.

Alarguei meu sorriso. – Pois é, eu tenho dores de cabeça sempre que me exponho a ele, Lucian dizia que eu era uma vampira – ela riu e eu ri da risada dela.

— Vampiros são criaturas cruéis, sanguinárias, você não chega nem perto – brincou ela.

— Ah, está me desafiando? – brinquei junto, me aproximando lentamente dela, que riu ainda mais.

— Oh, não – ela fez uma voz dramática, enquanto eu engatinhava até ela – Quem poderá me salvar?

Parei ao seu lado e fiz menção de morder o seu pescoço pálido, abrindo minha boca e mostrando os dentes como indicam os livros – era o estilo clássico de todos os vampiros. Quando eu estava prestes a mordê-la, porém...

— Ei, sanguinárias – era Caleb Hunter – o café está na mesa.

Olhei para a garota sem me mover, esperando alguma reação da parte dela, mas tudo o que ela fez foi revirar os olhos e dizer:

— Meu herói. – e então caímos na gargalhada.

...

Caleb Hunter havia montado uma mesa que era móvel, então não me surpreendi quando a vi na entrada da casa de repente. As cadeiras eram os bancos feitos por ele, diferente do que era no casarão do Senhor Franco. Na verdade, nada ali possuía luxo algum, e isso era muito bom. A mesa estava coberta por uma toalha simples e limpa, de comida havia alguns pães velhos e algumas frutas frescas, pelo cheiro forte percebi que ele mesmo tinha feito um suco de laranja – agradeci mentalmente, afinal, ou era suco ou café.

Ele nos observava comer, como se buscasse aprovação. Não deixei que notasse que eu o havia percebido fazer isso, e só para agradá-lo, comentei com a garota sentada em minha frente como o suco estava bom e as frutas bem suculentas. Ela concordou de boca cheia, o que me fez rir baixinho.

— Como é o primeiro dia de vocês aqui, deixarei que passem o dia de folga – Caleb puxou o assunto – Vão à cachoeira, tomem um banho ou procurem a pequena aldeia, há pessoas boas por lá – ele pegou um dos pães e começou a comê-lo, mastigou, engoliu e continuou: - Amanhã me ajudarão a caçar.

Olhei para a garota, contente e ansiosa. Ela retribuiu o olhar com um sorriso, e começamos a conversar sobre esse dia em teríamos de folga, empolgadas como se tivéssemos ido para uma terra nova e mágica. Caleb nos observava calado e de longe, como se fossemos loucas e isso lhe dava um ar cômico.

Percebi e engoli a percepção de que parecíamos uma família simples, quem via de longe poderia imaginar mil e uma histórias sobre nós, poderiam fantasiar que eu a garota éramos irmãs e que Caleb era nosso pobre pai que teve que lidar com a morte da esposa enquanto nos criara. Sorri ao pensar assim, de fato, seria muito melhor se nossa história fosse desse jeito: simples.

Ninguém imaginaria que dentro daquela pequena casa havia apenas cacos de vidro de um espelho qualquer.


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