Colors escrita por IVY


Capítulo 3
Chapter three: Playing with dolls


Notas iniciais do capítulo

Este capitulo eu dedico ao meu amigo/irmão; Elienai, que sempre esteve lá por mim, não há doença ou tumor algum que possa derrotar você.



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Passaram-se dois longos dias quando eu finalmente me recuperei por completo. O céu lá fora mudava de humor cada vez que eu o checava por trás da pequena janela do meu quarto. O ar esfriou um pouco, deixando uma prévia de que o outono estava no fim e o inverno muito próximo. Sinceramente, não sabia se isso era bom ou ruim.

De um jeito estranho, os movimentos alheios me pareciam suspeitos e os meus lentos. Raramente alguém aparecia em meu quarto e quando apareciam não diziam nada. Quando tentavam entrar, eu os assustava com meus olhos cheios de pânico. Digo isso porque realmente estava em conflito comigo mesma, talvez enlouquecendo. E a situação piorava a noite, quando eu ouvia barulhos e sussurros vindos da janela e clarões iluminando o espelho, que continuara ali – perfeito.

Ficar sozinha não era o lado negativo, mas eu sabia que não estava completamente sozinha. E este pensamento me deixava cada vez mais paranoica. Dormir era algo que eu não fazia mais e isto me afetava como nunca antes. Eu estava ficando doente. Porém, não queria alguém cuidando de mim ou me dizendo o que deveria fazer para melhorar. Os doutores são bons longe de mim e tenho que admitir que odiava a bronca que vinha depois. E então fui enfraquecendo, quando batiam na minha porta perguntando se eu estava com fome, eu os ignorava, então iam embora. Estava cansada de viver naquela agonia, naquele quarto escuro onde o claro só habitava o espelho. Minha cabeça coçava com a sujeira em meu couro cabeludo, minha pele ficava mais escura a cada dia e eu sentia nojo até de abrir os meus próprios olhos.

Mas eu não saía daquela imunda cama, e eu não queria sair de jeito algum. Infelizmente, para as pessoas que moravam no casarão, eu era obrigada a fazer muitas coisas das quais não tivera vontade ou disposição.

Alguém bateu na porta e eu recuei na cama, me encolhendo ainda mais. Não respondi e ouvi novamente a batida, e de novo e de novo.

— Vou entrar – disse, era Lucian Franco – Agradeço se não me morder.

Ao ouvir a voz dele, senti o vomito subir até minha garganta, mas o reprimi. Tinha certeza de que não estava ali para ser agradável e muito menos solidário, porém eu não era como ele. Não seria mais nojenta do que ele já pensava que eu era. Apenas continuei paralisada, olhando-o enquanto o mesmo adentrava meu quarto. Carregava uma maleta consigo, era preta e a alça em um tom mais escuro de branco. Ele me olhou com a mesma expressão de sempre – de pura repugnância. Devolvi o olhar.

— Recebi uma carta de meu pai, ele está viajando com aquela garota estranha – ele fez uma careta – insistiu para que eu cuidasse de você enquanto ele estivesse fora e como ele volta daqui a dois dias... Tenho que cumprir minha promessa para ele não me estrangular, já que se importa mais com uma ratinha do que com o próprio filho...

— Ele deve ter razões muito obvias para se importar mais com o animal do que com o verme que ele tem em seu lar.

Lucian semicerrou os seus olhos escuros e me encarou com feição de desagrado, em seguida aproximou-se da cama e pôs a maleta no chão, remangando as longas mangas de sua camisa branca e afastou-se em direção ao banheiro de meu quarto, ele adentrou o mesmo e olhou ao redor. Fechou a porta e ficou um bom tempo lá dentro. Eu quase gritei para ele ir embora ou para que abrisse a porta, porém tinha receio de que ele estivesse fazendo algo que eu não queria ver. Estremeci e foquei na maleta que ele trouxera.

Eu poderia abri-la e ele não notaria, quem sabe o que ele guardava ali dentro? Talvez seja algo para mim, uma carta ou um bilhete. Me arrastei na cama para ficar mais perto da maleta e estiquei meu braço direito para poder pegá-la, porém, a porta do banheiro escancarou-se de repente, fazendo com que eu me assustasse e recuasse rapidamente. Lucian me encarou com tédio.

— Isto, minha querida – começou ele em seu tom sarcástico – é a sua salvação. Agora venha, não me faça encostar-se a você.

Franzi o cenho, imaginando o que veria a seguir.

— Por que não veio Grace ou Amora? – perguntei, áspera.

— Por que as chama pelo primeiro nome? – ele revirou os olhos e ignorou a própria pergunta – Elas te odeiam mais do que eu, venha logo, ratinha.

Suspirei em tom de lamento, arrastei meu corpo para a ponta da cama e desci da mesma, ficando de pé por alguns segundos tentando ficar equilibrada. Minha cabeça girou e tudo ficou escuro por algum tempo até clarear novamente, Lucian ainda me esperava na porta do banheiro. Aproximei-me do banheiro e entrei no mesmo, reparando que havia um perfume estranho no ar. Mirei a banheira e vi que a mesma estava preparada. A porta do banheiro se fechou atrás de mim e quando me virei, Lucian estava no lado de dentro.

— Não vou tomar banho com você aqui – reclamei, ainda com o cenho franzido – eu sei tomar banho sozinha.

— Ah, sabe? – ele soltou um risinho, que logo sumiu de seu rosto – Vou ser sincero com você, eu também não queria estar aqui, mas eu amo meu pai e eu sei que ele te ama, então podemos ambos fazer este favor a ele?

Senti meu rosto esquentar de raiva e vergonha. Virei de costas para ele e com um suspiro que poderia muito bem dizer "Depois disso estou morta", me despi rapidamente, temendo que aquele momento durasse por muito mais tempo. Andei até a banheira e entrei na mesma, sentindo um alivio ao encostar minha pele na água morna. Agora eu podia encarar Lucian, estava de frente para ele. O mesmo mantinha-se parado em frente a porta do banheiro, com uma expressão solidária no rosto.

Desta vez foi a minha vez de revirar os olhos, concentrei em esfregar meu corpo contra a água, desejando querer mergulhar, porém, toda vez que eu ameaçava fazer isso, Lucian me repreendia. Mas não demorou muito para ele finalmente sair do banheiro. Sorri vitoriosa, aproveitando a água e molhando minha cabeça, massageando meus cabelos. Distraí-me por uns momentos, pareciam ter durados minutos. Quando voltei a realidade, Lucian estava do meu lado, fora da banheira, agachado com potes de vidro nas mãos, ele largou um no chão e pôs um liquido viscoso em sua mão vazia.

— O que está fazendo? – questionei-o, obviamente irritada com a situação.

Ele esfregou as mãos – que ficaram melecadas com o líquido – e puxou minha cabeça mais para perto e esfregou meus cabelos com aquilo. Aos poucos o cheiro forte de lavanda emanou de meus cabelos, o produto que ele colocara possuía um cheiro bom, admitia isso. Porém, não podia deixar de notar o quanto aquilo era estranho, o silencio do momento estava começando a me irritar.

— Eu não sei por que o seu pai gosta tanto de mim – comecei – você sabe?

— Era criança quando você apareceu por aqui – ele respondeu depois de um tempo – meu pai estava sozinho, só com você. – Lucian parou de massagear meus cabelos e empurrou levemente minha cabeça para a água morna, enxaguando o branco de minhas mechas – Ele estivera viajando, não me lembro aonde - levantou minha cabeça e lavou as próprias mãos com um copo antes de pegar o outro vidro – mas nunca entendi o por que ele te ama tanto. Queria ser você às vezes...

Suas mãos voltaram a massagear meus cabelos, porém com outro liquido – também muito cheiroso. Fiquei pensando no pouco que ele me dissera e no seu tom, havia tristeza. Lucian poderia mesmo ser um ser humano com sentimentos? Depois de tudo o que ele já me fez passar? Atormentou-me durante todo o meu crescimento apenas para chamar atenção do pai? Pisquei forte, tirando-o de minha mente.

— Sinto muito – consegui dizer – nunca quis dar trabalho ou magoar alguém.

— Eu sei, mas gosto de te irritar – o ouvi soltar um riso frouxo – é o que irmãos fazem.

Virei meu rosto para encarar o dele, espantada e até confusa com as palavras dele.

— O que?

— O que? – devolveu ele.

— Irmãos? Você me considera uma irmã?

— Sim – ele justificou-se – de certo modo. Eu apenas finjo, sabe? Minha mãe te odeia e minha esposa acha que você vai nos matar – eu sorri e ele me encarou – nem pense nisso. Acredite, eu também gostaria de matá-la se fosse você. – e ele me fez enxaguar os cabelos novamente – para falar a verdade, acho que nem minha mãe gosta dela.

— Sua mãe não gosta de ninguém – acrescentei, ele não pareceu se importar – e... Grace é sua noiva! – mal pude conter a confusão na minha voz quando levantei meu tronco outra vez, ficando sentada na banheira. Havia me esquecido completamente de que estava sem roupa.

— Te conto se você não contar para meu pai – ele disse quase em um sussurro, ao ver que meus olhos estavam vidrados nele e que assenti nervosamente, continuou – eu não a amo, nem mesmo o corpo que dorme comigo todas as noites, eu nunca quis uma noiva.

De certa forma, eu o entendia. Sorri levemente para ele como quem transmite segurança.

— Não contarei nada, eu prometo.

Lucian atirou um sabonete dentro da banheira sem força alguma e levantou-se com os dois vidros nas mãos novamente e caminhou em direção a porta.

— Isso eu não posso esfregar – e então ele saiu do banheiro.

...

Fiquei mais um tempo no banho, retirando toda a sujeira do meu corpo. Quando finalmente acabei, notei que havia toalhas esperando por mim. Sequei-me e enrolei-me nas toalhas, saindo do banheiro em seguida. Estava vazio, a cama estava arrumada e limpa. Sorri e me vesti rapidamente, colocando apenas uma simples camisola longa e branca. Pensei na calma que aquilo me trouxe, Lucian não foi um médico ou um pai desgostoso, foi realmente um irmão que me ajudou mesmo eu não querendo ajuda. Nunca pensei que isso fosse acontecer.

E com meus cabelos molhados, abri a porta do quarto para sair e comer algo e alguém soltou um "Por Deus", e lá estava meu irmão de mentira. Ele sorriu, com a maleta na mão, balançando a mesma. "Vamos brincar de boneca? Você vai ser a minha". E então ele entrou novamente em meu quarto, eu ainda estava com fome, mas ele parecia estar muito feliz em me ajudar. Tanto que na verdade era eu que estava o ajudando.

Acho que sempre o subestimei, ele cuidou de minhas sobrancelhas e me ajudou a retirar todos os pelos nas pernas e dos braços. Possuía tantas coisas mágicas dentro daquela maleta, coisas que cuidavam das pessoas, era aquilo que as faziam perfeitas. Doía um pouco, mas valia a pena. Lucian penteou meus cabelos e fez pequenas tranças aqui e ali, por fim unindo todo o meu cabelo em uma única trança. Quando pude me olhar no espelho, não acreditei que ele mesmo tinha feito aquilo.

Mais tarde, a empregada trouxe biscoitos salgados para nós, fazendo-nos se acalmar um pouco. Segurei meu terceiro biscoito e olhei diretamente para Lucian, que mastigava o seu quarto.

— Você sempre gostou de brincar de bonecas? – perguntei de repente, fazendo-o se engasgar. Dei tapinhas nas costas dele tentando ajudar o que eu causei, foi uma pergunta tão errada assim? – E então? – continuei quando vi que ele já havia se recuperado, o mesmo passava a mão pela garganta, porém, seu olhar pensativo o denunciava.


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