A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 6
Kingdom for a Heart


Notas iniciais do capítulo

Só pra falar, esse capítulo não tem nada, nada, ABSOLUTAMENTE NADA a ver com Kingdom Hearts! xD Na verdade, essa fic foi escrita bem antes de eu conhecer essa franquia maravilhosa de games. Esse nome, na verdade, é de uma música do Sonata Arctica.



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            Algumas semanas se passaram desde que Ed e o doutor Strathmore voltaram para Londres. Daniel teve que se estabelecer como pôde na casa do rapaz, que foi transformada numa espécie de laboratório. A máquina continuava lá, mas nenhum dos dois se atrevia a tocá-la outra vez. As maiores fontes de energia de que eles dispunham estavam fora de alcance. Seria difícil, mas eles tentavam aprimorar a invenção, de forma que ela precisasse de menos energia.

            Naqueles dias, Ed conversara, e muito, com Tatiana. Os dois se viam cada vez com mais freqüência, e ele começava a esperar ansioso pelo momento de encontrá-la outra vez. Ela também parecia gostar muito de estar com ele, e até mesmo o avô dela passara a simpatizar com ele. Dividindo seu tempo entre a farmácia e a pesquisa, aproveitava cada intervalo para visitá-la.

            Naquela noite, em especial, ela apareceu na porta da sua casa, animadíssima, e disse:

–Que tal a gente passear hoje? Tem um circo aqui por perto, e talvez a gente possa...

–É claro! – ele disse, rapidamente, sentindo-se corar – Me dê cinco minutos e eu vou, tá bem?

            Ele disparou para casa, e começou a trocar rapidamente de camisa e a alisar os cabelos com os dedos. Daniel observava a cena, com um sorrisinho, mas Ed não dava a mínima, só revirava as gavetas em busca de algo adequado para vestir. Ultimamente, impressioná-la era uma necessidade. Por fim, quando achou que já estava suficientemente apresentável, ele disse:

–Eu e a Tatiana vamos ao circo. Fique aqui, tranque as portas e não as abra para ninguém além de mim.

–E se, por um acaso, o Inveja resolver pegar a sua aparência? – observou Strathmore.

–Ele não teria essa petulância... – respondeu Ed – De qualquer forma, quando eu chegar, pergunte algo que só eu saberia... como, por exemplo, o sobrenome de solteira da minha mãe. O sobrenome dela era McMillian, não se esqueça.

–Está bem. Não vou sair daqui – disse o doutor – Vá, e divirta-se.

            Ele foi. Tatiana o esperava na porta. Ela estava linda: a moça usava um vestido salmão, simples, mas muito elegante. O cabelo estava preso numa trança única. A simplicidade do visual só realçava a beleza natural dela. Assim que o viu, ela sorriu e disse:

–Nossa, como você está elegante!

–Você está linda – disse ele, sentindo-se corar furiosamente – Vamos?

–É claro que sim! – e deu o braço a ele. Os dois, então, caminharam por alguns quarteirões, até chegarem a um grande descampado, onde estava montado o circo.

            Era um lugar muito colorido e iluminado. Havia, além da tenda, várias barraquinhas, uma roda-gigante e um carrossel. Havia diversões para todos os gostos ali, e Ed, sem saber o que fazer primeiro, olhava em volta, os olhos brilhantes. Há muito tempo não ia a um circo, e a sensação de estar ali, ainda mais com Tatiana ao seu lado, era ótima. Ele comprou maçãs do amor para os dois, e então entrou, ainda de braços dados com ela, na tenda do circo.

            O espetáculo foi incrível. Os mágicos fascinaram Ed, assim como os equilibristas e os acrobatas. Seus olhos faiscavam, e de repente ele havia se esquecido de todo o resto à sua volta, das pesquisas, dos homúnculos, do trabalho, de tudo, e se sentiu absorvido por toda aquela beleza. Aparentemente, Tatiana sentia o mesmo que ele, e olhava o centro do picadeiro hipnotizada. Cedo demais, o show acabou, e os dois se juntaram à massa fervorosa que aplaudia os artistas.

–Obrigado por me proporcionar isso, Tati – disse ele, quando os dois saíram – Foi ótimo.

–A noite está só começando – disse ela, puxando-o pelo braço – Olhe em volta, temos muito o que fazer por aqui, ainda! Vamos!

            Prontamente, ele concordou, e foi junto com ela até a primeira brincadeira, a de tiro ao alvo. Ed era terrível, Tatiana também, mas pelo menos Ed acertou uma vez, e ganhou um pequeno ursinho de pelúcia, que deu para a moça. Ela sorriu, enternecida, e deu um beijinho na bochecha dele. Então, eles continuaram transitando entre cada um dos jogos que o lugar oferecia. Os dois riam sem parar, como crianças, pouco se importando se ganhavam ou perdiam.

            Então, foram para a roda-gigante. Era um brinquedo monstruosamente alto, mas que se movia tão gentilmente que quase não se sentia a altura. Os dois ocuparam uma das gaiolinhas, sentados um em frente ao outro. A gaiola não era muito grande, o que os obrigava a ficar muito próximos um do outro, quase se tocando.

            A noite estava belíssima: a lua estava em seu quarto crescente, as estrelas brilhavam, e as luzes coloridas da feira tornavam tudo ainda mais especial. Edward, porém, não conseguia olhar nada à sua volta: os olhos de Tatiana, grandes, azuis, doces e totalmente hipnóticos, atraíam toda a sua atenção. Ela também o observava profundamente, uma expressão estranha no rosto. Sem querer, Ed começou a pensar em como seria fantástico ficar com ela, tê-la como algo além de uma amiga... Antes que pudesse sequer perceber o que estava fazendo, aproximou seu rosto do dela, timidamente. Então, a moça, assustada, recuou. Sentindo-se um perfeito idiota, ele se desculpou, dizendo:

–Acho que eu exagerei um pouco, não é?

–Não... é que... – gaguejou ela, corando – É que eu nunca pensei que você...

–Se você não quiser, eu entendo – cortou ele – Não podemos apressar as coisas.

–Mas eu quero! – exclamou ela – Só não pensei que você também quisesse... Desde que cheguei, você tem sido muito bom para mim, tem sido meu amigo e cuidado de mim. Mas isso é meio novo para mim, entende? Faz tanto tempo que não conheço ninguém como você...

            A gaiolinha da roda-gigante parou no ponto mais alto. Os dois se encararam, e de repente pareceu que um muro desabou entre eles. Sem nenhuma hesitação ou medo, Ed e Tati se beijaram, a princípio com timidez e insegurança, e depois com uma entrega total um ao outro. Tudo desapareceu, as luzes, os sons, as cores, e só sobraram os dois, sem a menor noção de tempo ou espaço. Depois do que pareceu uma eternidade, eles se separaram, hesitantes, um suspiro nos lábios de cada um.

–Isso foi fantástico – foi a primeira coisa que ela disse, levemente ofegante.

–Você quer ficar comigo? Ser minha namorada? – ele segurou a mão dela, sentindo-se mais corajoso que nunca – Sei que a gente se conhece há pouco tempo, mas...

–Não importa! É isso que eu quero – respondeu a moça, um sorriso tímido nos lábios. Então, olhou para fora – Olhe só, como estamos altos aqui!

–A vista não é linda? – disse ele – Dá pra ver quase tudo daqui... – mas ele não se importava com o que podia ver do lado de fora. A ele, só importava o que estava ali, na sua frente: Tatiana, bonita, inteligente, delicada e, o melhor de tudo, sua namorada. Era uma sensação muito nova para ele, mas era deliciosa, e esperava que pudesse ser sempre assim. Então, sorriu, um sorriso franco e honesto de quem tirava um peso enorme dos ombros.

            Um pouco depois, o brinquedo parou, e os dois desceram, de mãos dadas. Já estava ficando meio tarde, então Tatiana pediu para que Ed a levasse embora. Os dois seguiram, conversando e rindo alto, atraindo para si a atenção de todo mundo. Quando se aproximaram da casa da moça, porém, notaram que as portas estavam abertas e as luzes acesas.

–Estranho, eu deixei o vovô dormindo em casa... – disse ela, e se aproximou cautelosa – Será que tem algum ladrão por aqui?

–Espere aqui, eu vou dar uma olhada – disse Ed, entrando na casa, pé ante pé.

            Quando entrou, viu uma devastação: móveis pelo chão, almofadas e quadros rasgados, enfeites de porcelana quebrados. Havia, também, um rastro de sangue, que seguia por todos os cômodos até a porta, e de lá pela rua afora. Mas não havia sinal do senhor Ahkmatova, e nem de mais ninguém. Ele saiu, novamente, e evitou encarar Tatiana. Tudo o que fez foi dizer:

–Ele não está aqui. Vamos fazer o seguinte: vá procurá-lo na delegacia ou no hospital. Acho que a casa foi assaltada, então ele deve ter ido até a polícia. Enquanto isso, eu o procuro pela rua.

–Tá bem, depois a gente se encontra aqui – concordou ela – Vovô é teimoso, ele deve ter tentado cuidar do ladrão sozinho e corrido atrás dele – então, uma idéia lhe ocorreu – Talvez ele tenha ido para o circo para me procurar! Por que você não vai até lá?

            Ele concordou, e depois sumiu correndo pela rua. O trajeto era curto, e ele chegou rápido. Quando chegou, porém, levou um susto: todas as luzes piscavam como loucas, os brinquedos oscilavam, as pessoas corriam assustadas. Aparentemente, era uma falha no fornecimento de energia, com cortes e sobrecargas periódicas. “Ainda bem que saímos antes de isso começar”, Ed não pôde deixar de pensar. Então, outra coisa lhe passou pela cabeça...

            Rapidamente, correu até a sala de controle. O homem que cuidava da energia das lâmpadas e brinquedos estava no chão, desacordado, com um belo corte na testa. Ligado aos geradores, ele viu claramente uma rede de fios de prata, e ao lado dela um homem que já havia se tornado seu velho conhecido. O homem percebeu quando Ed entrou na sala, e levantou-se sobressaltado.

–Que espécie de maluco imbecil é você? – berrou o rapaz, assim que reconheceu o doutor Strathmore – Se você não percebeu, tem um monte de pessoas lá fora, e você vai acabar ferindo alguém se continuar com isso! Eu não disse para você ficar em casa?

–O que você queria que eu fizesse? – reagiu o doutor, se virando ameaçador – Sem querer, você me deu a fonte perfeita de energia para o Wirbel funcionar. Acha que eu iria deixar a chance passar?

–Tem pessoas naqueles brinquedos, droga! Você não viu como aquela roda-gigante está? A cada corte de energia, ela pára, e a cada sobrecarga, ela gira como louca! A estrutura está enferrujada, se você continuar uma daquelas gaiolas vai se soltar e alguém vai se machucar! PARE AGORA!

–Não seja estúpido! Está funcionando, só preciso coletar um pouco mais de energia e a máquina funcionará plenamente! Ela será capaz de transportar a nós dois com sobra!

–Pare com isso, estou avisando!

            De repente, eles ouviram passos na porta, e alguém arquejando. Era Tatiana, que dizia, a voz falhando de tanto ofegar:

–Ele não está em lugar nenhum! Você conseguiu encontrá-lo?

–Não... – respondeu Ed – Antes, tive que impedir esse maluco de matar metade do parque – virou-se para o doutor – Faça isso de novo e faço o seu nariz ir parar na nuca, ouviu? Você vem conosco!

            O grupo saiu da sala (não antes de Strathmore cobrir cuidadosamente o aparelho com uma lona), e começou a andar pelo parque, agora totalmente escuro. A lona do circo erguia-se contra a luz da lua, ameaçadora. Algumas pessoas ainda caminhavam por ali, desorientadas, procurando a saída ou procurando pessoas por ali. O silêncio, porém, era desolador: tudo o que se ouvia eram passos, grilos e, de vez em quando, alguém chamando por outra pessoa.

            Tatiana parecia assustada, estava pálida e cansada, e naquele momento segurava a mão de Ed com força. Nenhum deles se atrevia a dizer nada para quebrar aquele silêncio, só caminhavam, procurando primeiro dentro do circo, depois em cada uma das barraquinhas e dos brinquedos, sem sucesso. O parque ficava cada vez mais vazio, e permanecia sem luz.

–É melhor que você volte, e nós procuraremos o seu avô, Tati – disse Ed, por fim, preocupado com a moça – Não volte para a sua casa, está bem? Vá para a minha, onde é mais seguro, e não abra a porta para ninguém até eu voltar com o sr. Ahkmatova. Não vou voltar sem ele, e... Céus, o que você fez com a sua mão? – só então ele viu três longos cortes nas costas da mão direita da moça, cobertos com uma crosta de sangue seco.

–Acabei caindo sobre um caco de vidro – disse ela, com uma careta – Eu estava correndo, aí tropecei e caí em cima de uma garrafa quebrada. Dei sorte de não acertar o meu rosto.

–Tá bem, então se apresse, não pare e nem olhe para trás – ela disparou a correr – Ei, espere um pouco, eu não entreguei a chave! Pegue!

            Ele arremessou a chave, que a moça apanhou no ar. Com a mão direita, que estava ferida. “Que estranho...”, ele pensou. “Ela está com a mão machucada, e não conseguiria pegar essa chave... Sem falar que ela é canhota... DROGA!”. Arregalou os olhos, e viu que precisava tomar uma atitude. Então, resolveu se acalmar e sussurrou para Daniel:

–Vamos segui-la.

–Por quê? Você mesmo a mandou para sua casa! – retrucou ele, no mesmo tom de voz.

–Faça o que eu estou dizendo e não faça perguntas – cortou Ed, na hora – E nada de barulho, ela não pode perceber que a estamos seguindo.

            Escondendo-se atrás das barracas, eles começaram a segui-la, num silêncio absoluto. Ela correu apenas o suficiente para sair do campo visual dos dois, e depois começou a andar mais lentamente. Tatiana também mudou de direção, e foi para o prédio da administração do circo, que naquela hora estava totalmente escuro e deserto. Não hesitava em nenhum momento: a verdade é que ela parecia saber exatamente para onde estava indo. Edward e Daniel continuaram seguindo-a até a sala mais escondida do lugar, onde provavelmente ficava a tesouraria de todo o parque.

            No chão, amarrado e desacordado, estava o sr. Ahkmatova. O olho estava inchado, e a boca sangrava. Tatiana parou e ficou olhando apenas, impassível. Aquela era a última prova da qual Ed precisava. Com o coração cheio de ódio, ele entrou na sala, passos pesados, fazendo-se ouvir. A moça virou-se, surpresa, e disse:

–O que você está fazendo aqui?

–Eu pergunto o mesmo, Tati... – respondeu o alquimista, os olhos dourados estreitos – Se você tocar nele de novo, juro que mato você.

–Ora, isso é jeito de tratar a sua namorada? – ela deu uma risada cavernosa – Acho que você deveria demonstrar um pouco mais de cavalheirismo, sabia?

            Mas Ed não respondeu. Em vez disso, correu na direção do velho e o pegou, para depois voltar correndo. Ele soltou as cordas, e o senhor Ahkmatova acordou, perguntando:

–O que está acontecendo? Só me lembro de a minha neta me dizer para fugir e, então, levei uma pancada... o que estou fazendo aqui? – e começou a misturar frases em russo, ininteligíveis.

–Não dá pra explicar agora, mas não foi a sua neta que te trouxe aqui – explicou Ed – Foi alguém que se parece com ela, fala como ela, mas não é ela. É essa pessoa que está aqui agora.

            A parte estranha é que ela não reagiu, e apenas observou, impassível, o sr. Ahkmatova ser resgatado por Edward. Assim que ele já estava desamarrado, Daniel o levou até a porta, com Ed dando cobertura. Ele estava pronto para atacá-la a qualquer momento, se necessário. Já estava claro que era Envy, o homúnculo que o perseguira em Dublin. Na certa, estava disposto a usar Wirbel em si mesmo, e, se possível fosse, matar Ed no meio do caminho. Restava saber onde estava a verdadeira Tatiana.

            Foi tudo rápido demais. Em questão de décimos de segundo, uma lâmina cortou o ar e se afundou diretamente no pescoço do velho. Sangue espirrou por todos os lados, e o senhor Ahkmatova caiu, a boca aberta escorrendo sangue, os olhos arregalados. Ele só pôde ver o pavor nos olhos azuis dele por um instante, depois as pupilas se dilataram. Um borrifo de sangue espirrou no rosto e nos cabelos de Ed, que só conseguia observar aquela cena, num profundo choque.

–Seu desgraçado! – quem reagiu foi Daniel que, cheio de ódio, soltou o corpo do avô de Tatiana com um baque no chão e avançou contra Envy.

            A luta foi violenta, mas curta. O doutor Strathmore não era forte nem veloz o bastante para enfrentar o homúnculo, mas lutava como um leão faminto. Em minutos, ele estava no chão, desacordado e todo ferido. Foi estranho para Ed ver Envy na forma da sua namorada, ainda mais depois dos ferimentos e hematomas que Daniel deixou nele, mas, de alguma forma, tudo o que Ed era capaz de sentir era uma repulsa imensa por aquela imagem.

–Eu não vou matá-lo ainda, doutor – disse Envy, polidamente – Preciso do senhor para fazer a máquina funcionar... e preciso de um alquimista para ativá-la. Elric, você vai me ajudar,

–Até parece! – Ed deu uma risada assustadoramente gelada – Vá se ferrar!

–Você não está me entendendo – retrucou o outro – Isso não é um pedido, Eddie, é uma ordem. E creio que meus argumentos são fortes o bastante para fazê-lo obedecer.

            Então, ele começou a empurrar algo com pontapés. Era difícil ver o que era sem luz, mas Edward não precisava de luz para saber quem era. Ele pôde ver claramente os cabelos louros caindo sobre o rosto, o vestido salmão cheio de nódoas de poeira, óleo e sangue. O rapaz sentiu o sangue ferver, e uma fúria incontrolável começou a cegá-lo. “Eu vou matá-lo dessa vez!”, ele pensava, desesperado, ao ver a verdadeira Tatiana desacordada, “Eu vou matá-lo e fritar os pedaços dele em óleo quente! Se ela tiver se ferido, se ela tiver um único arranhão... ele não viverá para contar a história”.

            Então, viu que todo aquele ódio seria apenas desperdício de energia. Céus, ele era o Alquimista de Aço, um dos cães do exército mais admirados no seu tempo, não só por ser o mais jovem da história, mas por ser extremamente habilidoso e agir de um jeito único. Sua fúria já o havia ajudado, sim, por sorte e porque as circunstâncias pediam, mas ele já havia primado pela calma e pela frieza. Respirou fundo e colocou a cabeça no lugar, enquanto pensava numa forma de salvar Tati e derrotar Envy.

–Está bem, você me convenceu – disse ele, por fim, numa voz fria e controlada – Eu vou abrir a Porta para você, mas tenho exigências.

–Exigências? – Envy riu, com deboche – Acho que você não está em posição de exigir nada...

–Quero Tatiana livre – cortou Ed – O doutor Strathmore será deixado em paz, e eu irei com você.

–Nunca – o primeiro parou de rir na última frase, e estreitou os olhos, furioso.

–Sendo assim, nada feito – respondeu o outro, no mesmo tom de voz – Faça o que quiser comigo, com ela e com o doutor, e você vai apodrecer aqui até o resto dos seus dias.

            “Tomara que dê certo...”, ele pensou, sentindo o desespero tomar conta dele. Aquele fora o blefe mais perigoso de toda a sua vida, e se Envy não caísse em sua mentira, todos eles estariam mortos. Tatiana estava mais perto do perigo que os outros dois, e seria a primeira atingida. Se ele a tocasse... Ah, se ele a tocasse, nada impediria Ed de arrancar fora o coração do homúnculo, de mandá-lo para o inferno nem que, para isso, ele precisasse arrastá-lo até lá pessoalmente.

–Está bem, está bem – concordou Envy, por fim – Temos um acordo: nós dois voltaremos para Amestris, mas não se engane: uma vez lá, voltaremos a agir como sempre.

–Um tentando matar o outro, eu sei – Ed também concordou, controlando-se para não dar um suspiro de alívio e colocar tudo a perder – Faça Strathmore acordar, preciso que ele ligue a máquina. E quero Tatiana consciente, também, antes de começar.

            Em minutos, a moça e o cientista acordaram. Ed resolveu esconder o corpo do avô dela, e não contou o que aconteceu. Quando ela despertou, ainda fraca e sem poder ficar de pé, prendeu seus braços em volta do pescoço do namorado. Ela estava apavorada, pálida e trêmula, mas seu rosto tinha uma expressão quase insolente, e estava seco como se tivesse poeira. “Ela é mais forte do que eu pensava...”, o rapaz não pôde deixar de pensar. “Talvez ela tenha ferido a mão de Envy, afinal as marcas pareciam de unhas longas...”

            O grupo seguiu, silencioso, para a sala de controle das máquinas. O Wirbel ainda estava lá, imponente, pronto para funcionar. Daniel seguiu mancando até o painel, mas hesitou. Encarou Ed, como se perguntasse por que havia aceitado aquilo, mas ele apenas sibilou “confie em mim”. Strathmore deu de ombros e continuou apertando os botões. O rapaz também lançou um olhar significativo a Tatiana. Ela estava sentada no chão, com os braços amarrados nas costas, mas mostrava um fogo no olhar que fez com que Ed sentisse uma onda de esperança percorrer seu coração.

            Ed vestiu as luvas e as ligou. O doutor também ficou a postos, atrás do painel. Rapidamente, o alquimista começou a dar os comandos:

–Fique em cima do círculo. Evite tocar as linhas com as mãos, ou vai tomar um choque que vai te matar – “o que seria maravilhoso”, pensou ele, ácido – Quando vir a porta, cruze-a imediatamente. Não sei por quanto tempo vou conseguir manter a transmutação, então seja rápido.

–Está bem, está bem – concordou Envy – Sou um homem de palavra, apesar da minha atual aparência. Você poderá cruzar, mas só depois de mim, e seus amigos patéticos ficarão vivos.

            O homúnculo obedeceu às instruções, e ficou de pé, sobre o círculo. Os sapatos isolavam seus pés dos choques que a rede de prata poderia lhe dar. Com cuidado, Ed tocou as bordas, e um brilho azul-elétrico começou a emanar do círculo violentamente. Os cabelos de Envy esvoaçavam para cima, e ele ria insanamente, totalmente fora da realidade. Aquela era a chance pela qual ele estava esperando.

            Strathmore pulou sobre Envy, jogando-o para fora do círculo. Ed tirou as mãos do círculo, e também se jogou sobre o homúnculo. Enquanto Daniel segurava os braços do homúnculo para trás, Edward começou a esmurrá-lo, violentamente. Evitou encará-lo, pois sabia que acabaria vendo o rosto de sua namorada e hesitaria, o que permitiria que o outro reagisse. Já havia acontecido uma vez, e ele não se perdoaria se deixasse o outro usar esse velho truque de novo.

–DESGRAÇADO! MALDITO! VOCÊ ME PAGA! – o homúnculo berrava e praguejava, o rosto vermelho como uma beterraba gigante.

–ACHOU MESMO QUE EU TE AJUDARIA? – foi a vez de Ed berrar, rindo como louco, enquanto dava um violento soco no nariz do outro – VOCÊ NUNCA MAIS VAI VOLTAR PARA MACHUCAR NINGUÉM!

            Mas Strathmore fraquejou, e acabou afrouxando a pressão que exercia nos braços do oponente. Foi a deixa para ele se soltar, empurrar os dois oponentes para longe e avançar sobre Tatiana, um brilho assassino no olhar:

–Por sua burrice, a sua namoradinha vai morrer, Edward – e riu – E você vai assistir.

            Então Ed viu que Envy a estrangulava. A moça chutava, batia e mordia, mas nada fazia com que ele a soltasse. Ed sentiu uma onda de pavor e fúria tomar conta dele, e percebeu que precisava fazer alguma coisa. Sua última alternativa era tentar levá-la para longe, pela única saída possível...

            O alquimista bateu as mãos espalmadas nas linhas do círculo de transmutação. Strathmore também ligou a energia do gerador no nível máximo, e pulou sobre Envy, tentando afastá-lo de Tatiana. A energia que percorria o corpo do rapaz era enorme, e parecia querer rompê-lo em mil pedaços. Ele sentia-se prestes a desmaiar, mas não se permitia fraquejar. Então, ele viu, abrindo-se na sua frente, a Porta. Imponente. Enorme. Única.

–É A SUA CHANCE, STRATHMORE! LEVE-A DAQUI! – berrou Edward – NÃO VOU CONSEGUIR MANTÊ-LA POR MUITO TEMPO!

–PARA ONDE EU A LEVO? – o rapaz não olhou para trás, mas pôde sentir que ele a segurava nos braços, enquanto Envy estava no chão, atordoado. O cientista, porém, não sabia o que fazer.

–PARA FORA DO PARQUE! EU VOU TENTAR ARRASTAR O ENVY PELA PORTA!

            Mas era impossível. A porta ficava cada vez mais nítida, cada vez mais próxima. Naquele momento, ele acabou soltando-se do círculo, mas a porta não desapareceu. Olhou em volta. Ele estava sozinho: Envy, Tatiana e o doutor haviam desaparecido. A Porta começou a se abrir, lentamente, e Ed pôde ver algo se mexendo dentro dela.

            “Estou voltando para casa...”, ele pensou, mas achou estranho que o homúnculo não tivesse aparecido ainda. Havia muita luz à sua volta, mas entre a luz, de repente, surgiu um vulto escuro. Era Envy, que arrastava os corpos de Strathmore e Tatiana. De repente, Ed sentiu o sangue gelar e fugir do rosto. Então eles estavam... eles estavam... Não, era difícil demais até pensar na possibilidade.

–Eu disse para você não me provocar, Elric – disse o homúnculo, numa voz gutural – Agora, eles vão pagar pelo seu erro... Mas você já está acostumado a deixar que as pessoas sofram pelas suas burradas, não é? Primeiro foi o Alphonse, lembra-se dele? E agora...

Não pronuncie o nome dele, seu sujo! – sibilou Ed, sentindo-se mais furioso e mais cheio de ódio do que nunca – Eu vou acabar com você, ouviu? ACABAR COM VOCÊ!

            Mas não deu tempo. De repente, ele viu que os corpos deles se mexiam, molemente. Um brilho de esperança passou pelos seus olhos, ao mesmo tempo em que sentiu que, se não tomasse uma atitude, eles sofreriam ainda mais. E só havia uma saída possível... Lançou um olhar rápido para a Porta, analisando as possibilidades, e percebeu que, talvez, aquela fosse a última chance deles.

            Então, tudo aconteceu rápido. Em questão de segundos, Ed correu na direção dele, e puxou seu braço livre em direção à Porta. Envy percebeu, mas ao invés de soltar os amigos do alquimista, como previsto, ele os segurou mais forte. Ed não podia fazer nada: se o soltasse, ele poderia matar todos os que estavam ali.

–Vamos voltar para casa, amiguinho – ele disse, um sorriso maldoso e estranho nos lábios – E uma vez lá, nada vai me impedir de resolver essa história como se deve.

–Sabe que seus amigos podem nem sobreviver à travessia, não é? – foi a vez do homúnculo rir – As pessoas daqui são fracas... fracas como você. Talvez por isso você se dê tão bem com elas, não é?

–Vamos ver se você vai continuar rindo – então, ele deu um chute na mão de Envy. “Tomara que ele tenha soltado”, Ed pensou. “Não posso nem me virar para olhar, senão ele vai aproveitar a minha distração”.

            Por fim, com um puxão forte, Ed conseguiu arrastar Envy para a porta aberta. Mãos surgiram, mãos negras, pegajosas e geladas que agarraram os dois e começaram a arrastá-los por um túnel tortuoso, ora escuro, ora iluminado. O alquimista podia sentir algo novo, ou quase novo, correndo por suas veias, e respirou fundo. “Amestris, enfim... Finalmente, estou voltando para casa”.


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