A Marca do Pecado escrita por Kyra_Spring


Capítulo 7
Memories in the Night


Notas iniciais do capítulo

Nota da autora: Antes de começar, gostaria de explicar que a minha história tem um enredo um pouquinho alinear. Esse capítulo se passa logo após o capítulo 5 e antes do capítulo 6. Como prometido, o foco será o casal Royai, sendo que, no caso, o personagem central será o Roy. Espero que vocês gostem, sinceramente. Agora, vou responder as reviews, tá bem?



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Já era tarde da noite quando Roy conseguiu ir embora do quartel. O dia havia sido cheio e turbulento, outro assassinato ocorrera, e naquela hora tudo o que ele mais queria era ir para casa e tomar um banho quente para tentar relaxar e colocar a cabeça em ordem. O caso Black Rose já estava tirando o seu sono há algum tempo, mas ele se sentia tão exausto que achava que seria capaz de dormir até mesmo sobre a sua mesa.

Ele jogou seus papéis displicentemente dentro da gaveta, sem se preocupar em organizá-los. Trancou a sua pasta dentro da sala, decidido a não levar nada relacionado ao trabalho para casa, e saiu com passos apressados. Não olhava diretamente para ninguém, e quando via um vulto vestido de azul-royal apenas balbuciava um "boa noite" e saía. Estava totalmente distraído, por isso não percebeu que, na direção oposta, vinha alguém. O choque foi inevitável e violento, e os dois caíram sentados.

–Qual é o seu problema, hein? Não olha por onde anda? – ele começou a dar uma bronca, mas logo parou, ao ver que quem esbarrara nele era a major Hawkeye – O que está fazendo aqui?

–O mesmo que o senhor, eu acho – respondeu ela, se levantando e ajudando o outro a se levantar – Eu resolvi ficar e analisar o relatório preliminar de investigação, mas como era de se esperar não achei nenhuma novidade. E o senhor, o que faz aqui até essa hora?

–O de sempre. Ganhando uns cabelos brancos, perdendo umas horas de sono, cultivando um infarto precoce... nada de novo – respondeu ele, com um sorriso sarcástico, mas cansado – Bem que todos me dizem que preciso de férias, mas não posso sair até que esse caso termine.

–Eu estava pensando em sair para beber alguma coisa, se o senhor quiser me acompanhar... – ela convidou, solícita – Acho que espairecer um pouco fará muito bem para o senhor.

–Claro, se não for incomodar muito...

Os dois saíram juntos, e foram a pé até um bar próximo ao quartel. Era o lugar mais freqüentado por militares, mas naquele momento estava quase vazio. Não se falaram no caminho: Riza era o tipo de pessoa que geralmente não puxava conversa, e Roy, por sua vez, preferia ficar em silêncio. Aliás, há muito tempo ele havia se tornado silencioso e austero, quase amargo.

Uma vez no bar, Riza pediu batida de laranja com vodca, e Roy pediu uma dose de uísque com gelo. Os dois sentaram-se no balcão, um do lado do outro, em silêncio. Assim permaneceram por alguns minutos, até que a major finalmente resolveu dizer:

–Você não precisa agir assim, sabia?

–Agir como? – Roy levantou a cabeça, surpreso – Do que é que você está falando?

–Não se faça de bobo. Acha que não estou vendo o seu comportamento auto-destrutivo? – os olhares dos dois se encontraram, e ela parecia furiosa, apesar de manter a voz controlada – Você nunca foi assim... E não diga que não é verdade, porque eu estou vendo.

–É a Black Rose, Riza – ele se desculpou, sabendo que não soou nada convincente – Essa história está me levando à loucura, e você está vendo.

–Roy, você não me engana. Isso começou muito antes – ela sacudiu a cabeça – Na verdade, começou quando você voltou a trabalhar, depois do incidente com o marechal.

Roy nada disse, apenas pediu outra dose de uísque. Riza estreitou os olhos, mas também não disse nada. Ele percebeu que ela o observava intensamente, mas não olhou. Os dois sabiam muito bem o que havia acontecido, e ele implorava para que aquela história nunca mais viesse à tona. Naquela época, muitas das antigas crenças que ele tinha desmoronaram, mas ele tentava fazer parecer que estava tudo bem. Impossível.

–Você trabalha demais... – ela continuou – Vai chegar uma hora em que isso vai se voltar contra você. De que adianta abrir mão da saúde e, se me permite o comentário, da sanidade mental em nome desse lugar? Não vale a pena.

–Eu só não quero que aconteça tudo de novo, Riza! – de repente, ele se virou, e a cortou – Cinco anos atrás, perdi pessoas que eram especiais para mim! Cometi erros, encobri mentiras, agi como o cão do exército sarnento que sempre fui! E o que eu perdi? Um olho! Um mísero e maldito olho!

Então, ele arrancou o tapa-olho negro que sempre usava, revelando uma mancha branco-azulada no lugar da íris negra do seu olho direito. Riza tampou a boca, assustada, e ele deu um sorriso amargo, enquanto voltava a amarrar as tiras do tapa-olho atrás da cabeça. Ela o encarou, penalizada, e Roy sentiu que o olhar de piedade dela quase o queimava por dentro.

–Por que você não se perdoa? – ela disse, com suavidade – Nada daquilo foi sua culpa. Nada, ouviu bem? Você tentou ajudar, e conseguiu. Se não fosse por você, quem sabe como seriam as coisas hoje...

"Por que eu não me perdôo? Ela não sabe como é a minha vida", ele pensou, observando o olhar doce da major. "Me lembro como se fosse hoje... Cada segundo daquela noite... E eu cheguei a pensar que ia morrer, estava pronto, não me importava. Mas eu sobrevivi. E ela cuidou de mim..."

–Além do mais, as únicas pessoas no mundo que poderiam culpá-lo por alguma coisa sabem disso, também – ela continuou – Marion não o culpa pelo Maes e Al não o culpa pelo Ed. Eles estão do seu lado, ajudando você.

–Eu sou mesmo idiota, Riza, não ligue para mim – ele sorriu, triste – Aliás, esse é o seu problema, você se importa demais comigo. Nunca pude retribuir adequadamente por você ter cuidado de mim.

–Não seja tolo, Roy – ela riu, dando de ombros – Só fiz a minha obrigação. Sabia que tenho curso de enfermagem completo? Eu era muito jovem, não sabia o que queria. Terminei o curso e entrei para o exército para tentar ser enfermeira militar, aí atirei com um revólver pela primeira vez e descobri a minha verdadeira vocação.

–Atirar nas pessoas? – ele também riu – Sim, é uma vocação muito nobre. Mas você poderia até prejudicar a sua carreira, se afastando do exército por tanto tempo.

–Quase fomos para a prisão, Roy, acha mesmo que eu me importava?

Os dois deram uma risada tímida. Ela bebericou seu drinque elegantemente, mas não tirava os olhos de Roy. Ele percebeu, e sentiu-se estranhamente encabulado. Os olhos dela tinham um brilho diferente do habitual, algo que ele vira pela primeira vez há muito tempo. Ele sentiu o rosto corar, e escondeu-se rapidamente. Fazia tanto tempo... tanto tempo...

–Riza, acha que nós dois teríamos dado certo? – ele perguntou bruscamente. As palavras saíram se atropelando, antes que ele tivesse a chance de contê-las.

–Do que você está falando? – ela ergueu uma sobrancelha, com um sorriso malicioso.

–Ah, você sabe – ele sorriu, também – Você se lembra de Ishbal? A gente teve algo especial lá.

–Éramos jovens e burros, Roy – ela deu de ombros – Nunca teria dado certo. E, se pensarmos bem, foi melhor que continuássemos só amigos.

–Mas, em algum momento, você já imaginou como seria se tivéssemos continuado juntos? – ele insistiu, sentindo que sua vida dependia daquela pergunta – Tivemos a chance, não é?

–Sim, tivemos. E, se quer saber, às vezes eu ainda me lembro daquela época – o tom dela era nostálgico, quase sonhador – Me lembro de quando nos conhecemos. Foi estranho... e bonito...

Senhor, eu estou ouvindo uma voz vinda daquelas pedras – Roy Mustang era o membro mais jovem da divisão de alquimistas federais do Exército amestriano. Havia recebido seu relógio de prata há apenas algumas semanas atrás, e quase imediatamente fora enviado a Ishbal para lutar na guerra civil que se desenrolava por lá – Talvez seja um dos nossos. Permissão para averiguar, senhor.

Concedida, mas tome cuidado – o comandante da divisão, um sujeito enorme com cabelos ralos e grisalhos, autorizou – Volte logo, vamos precisar de você.

Roy era idealista. Desde que chegara, estava decidido a fazer a diferença por alguém, mas ainda não teve a chance, e sentiu-se muito feliz em poder ajudar alguém com problemas. Ele correu até um monte de pedras, de onde vinha um gemido fraco e abafado. Ele procurou entre as pedras, e encontrou uma mulher. Deitada, com as costas apoiadas numa pedra maior, o ombro coberto de sangue seco, ela vestia o uniforme da Infantaria. O rosto dela, delicado e oval, estava pálido e úmido de suor, e os cabelos louro-dourados curtos estavam opacos por causa da poeira.

Caramba, o que houve aqui? – ele murmurou para si mesmo assim que a viu – Quem é você?

M-m-meu nome é Riza Hawkeye, soldado da infantaria – balbuciou a moça – Nossa divisão estava voltando de uma batalha, mas fomos emboscados. Conseguimos expulsar os ishbalianos, mas acabei sendo atingida de raspão no braço. Como havia feridos mais graves, eles receberam prioridade, mas... mas... Por favor, o senhor teria um pouco de água? Estou morrendo de sede!

Solícito, Roy abriu seu cantil recém-abastecido e o colocou delicadamente nos lábios dela, fazendo-a beber lentamente. Ela bebeu muita água, quase desesperadamente. "Na certa ela já está aqui há um bom tempo. Como está desidratada! Ainda mais com todo esse sol...", ele não deixou de pensar. Assim que ela ficou satisfeita, continuou contando:

Eu ajudei nos primeiros socorros das vítimas. Os feridos foram embora nos jipes, e alguns ficaram para trás, para tratar dos ferimentos menos graves. Então, aconteceu. Outro destacamento ishbaliano apareceu e promoveu um verdadeiro massacre. Não sei se há outros sobreviventes, porque, quando acertaram meu ombro, acabei perdendo a consciência.

E quando isso aconteceu? – determinado a não deixá-la desmaiar outra vez, Roy continuou falando com ela.

Foi ontem, à tarde. Minha água e minhas provisões acabaram hoje de manhã – respondeu ela, a voz cada vez mais mole.

Roy não precisava ouvir mais nada. Com toda a delicadeza, pegou-a no colo e a carregou até o seu comandante. Assim que a viu, ele balançou a cabeça, parecendo desolado, e disse:

Mais um novato ferido... São eles quem mais sofrem aqui.

Ela precisa de tratamento, senhor – disse Roy, colocando-a sobre um cobertor desdobrado no chão e examinando o ferimento de Riza – Não é grave, mas ela está muito desidratada e perdeu um bocado de sangue. Não podemos fazer muito com os conjuntos de primeiros socorros que temos.

Está bem, Mustang, faça o que puder por aqui e nós a levaremos para o hospital – concordou o comandante – Você teve sorte, menina, talvez a mandem de volta para casa ainda essa semana. Qual é o seu nome?

Ri-Ri-Riza Hawk-Hawkeye, senhor, da primeira divisão de... de infantaria – ela estava cada vez mais fraca, e a consciência falhava.

Tudo bem, tudo bem, vamos cuidar de você – Roy tinha treinamento em primeiros socorros, e habilmente começou a limpar o ombro dela e a envolvê-lo em faixas macias. A pele dela era branca e sedosa, e ele levou um susto ao ver que ela sorria para ele, debilmente.

Você tá cuidando de mim e eu nem sei o seu nome... – ela murmurou.

Roy Mustang – disse ele, sorrindo – Também conhecido como Alquimista das Chamas, mas acho que esse nome é bem idiota, então...

Roy está bom para mim – disse ela – Eu deveria bater continência, afinal você é um major, mas... acho que as circunstâncias me impedem...

Esqueça essa bobagem cerimoniosa, somos todos iguais aqui – retrucou ele, sabiamente, enquanto terminava o curativo – Concentre-se somente em ficar boa logo. Por sorte, seu ferimento não infeccionou, e logo vai cicatrizar totalmente.

A maca improvisada foi colocada num jipe, e disparou a toda pela areia do deserto de Ishbal. Roy não pôde ir junto, apesar da sua vontade, porque tinha outra missão. Seu comandante percebeu que o encontro com a jovem baleada o abalou, e deu um sorrisinho levemente malicioso.

Parece que você gostou dela, não foi?

Não diga isso – cortou Roy, ríspido – Apenas fiquei preocupado, só isso. Ela deve ser mais jovem que eu, então que diabos está fazendo nesse buraco esquecido por Deus?

O mesmo que você, provavelmente – mais uma vez, o comandante deu uma risada – Fico feliz que ela esteja bem, mas espero mesmo que a mandem de volta para casa depois disso, ou vai acabar se machucando de verdade.

Eu duvido que a dispensem, senhor – opinou o alquimista das chamas – Estamos tendo muitas baixas, e cada soldado precisa ser preservado. Acho que, mesmo que ela tivesse que amputar uma das pernas, aqueles dinossauros de Amestris a obrigariam a continuar aqui.

A missão era de reconhecimento, e foi terminada de maneira rápida e eficiente. À noite, Roy pensou em ir para o alojamento o mais rápido que pudesse, mas algo o arrastou para outro lugar. Ele mesmo se surpreendeu ao ver que estava caminhando pelos corredores brancos e bem-iluminados do hospital militar que fora montado nos arredores da cidade de Ishbal, procurando por uma soldado ferida à bala no ombro esquerdo. Foi fácil encontrá-la: ela estava num ambulatório, deitada numa cama de armar próxima à porta.

Olá! Você lembra de mim? – ele se aproximou do leito da moça – Sou eu, o Roy. Eu te achei, lembra?

Como me esquecer do alquimista das chamas? – ela disse, com um sorriso cansado. Ela já estava bem melhor, o rosto limpo, só um pouco pálido – Como vê, não recebo muitas visitas, então nem se deram ao trabalho de colocar uma cadeira aqui, mas acho que dá para você se ajeitar.

E então, o que os médicos disseram?

A bala ficou presa num osso do uma fratura um pouco feia, mas nada de que eu não possa me recuperar rápido. Em um mês ou dois, volto para o combate.

Ela não parecia desanimada nem nada. Pelo contrário, a idéia de se levantar daquela cama e voltar à ação lhe parecia emocionante. Os dois começaram a conversar sobre Ishbal, das impressões que aquela cidade e aquela guerra provocavam nos dois, e Roy percebeu que ela tinha uma opinião totalmente diferente da dele. Ela amava aquele povo, e achava que aquela guerra serviria para libertá-lo de comandantes tiranos que não os respeitavam como pessoas e como cidadãos.

Roy, por sua vez, acreditava que os ishbalianos haviam traído Amestris, a quem ele devia toda a sua lealdade. Ser alquimista federal e ter a chance de combater naquela guerra ao lado do Exército azul era a realização de um sonho, para ele, e jamais perdoaria qualquer um que ameaçasse a grande nação à qual servia e admirava. Seu sonho era, um dia, ter a chance de comandar, de se tornar, quem sabe, o marechal do país. Era um sonho distante, afinal ele era apenas um alquimista federal, mas seu sonho era maior do que todas as dificuldades. Ao falar dele para Riza, ela riu, dizendo:

Você tem grandes ambições, não é?

Todos tem direito de sonhar, não tem? – ele deu de ombros, e então olhou o relógio – Droga! Preciso ir, mas amanhã eu volto.

Olha, se você tá dando em cima de mim, pode parar! – ela disse, e ele corou – Se quer me conquistar, me dê flores e me leve para jantar, está bem?

Engraçadinha... bem se vê que você já está bem melhor – depois de se recompor, ele deu um sorrisinho sarcástico, enquanto se levantava – De qualquer forma, até mais.

Até – ela se esforçou em acenar. Quando Roy se aproximava da saída, ela gritou – Obrigado por vir!

Ele não respondeu, apenas sorriu e se dirigiu ao alojamento, com passos apressados. Nos dias seguintes, ele a visitou sempre que pôde, e passou a ser muito amigo da moça. Em menos de um mês e meio, ela já estava de volta à ativa. A ascensão dela foi meteórica: Riza era disciplinada e feroz, e combatia com determinação e entusiasmo. A amizade dos dois crescia dia após dia, e ele começava a ver nela uma irmã, uma companheira e uma confidente para toda a vida.

–Sabia que tenho a cicatriz daquele dia até hoje? – ela disse, puxando levemente a blusa e mostrando um corte no ombro – Mas poderia ter sido pior, muito pior. De acordo com os médicos, se o ferimento tivesse infeccionado poderia ter sido um desastre.

–Você é mais forte que um touro, Riza, quer mesmo que eu acredite nisso? – Roy riu alto – Além do mais, logo alguém resgataria você. E, se você era enfermeira, poderia cuidar de si mesma.

–Você é ridículo! – ela deu um tapinha nele – Se eu tivesse água, álcool, ataduras, agulha, linha cirúrgica, uma pinça e um lugar limpo, teria me virado sozinha, mas eu estava no meio do deserto e não tinha nem sequer um pedaço de pano limpo. E como eu descobriria o meu herói de armadura se tivesse cuidado de mim mesma? – o sorriso dela só não foi mais malicioso que o brilho em seus olhos.

–Então é isso que eu sou para você? Seu herói de armadura? – ele ergueu uma sobrancelha, divertido.

–É claro! Quem mais salvaria uma donzela em perigo como eu?

Definitivamente, quando Roy pensava em Riza as palavras donzela em perigo nem passavam pela sua cabeça. Quando pensava nela, pensava em uma mulher forte e decidida, que fazia seu próprio destino sem se preocupar com o que viesse. Ele mesmo às vezes se sentia fraco e pequeno perto de alguém tão extraordinariamente grande como ela. Talvez por isso ela parecesse tão inalcançável, tão distante e... tão fascinante.

Ela era tão simples, vivia de uma forma tão regrada e disciplinada que parecia que tudo o que ela queria era não ser vista ou notada. Discreta e elegante, tentava agir com simplicidade, colocando a razão antes do coração sempre. Mas houve momentos – raros e quase esquecidos – em que seu coração se sobressaía, indomado, pouco se importando para o que a mente pudesse dizer.

Desde que a conhecera, seus sentimentos em relação a Riza Hawkeye eram confusos e conflitantes. Houve momentos em que ele se sentia como um irmão dela, outras vezes como um inimigo, e outras vezes como um namorado. Em alguns momentos, ele a amara mais do que à própria vida, e em outros a odiara profundamente. Mas era incapaz de ficar indiferente à ela. Sempre sentia algo, por menor que fosse e por mais que tentasse esconder.

Então, ouviu o relógio bater meia-noite, e levantou-se apressado.

–Olha só a hora! Preciso ir embora!

–Nossa, é mesmo! Está tarde – Riza também se levantou – Faça o que eu disse e tire o dia de folga.

–Folga? Eu? – Roy deu uma longa risada – Não... Não ainda, pelo menos. Mas – ele acrescentou depressa, ao ver a expressão de censura dela – Prometo que tiro férias ainda esse ano!

–É bom mesmo – ela concordou.

Os dois seguiram juntos pela rua escura. Não se falavam, apenas caminhavam num passo rápido e regular. Roy resolveu acompanhá-la até a casa dela, uma casa pequena próxima ao quartel. No portão, porém, hesitou antes de ir embora. Algo lhe pedia desesperadamente para ficar, para esperar, para deixar que a noite acabasse antes de ir embora.

Mas algo também dizia para partir e não olhar para trás.

Riza nada disse, mas percebeu que algo o afligia profundamente. Os olhos dela, grandes, castanhos e expressivos, diziam tudo o que ele precisava saber. Os olhos dos dois acabaram se cruzando, de supetão. Foi estranho demais, ele não conseguia parar de olhar, mas por outro lado queria desviar seu olhar o mais rápido que podia. Os olhos dela eram quentes e doces, e derramavam compreensão e carinho.

–Coronel? O que aconteceu?

Ela o chamou, e ele virou o rosto. Murmurou uma despedida e saiu com passos apressados pelo outro lado da rua. "Ela deve achar que eu sou um louco, ou algo parecido", ele pensou, mas não se atreveu a voltar para tentar se explicar. Só parou quando finalmente chegou à sua casa e trancou a porta por dentro. Sentindo o suor escorrer pelo pescoço, correu para o chuveiro e enfiou a cabeça sob o jato de água fria.

"Água fria... excelente contra ressaca...", ele não pôde deixar de pensar. Roy se considerava um especialista em ressacas, e sabia de todos os métodos conhecidos pelo homem para evitá-la. Mas, naquela hora, tudo o que queria era apenas tentar esfriar a cabeça. Antes de sair do quartel, estava num estado quase letárgico, mas agora estava elétrico. "Que droga, mais uma noite sem dormir", ele pensava, enquanto deixava a água gelada bater diretamente em seu rosto. Por que ela o transtornava tanto? Se fosse com qualquer outra mulher, qualquer que fosse ela, duas doses de uísque seriam suficientes para que todo o escrúpulo fosse embora, mas com ela não havia bebida suficiente no mundo que o fizessem perder a cerimônia e a distância. E isso era tudo o que ele queria...

"NÃO! Tire isso da cabeça, cara! Ela é sua subordinada, ouviu bem? Subordinada! E isso quer dizer que tem um certo decoro a ser mantido, um limite que você não pode ser idiota o suficiente para atravessar", ele dizia para si mesmo, enquanto vestia suas roupas. "Você já teve a sua chance". Resolveu ir para a cama, tentar dormir o máximo que pudesse. Independente do que Riza dissesse, não podia nem sonhar em se afastar por um dia que fosse do quartel. Aquela investigação era muito importante, e tinha adquirido um caráter pessoal a partir do momento em que Marion Hughes fora escalada para participar dela. Ele sentia que, se pudesse ajudá-la a pegar a Black Rose, poderia enfim se redimir com Maes, seu melhor amigo, a quem ainda devia muito.

"Um dia, talvez...", ele pensou, enquanto se virava para um lado e tentava dormir. "Um dia, tudo isso acabará, e talvez eu tenha outra chance. Quando essa investigação acabar e pegarmos os caras que estão fazendo isso, pode ser que voltemos a ser como nos dias em Ishbal, despreocupados, leves... livres, enfim."

Lá fora, o dia amanhecia, cheio de novidades e de promessas.


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