Paparazzi escrita por Kyra_Spring


Capítulo 5
Capítulo 4: Another Brick in the Wall




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À medida que os dias iam passando, eu ia me tornando mais próximo de Naminé.
Ela era realmente uma garota incrível. Inteligente, bem-humorada, uma língua super-afiada... era muito fácil perder a noção do tempo conversando com ela. Ela ainda tentava me arrastar para o Conselho Estudantil junto com ela, mas esse era um ponto que eu não iria atingir tão cedo...
Aos poucos, eu ia me adaptando à rotina escolar. Eu já sabia quem eram os professores legais, e quem eram os chatos. Sabia quais pessoas eu deveria evitar, a quais aulas eu deveria prestar mais atenção, as formas de fugir das filas na cantina... enfim, os pequenos detalhes práticos da vida escolar. E eu me ajustava a eles muito bem, com a ajuda dela.
Eu já não via Axel com muita freqüência. Nos esbarrávamos nos corredores, nos cumprimentávamos, mas conversávamos pouco. Ele parecia estar muito ocupado com algo. Naminé me contou que ele tocava numa banda, então eu supus que talvez tivesse algo a ver com isso. E, pelo que me disseram, eles tinham um som interessante. Queria ouvi-los tocar, algum dia.
A única coisa que eu não conseguia resolver era o meu problema com matemática. Um problema que se estendia à professora, a sra. Yamada. Não posso afirmar com certeza, mas tenho a impressão de que os criadores de A Bela Adormecida inspiraram a Maleficent nela. A mulher era uma bruxa completa: severa, ríspida, intolerante e cínica. E eu era o novato perdido. A coisa não podia mesmo ser pior.
E eu teria um período duplo com ela. Mais um motivo para ter medo.
Cheguei à sala e me sentei na última carteira, torcendo para que a sra. Yamada não me visse ali. Minha lista de exercícios estava pela metade – e eu tinha fortes suspeitas de que a metade que eu tinha feito estava completamente errada. E eu nem queria ver como haviam sido as outras...
- Bom dia – ela disse, na mesma voz seca de sempre – Antes de começarmos, preciso dizer que estou decepcionadíssima com o desempenho desta turma. As listas de exercícios que vocês estão me entregando estão uma verdadeira lástima. E eu acho que sei o motivo.
É, eu também sei. Que tal o fato de você ser uma lazarenta?
- Vocês não se dedicam – a voz dela desceu uma oitava – Vocês devem fazer as listas de qualquer jeito, sem nem se preocupar com o resultado delas. E que tal isso? – ela começou a ler os nomes da lista – Selphie Chirumitsu?
Uma garota de cabelo castanho e olhos verdes levantou a mão trêmula. Seus olhos estavam cheios de terror.
- Desde quando, em nome de Deus, uma equação modular pode assumir um valor negativo? Será que vocês são incapazes de entender um conceito tão simples quanto esse? – ela escolheu outra folha, e eu pude ver, de relance, que Selphie voltava a abaixar a mão e enxugava o rosto – E que tal o senhor, Hayner Uemura? – um garoto de cabelo claro espetado com gel levantou a mão – Eu não disse pelo menos cem vezes para prestar atenção nos sinais? E depois você ainda vem reclamar que suas equações dão valores absurdos? É claro que dão, já que você não teve o trabalho de checar os sinais!
Eu mordia o lábio. Algo me dizia que a coisa ia ficar pior.
- E, agora, vamos ao melhor da festa – os lábios dela se torceram num sorriso maligno – O senhor, Roxas Hikaru, com certeza se superou. Já faz tempo que eu não vejo tantas bobagens quanto nas suas listas de exercícios. Fico me perguntando o que o senhor faz durante as aulas. Provavelmente dorme, ou quem sabe fique apenas viajando... – então, deu de ombros – Não importa. Já foi o suficiente para fazer uma previsão do desempenho dessa classe daqui para frente. E, baseando-me no que vi nas listas do sr. Hikaru, posso dizer que minhas previsões não são nada boas..
Juro, é difícil me fazer perder a paciência. Mas “difícil” e “impossível” não são sinônimos.
- CHEGA! – eu não sei de onde aquilo veio, só sei que bati as mãos na mesa e me levantei, atraindo para mim os olhares de toda a sala – Não fale de mim, você não me conhece!
- Ora, ora, ora, temos um pequeno revolucionário aqui – para meu ódio, o sorriso dela cresceu ainda mais – Eu conheço muitos do seu tipo, molequinhos mimados e dramáticos que se acham no direito de pensar que todo o mundo está contra eles. Tão apático... tão tolo... vocês não sabem nada sobre o mundo e pensam que sabem muito, que são melhores que nós...
- CALE A BOCA!!!! – àquela altura do campeonato, eu estava ferrado e sabia disso. Mas a humilhação era grande demais para simplesmente deixar passar. Como aquela vaca ousava me julgar? Ela me conhecia para isso? Ela sabia quem eu era? Ela sabia pelo que eu tinha passado?
Não. Ela não sabia.
- O que você disse? – ela sibilou, agora sem o sorriso cínico no rosto.
- DISSE PRA CALAR A BOCA, SUA BRUXA MORFÉTICA! – naquela hora, eu nem pensava mais em quem estava em volta – VOCÊ NÃO ME CONHECE, NÃO SABE QUEM EU SOU, NÃO SABE NADA SOBRE MIM, ENTÃO NÃO PENSE QUE TEM O DIREITO DE TIRAR QUALQUER CONCLUSÃO SOBRE MIM!
- Fora. Da minha sala. Agora. – ela sussurrou, e parecia se conter para não gritar – Não tolerarei isso, ainda mais vindo de alguém como você!
Ela não precisava ter dito isso. Tudo o que eu queria era sair correndo daquela sala, de qualquer forma. Saí pisando forte, empurrando a porta, apenas indo até a sala da diretora. Eu sabia que, dali a meia hora, me arrependeria daquilo, mas naquele momento me sentia vingado.
Eu só não esperava esbarrar com alguém no meio do caminho...
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É, dessa vez eu me excedi mesmo.
Cheguei atrasado à aula de História – de novo. O sr. Tsuchi me deixou entrar, mas passou o tempo todo me olhando feio. Ah, eu conhecia aquele olhar. Dois anos inteiros convivendo com aquela criatura maligna me ensinaram que, quando ele fazia isso, alguma coisa ia sobrar para mim. Xion havia guardado um lugar para mim, ao lado dela.
Aliás, surpreendentemente, eu estava me dando muito bem com Xion. Ela não era a nerd certinha que parecia ser, a princípio. Pelo contrário. Ela era, sim, muito inteligente – tá, não mais inteligente que o Zexion, mas isso não seria surpresa, mesmo – mas não parecia ser muito viciada em estudos. E não me julgava por querer fugir dos livros.
E ela aprendia rápido, também. Nas aulas do Tsuchi, ela sempre ficava na última carteira, na fileira em que o Lexaeus-Armário se sentava, e sempre cobria o cabelo e metade do rosto com o capuz. Menina esperta, ela sabia o que fazer. Pena que isso já não funcionava mais comigo...
- Shimomura, você já chegou atrasado à aula – ele disse, num tom falsamente educado – Então, para se redimir, vou lhe fazer uma pergunta, e é melhor que o senhor saiba a resposta. No que as unificações da Itália e da Alemanha diferem das unificações dos outros países da Europa.
É claro que eu não sabia. Talvez soubesse, se não tivesse passado a aula inteira rabiscando na carteira, mas isso não vem ao caso.
- Eu não sei – eu até podia pensar em umas oito respostas irônicas pra fazer a sala rir junto comigo e desarmá-lo, mas minha criatividade estava a zero – Desculpe, professor, eu não sei a resposta.
- Isso não me surpreende nem um pouco – ele retrucou, estreitando os olhos – Por que você ainda perde seu tempo vindo à aula?
- Sabe, essa é uma boa pergunta – uma coisa que eu aprendi é que, quando você tem plena consciência de que está completamente ferrado, o melhor a se fazer é piorar a situação até o máximo, e assim fazer a punição valer a pena – Na verdade, acho até que o senhor devia se fazer a mesma pergunta toda manhã, antes de vir para cá.
- Eu já aturei as suas gracinhas por tempo demais – ele retrucou – Não vou mais admitir esse comportamento aqui.
- Você já disse isso outras vezes – comecei a rir – Mas, se é para evoluir a nossa relação, então acho que nós dois podemos ceder um pouco e passar uma borracha nesse último incidente, não é?
- FORA DA SALA AGORA MESMO! – uau, esse deve ser um novo recorde. Ele não precisou nem de cinco minutos para me expulsar da sala. E eu saí andando calmamente.
Tá, provavelmente eu iria ouvir o diabo quando voltasse para casa. Mas naquela hora não conseguia me preocupar com isso. Agora, vinha a parte chata, que era ir até a diretora, ouvir um sermão de meia hora, levar outra advertência e ficar de castigo outra vez.
Eu só não esperava que não iria passar por isso sozinho...
- Roxas? – ele esbarrou em mim, como se não tivesse me visto. E, na boa, aquele não parecia mesmo ser ele. Ele estava trêmulo, vermelho, os olhos vermelhos e úmidos... e uma expressão facial de dar medo – Tá tudo bem?
- Claro que não – ele disse entredentes. OK, ele estava realmente assustador agora.
- Desculpe – eu disse, e continuei meu caminho na direção da sala da diretora.
- Ei, Axel... droga, espere!
Parei e me virei. Ele evitava me encarar. Que bom, pelo visto ele voltou a si.
- Me desculpe – ele disse, a voz bem mais baixa – Eu só... eu perdi a cabeça. Você não teve culpa e eu não deveria sair descontando a raiva em você.
- Nah, tudo bem – dei de ombros – Isso acontece o tempo todo... Você também está indo para a sala da diretora? Andou provocando a Yamada-canhão?
- Como você sabe? – ele arregalou os olhos.
- Simples, era ela quem me mandava pra sala da diretora antes de o Sr. Tsuchi aparecer – dei uma risada – Agora não tenho mais aula com ela, mas no ano passado os dois se revezavam...
Ele deu um sorriso tenso. O que quer que tivesse acontecido, havia acabado com ele.
Ele entrou antes de mim, ficou uns dez minutos, e saiu em silêncio. E depois, eu entrei. Eu já tinha quase decorado o discurso da diretora. Ela sempre dizia a mesma coisa: “ah, você não era assim, o que está havendo? Você precisa se dedicar mais, os professores só fazem esse tipo de coisa pro seu bem e blá, blá, blá...”. Aí depois, ela ligava pra minha mãe, me dava uma advertência e eu ia embora. Simples assim.
Quando eu saí, porém, percebi que Roxas me esperava.
- Ué, ainda aqui? – eu ri – Geralmente as pessoas saem correndo da sala da diretora...
- Eu quis te esperar – ele falou rápido, e depois virou o rosto – Sei lá, já que vamos ter que ficar do lado de fora, mesmo, podíamos pelo menos conversar um pouco.
Pois é, a subversão une as pessoas.
E começamos a conversar. Na verdade, acho que essa foi a primeira conversa real que tivemos. Descobri que ele, assim como eu, era filho de pais separados. O pai dele morava na Europa, e trabalhava com vendas. A mãe dele era professora primária, ele não tinha irmãos, seus avós e outros parentes moravam longe... enfim, ele parecia solitário. Talvez esse fosse o motivo daquela nuancezinha de tristeza tão profunda e inatingível que eu sempre via nos olhos dele.
Mas descobrimos pelo menos uma coisa em comum...
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- Eu soube que você toca numa banda...

Axel e eu ficamos um bom tempo conversando na porta da sala da diretora. E falamos sobre muita coisa. Ele me contou um pouco sobre sua vida. Sua mãe era compositora e professora de música (embora eu não estivesse lá muito crente de uma coisa que ele disse, sobre ela ter composto a trilha sonora de um game super-famoso por aí), e seus pais também eram separados. Ele não quis falar muito do pai dele, uma decisão que respeitei. E ele vivia pela música, também. Eu amava música, pena que não era capaz de tocar nada.
- Sim, eu toco – ele sorriu. Seus olhos começaram a brilhar quando ele começou a falar de sua banda – O nome é Scherzo di Notte. A gente toca um pouco de tudo, de Muse a Maximum the Hormone... tá bem, é bizarro ouvir a Larxene urrando, mas ainda assim é engraçado... E a gente tem umas composições próprias também.
- Larxene? A garota com antenas da sua sala? – eu perguntei, e ele deu uma risada alta, respondendo:
- Ela mesma! Eu sabia que não era só eu que achava aquele cabelo dela muito estranho!
Acho que aquela foi a primeira vez que eu o vi rir de verdade, sem sarcasmo. Era uma risada limpa, sincera. Agradável, sem dúvida.
- Sabe, a gente vai se apresentar aqui no colégio no final de semana – então, ele disse – Já devem ter te falado do festival. Ele comemora o dia da fundação da escola, e vai ter música, apresentações artísticas... A nossa banda vai tocar. Você vem, não é?
O quê? Eu, sozinho, à noite, no meio de um monte de gente estranha? Nem!
- Mas é claro! – não acreditei quando me ouvi dizendo isso – Eu estarei lá, sim.
Ele me encarou por um instante. E sorriu.
E seguimos conversando até o final da aula. E continuamos conversando até a rua, quando enfim nossos caminhos se separavam para cada um ir para a sua casa. Antes de ele ir para a outra rua, porém, ele parou e perguntou:
- Olha, eu sei que não é da minha conta, mas... o que quer que tenha feito você surtar na aula da Yamada-canhão, não precisa ficar guardando para si. Arrume uma forma de extravasar. Senão, vai acabar explodindo daquele jeito em outro lugar.
- Você também foi pra diretoria por brigar com o professor – estreitei os olhos.
- A diferença é que eu não tenho vergonha na cara – ele sorriu outra vez, mas era o velho sorriso sarcástico de sempre – Você, por outro lado, não parece ser alguém que faz dessas coisas um hábito – ele voltou a ficar sério – Isso é sério. Essas coisas fazem mal.
Como ele conseguiu? Os olhos dele praticamente me escaneavam. De novo, eu sentia como ele era capaz de me ler, de me traduzir. Era estranho, mas ainda assim... era bom. Alguém que podia me entender mesmo que eu não dissesse nada.
E, então, ele começou a rir, assim, do nada.
- Qual é a graça? – tá, eu não o entendia.
- Sabe o que eu tava imaginando agora? – ele disse, sem parar de rir – Você já viu o videoclip de Another Brick in the Wall, do Pink Floyd?
- Sim – eu me lembrava desse vídeo. Nós assistimos na sétima série, pra um trabalho de sociologia – Mas o que isso tem a ver?
- Vai dizer que você não se imagina criando um motim na escola e jogando a Yamada-canhão na fogueira? Admita, seria lindo.
Bem... ela tinha me chamado de “pequeno revolucionário”... Axel se despediu depois disso, com um aceno, e seguiu seu caminho. E eu dei uma última olhada para o prédio da escola, antes de me afastar também, cantarolando mentalmente “all in all, we’re just another brick in the wall”.
Somos apenas tijolos num muro. Tijolos fracos, inúteis e pesados, mas a partir do momento em que nos aproximávamos, era como se estivéssemos mais fortes.
Meu Deus... minhas metáforas estão ficando cada vez piores.
Mas, mesmo sabendo o esporro que me aguardava quando eu chegasse em casa, eu estava feliz. Porque foi naquele dia que eu descobri que eu realmente podia dizer que tinha amigos verdadeiros lá. Axel era assim. Eu podia confiar nele.
E, de certa forma, eu sabia que ele sentia o mesmo em relação a mim.
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