Paparazzi escrita por Kyra_Spring


Capítulo 3
Capítulo 2: Inner Universe


Notas iniciais do capítulo

Nota: O título do capítulo foi tirado da música de mesmo nome, da cantora Origa. Essa música é a primeira abertura do anime Ghost in the Shell: Stand Alone Complex, e é linda. Aliás, quem lê Motherland já deve ter percebido que eu gosto de colocar músicas-tema para cada capítulo, uma coisa que vou trazer para Paparazzi também.
A parte do Roxas será postada em itálico, atendendo a pedidos.



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Aquela maldita música realmente não estava querendo sair.


Depois de jogar fora sete folhas com notas rabiscadas, desisti por um tempo. Zexion teria que entender que eu estava numa fase de bloqueio, e que não estava conseguindo criar absolutamente nada que prestasse.

 

Minha cabeça estava distante há dias, e eu sabia o motivo. Lá estava, em cima da escrivaninha, a carta dele. Uma carta que eu realmente não queria ter recebido.

 

Era muito fácil para ele voltar depois de anos de silêncio e fingir que nada havia mudado naquele meio-tempo de ausência. E parecia ser mais fácil ainda cobrar uma recepção amorosa. Mas, honestamente, minha maior demonstração de amor seria um soco no meio da cara daquele desgraçado, se ele ousasse aparecer na minha casa. E eu não sabia por que ainda guardava aquela carta, ao invés de jogá-la no lixo.

Ou talvez soubesse. Talvez eu precisasse de algo que me lembrasse do motivo pelo qual eu não o queria aqui.

Decidi ir para o meu “estúdio pessoal” (que, na verdade, era a garagem de casa com isolamento de som, colocado depois que alguns vizinhos ameaçaram chamar a polícia na próxima vez que minha banda ensaiasse ali) e tentar canalizar minha frustração em algo produtivo. Por “canalizar a frustração em algo produtivo”, entenda “esmurrar os pratos de uma bateria até abrir buracos neles”.

Pelo menos essa era uma coisa que certamente me acalmava. Se havia uma coisa que eu amava, era música. E era exatamente ela que me movia, me libertava. Era meu hobby, meu talento e minha terapia. E, quando eu tocava, não havia frustrações ou decepções, ou fantasmas do passado voltando para me atormentar. Não. Eram apenas eu e as baquetas, e os sons diferentes e complementares se fundindo e criando algo novo e muito maior do que as peças que o formaram. Aquela era mais ou menos a idéia que eu tinha da vida, das pessoas, do mundo – um monte de peças que, sozinhas, eram estranhas e não faziam sentido, mas que juntas pareciam harmônicas e belas.
- AXEL!!!!!!!! – de repente, alguém berrou no meu ouvido – QUER FAZER O FAVOR DE PRESTAR ATENÇÃO EM MIM?!

- Droga, Zexion, quando vai aprender a não fazer isso? – reclamei... maldito, quase me deixou surdo outra vez – O que você quer? E antes que pergunte, não, eu não terminei a droga da letra.
- Não é sobre isso que eu vim falar – disse ele – Eu... soube da carta que você recebeu...

Juro que pensei muito seriamente em mandá-lo ir à merda, mas me contive. Zexion ainda era meu amigo, e talvez compartilhar aquilo com mais alguém fosse bom.

- Vim trazer as anotações das aulas que você perdeu hoje, sua mãe me disse pra deixá-las no seu quarto e eu vi o envelope sobre a mesa. Não, eu não li a sua carta – ele acrescentou, rápido – Mas, pelo remetente, meio que adivinhei do que se tratava. E então... ele virá?

- Sim – minha voz saiu rascante – Mas eu espero não estar aqui quando isso acontecer, ou ele irá embora numa ambulância – fechei os olhos com força, sentindo uma onda cáustica de ódio correr pelas minhas veias – Por que diabos minha mãe o deixou vir? E sem me consultar? A menos que ela queira que alguém o mate sem ter que contratar um assassino profissional pra isso, não entendo qual é a dela!

- Talvez ela queira acertar as contas – opinou Zexion – Resolver de uma vez por todas essa história.

- Ah, eu não sei... na verdade, acho que nem quero pensar sobre isso.
É, talvez fosse isso mesmo. Eu já estava cansado de pensar. Principalmente naquilo.

- Tá, vamos mudar de assunto – ele disse, por fim – Descobri um festival no litoral, daqui a três meses. Coisa grande, com olheiros de gravadoras e tudo o mais. Acho que a gente devia se inscrever e tentar a sorte, que tal?

- Por mim, tudo bem – respondi – Teremos tempo pra ensaiar e definir um setlist legal. Podemos começar assim que todo mundo concordar.
- Demyx vai topar, com certeza. A Larxie também, ela não recusaria uma oportunidade de aparecer por nada nesse mundo – ele riu – Agora não sei o Marley, ele anda meio sumido ultimamente, mas acho que ele não furaria, também. E, quanto a mim, pode contar comigo.
- Certo – que bom, algo útil pra ocupar a mente – Ei, espere um pouco... você disse que trouxe anotações pra mim... isso quer dizer que já temos lição pra fazer?

- Um relatório de dez páginas sobre a Revolução Meiji e uma lista de equações de balanceamento de reações orgânicas – disse ele, honrando seu papel como nerd oficial da 3-B – E é melhor começar logo, eles são pra semana que vem.

- Mas que droga... Bem, procrastinação nunca matou ninguém. – dei de ombros – Depois eu penso nisso. Mais alguma coisa?

- Só uma: como foi que eu comecei a andar com você? – ele me encarou. Hehe, eu consegui outra vez! Irritá-lo era quase um esporte para mim – Bem, eu preciso ir. Se precisar, ligue, você tem o meu número. Até mais.

Ele saiu. Agora, pelo menos, eu tinha algo em que pensar, algo que me desviaria, mesmo que apenas por um tempo, a atenção daquele encontro que eu queria tanto evitar.

Um encontro... e essa era a parte que mais me irritava... do qual eu também não queria fugir.
-----

Já eram quase onze da noite. E eu ainda estava acordado, na minha escrivaninha, fazendo uma lista gigante de equações e gráficos.

Por causa do desmaio, acabei dormindo quase a tarde inteira. Aquela era uma das consequências práticas de se estar sujeito a desmaios e crises de enxaqueca: era muito fácil perder horas e horas por causa delas. Agora, eu quase dormia em cima dos livros.

E, o pior de tudo, não havia nada no mundo que eu odiasse mais do que matemática.

Por fim, desisti. Àquela altura do campeonato, não conseguiria fazer mais nada mesmo. Em vez disso, resolvi procurar minha câmera fotográfica. Nós ainda não havíamos desfeito todas as malas e caixas de mudança, o que provavelmente tornaria a tarefa bem mais difícil. Por sorte, consegui encontrá-la relativamente rápido.
Eu adorava fotografia. Tanta gente pensa em fotografia como um retrato fiel da realidade, mas na verdade ela é uma das artes mais sutis e cheias de possibilidades de todas. E aquela câmera era o meu orgulho pessoal. Meu sonho era ser fotógrafo profissional, mas ultimamente eu pensava cada vez menos nisso. Na verdade, eu evitava pensar em qualquer futuro que fosse além de dois meses.

Tirei algumas fotos aleatórias do meu quarto, para testar combinações de cor e luz, e decidi levá-la para a escola no dia seguinte. Queria me juntar ao clube de fotografia, encontrar pessoas com interesses parecidos com os meus... enfim, tentar tornar aquele ano menos deplorável que os anteriores. Minha mãe quase me implorou para que eu tentasse me enturmar e fizesse amigos. Ela deu a entender que eu era algum tipo de misantropo, que não gostava de pessoas. Não era esse o caso. Não é que eu não goste das pessoas, mas não é culpa minha se eu só convivo com imbecis.

Resolvi ir dormir. Esse era um momento do qual eu realmente não gostava. Sempre precisava estar extremamente cansado todos os dias – senão, acabaria revivendo em sonho toda a lista de imagens terríveis e enlouquecedoras que eu já via acordado. E é impossível acostumar-se com os pesadelos. É impossível se acostumar com o monstro que te persegue todas as noites em seus sonhos, e que todas as noites te alcança e te retalha.

E essa... essa foi uma noite desse tipo. Uma noite em que o monstro me encontrou.

Acordei suando em bicas e gritando, como sempre acontecia quando eu tinha os pesadelos. Minha mãe estava ao meu lado, visivelmente cansada. Aquilo não era justo, eu acabava sempre deixando-a exausta. Ela sempre estava ao meu lado, quando eu acordava de um desses pesadelos. E era ela quem se esforçava para tentar recuperar o clima de normalidade, ou o mais próximo possível dele, para que eu pudesse ir para a escola.

Normalidade... que piada.
Assim que cheguei à escola, a primeira coisa que fiz foi me inscrever para o clube. Não parecia ter muitos membros, o que era uma boa. E me daria algo para fazer, também, o que era melhor ainda. As aulas também não foram ruins. E, na hora do almoço, resolvi andar pela escola tirando algumas fotos.

A vista da janela da sala era interessante... era possível ver um parque, e com a névoa leve, ele parecia difuso e embaçado. No pátio, havia canteiros de flores. E pessoas, obviamente, pessoas diferentes que também deveriam ser registradas. Um registro da realidade, sem dúvida, mas ainda assim muito influenciado pela visão de quem fotografava. Todo um universo íntimo registrado nas imagens.

Mas é claro que eu não esperava que todos fossem entender isso...
- Ei, moleque, o que você pensa que está fazendo? – o valentão havia percebido que eu estava tirando fotos dele – Me fotografando, é? O que vai fazer com essa foto, hein?

- N-nada – senti-me gelar, de repente. Ele falava muito alto, e todos começavam a olhar na nossa direção – E-eu só est-tava fotograf-fando o p-pátio.

Então, ele veio na minha direção. Eu estava perdido. Ele iria quebrar minha câmera, e todos os meus ossos no processo.

- É melhor você parar de fazer graça com essa câmera – disse ele – Ou vou enfiá-la pela sua bunda até sair pela boca. Não quero saber de você tirando fotos de mim, entendeu?

- S-s-sim – minha voz estava ainda mais trêmula, e ele riu, cheio de desprezo:
- Mas é uma menininha fresca, mesmo! Daqui a pouco vai molhar as calças de medo!

- Talvez ele seja só retardado, mesmo – ouvi outra voz, que eu não conhecia.
Senti-me tremer de ódio, mas o medo ainda me paralisava. Bando de filhos da puta... quem eles pensavam que eram? E eu, estúpido como sempre, apenas ouvia, sem dizer nada, sem conseguir me defender. Apenas ouvindo, apenas... aceitando.

- Vocês são um bando de cretinos, mesmo – então, ouvi uma terceira voz, mas fiquei surpreso porque essa voz eu conhecia - O moleque é novato, dá pra darem um tempo?
Eu me virei. E realmente não entendi o que estava acontecendo.

Axel?

-----
- Mas é uma menininha fresca, mesmo! Daqui a pouco vai molhar as calças de medo!

Aquela era a voz do Uehara, com certeza. Eu a reconheci assim que saí para o pátio. Na certa, ele estava aloprando algum primeiranista. Uehara era um babaca metido a valentão que gostava de infernizar os mais fracos. Pra mim, ele faz isso porque tenta compensar alguma coisa, sei lá. Mas ele ainda me respeitava. Acho que muitos nos viam como rivais, mas nunca quis competir com aquele cretino. E definitivamente não me considero no mesmo nível dele para tê-lo como meu rival.

Foi então que me aproximei, e vi com quem ele estava mexendo.
Aquele era Roxas, o carinha com quem eu havia conversado no dia anterior. Pelo que eu entendi, ele estava tirando umas fotos e o Uehara não gostou. E é claro que ele estava apavorado. Até eu estaria, se um cara daqueles aparecesse pra me encher e eu fosse um primeiranista perdido que acaba de chegar a um colégio novo.

- Vocês são um bando de cretinos, mesmo – eu disse, alto, e percebi que Roxas me encarava de uma forma estranha – O moleque é novato, dá pra darem um tempo?
- Isso não é da sua conta, Axel – sibilou Uehara, entredentes – E eu não tô num bom dia hoje, então é melhor não se meter onde não te chamaram!

- Ah, é da minha conta, sim – repliquei – Ou você acha que tenho que aceitar as merdas que você faz e não dizer nada? Eu tô falando sério, deixe ele em paz ou vai se ver comigo.

- Vai defender o namoradinho, é? – então, ele riu. Nossa, como eu quis fazê-lo cuspir todos os dentes para fora da boca! – Ele já tá avisado. E você, também.

- Acho que você fala demais, sabia? Se fosse realmente macho pra me encarar, já teria feito isso.

Pude ver o ódio nos olhos dele. Um dia ele se vingaria. E, quando isso acontecesse, eu estaria completamente ferrado. Mas, até lá, iria aproveitar e provocá-lo ao máximo.
E então ele deu as costas. E pude enfim ver que Roxas estava quase transparente de tão pálido, e tremia como se seus ossos fossem de gelatina.

- Bando de cretinos – eu disse a ele – Tá tudo bem?

- S-sim, eu acho – ele gaguejou – Obrigado...

- Nah, tudo bem. Eu não perderia a chance de provocar aquele idiota, de maneira alguma – então, vi a câmera nas mãos dele – Bem, foi por causa disso que ele brigou, não é? – ele acenou afirmativamente com a cabeça – Uehara é um imbecil metido a valente, não dê importância pra ele.

- Obrigado, senpai – ele disse, novamente, mas eu já cortei:

- Ah, vamos definir uma coisa. Quando estiver falando comigo, pode esquecer dessa balela estúpida de “senpai”, OK? Me chame apenas de Axel, como todo mundo daqui. E, quando precisar de ajuda com o Uehara, me chame. Vou adorar ter mais chances pra deixá-lo irritado.

Ele deu um sorriso intimidado. Provavelmente, esperava que eu fosse pedir algo em troca. Eu apenas sorri de volta e acenei, dando as costas e indo para a minha sala, mas então ouvi a voz dele:

- Ei, senp... Axel – me virei, surpreso. Ele me encarava – Por que está fazendo isso?

- Bem... – é mesmo, por que eu estava fazendo aquilo? Pensei um pouco e, por fim, consegui encontrar uma resposta decente – Acho que é porque fui com a sua cara, não sei. Até mais.

Dessa vez eu realmente fui para a sala, sem olhar para trás. Mas eu pensava naquela pergunta, e principalmente na resposta que dei. Ela era verdadeira, afinal. Apesar de ainda achar que havia algo errado com o Roxas e sua postura de agir como um filhote assustado frente a todas as pessoas, eu sentia uma certa empatia por ele. Ele pelo menos não parecia tão superficial e vazio como tantas pessoas daquela escola.
Bem, não importava. Fiz a minha boa ação do dia. E, como bônus, ainda consegui emputecer o Uehara e humilhá-lo na frente de todos outra vez. Saldo positivo, afinal.
Mas seria aquele o único saldo positivo do dia?

Não. Não seria. Havia mais coisas boas naquele dia do que eu havia pensado, mas só fui perceber isso muito tempo depois.

Muito tempo depois... quando tudo parecia distante e já era tarde demais.

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