Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 9
Enquanto o sol se põe




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            Há muito tempo Traverse Town não estava tão movimentada.

            A cidade havia se tornado um entreposto importante para aqueles que viajavam entre os mundos, e depois da eliminação dos Heartless começava a crescer, devagar mas de maneira constante. E era inegável que o estabelecimento mais agitado era o Seventh Heaven, uma mistura de loja, bar e central de notícias, mantido por Tifa.

–Se tentar roubar esses copos outra vez, vai se arrepender – era um dia comum e movimentado, e Tifa cuidava do balcão (ao mesmo tempo em que tentava manter os objetos das mesas no lugar em que eles deveriam ficar) – Yuffie, pode me passar aquele pacote, por favor?

            A ninja a ajudava quando podia, e passava a maior parte do tempo patrulhando Traverse Town. Aliás, todos estavam muito atarefados: Leon terminava de configurar o sistema de comunicação da cidade, para dar início à rede de comunicação que Cid estava tentando construir entre os mundos. Aerith, por sua vez, continuava as pesquisas sobre a natureza do cristal misterioso, além de recepcionar os viajantes que chegavam e preparar poções e remédios para serem vendidos no Seventh Heaven.

            As notícias, agora, fluíam mais rapidamente. A comunicação entre Radiant Garden e Traverse Town era agora estável e segura, e as notícias vinham de todos os lados. Rumores sobre mundos desmoronando e envelhecendo apareciam, também, o que era preocupante. Pelo visto, o perigo estava mais disseminado do que parecia no começo. Ataques de Heartless e Nobodies também eram constantes.

            E Tifa e Aerith esperavam por notícias de alguém. Cloud. Sem sucesso.

            Naquele dia, a própria Aerith foi até o bar, para entregar um estoque de poções. Àquela hora, quase não havia mais clientes, então ela própria sentou-se em frente ao balcão, cansada. Tifa logo foi até ela, com um sorriso acolhedor, dizendo:

–Bem, pela sua cara, acho que você tá precisando de algo pra recarregar as pilhas – e começou a preparar uma batida para a florista – Como estão as pesquisas?

–Complicadas – suspirou Aerith, cansada – Eu precisava da ajuda do Merlin, mas ele desapareceu... se ele estivesse por aqui para me ajudar a traduzir aqueles livros dele, seria tudo muito mais fácil e rápido. E por aqui, como foram as coisas?

–Bem, estão aparecendo mais clientes a cada dia – respondeu Tifa – E eu ando ouvindo histórias bem estranhas. As pessoas estão fugindo de seus mundos outra vez, e eu tenho minhas dúvidas se são apenas os Heartless e os Nobodies que os estão expulsando.

–Como assim?

–A notícia sobre mundos envelhecendo já se espalhou. E ninguém sabe o que acontece com as pessoas que estavam nesses mundos. Port Royal foi o último, e desde então não tenho notícias de ninguém de lá. É estranho. E, aparentemente, os ataques antecedem esse processo.

            Aerith concentrou-se em sua bebida por um instante, enquanto Tifa berrava um “nem pense em sair sem pagar, seu fanfarrão!”. O mau pressentimento dela se tornava cada vez mais forte. E o fato de sempre receber notícias de Radiant Garden, e de elas quase nunca serem boas, só o tornava mais forte e mais assustador.

–Caloteiros... é, eles também estão aumentando a cada dia – disse Tifa, aborrecida, enquanto preparava uma batida para si mesma – Estou tentando contatar o pessoal antigo, ver se eles podem aparecer e nos ajudar, mas só consegui falar com o Barrett, e ele disse que vai tentar aparecer. Mas não consigo encontrá-los em lugar nenhum!

–Meninas, preciso da ajuda de vocês agora mesmo! – então, Yufie explodiu pela porta do Seventh Heaven, ofegante e preocupada – É... é o Cloud. Ele tá aqui.

–O quê? – as duas se levantaram num impulso.

–Ele tá aqui, e tá muito mal! – a ninja gaguejou – Eu achei a nave dele destroçada no Terceiro Distrito. Avisei o Leon, a essa hora ele deve estar lá dando socorro. Eu não sei o que aconteceu, ele tava desacordado e...

–Leve isso pro Leon, Yuffie, ele vai saber o que fazer – Tifa tirou uma caixa de poções do balcão e a colocou nas mãos da garota – Corra até ele, estamos indo logo atrás!

            Yuffie concordou na hora, e logo saiu em disparada levando as poções. Aerith e Tifa se encararam por um segundo, aterradas, antes de correrem na mesma direção. O que havia acontecido com Cloud? Aliás, o que diabos estava acontecendo com o resto do universo? De repente, a mesma sensação gelada que elas tinham quando tiveram que fugir de Radiant Garden pela primeira vez tomou conta de seus corações, uma sensação que dizia que, dali para frente, seus amigos poderiam não voltar mais para casa depois de cada luta.

 

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            Donald não estava confortável com a idéia de voltar a Disney Castle.

–Daisy vai me matar, eu sei que vai! – ele grasnava, durante todo o percurso – Eu esqueci o aniversário dela, e agora ela vai querer arrancar minha pele!

–Ah, você terá que enfrentá-la! – Sora não podia dizer que não achava graça na situação – Se quiser, paramos em Agrabah e você compra um presente para ela.

–É, e um presente caro, de preferência – acrescentou Kairi, rindo também – Algo que envolva pedras preciosas seria uma boa idéia.

–Ah, ela vai entender! – Goofy foi complacente – Você estava ocupado, não podia ter aparecido.

            A viagem estava sendo feita num clima muito mais leve e agradável do que a anterior. Sora ainda estava preocupado com Riku, que ainda estava na enfermaria, mas sabia que ele estava em boas mãos, sendo cuidado pelas enfermeiras de Radiant Garden e por Leene (embora as lembranças dele das “habilidades curativas” da garota não fossem as melhores possíveis). E, até onde sabia, Disney Castle continuava seguro e intocado, o que era um alívio.

            A nave pousou sem problemas, e a rainha Minnie os aguardava no hangar. Assim que eles desembarcaram, ela os cumprimentou amavelmente e disse:

–Cid já avisou que vocês estavam vindo. Já preparamos tudo na biblioteca, sigam-me.

            Eles seguiram a rainha pelos belos corredores brancos do castelo. Donald continuava olhando de um lado para outro, tenso, como se esperasse que algum monstro saltasse de trás do primeiro armário e o atacasse, até chegarem à imensa biblioteca. Havia, também, uma mesa preparada, e algumas pilhas de livros separados sobre ela.

–Tentei procurar livros que talvez tivessem algo útil – disse a rainha – Talvez isso acelere o trabalho de vocês!

            Sora olhou para os livros, um tanto desolado. Todos eles eram enormes, e pareciam ser muito velhos. Aquela tarefa seria muito, muito longa...

            Ele foi até a mesa e pegou um grande volume de capa negra, coberta por uma grande camada de pó. Com um sopro, ele tirou o pó, mas assim que viu o que ele escondia, engoliu em seco.

            Era um brasão prateado. Dois corações sobrepostos e uma rosa sobre eles.

            A imagem do seu sonho.

–Sora, que cara é essa? – perguntou Kairi – Até parece que você viu um fantasma, ou algo assim...

–É... caramba, de onde é esse livro? – ele gaguejou, ainda fora do ar – Eu conheço esse símbolo! De onde ele é?

–Deixe-me ver – Donald começou a virar rapidamente as páginas de um livro de brasões – Ah, sim, achei! Esse era o símbolo da família Windrose, uma das maiores dinastias de... Waterfall City?

–Waterfall City? – Sora murmurou, enquanto abria o livro na genealogia da família – Eu sonhei com esse símbolo, lembram que eu contei pra vocês? E isso logo depois de termos visto aquela porta! Isso não pode ser coincidência, não pode!

            Ele começou a correr os olhos pelos desenhos dos membros da família Windrose, procurando algo que lhe despertasse alguma emoção. Eram tantas gerações, e logo os nomes e datas o deixaram confuso. O que diabos ele esperava encontrar ali, afinal? Ele sabia que havia uma princesa envolvida na história, mas até aquela altura já havia visto pelo menos trinta princesas, sem sucesso.

–Bem, gente, eu achei uma coisa aqui – disse Goofy, distraindo-o – Aqui fala sobre a história de Waterfall City. Aqui diz que a cidade enfrentou uma grande e sangrenta guerra civil, mas que recuperou o brilho e o esplendor graças a... droga, não diz nada aqui!

–Como assim? – perguntou Donald.

–Não diz nada, aqui diz apenas que a cidade se reergueu. Sem nomes, sem datas... sem nada.

–Só pode ser brincadeira! – Kairi xingou baixo – Aqui também não tem nada.

            Por fim, Sora se levantou, irritado, e começou a caminhar entre as estantes de livros, buscando algum tipo de inspiração dos céus. Os títulos e símbolos não lhe diziam nada, e ele começava a pensar que não conseguiriam nada ali. Mas, como deter Erinia, e o que quer que ela pretendesse, sem que soubessem onde e como toda aquela história tinha começado? Parou em frente a uma, e tirou um volume, folheando-o. Era apenas um velho livro de partituras, sem nada relevante.

–Droga... – ele murmurou, correndo os olhos pelas notas. Sora já havia tido aulas de música na escola, mas as odiava com todas as forças e, sempre que tinha a chance, escapava para a praia. Por isso, reconheceu apenas uma meia dúzia de notas, que não faziam sentido nenhum. Por fim, jogou o livro num canto e sentou-se no chão, com as mãos no rosto – Por que essas coisas nunca aparecem na hora em que precisamos delas?

–Talvez elas apareçam – então, surpreso, ele ouviu a voz de Kairi – Só precisamos saber como encontrá-las, e como enxergá-las.

–Ah, Kairi... – ele disse, deixando toda a frustração transparecer em sua voz – Eu pensei que, quando eu viesse aqui, aquela voz ou sei lá apareceria e me daria uma pista, ou eu encontrasse algo que pudesse nos ajudar. Mas continuamos no escuro, e eu duvido que algo aqui seja realmente útil.

–Não desista ainda – ela sentou-se ao lado dele, com um sorriso acolhedor – E isso aí, o que é?

–Isso? Só um livro velho de partituras – ele o entregou a ela – Que eu não entendo.

–Hum, deixe-me ver – ela pegou o livro e começou a folheá-lo atentamente – Uau... tem uma canção muito bonita aqui!

–Que bom – ele disse – Porque, para mim, continuam parecendo rabiscos!

–Bem, vou copiar essa partitura, e quando voltarmos a Radiant Garden eu mostro a você – ela deu uma risada – Eu trouxe a minha flauta, posso tocá-la.

            Os dois ficaram em silêncio. Sora ainda estava frustrado e irritado por não ter conseguido encontrar nada do que procurava. Mas, de alguma forma, ter Kairi ali ao seu lado desviava sua atenção daquilo que o perturbava. É, ele tinha que admitir, as coisas podiam até estar mais difíceis agora, mas poder contar com a gentileza e o apoio de Kairi era realmente um privilégio que ele não podia desperdiçar.

–Você não pode ficar se cobrando tanto assim – ela disse – Vamos continuar procurando até encontrar algo útil. Além do mais, tem a Aerith, a Leene, o Riku... eles também estão pesquisando.

–É, assim espero... – ele murmurou, mais para si.

            Então, sem querer, a mão de Kairi tocou a dele. Um turbilhão de coisas voou pela mente dele assim que percebeu a pele morna e macia dela contra a sua. De repente, parecia que ele tinha milhares de coisas que queria dizer a ela, mas que simplesmente se recusavam a sair da sua boca, e que mesmo assim precisavam ser ditas de alguma forma.

            E, no fim, tudo o que ele conseguiu fazer foi corar violentamente. E ela riu.

–Qual é a graça? – ele murmurou, sufocado, enquanto seus olhos percorriam a biblioteca para encontrar possíveis pontos de fuga ou métodos de suicídio rápido.

–Nenhuma – ela disse – É só que... você fica bonitinho assim.

            Ele afundou o rosto nas mãos. Por que tinha sempre que fazer papel de palhaço?

            Ela, então, tocou o rosto dele. E algo estranho aconteceu.

            Novamente, sua cabeça girou como se estivesse numa corredeira, mas não da mesma forma que antes. Não, era algo diferente e familiar. Era a sensação de abandonar sua própria realidade e passar a sentir e viver a realidade de outra pessoa, uma pessoa desconhecida e misteriosa mas, ainda assim, terrivelmente familiar a ele.

            E, então, seus olhos voltaram a foco. E Kairi não estava mais lá.

            Não, era uma outra garota... alguém que despertava naquela outra pessoa o mesmo que Kairi despertava nele. O mesmo sentimento denso e quente, macio e acolhedor.

 

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–Que droga, Cloud, como você deixou as coisas chegarem a esse ponto? – em Traverse Town, Tifa, Yuffie e Aerith encontraram Leon praguejando para um Cloud desacordado. A nave dele estava simplesmente em pedaços, e ele não estava muito melhor.

–Como ele está? – Aerith estava quase sem voz, enquanto se ajoelhava ao lado do rapaz.

–Algumas fraturas, escoriações por todos os lados... e não faço idéia sobre lesões internas – respondeu Leon, enquanto colocava um pano embebido em poção sobre um corte no braço dele – Mas está respirando, a pulsação está estável... precisamos ser rápidos, mas acho que ele vai ficar bem.

            Os quatro começaram a trabalhar correndo contra o tempo. Aerith e Tifa ministravam as poções enquanto Leon e Yuffie preparavam uma maca, e minutos depois eles os levaram para a antiga casa de Cid, agora quartel-general do grupo e depósito do Seventh Heaven. Por muito tempo, eles apenas permaneceram andando de um lado para o outro, buscando remédios e ataduras, quase sem trocar uma palavra. Pararam apenas quando terminaram, ainda assim sem dizer nada.

            O que havia acontecido? Cloud era um bom piloto e a sua nave, Fenrir, era uma das melhores que Cid já havia construído, então a queda não podia ter sido devida a alguma falha dele ou da nave. E se alguém o havia atacado, provavelmente não havia sido muito longe de Traverse Town. E, apesar de os quatro estarem cheios de perguntas, nenhum deles se arriscava a colocá-las em voz alta.

–Água... – então, Cloud sussurrou – Um pouco d’água...

–Aqui... – com cuidado, Tifa levou uma caneca d’água aos lábios dele, que bebeu com dificuldade. Os olhos dele se abriram, e percorreram todo o ambiente – Como você está?

–Não consigo me mexer muito bem – ele murmurou – E acho que vocês exageraram nas ataduras.

–É apenas enquanto as poções estão agindo – respondeu Leon – Você quebrou alguns ossos, então é melhor que eles voltem a se emendar nos lugares certos. Vai poder tirá-las daqui a algumas horas.

            Eles voltaram a ficar em silêncio. E foi justamente Cloud quem o quebrou:

–Bem, como vocês não vão mesmo perguntar, eu digo o que aconteceu – os quatro se voltaram para ele, cheios de expectativa – Eu estava indo para Radiant Garden, quando passei perto de um mundo estranho. As leituras de Heartless eram absurdas, então eu decidi desviar, mas fui emboscado no meio do caminho. A nave foi muito avariada, e esse era o lugar mais próximo. Durante o pouso, os controles ficaram inutilizáveis, e eu terminei caindo aqui. Mas eu pensei que vocês estavam em Radiant Garden, e não aqui!

–Estamos estabelecendo uma base aqui – explicou Tifa – As coisas estão bem feias em vários lugares, então quanto mais pontos seguros tivermos, melhor. Mas você poderia ter voltado antes.

–Eu precisava resolver algumas coisas – disse ele – Investigar o que está acontecendo.

–Bom, por hora concentre-se em ficar bom, tá? – Yuffie tentou sorrir – Foi uma queda bem feia, você tem que agradecer por não estar igual à Fenrir!

–Você ainda vai ter que ficar aqui por alguns dias – disse Aerith – Quando você melhorar, faremos uma reunião com todo mundo para avaliar o panorama da situação. Temos gente nossa espalhada por vários lugares, e eu acho que eles voltarão logo com novidades.

–Sora e os outros devem ter dito que me encontraram – disse Cloud – E sobre The World that Never Was.

–Sim, eles disseram – Tifa engoliu em seco – E... está acontecendo em outros lugares, também. O último foi Port Royal. Estamos tentando encontrar um padrão, ver se descobrimos algum sinal... mas não fizemos nenhum progresso até agora.

–E como os Heartless não entram aqui?

–Achei um cristal em Disney Castle. De alguma forma, ele repele Heartless. Por isso estamos seguros.

–Entendo... – a voz dele estava fraca – Desculpem. Eu devia ter voltado antes. Não pretendo desaparecer outra vez, pelo menos não até que isso tudo termine.

–Tá tudo bem – disse Yuffie – Mas você podia ter dado notícias. Poderíamos ter te ajudado.

–O importante é que, agora, você está de volta – disse Leon. As três garotas se viraram para ele, surpresas pelo tom amargurado da sua voz – Toda a ajuda será bem-vinda.

            Eles ficaram em silêncio, até que Cloud caiu no sono. Aerith ficou cuidando dele, enquanto os outros três saíram e foram até o Terceiro Distrito, onde os destroços da nave dele continuavam espalhados. Leon os observava, com olhos fixos, mas assim que Tifa e Yuffie chegaram perto, perceberam que a mente dele estava a um universo de distância daquela pilha fumegante de blocos gummi.

–Leon, tá tudo bem? – perguntou Tifa, cautelosa.

–Sim, está – ele respondeu, com a voz neutra e vazia – Só estou um pouco cansado.

            Yuffie não disse nada, mas ela já convivia com Leon tempo suficiente para conhecê-lo bem. Ele era daquele jeito, sério, calado, perdido nos próprios pensamentos na maior parte do tempo, um pouco grosso e estúpido às vezes, e sempre com uma muralha ao redor de suas verdadeiras emoções. Mas seus olhos eram incapazes de mentir. E, naquele momento, eles flamejavam, repletos de alguma emoção profunda e cáustica, difícil de definir.

–Durma um pouco – ela disse, por fim – Nós cuidamos dessa bagunça. Você já tá fazendo demais pela gente, tente tirar umas horas para si mesmo e descansar, está bem?

–Certo – ele esboçou um sorriso sem graça – Obrigado, Yuffie.

            As duas o viram se afastar com passos cadenciados em direção ao portão para o Primeiro Distrito. Havia algo que o perturbava, e que tinha a ver com a volta de Cloud. Elas, porém, não se atreviam a tentar adivinhar o que era. Mesmo depois dos anos de convivência, Squall Leonhart ainda era um enigma, e a elas cabia apenas respeitar o espaço dele.

            Até porque isso era tudo o que elas seriam capazes de fazer por ele.

 

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–Olá! Você é o novo músico?

            Sora piscou, confuso, e deparou-se com uma garota com cabelos vermelho-fogo, presos numa longa trança. O rosto era arredondado, gentil e amigável, e os grandes olhos azuis percorriam-no de cima a baixo. Sora sentiu o coração do outro disparar, enquanto ele gaguejava.

–S-sim. Meu n-nome é Seth – ela estendeu a mão a ele, e ele a beijou, numa reverência desajeitada e torta – É uma honra c-conhecê-la, princesa Selene.

–Não precisa ficar tão tímido assim! – ela riu – Ouvi falar que você e seu grupo tocam muito bem. Onde eles estão, agora?

–Nadia é uma Iniciada, então ela está no treinamento dela – respondeu Seth – E Dess está terminando de reformar nossos instrumentos. Não se preocupe, estará tudo pronto para o baile do fim de semana!

            Sora podia sentir que Seth tremia na presença de Selene. Era natural, pois ele podia ver que a princesa, além de possuir o porte e as roupas luxuosas que se esperavam de alguém na posição dela, era linda. Ela saiu por um instante, dizendo que ia buscar as chaves da sala de música, e ele caminhou na direção de uma grande parede espelhada.

            Só então Sora descobriu quem realmente era aquele outro eu: um rapaz, mais ou menos da sua idade, com cabelos lisos e negros, na altura dos olhos castanho-claros, e uma pequena mecha branca na frente. Ele usava roupas despojadas, um casaco sem mangas, luvas vermelhas e um pingente prateado em forma de cruz, e carregava um alaúde nas costas. E ele percebeu também que Seth estava violentamente corado, e que naquele momento ajeitava o cabelo às pressas em frente ao espelho, até que Selene voltasse.

–Aqui. Siga-me – ela deu um sorriso, e Sora pôde sentir o coração de Seth disparar. Ele sentiu uma certa empatia pelo rapaz, ao se lembrar do seu próprio papelão com Kairi minutos atrás – Não precisa ficar tão nervoso! Nenhum de nós morde!

            “Não ficar nervoso? Não ficar nervoso? Como ela espera que eu não fique nervoso na presença de Selene Windrose, princesa de Waterfall City? Ela só pode estar brincando!”, pensava Seth, angustiado, enquanto a seguia pelas escadarias do imenso castelo todo branco e forrado de vidro e granito. Eles caminharam por uma sucessão de corredores, até pararem em frente a uma grande porta de mogno. Ela a abriu, revelando uma belíssima sala acarpetada com todo tipo de instrumento musical.

–Uau! – por um instante, a mente dele se desviou do rosto da princesa e se concentrou na imensa quantidade de instrumentos – Isso é um sonho se realizando! – e, para ela – A senhorita toca alguma coisa?

–Violino – ela respondeu, tímida – Mas não sou muito boa!

–Eu posso? – ele pediu, com os olhos brilhantes, aproximando-se de um alaúde de cerejeira reluzindo de novo – Por favor?

–Claro, sinta-se à vontade! – ela riu outra vez, enquanto ele pegava o instrumento e começava a dedilhar suas cordas, lentamente, acertando a afinação delas uma a uma.

            E então, ele começou a tocar uma melodia que teria deixado Sora arrepiado, se ele estivesse no controle do próprio corpo. As notas pareciam voar, contando uma história sem palavras de um mundo belo e distante, intocado e perfeito. Durante alguns minutos, Seth ficou totalmente alheio ao mundo e entregue à canção, como se ela o conduzisse. E, quando ele terminou, os olhos de Selene estavam marejados.

–Isso foi... lindo – ela murmurou – Simplesmente fantástico.

–É uma canção da minha terra – ele disse, num tom de reverência – A “Canção das Estrelas”. Há uma lenda que diz que qualquer pessoa que a ouvir vai sempre pensar em sua terra natal – e, para ela, então, com um sorriso – Essa foi a primeira parte, e eu estou com a partitura aqui. Por que você não me mostra um pouco do que sabe com o violino?

–Eu? – foi a vez dela corar – Ah, não, não, eu sou muito ruim! Sério, não!

–Desculpe se isso parecer desrespeito, alteza – ele insistiu – mas mostre-me, por favor!

            Ela o encarou, e Sora tinha certeza de que Seth estava usando a mesma expressão suplicante e inocente que ele usava sempre que queria alguma coisa dos amigos. Por fim, ela aceitou, com uma risada, e pegou seu violino. Ele estendeu a ela a partitura e ela, depois de observá-la por algum instante, começou a segui-la.

            A melodia, ao som do violino, ficava igualmente sublime, e agora Sora entendia o motivo da lenda. Ele continuava pensando numa terra perfeita e distante, mas agora percebia que ela tomava a forma de praias brancas e calmas, palmeiras, cascatas... pequenas ilhas e árvores com frutas paopu...

            Destiny Islands. Seu paraíso perdido.

            E, então, Seth começou a seguir a mesma melodia, de memória, no alaúde. A fusão dos dois sons tornou a canção ainda mais bela, enquanto a mente de Sora ainda vagava pelas ilhas em que passara quase toda a sua vida, e que agora pareciam distantes... um sonho perdido entre tantos outros que ficaram para trás...

–A senhorita toca divinamente – ele foi desperto do seu devaneio pela voz de Seth.

–Obrigada – ela disse, trêmula – Isso foi... foi fantástico.

–Bem, infelizmente não temos um violinista em nosso grupo – ele disse – Mas poderá ouvir novamente esta canção durante o baile, se quiser. Nadia é nossa flautista, ela vai tocá-la.

–Será um prazer – ela sorriu.

            Então, os dois se viraram ao mesmo tempo para a janela. O sol começava a se pôr, e Seth se aproximou, para se deparar com um verdadeiro espetáculo. A luz alaranjada do sol poente era refletida pela queda d’água, e tingia os prédios brancos lá embaixo, como se fogo e água se fundissem, sem se destruir mutuamente. Por vários segundos, ele mal respirava, assim como Sora, hipnotizado pela beleza daquela cena.

–Isso é lindo... – sussurrou Seth – Simplesmente lindo.

–Minha avó pediu para que a sala de música fosse construída aqui – disse Selene, colocando-se ao lado dele – Ela era uma flautista excepcional. Depois que ela morreu, meu avô decidiu manter a sala sempre intacta, e sempre se cercou de bons músicos. É uma pena... – a voz dela baixou – Infelizmente, os ministros usam até isso para nos atacar.

            À menção dos ministros, Sora sentiu o sangue de Seth ferver. E, aparentemente, ela também percebeu.

–Isso te incomoda?

–Não sei se devo falar disso na sua presença, alteza – ele disse, a voz endurecida – A família Windrose sempre lutou pelo bem da cidade, mas... ultimamente seus ministros estão se metendo demais no governo e nos dando menos importância do que deveriam.

–Eu sei disso – ela também ficou alterada – Isso vai mudar quando eu me tornar rainha. Meu pai é fraco, e minha mãe é conivente com isso. Meus avós e bisavós deram poder demais aos ministros, e já está na hora de alguém reverter essa situação!

            Os dois permaneceram olhando o pôr-do-sol pela janela. Mas havia algo diferente no ar, uma certa... cumplicidade. Um laço que a música e o desejo de uma melhoria em Waterfall City criaram.

–Minha mãe teria um ataque se me ouvisse falando isso com você – disse Selene, por fim, sem esconder uma risadinha – Mas ela nunca vem aqui. Aqui estamos seguros, eu acho – e, para ele – E, já que você será um dos músicos contratados do castelo, poderá usar a sala para seus ensaios sempre que quiser! Você e seu grupo, claro.

–Obrigado, alteza! – os olhos dele brilharam – Muito obrigado mesmo!

            Ela apenas sorriu. E, então, Sora sentiu a imagem desvanescer e sumir, e lentamente a bela janela deu lugar novamente à biblioteca de Disney Castle, e a bela princesa deu lugar à expressão preocupada de Kairi.

–Sora? Sora, fala comigo!

–Ahn? Kairi? – ele ainda ficou perdido entre realidade e devaneio por alguns segundos.

–Que bom que você voltou a si! – ela disse, com um suspiro de alívio – Você me assustou, sabia?

–Que coisa estranha... – ele murmurou, sentindo a cabeça latejar – Eu... vi outra coisa. Mas...

–AH, ENTÃO VOCÊ FINALMENTE APARECEU! – os dois se viraram sobressaltados na direção de uma voz feminina, que berrava a plenos pulmões – É MELHOR TER UMA EXPLICAÇÃO MUITO BOA, DONALD, OU VAI SE ARREPENDER!

–Bem, parece que a Daisy o achou – disse Sora, cocçando a cabeça – Devemos ir até lá salvá-lo?

–Nah, deixe ele sofrer um pouquinho! – respondeu Kairi, rindo – A gente vai depois.

            Por fim, os dois resolveram voltar, e se depararam com Daisy desfiando um longo discurso a Donald, que apenas ouvia encolhido, e Goofy rindo à socapa do outro lado. Depois de algum tempo, ela saiu, completamente furiosa, deixando o feiticeiro completamente atônito e os outros três se acabando de tanto rir.

–Ela é terrível... – murmurava ele, desesperado – Terrível...

–Bem, vamos continuar pesquisando – disse Sora, por fim – Acho que... agora tenho uma idéia do que procurar.

–E o que seria? – perguntou Goofy

–É o seguinte – o garoto se sentou, e começou a contar – Eu tive outra daquelas visões, sabe. Aí...

 

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–Esse é realmente um belo castelo – em The World that Never Was, Erinia contemplava a destruição e a ruína de uma das janelas do castelo – Realmente, muito bonito. Mas não podemos continuar aqui. Precisamos de mais energia, precisamos drenar outro mundo.

–Isso é verdade – concordou Maleficent, ao lado dela – Pelo menos isso ainda temos de sobra. Mas precisamos correr para encontrar a Fonte. Eles não vão demorar até perceber o que estamos fazendo.

–Perceber... – então, Erinia deu uma risada – E o que eles poderão fazer? Tantos outros tentaram me deter, e não conseguiram... eles são apenas crianças teimosas num mundo cruel. É uma pena ceifar suas pobres existências tão cedo, mas é o que farei, assim que conseguir chegar até a Fonte.

–Não os subestime – observou Maleficent, séria – Eles tem muito poder. A Keyblade é uma arma misteriosa, e não deve ser ignorada. Além do mais, precisamos que eles encontrem a Fonte para nós.

–Sei disso – concordou a primeira – E é apenas isso que me impede de esmagar Radiant Garden e todos os que estão lá. Mas é apenas questão de tempo. Quando eles perceberem, já será tarde demais,

–Isso não muda o fato de que precisamos de mais energia – disse Maleficent – Tem algum lugar em mente?

–Eu pensei em Traverse Town, mas algo está me impedindo de chegar até lá – respondeu Erinia – Os garotos de lá são teimosos, e inteligentes, e conseguiram assegurar uma base. Disney Castle também é inacessível, e eu não vou atacar Radiant Garden, por enquanto. Não... mas eu preciso que eles venham atrás de nós. Eu preciso lançar uma isca...

–Uma isca? – então um sorriso cruel crispou os lábios finos de Maleficent – Então eu sei o lugar ideal. E ele fica muito próximo daqui. Twilight Town.

–Sim... é perfeito – Erinia também sorriu – Você é realmente brilhante. Vamos começar amanhã mesmo. Quando eles perceberem... já será tarde demais.


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