Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 8
Sob a mesma lua




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–Tá, esperem um pouco aí! – depois de ouvir os relatos de viagem dos dois grupos, Cid os interrompeu, confuso – Leituras de Heartless onde não haviam Heartless... uma porta que é fonte de Nobodies... e a Keyblade da Kairi ativando inscrições de Waterfall City? Isso não faz o menor sentido!

–Na verdade, faz sim – explicou Leene – Kairi me contou que a Moonbeam foi um presente de vocês dois para ela. Mas porque especificamente essa forma?

–Descobrimos que a Kairi podia manejar uma Keyblade quando lutamos contra Xehanort – explicou Sora – Então, uma noite, eu tive um sonho estranho... Eu só me lembro de que era uma noite de lua cheia, uma lua muito bonita, muito brilhante... E me lembro de uma Keyblade, também. Contei o sonho ao Riku, ele a desenhou e pedimos ao Merlin e aos Moogles para nos ajudarem a fabricá-la.

–Um sonho? – Leene ergueu uma sobrancelha – Estranho... a grande insígnia de Waterfall City é a lua. Não acredito que seja coincidência o fato de aquelas inscrições terem reagido ao toque da Moonbeam. Precisamos falar com o Merlin, e rápido.

–Isso não vai ser possível – disse Cid – Ele sumiu no mesmo dia em que vocês partiram, dizendo que ia atrás do Yen Sid.

–Isso só pode ser brincadeira! – retrucou Donald – Bela hora pra ele sumir também! Droga!

Então, eles ouviram uma voz, vinda do sistema de comunicação.

–Traverse Town contatando Radiant Garden – eles reconheceram a voz de Tifa – Alguém na escuta?

–Pode falar, Tifa – disse Cid, enquanto ligava o telão, que revelou não apenas Tifa, mas Aerith e Yuffie. Assim que a ninja apareceu, Leene torceu o nariz, e Yuffie fez o mesmo – Como estão as coisas ai?

–Queríamos confirmar uma leitura estranha que recebemos aqui – respondeu ela – Não encontramos Heartless por aqui há dias, e mesmo assim os sensores indicam que Traverse Town está infestada deles!

–É a mesma coisa que aconteceu em Paris – disse Goofy – Pensamos que os sensores da Highwind estavam com defeito, porque eles estavam indicando a mesma coisa!

–Estranho... – murmurou Aerith – Não pode ser coincidência.

–Foi até bom que vocês entrassem em contato – disse Cid – Vocês sabem onde diabos está o Cloud?

–Não – respondeu Yuffie – Não o vemos desde quando ele e o Sephiroth desapareceram depois daquela luta, há alguns meses atrás.

–Outro tratante que escolheu uma excelente hora pra sumir... – o engenheiro praguejou – Vocês se lembram sobre aquilo que ele disse? Mundos envelhecendo e tudo o mais?

–O que aconteceu? – perguntou Riku, ansioso, já intuindo a resposta – Onde?

–Port Royal – respondeu ele, fazendo com que todos engolissem em seco – O lugar está completamente deserto e arruinado, e não sabemos o que aconteceu com os habitantes de lá.

–Isso é um pesadelo – murmurou Sora – Como? Quando?

–Não sabemos – respondeu Cid – Enquanto vocês estavam fora, a atividade de Heartless em Port Royal cresceu a níveis assustadores, e depois normalizou de repente. O rei Mickey foi para lá, e já me mandou relatórios parecidos com aquilo que vocês disseram sobre The World that Never Was: tudo deserto, abandonado e em ruínas, como um cemitério velho.

–E vocês tiveram alguma notícia de Maleficent, ou Erinia? – perguntou Aerith, e os outros responderam com um aceno negativo de cabeça – Então é isso, continuamos no escuro enquanto mundos desmoronam! Isso é terrível...

–Ainda não – então, Leene interrompeu – Ainda não. Agora, pelo menos, detectamos um certo padrão. Encontramos os mesmos símbolos em três mundos diferentes sem relação entre si, e eles remetem a Waterfall City.

–Waterfall City! Pff, dá um tempo! – sibilou Yuffie, do outro lado da tela – Você passou não sei quantos anos lá e não conseguiu pensar até agora numa forma de ajudar!

–Cale a boca, OK? Se tiver alguma idéia melhor, ótimo, sou toda ouvidos!

–Parem vocês duas! – por fim, Kairi perdeu a paciência – Temos coisas importantes para discutir aqui! Precisamos pesquisar e descobrir a relação entre tudo isso! Além do mais, há outros mundos lá fora que também estão em perigo!

–E, dessa vez, sem quebras – acrescentou Donald, encarando Sora e Riku – Precisamos pensar, e precisamos saber para onde ir.

–Sei de um lugar – disse Goofy – Há uma enorme biblioteca no castelo, talvez devêssemos ir até lá e pesquisar!

–Ou poderíamos ir diretamente à fonte – sugeriu Leene, obstinada – Eu voto em irmos para Waterfall City.

–Fora de cogitação – replicou Cid – O caminho está completamente bloqueado, e algo está barrando nossos sensores.

–Droga – sussurrou ela – Tá bem, vamos para Disney Castle. Mas vocês sabem que não temos tempo para perder lá!

–Precisamos desligar agora – disse Tifa – Entraremos em contato em breve. Câmbio final.

O telão foi desligado, e eles permaneceram em silêncio por um tempo, silêncio que foi quebrado apenas por Leene, num tom neutro:

–Se precisarem de mim, estarei na fissura de cristal, OK? – e deu as costas, saindo a passos rápidos. Os outros a observaram se afastar, sem entender nada. Riku, porém, resolveu ir atrás dela.

–Não faça isso, deixe-a sozinha! – aconselhou Sora.

–Preciso falar com ela, entender o que está havendo – rebateu ele – Nunca a vi assim, deve ter acontecido algo para deixá-la desse jeito.

Sora apenas deu de ombros, enquanto Riku a seguia, lentamente e em silêncio, até a fissura de cristal. Ela andava a passos rápidos e cadenciados, aparentemente absorta em seus próprios pensamentos. Quando chegaram à trilha, porém...

–Aaahhh! Ficou louca? – uma adaga saiu voando na direção de Riku, e só não o acertou porque ele conseguiu se esquivar a tempo – Sou eu!

–Droga, Riku, por que me seguiu? – ela replicou, aborrecida, enquanto resgatava a adaga, que havia ficado espetada em uma rocha – Me deixe sozinha, por favor.

–Sem chance – retrucou ele – Não até você dizer o que está acontecendo.

Ela suspirou, cansada, e se sentou em uma das pedras. Começava a anoitecer, e a luz do crepúsculo incendiava o paredão de pedras do caminho que conduzia à fissura de cristal. Riku sentou-se ao lado dela e perguntou:

–Você ficou mexida quando Yuffie disse aquilo sobre Waterfall City. O que houve lá?

–Eu passei três anos lá – respondeu ela, sem o encarar – Presa, isolada, sem comunicação com Radiant Garden... E, por mais gentis que os moradores de lá tenham sido, e por mais que eu tenha aprendido, aquele não era o meu lar. Não era...

–Como era lá? – ele perguntou.

–Era um lugar legal – ela deu um sorriso tímido, ainda sem se virar, enquanto apoiava as mãos sobre os joelhos – E muito bonito. A gente tinha que morar na cidade subterrânea, Crystal Fortress... mas, de vez em quando, eu fugia e ia ver a cidade à noite... e era lindo. Toda a cidade é branca e brilhante, como se fosse tudo feito de mármore... e, ao longe, dá pra ver o Moonlight Castle e suas torres... Sabe, elas ficam prateadas com a luz da lua!

–Deve ser mesmo muito bonito... – Riku ficava imaginando a cena – Mas por que Waterfall City?

–Porque, bem no centro da cidade, é possível ver uma imensa cascata – respondeu ela – Ela cai de uma montanha, num grande lago... o castelo fica no topo dessa montanha, perto de onde começa a queda d'água. A visão da cidade à noite é de tirar o fôlego!

–Mas por que vocês tinham que ficar na cidade subterrânea?

–Nobodies por todos os lados... havia algo que protegia os prédios da cidade, mas era como se Waterfall City tivesse se tornado uma cidade-fantasma... linda, intocada, mas deserta.

–E as pessoas de lá, como eram?

–Eram legais... quer dizer, algumas – ela deu uma risadinha – Minha professora era um pouco assustadora, mas me ajudou muito. E eu tinha amigos lá...

–Amigos? – de repente, ele sentiu-se corar, enquanto perguntou, gaguejando – E... algum, hum, namorado?

–Bem, digamos que sim – ela disse, dando de ombros – Mais ou menos. Não deu muito certo entre nós, sabe? Eu fui embora como amiga dele, mas... não sei se ele entendeu isso muito bem.

–Ahn... – ele engoliu em seco, e desconversou – E o que mais?

–Tinha algumas crianças lá, também – ela deu um sorriso – Eu me lembro que gostava de contar histórias para elas à noite, sobre o que havia do outro lado do universo. Sabe, o teto de Crystal Fortress é enfeitiçado, e dá pra ver a superfície. Não é como o céu límpido, é mais como ver o céu através de um vidro sujo, mas ainda assim é bonito.

–Crystal Fortress... por que esse nome?

–Porque a cidade foi construída dentro de uma antiga mina de cristal... e ainda tem alguns pelas paredes. Dependendo da luz, é possível até vê-las brilhar – ela suspirou – É engraçado, de certa forma eu sinto falta de lá. Das pessoas, da cidade... sabe, eu até tinha um mascote lá!

–Um mascote? Não sabia que você levava jeito com animais!

–Era um pássaro grande, de penas amarelas, bem vivas... acho que estão cuidando bem dele, agora.

Eles ficaram em silêncio. A noite terminava de cair, e o céu agora estava pontilhado de milhares de estrelas. Ela ainda não o encarava, mas Riku não precisava ver o rosto dela para saber que, naquele momento, seus olhos fitavam o céu, absortos, como se buscassem algo incessantemente entre as estrelas. Ele a via agora não como a lutadora inconseqüente e bem-humorada que pilotava a nave, mas como uma garota que tentava conciliar dois sentimentos conflitantes em seu coração.

E ela era bonita. Céus, como era bonita! O cabelo longo e louro caía em ondas espessas pelos ombros estreitos, e uma faixa azul os mantinha afastados do rosto delicado e gentil. E havia algo em seu rosto, uma expressão de alguém que estava disposto a lutar até o fim para não perder a fé.

–Eu só queria ajudá-los a reerguer a cidade – ela murmurou – Não é justo, um lugar tão belo e grandioso como aquele, e seus moradores terminarem escondidos numa mina! Mas não posso pensar apenas nele quando o resto do universo também está desmoronando... Tantos precisam de nós, e ainda somos tão poucos... será que seremos capazes?

–Leene, ouça – ele olhou profundamente nos olhos esverdeados da garota – Essa luta será difícil, e perigosa. Sei disso. Mas só perderemos quando deixarmos de acreditar que o que fazemos é o certo. Vamos ficar de pé, e vamos vencer essa batalha – e, então, olhou para o céu – Vê? Lá em cima, tem um monte de mundos, e acho que nunca vamos saber da existência da maioria deles. Mas cada um tem um coração, tão vivo e pulsante quanto o seu ou o meu. E um coração precisa de luz. Se pudermos manter a luz no coração de cada mundo viva e acesa, não poderemos perder.

–Tantos mundos... e uma mesma lua... – ela murmurou, olhando na mesma direção que ele – Será que todos os mundos olham para a lua da mesma forma que nós, agora?

–Talvez – ele disse – Não sei. Sabe, a lua não brilha por si só. Ela precisa ser iluminada pelo sol para brilhar. Mas, mesmo assim, de certa forma, ela leva a luz aos lugares escuros. Acho que nossa função é mais ou menos essa, tentar levar luz às sombras, mesmo que essa luz não parta de nós. Mesmo com as fases de lua nova, mesmo com os eclipses... ainda continuaremos refletindo luz.

–É uma boa forma de ver as coisas – ela, então, sorriu – Mas nós somos pequenos, muito menores que a lua. Será que podemos fazer com que essa luz chegue tão longe assim?

–Temos que tentar – o tom dele era decidido – E não desistir. Sabe, quando eu e Sora ficamos presos em Realm of Darkness, um pouco depois de vencer o Xehanort, encontramos um poema da Kairi, e ele foi a chave para que voltássemos para casa. Eu só me lembro de um verso dele: "Há muitos mundos, mas eles compartilham o mesmo céu. Um céu... um destino."

–"Um destino..." – ela repetiu, sussurrante – Um destino. Sim, você tá certo. Temos que tentar.

–Nós vamos conseguir – ele a encarou novamente – Eu prometo. Nós vamos conseguir.

Ela o encarou, e sorriu, surpresa e tocada. Ele sorriu de volta, feliz por ela, e feliz por conhecê-la um pouco mais. E, agora, também tinha uma promessa, algo que ele iria cumprir e levar até o fim. Os dois se levantaram, e começaram a fazer o caminho de volta, quando algo os interrompeu.

Estava frio, muito frio. Um frio estranho e cortante, fora de época.

–Mas que droga é essa? – murmurou Leene, já tirando as adagas das bainhas, enquanto Riku preparava a sua Keyblade – Tá bom, engraçadinho, pode aparecer agora mesmo!

–Ah, jovem Leene, o seu espírito de luta é realmente impressionante – ela sentiu seu sangue gelar ao reconhecer a voz e a risada que vieram depois – Mas eu não quero lutar com você. Não agora.

Então, eles viram novamente a figura da mulher bela e gelada de cabelos prateados e olhos negros. Erinia. E, ao lado dela...

–Maleficent? – grunhiu Riku, entredentes – O que está fazendo aqui?

–Ora, estou apenas acompanhando uma amiga em um passeio pelas nossas futuras aquisições – a bruxa respondeu, com uma risada – Mas acho que, depois de tudo o que fiz por você, de todo o carinho e atenção, você deveria me tratar um pouquinho melhor.

–Futuras aquisições? Ha, só passando por cima de mim! – ele se preparou para o ataque – Vocês não irão tocar em uma só pedra de Radiant Garden!

–Tocar? E quem falou sobre tocar? – Erinia riu novamente – Eu não preciso tocar. Aliás, muito em breve não precisarei mais desse lugar. Eu poderei criar todo um universo ao meu bel-prazer!

–O quê? – sibilou Leene – Fala sério! Você acha que é Deus ou algo assim?

–Ora essa, você é uma das Iniciadas de Waterfall City – a mulher sorriu – Tem certeza de que todo esse ceticismo é mesmo necessário?

–O que você sabe sobre Waterfall City, sua bruxa ridícula? – a garota cuspiu, irada – Não fale das Iniciadas com essa boca imunda!

–Ah, eu falo sim – ela sorriu outra vez – Porque eu sou uma delas, uma das filhas de Shiva. Isso nos torna irmãs de insígnia! Ah, ah, ah, isso não é irônico?

Então, ela não pensou mais. No segundo seguinte, ela disparou na direção de Erinia, e Riku pôde ver, por uma fração de segundo, suas adagas incandescentes e iluminadas pelo que parecia ser um novelo de milhares de pequenos raios. Ela investiu diretamente contra Erinia, mas mesmo em toda a sua velocidade, não conseguiu acertar a outra, que se esquivou graciosamente. Leene continuou, tentando acertá-la, sem sucesso, até que Maleficent lançou-a para longe com um feitiço.

–Eu não acredito que agora tem mais uma pirralha para nos atrapalhar – murmurou a bruxa, aborrecida, enquanto Riku corria até a garota para socorrê-la – Erinia, vamos acabar logo com eles, assim serão dois a menos!

–E assim teremos todos os amigos deles vindo correndo como loucos atrás de nós – respondeu Erinia, num tom neutro – Ainda não. Precisamos que eles vivam para dar o recado.

–Eu tô bem, Riku – murmurou Leene, se levantando – Ela só me pegou de surpresa. E não vai ter a mesma sorte outra vez. – ela se preparava para lutar outra vez, mas Riku a impediu, dizendo:

–Não, nem pensar – e a encarou – Não podemos combater as duas sozinhos!

–Ouça o seu amigo, jovem Leene – disse Maleficent, num tom falsamente maternal – Ele sabe que vocês não tem chance contra nós.

Ele a ajudou a se levantar, e decidiu dar as costas às duas bruxas, mas logo percebeu que não era capaz de se mexer. Ao olhar para trás, percebeu que Erinia os estava paralisando com um feitiço.

–Vocês não sairão daqui até ouvirem meu recado – a voz dela era baixa, quase musical – Digam ao mestre da Keyblade que eu já enfrentei outros do tipo dele, antes, e que todos caíram, cedo ou tarde. Aliás, o fim de todo aquele que se diz mestre da Keyblade é sempre triste, prematuro e solitário. E, quando o fim dele chegar, eu estarei lá, e tudo será meu.

–Por que você não pega as suas ameaças e enfia lá onde o sol não bate, hein? – Leene voltou a se levantar, mais irada ainda – Você não vai chegar perto do Sora, sua nojenta!

–Mas que boca suja para uma Iniciada! – Erinia a censurou – Mas chegará a hora em que eu terei poder mais que absoluto. Criação, destruição, tudo estará em minhas mãos, e não será um moleque com uma chave que irá me impedir.

–Pense de novo – retrucou Riku, materializando a Way to Dawn – Você não tá falando de "um moleque com uma chave", e sim do meu amigo! E, falando em chaves... – apontou a própria Keyblade para ela – É melhor morder a língua quando fala da Keyblade!

–Isso está ficando cada vez mais divertido – ela sorriu – Que venha um exército! Eu posso vencer todos!

Riku teve que conter o ímpeto de lutar. As duas já haviam se provado muito mais fortes que eles. O que ele tentava agora era entender o motivo daquela aparição. Por que falar especificamente com ele e com Leene, quando todos estavam na cidade? O que elas pretendiam?

–Se está pretendendo nos assustar, sinto muito, mas perdeu seu tempo – replicou Leene, com desprezo na voz – Já ouvimos esse mesmo papo furado mais de uma vez!

–Hum, você é mesmo muito atrevida – Maleficent estava irritada – Talvez eu devesse lhe dar uma lição de boas maneiras e respeito, não é?

Maleficent, então, atirou na direção dela uma grande bola de fogo. Por um segundo, Riku viu tudo em câmera lenta, e sem se permitir pensar no que estava fazendo, colocou seu corpo na frente do dela, recebendo todo o impacto do feitiço diretamente em seu peito e caindo no chão, desacordado.

–RIKU? RIKU! DROGA, SEU IDIOTA, O QUE VOCÊ FEZ? – Leene se ajoelhou perto dele, berrando desesperada – VOCÊS DUAS ME PAGAM! SE ALGO TIVER ACONTECIDO A ELE...

Mas ela percebeu que estava gritando para o vazio, porque no instante seguinte Maleficent e Erinia haviam desaparecido. Assim, ela voltou suas atenções para Riku, e amaldiçoou a si mesma por não ter se especializado em feitiços de gelo, enquanto rasgava a camisa dele e se deparava com uma grande queimadura em seu peito. Então, com o máximo de delicadeza que podia ter, colocou-o sobre os ombros, e levou-o para a cidade, torcendo para que nada de grave tivesse acontecido.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Quando Riku despertou, ele não abriu os olhos imediatamente. O primeiro impacto de consciência foi o cheiro forte de anti-séptico e desinfetante que invadiu suas narinas assim que ele despertou. Aos poucos, foi percebendo o ambiente, os sons, texturas e aromas, e só abriu os olhos alguns minutos depois.

A primeira coisa que ele viu foi o ambiente ao seu redor. Era um dos quartos da enfermaria de Radiant Garden, o que certamente explicava o cheiro. Ele estava sem camisa, e seu peito estava coberto por um imenso curativo. Ao tocá-lo, sentiu uma dor aguda, ardida. Aos poucos, foi se lembrando da noite em que encontrou Erinia e Maleficent, e do feitiço que a última lhe lançara. E, então, foi tomado pela preocupação. Onde estaria Leene? Ela teria ficado bem?

E, o mais importante... como diabos ele havia chegado ali?

–Não... não, deixe o coelho em paz! – ao olhar para o lado, percebeu que Sora estava cochilando e murmurando coisas sem nexo na cadeira ao lado da sua cama – Deixe o coelho em paz, deixe... Deixe-o em paz! – ele acordou assustado, olhando em volta. Riku sorriu mentalmente. Na certa, o amigo estava tendo algum sonho bizarro que não faria sentido para mais ninguém.

Sora esfregou os olhos e olhou em volta. Levou algum tempo até que ele percebesse que Riku estava acordado e que, naquele momento, o encarava com uma expressão divertida.

–Que história é essa sobre coelhos, hein? – ele perguntou – Alguém já te disse que comer demais antes de dormir dá pesadelos?

–Riku, você acordou! – ele disse – Ah, que bom! Ficamos preocupados com você!

–O que aconteceu? – ele disse, tentando se sentar, mas... – AAAAAAHHHH, isso dói! – o ferimento começou a doer, arremessando-o deitado de volta na cama – Droga!

–Leene te trouxe para a enfermaria – respondeu Sora – Acho que ela te carregou desde a fissura de cristal, nem sei como! Ela estava apavorada, e você estava desmaiado e sangrando. Levamos horas para acalmá-la e fazê-la contar o que aconteceu.

–Então vocês sabem que Erinia e Maleficent estiveram aqui – disse Riku, e o outro acenou afirmativamente com a cabeça – É fato, as duas, além de poderosas, são atrevidas demais!

–Seu ferimento foi bem feio – disse o outro – Se fosse um pouco mais forte, poderia até ter matado você! Por sorte, o pessoal daqui trabalhou rápido. Você vai ficar com uma cicatriz meio feia, mas não haverão outras seqüelas.

–E há quanto tempo estou apagado?

–Uns três dias.

–Bem, e quanto tempo mais terei que ficar aqui?

–Mais alguns dias.

–Ah, cara, eu odeio hospitais! – ele protestou – Luzes apagadas às nove da noite, comida ruim, injeções, curativos, pontos... não tinha como usar uma poção ou algo assim?

–Eles bem que tentaram, mas a magia de Maleficent era imune a poções comuns.

Então, a conversa deles foi interrompida pela porta se abrindo. Eram Kairi e Leene, que chegavam trazendo flores e biscoitos, e que arregalaram os olhos assim que viram Riku acordado.

–Ah, que bom que você acordou! – Kairi foi a primeira – Você nos deu um susto e tanto!

–Me desculpem... – ele sorriu, sem-graça. Olhou para Leene, e ela o observava com um olhar carregado de mágoa.

–Será que vocês dois podem nos dar licença por um instante? – ela mesma disse para Kairi e Sora, depois de um instante – Preciso conversar com ele a sós.

Os dois se entreolharam, depois acenaram com a cabeça e saíram. Por alguns minutos, Leene e Riku ficaram apenas se encarando, em silêncio, até que ele disse:

–O que foi que eu fiz? – só então percebeu que, na mão dela, começava a se formar o mesmo novelo de raios que ele vira nas adagas dela, na noite do ataque – Ei, o que você vai fazer?

–Você não gosta de levar feitiços na cara? – ela sibilou – Então preparei um para você... THUNDER!

Ela jogou o feitiço nele. Era um tanto doloroso, sem dúvida, mas aparentemente inofensivo.

–Ficou louca? – ele protestou, ao ver que ela preparava uma segunda rodada – O que acha que está fazendo?

–O que você achava que estava fazendo lá? – ela rebateu, e sua voz estava cheia de rancor – Levar um feitiço por mim? Bancar o herói e morrer pra me salvar? Isso pode até ficar lindo escrito numa lápide, mas você tem que se lembrar do que acontece com quem fica para trás!

–Leene, eu... – ele tentou se defender, mas ela o cortou:

–Você só fala quando eu terminar! Eu não quero heróis, entendeu? Eu não quero ninguém se sacrificando por mim! O que eu quero são meus amigos vivos e bem, do meu lado, e não presos a uma droga de cama de hospital... ou pior...

Riku não tinha o que responder. Ele não havia pensado nem por um instante no que havia feito, só sabia que ela poderia se ferir e que ele não poderia deixar isso acontecer. Tocou, por um instante, no curativo em seu peito, e imaginou a extensão do estrago. Seria tão grave assim? Ele poderia mesmo ter morrido, se tivesse um pouco menos de sorte?

–Sabe, eu não sei o que aconteceu com os meus pais – ela murmurou – Eles eram engenheiros, construíam veículos e naves. Quando o ataque de Heartless começou, eles me colocaram numa das naves e me mandaram para longe. Desde então, não os vi mais. Não sei se estão bem, se conseguiram fugir... Mas, se eles tivessem ido, ao invés de se preocupar tanto em me proteger, a essa hora certamente estariam bem. E... – ela engoliu em seco – Eu não quero perder mais ninguém assim. Não por minha causa, não vale a pena.

–O quê? Não vale a pena? – Riku reagiu – Você prestou atenção no que está dizendo? Como ousa dizer que não vale a pena correr riscos para te salvar? – e a encarou, fuzilante – Nunca mais diga isso, ouviu?

–E você? Olhe só pra você, agora! Todo machucado e estropiado, preso a essa cama por não sei quanto tempo... – só então ele percebeu que lágrimas teimosas escorriam pelo rosto dela – Eu não posso perder mais ninguém, entendeu? Ninguém! Principalmente você!

Riku até abriu a boca para argumentar, mas desistiu no meio do caminho. Quando Leene havia se tornado assim tão confessional? E, o mais importante, quando ele havia se tornado tão importante para ela?

–Vocês são engraçados – ele disse, por fim, sem esconder um sorriso – O Sora me espanca porque acha que eu não confio nele, você me joga raios porque não quer que eu me machuque por você...

–Isso não tem graça – ela resmungou, parecendo-se com uma menina emburrada de seis anos.

–Ah, tem sim! – ele riu mais – Como eu sou incompetente... só tento ajudar, e olha só o que eu acabo fazendo!

Ela o encarou, surpresa. Sério, era oficial: ela não o entendia.

E, mesmo assim, acabou sorrindo junto com ele, entre as lágrimas.

–Só... me prometa que eu não tenho que ter medo de você não voltar para casa depois de cada luta, tá bem? – ela disse, enxugando o rosto com as costas da mão – Que você não vai ser burro o bastante de pular na frente de outra bola de fogo, ou algo assim.

–Eu prometo – ele disse, com uma risada – E... obrigado por ser preocupar. É muito gentil da sua parte.

–Bem, você não vai poder viajar para Disney Castle – ela disse – Não nesse estado, pelo menos.

–Ah, droga... – ele reclamou, afundando mais nos travesseiros – Eu vou ter que ficar preso aqui?

–Bem... eu acho que posso ficar aqui e te fazer companhia, se você quiser – ela respondeu, tímida.

–Nada disso! Eles precisam de você – ele rebateu – Vai ser um saco ficar aqui, e não é justo te deixar trancada aqui comigo também. Eu vou ficar bem!

–Eles sabem o que procurar – retrucou ela – Não, não vou te deixar aqui sozinho, de forma alguma! Vou ficar e fim de papo! Além do mais, descobri alguns livros espalhados pelo castelo que talvez possam ser úteis.

–Bem, então eu também quero ajudar – insistiu Riku – Estou me sentindo inútil aqui!

–Acho que os médicos não irão se opor a você ler alguns livros – Leene deu um sorrisinho – É, tá bem. Eles pesquisam em Disney Castle e nós pesquisamos aqui!

Riku, apesar de ainda sentir-se dolorido e cansado, estava se sentindo bem. A cada minuto, gostava mais da companhia de Leene, que alternava momentos de doçura e gentileza com momentos de pura hiperatividade. Ela era luminosa, animada... um verdadeiro sol ambulante.

"A lua não brilha por si só", ele se lembrou. "Ela precisa que o sol lhe dê um pouco da sua luz. Talvez seja por isso que eu me sinta tão bem perto dela. Ela me faz sentir como se... como se eu tivesse luz, como se eu também brilhasse". Ao observá-la, sorriu, sentindo-se aquecido de repente.

–Só uma coisa eu ainda não entendi – ele disse por fim – Erinia chamou você de Iniciada, de filha de Shiva, sei lá... o que ela quis dizer com isso?

–Existe uma ordem de feiticeiras em Waterfall City à qual eu pertenço – respondeu Leene – As Iniciadas são todas aquelas que já terminaram seu treinamento inicial. E somos chamadas de filhas de Shiva porque esse era o nome da maior feiticeira que já viveu na cidade. Quando começamos nosso treinamento, passamos por um teste para descobrir qual é o nosso elemento. O meu, como você já sabe, é o relâmpago, e então somos treinadas em todos os tipos de feitiço desse elemento específico, além de feitiços de cura, clarividência, essas coisas. Eu não sou boa em quase nada além de disparar raios, mas tudo bem – ela deu um sorrisinho sem-graça – Shiva foi a mais poderosa de nós. Ela era especialista em feitiços que envolvessem gelo, e até hoje a respeitamos muito. Algumas lendas dizem que o espírito dela ronda a cidade, e que é ele que a protege.

–Bem, o importante é que há algo protegendo a cidade – disse Riku – Mesmo que seja um fantasma. Mas seria bom se... argh, droga, isso dói! – ele tentou se mexer, e sentiu uma fisgada em seu peito com o movimento – Seria bom se pudéssemos contar com isso em outros lugares.

–Pare de se mexer! – ela o censurou – Vai fazer o curativo repuxar seu machucado!

"Bem", ele pensou, tentando avaliar a situação de um ponto de vista positivo, "eu posso ter ficado preso aqui, mas pelo menos estarei em boa companhia".Ele a observou de relance, enquanto ela se levantava e buscava travesseiros. "Com certeza estou em boa companhia".


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