Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 6
O espelho partido




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/72295/chapter/6

Dias depois, todo o grupo estava de volta a Radiant Garden, e logo reportaram tudo o que aconteceu desde Twilight Town. O rei Mickey ouviu tudo com atenção e, depois, disse:

–A situação está mesmo grave. Conseguimos salvar Pixie Hollow, mas quantos mundos ainda faltam ser protegidos? – ele andava de um lado para outro, impaciente – E essa Erinia... aliás, tudo isso é familiar, mas eu não sei de onde me lembro desse nome!

–Além do mais, o que Cloud disse também é preocupante – disse Cid – Essa história de mundos envelhecerem... se pelo menos aquele infeliz estivesse aqui e falasse com detalhes...

–Ele deve ter seus motivos, Cid – observou o rei, compreensivo – Por ora, vamos tentar trabalhar com o que temos. Pelo menos Traverse Town está limpa, e já mandamos um segundo grupo para auxiliar na reconstrução.

–Mas ainda existem perguntas! – disse Leene – Destruir para recriar, o que diabos significa isso? O que ela está pretendendo? E por que só agora? – e suspirou – Droga, é tudo tão complicado!

–Não vamos descobrir nada parados aqui – retrucou Sora, decidido – Precisamos visitar outros mundos, conversar com pessoas, descobrir coisas! Deve haver alguém lá fora que precise de nós!

–Na verdade, há sim – Cid começou a digitar no grande computador da sala de máquinas – Recebemos chamados de dois mundos, The Land of the Dragons e um outro, desconhecido. As leituras que temos indicam que temos Nobodies nas áreas, também. É melhor que decidam logo qual área visitarão primeiro, e que partam logo cedo, amanhã. Até lá, descansem um pouco e se preparem. Enquanto isso, vou tentar falar com a Rainha Clarion para saber se ela tem alguma novidade.

Eles fizeram uma pequena mesura e saíram em direção à praça do mercado, conversando ansiosos.

–Que ótimo, eles sabem tanto quanto nós! – reclamou Leene – E então, o que fazemos?

–Ora, vamos para esse tal mundo desconhecido, não é óbvio? – disse Sora, com as mãos atrás da cabeça, despreocupados – Até porque, assim, a chance de encontrarmos alguma pista nova é bem maior.

–O quê? – Riku parou – Por quê? É mais seguro irmos para The Land of Dragons que é algo já conhecido.

–Exatamente por isso – Sora deu de ombros – Precisamos encontrar alguma coisa que ainda não conheçamos.

–Sora, eu concordo com o Riku – observou Kairi – Já tivemos problemas em The World that Never Was e, agora, em Pixie Hollow. Seria melhor mesmo ir atrás de algo que já fosse familiar.

–É, mas não temos tempo e precisamos de respostas – argumentou Donald – Talvez fosse melhor ir para esse outro mundo.

–Não, não é não! – então, Sora ficou impaciente – Vamos para o outro mundo e ponto final.

–Ei, espere um pouco! – então, Riku reagiu – Como assim? Somos em seis, ou seja, todos temos que decidir!

–Droga, será que você não entende? – Sora estreitou os olhos – Mulan pode se virar sozinha por mais alguns dias, vamos para o outro mundo primeiro e está decidido, entendeu?

–Quem foi que morreu e te transformou em rei, hein? – Riku subiu o tom de voz – Ou será que, só porque você é o cara da Keyblade, acha que pode mandar em todos?

–O que você disse?

–Isso mesmo que você ouviu!

–Parem vocês dois! – Kairi se manifestou – Que droga, já não acham que temos problemas demais?

–Não, agora ele vai me ouvir – replicou Riku – Nós somos em seis, entendeu? E enquanto estivermos em seis, as suas opiniões valem tanto quanto a de cada um de nós! Quem você pensa que é para tentar impor alguma coisa?

–Eu sei do que estou falando, entendeu? – sibilou o primeiro – Que droga, por que não confia em mim?

–Porque você até agora não deu um motivo coerente para irmos até lá!

Seguiu-se um silêncio tenso. Sora e Riku ficaram se encarando de uma forma estranha, raivosa, muito diferente do que os outros estavam acostumados a ver.

–Meninos, parem com isso – disse Leene, cuidadosa – Está todo mundo com a cabeça quente, vamos relaxar e pensar nisso depois, está bem?

–Não, a gente vai decidir isso agora! – replicou Sora – Você quer democracia? Ótimo, então vamos ter democracia! O que vocês preferem, ir comigo até esse mundo desconhecido ou ir com ele para The Land of Dragons?

–Peraí, o que é isso? – disse Goofy – Escolher entre vocês dois? Isso é loucura!

–Sora, você tem idéia do que está dizendo? – replicou Kairi – Leene está certa, vamos nos acalmar e...

–Não, não vamos – interrompeu Riku. A voz dele estava baixa, quase sussurrada – Você quer assim, Sora? Ótimo, faça como quiser, seu cretino egoísta! Mas depois não venha se queixar!

–Ah, tá, agora eu sou o cretino egoísta! – então, Sora deu uma risada debochada – Decerto foi muito altruísmo seu ir atrás da Maleficent, não é?

Riku não respondeu. Em vez disso, deu as costas e saiu andando na direção oposta.

–O que foi, não vai dizer nada? – o primeiro ainda provocou – Assim até parece que...

Mas ele não terminou a frase. No segundo seguinte, Riku se virou e deu um gancho de direita em Sora, jogando-o no chão com um baque. Ele se levantou, surpreso e irritado, enquanto Riku sibilava:

–Nunca mais mencione isso na minha frente... ou eu juro que acabo com você.

–Por quê? – Sora deu de ombros, limpando o sangue da boca – É tão duro assim ouvir a verdade?

Riku partiu para cima de Sora outra vez, pulando sobre ele. Dessa vez, porém, o outro se defendeu, acertando-o também, e em questão de segundos os dois estavam engalfinhados numa briga feroz.

–VOCÊ É UM BABACA EGOÍSTA QUE SE ACHA O TAL! – berrava Riku, cego pelo ódio, sem parar de tentar socá-lo – E VOCÊ... NÃO TEM... O DIREITO... DE ME... JULGAR!

–EU SOU O EGOÍSTA? – então, Sora conseguiu se desvencilhar dele, não sem antes dar um soco de direita no estômago do outro – É VOCÊ QUEM FICA SE LAMENTANDO PELOS CANTOS!

PAREM JÁ COM ISSO VOCÊS DOIS! THUNDARA! – então, Donald resolveu intervir, lançando um feitiço elétrico que os atordoou por alguns instantes, tempo suficiente para que Goofy e as meninas os separassem.

Eles ainda ficaram se encarando por algum tempo, cheios de raiva e ressentimento no olhar.

–Eu não acredito que você tá fazendo isso, Sora – murmurou Riku – Sinceramente, eu esperava bem mais de você – e, mais alto – Eu vou para The Land of Dragons. Se alguém quiser vir comigo, sinta-se à vontade. Eu vou para a praça.

Os outros cinco apenas ficaram observando o outro se afastar, sem dizer nada. Só depois de algum tempo é que alguém se manifestou:

–Sora, honestamente, você é um imbecil! – era Kairi, que o encarou com olhos estreitos – Isso é coisa que se diga? Droga, você sabe que isso o magoa! E se...

–Kairi, não – Leene a segurou pelo ombro – Deixe. Ele vai brigar com você também. Tá todo mundo de cabeça quente, então é melhor não piorarmos a situação.

Sora lançou a elas um olhar irritado, antes de também dar as costas e sair, indo na direção oposta à que Riku havia ido. Goofy, Donald e as duas garotas ficaram se encarando, pasmos, até que o mago disse:

–Eu não sei o que aconteceu aqui, mas sei que é melhor pensarmos. É óbvio que eles não irão a lugar algum juntos, então vamos ter que nos dividir também para não deixá-los sozinhos. Meninas, vocês se importam em ir com o Riku e deixar que nós tentemos colocar um pouco de juízo na cabeça do Sora?

–Sem problemas – concordou Kairi – Só espero que eles consigam passar por cima dessas bobagens. Vamos, precisamos descansar e nos preparar para a viagem de amanhã.

E, então, os quatro seguiram para a casa de Merlin, ainda tentando processar o fato de que o grupo de seis havia acabado de sofrer uma quebra.

Uma quebra que, eles temiam, talvez não fosse tão passageira assim.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

A partida no dia seguinte foi melancólica e silenciosa.

No hangar de lançamento, havia não uma, mas duas naves prontas para partir. De um dos lados do hangar, estava a nave Fantasia, e do outro, a Highwind, a antiga nave de Donald e Goofy. Àquela altura, todos já sabiam da briga entre Sora e Riku (que ainda não haviam chegado), e naquele momento Cid e Mickey conversavam com os outros:

–Alguma chance de eles reconsiderarem? – perguntou o rei.

–Acho que não – respondeu Kairi, desolada – Eles tem a cabeça dura como um coco, vai demorar até que deixem essa palhaçada para trás.

–É perigoso vocês se dividirem – observou Cid – As leituras de Heartless nas duas áreas estão muito altas. Não há mesmo outro jeito?

–Eles não irão a lugar algum juntos – explicou Goofy – Essa é a forma mais segura que encontramos de seguir em frente com a missão. Mas nunca pensei que os veria brigar assim...

–Eles já brigaram antes, montes de vezes,e pelos motivos mais idiotas – disse Kairi – Inclusive saindo no braço, várias vezes. Mas eu nunca vi tanto ressentimento entre eles. Eu queria saber o que houve.

Então, eles ficaram em silêncio. Os dois garotos chegavam, vindos de direções opostas. Os sinais da briga do dia anterior estavam bem visíveis: Riku estava com o olho roxo e inchado, e Sora tinha pequenos curativos na boca e no cílio, além de também estar com o rosto um pouco inchado. Eles se encararam por um momento, com um olhar de mágoa, antes de dares as costas e entrarem cada um em uma das naves, sem trocar uma palavra.

–Isso vai ser um desastre... – murmurou Leene e, depois, falando mais alto – Cuidem-se, meninos!

–Tomem cuidado, vocês também, garotas – disse Goofy, acenando – E... cuidado, Riku.

Então, as duas naves partiram ao mesmo tempo, em direções opostas, sendo observadas por Cid e pelo rei, que murmuraram, entre si:

–Não posso dizer que isso é inesperado – disse Mickey – Eles estão sob muita pressão, em algum momento a bomba ia acabar explodindo.

–Só espero que eles fiquem bem... – concordou Cid – Bem, agora precisamos gerenciar três grupos. Vamos precisar de um milagre, isso sim.

–Pelo menos uma coisa essa história toda me ensinou – então, Mickey abriu um sorriso – Sempre devemos acreditar nos milagres...

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

–Sora, você nos deve uma explicação – a Highwind viajou em silêncio por algumas horas. Em um dado momento, porém, Goofy fez a pergunta que todos se faziam desde o dia anterior – O que aconteceu ontem entre você e Riku?

–Eu não quero falar sobre isso – retrucou Sora, azedo, sem se virar – É... complicado.

–Se vai passar as próximas horas nesta nave conosco, vai falar, sim – rebateu Donald, igualmente azedo – Vocês são amigos! Se vão se socar, é melhor que pelo menos todos saibam por qual motivo!

–Por que ele sempre acha que sabe mais do que eu? – sibilou, então, o garoto – Será que ele vai se convencer, algum dia, de que talvez eu saiba do que estou falando? Que droga...

–Isso não é justificativa para as coisas que você disse – observou Goofy – Acho que você deveria pedir desculpas.

–O quê? Desculpas? Nem morto! – respondeu Sora – E eu já disse que não quero falar sobre isso!

Donald e Goofy se encararam. A viagem seria mesmo longa, muito longa...

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

–Leene, podemos ir um pouco mais rápido? – enquanto isso, a Fantasia trilhava seu caminho em direção a The Land of Dragons – Tem algumas naves Heartless por perto, acho melhor despistá-las ao invés de encarar um combate cara a cara.

Ela aumentou a velocidade da nave, enquanto o observava de esguelha. Havia algo no olhar dele, uma tristeza profunda. Certamente, ele pensava no que Sora havia dito no dia anterior.

–Vocês agiram como dois idiotas, ontem – ela disse – Brigando como crianças de pré-escola, rolando pelo chão... me perdoe, mas foi simplesmente ridículo.

–Ele não devia ter dito aquilo – disse Riku – Eu fiquei louco, é isso. Ele não tinha o direito de mencionar aquela história, e eu fiquei cego de raiva e parti para cima dele – e, num tom mais baixo e melancólico – Entre todas as pessoas do mundo, ele era a última que eu esperaria que fosse dizer algo assim.

–Você conhece o Sora, ele fala duas vezes antes de pensar – disse Kairi, compreensiva – Não estou tentando defendê-lo nem nada, mas acho que você não deveria levar o que ele disse a sério. Ele é seu amigo, e jamais diria algo assim a sério.

–Aí é que está o problema – ele retrucou – Ele pode até não ter falado a sério conscientemente, mas é claro que ele deve ter pensado seriamente sobre isso. Parte dele me vê assim – e, suspirando – Bem, a gente colhe aquilo que planta, não é?

–Odeio quando você fala assim... – disse Leene – Juro que, quando voltarmos, vou acertar as contas com o Sora pessoalmente! – e suspirou – Bem, acho que já estamos próximos de The Land of Dragons. Cid estava certo, as leituras de inimigos estão muito altas. Shiva nos ajude, porque vamos precisar!

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

O mau humor de Sora se desvaneceu assim que eles desembarcaram.

Era um mundo belíssimo, colorido, pulsante, cheio de vida. Os sons, aromas e cores os preencheram por completo, enquanto passavam por ruas estreitas de pedra, apinhadas de pessoas, com casas altas e amontoadas. Era como se toda aquela cidade estivesse despertando, se preparando para o dia que começava, como se fosse apenas um grande ser. Era possível ver uma imensa e imponente construção, com grandes vitrais e duas torres altas e quadradas.

–Que legal, que lugar será esse? – murmurou Sora, sorrindo.

Então, eles pararam, assim que começou um som lindíssimo. Eram sinos, dos mais diferentes tamanhos e timbres, profundos, alegres, introspectivos, animados, cujos sons se costuravam e se entremeavam formando uma melodia intensa, quase mágica. Eles voltaram a andar, lentamente, absorvendo o som dos sinos e se perguntando de onde eles viriam.

Então, outra canção se fez ouvir. Uma canção... e uma história.

"Dobram os sinos, Paris despertou ao soar de Notre Dame

Já tem peixe fresco, o pão já assou ao soar de Notre Dame

Sinos grandes, com sons trovejantes

E pequenos, com sons de oração

Paris, são divinos ao som dos seus sinos

Os sons... os sons de Notre Dame"

Era um contador de histórias, mascarado, num pequeno teatro de marionetes. Os três pararam em frente a ele, e continuaram ouvindo a sua história, totalmente absorvidos. De repente, eles podiam quase ver a história triste do sineiro misterioso da catedral de Notre Dame. Quasímodo, "meio-formado", e o juiz Frollo, severo e cruel. Uma história sobre um homem e um monstro, sendo que era difícil saber exatamente quem era o homem e quem era o monstro.

Será que aquela história era real? Porque, se fosse, era triste demais.

Ao fim da história, a maior parte das crianças que assistiam ao teatro de bonecos foi embora. Apenas Sora, Donald e Goofy permaneceram em frente ao pequeno palco improvisado, ainda maravilhados. O homem que controlava os bonecos, um sujeito engraçado que usava roupas muito coloridas com guizos e uma máscara percebeu e, com um sorriso, disse:

–Vocês não são daqui, não é? Geralmente meu público-alvo é, digamos, um pouco mais jovem.

–Na verdade, estamos de passagem pela cidade – respondeu Sora – Ouvimos a sua canção e ficamos para assistir. É uma história muito bonita.

–Bem, as pessoas tem formas diferentes de enxergar a beleza – replicou o homem mascarado, enigmático – Mas onde estão meus modos? Eu sou Clopin, às suas ordens – tirou o chapéu e fez uma mesura – E, já que vocês estão na cidade, considerem-se meus convidados para o grande festival que acontecerá esta tarde, aqui mesmo, nas ruas de Paris. Aqui, sob os olhos vigilantes de Notre Dame, acontecerá o grande Festival dos Tolos!

–Festival dos Tolos? – Sora não sabia se achava mais graça no nome ou no tom reverente com o qual Clopin falava sobre o festival, mas achou a idéia interessante – Sim, claro, estaremos lá!

–Muito obrigado – o contador de histórias sorriu – Agora, se me permitem, preciso partir. Espero vê-los de novo, senhores. Até mais!

E, então, ele saiu rapidamente, levando consigo o pequeno palco. Os três ficaram se entreolhando por algum tempo, até que Goofy disse:

–Não deveríamos investigar antes de pensar em aparecer num festival ou algo assim?

–E qual é a melhor hora para investigar, senão aquela em que há mais pessoas reunidas? – disse Sora, despreocupado – Se algo tiver que aparecer, vai aparecer na hora do festival. Além do mais – ele ainda acrescentou, com um sorriso – Um festival com esse nome realmente deve ser algo que vale a pena ver!

–Espero que você esteja certo... – suspirou Donald – Para o nosso próprio bem...

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Riku, Leene e Kairi nem precisaram descer da nave para saber que o problema era maior do que eles pensavam. Pelas escotilhas, eles podiam ver uma vila em chamas, e vultos brancos corriam de um lado para outro em meio ao fogo. Kairi foi a primeira a dizer, tensa:

–Mas o que diabo está acontecendo aqui? – e, olhando para baixo – Aquilo são Nobodies?

–Estamos muito próximos, eu não posso me arriscar a usar os canhões ou feitiços elétricos – disse Leene, manobrando a nave – Preparem-se todos, eu vou pousar

Ela começou a manobrar a nave. Riku já se colocava de pé, a Keyblade em punho, parado próximo à porta com um olhar preocupado. Kairi estava ao lado dele, também com a sua Keyblade preparada. Mas não havia determinação em seu olhar – havia apenas medo.

–Essa é a minha primeira luta desde quando enfrentamos a Organization em The World that Never Was, sabia? – ela disse, sombria – E se eu estragar tudo?

–Isso não vai acontecer – Riku tentou sorrir, sem sucesso – É só dar com a Keyblade na cabeça deles, não tem mistério. Você vai se sair bem!

Ela o encarou. Riku não precisou pensar muito para entender que o olhar dela dizia "queria que Sora estivesse aqui". Ele não a culpava. Mas também não o queria por perto. Se Sora não era capaz de confiar nele, então era melhor que os dois não ficassem juntos. Aliás, talvez fosse melhor mesmo que eles passassem a seguir caminhos separados.

A nave pousou, e ele foi o primeiro a descer, já com a Way to Dawn preparada para a luta. Foram necessários apenas alguns segundos para que a batalha os absorvesse por completo: uma profusão de Nobodies de todos os tipos atacava o vilarejo. Kairi seguiu o conselho dele à risca, e logo já acertava os inimigos. Ela era inexperiente e desajeitada, mas muito ágil e rápida. Havia alguns soldados de armadura lutando por perto, também, mas eles estavam feridos e muito assustados.

–O que são essas coisas? – gaguejou um deles para Leene – São... são demônios, só pode ser! Demônios!

–Onde está o líder de vocês? – perguntou ela, enquanto limpava a área ao redor do soldado com feitiços elétricos – Aliás, onde está o resto de vocês?

–A comandante Fa e o general Chang saíram para dar apoio a um destacamento perto das colinas ao norte – respondeu ele – Não tivemos notícias deles desde então. Os outros estão espalhados, alguns fugiram e outros... outros...

–Tá tudo bem, OK? – a garota ficou tensa – Fique aqui, e proteja-se. Eu vou tentar encontrar ajuda.

"Muito obrigada, Sora, agora estamos sozinhos no meio dessa bagunça!", ela praguejava mentalmente, enquanto corria na direção de Riku e Kairi disparando feitiços pelo caminho. Eles lutavam com tudo o que tinham. Ele realmente lutava muito bem, passando por entre os Nobodies como uma sombra quase invisível.

Mas, da última vez que ela o viu lutar, ele não parecia tão entregue assim à batalha...

–Kairi, preciso que me ajude numa coisa – ela disse – Tire todos os feridos daqui, e leve-os para um lugar seguro. Vi uma caverna rasa a alguns metros daqui, leve-os até lá e proteja-os. Não vamos conseguir acabar com todos enquanto os soldados não estiverem seguros!

A garota concordou na hora, e logo sumiu por entre os Nobodies, afastando-os com a Moonbeam e indo na direção dos soldados. Riku e Leene, então, ficaram sozinhos, cercados de Nobodies, lutando com tudo o que tinham.

–A gente vai dar conta deles? – perguntou ela, apreensiva, enquanto disparava relâmpagos em todas as direções – São muitos! E como vamos chegar até a Mulan?

–Eu ainda estou trabalhando nisso – respondeu Riku.- Estou aberto a sugestões!

Eles continuaram lutando, Riku deslizando entre os inimigos como uma sombra, Leene saltando entre eles como uma bailarina. A Keyblade e as adagas deles rasgavam os Nobodies, mas a cada um que era destruído, parecia que outros tantos apareciam. Ao longe, era possível ver Kairi arrastando alguns soldados para a caverna.

Então, os dois foram encurralados, de costas um para o outro, enquanto Dusks os cercavam por todos os lados. Riku engoliu em seco. Ele podia acabar com eles, mas era algo que ele não queria usar nunca mais...

–Lembra do que eu te contei sobre o tempo que eu passei no reino da escuridão? – a voz dele estava baixa, seca – Acho que tem algo que dá pra fazer...Proteja-se.

–Não, você não vai usar nada de lá! – replicou ela, feroz – Tem que haver outro jeito!

–É o jeito mais seguro para todos – ele insistiu – Vá procurar a Kairi e tentem encontrar a Mulan. Eu vou depois.

Ela o encarou, preocupada, e ele apenas acenou com a cabeça, um segundo antes de desaparecer em direção às colinas. Riku a acompanhou com os olhos até que ela sumisse de vista, e então voltou suas atenções à batalha. Hesitou por um instante. Ele havia aprendido milhões de coisa em Realm of Darkness... mas nenhuma que ele realmente quisesse usar.

"Hum, então eu vejo que você finalmente se deu conta de que ainda irá precisar de mim".

Aquela voz... aquela voz que sempre o atormentava, sempre invadia seus pesadelos e tentava corromper sua mente... aquela voz que insistia em criar mais cicatrizes em seu coração...

Xemnas.

Ele nunca contou a ninguém que, mesmo depois da destruição de Xemnas, parte dele ainda residia em seu coração, como se vivesse em simbiose com ele. Era apenas uma voz, como um diabinho a saltitar pelos seus pensamentos, mas já era o suficiente para atormentá-lo. Quando tinha seus amigos por perto, era fácil enfrentá-lo, mas agora estava sozinho.

"Para alguém que jurou que jamais deixaria que as trevas o corrompessem, você até que se convenceu bem rápido a usar a minha ajuda", a voz continuou, com zombaria. "Uma garota? Uma mísera garota é o suficiente para virar a sua cabeça a ponto de você até ir contra suas promessas?"

"Cale-se", Riku sussurrou, sentindo a raiva se apoderar dele. "Você não tem mais poder sobre mim. Eu, por outro lado, posso controlar você quando e como eu quiser!"

"Ah, mas eu me lembro de você já ter superestimado a força do seu coração uma vez", Xemnas deu uma risada cínica. "E todos nós sabemos onde isso terminou..."

Sora havia dito o mesmo, no dia anterior. E ele sabia onde isso ia terminar.

–VOCÊ NÃO SABE NADA SOBRE MIM! – ele berrou, dando vazão à raiva que se avolumava dentro dele. Esse foi o gatilho: no segundo seguinte, tomado por uma quantidade absurda de poder e ódio, ele começou a abrir caminho entre os Nobodies, como um relâmpago. De repente, foi como se ele perdesse o controle sobre o seu próprio corpo, e deixasse que os instintos e a raiva guiassem a Way to Dawn para que ela obliterasse todos os inimigos.

Ao longe, Leene observava a cena, dividida entre o fascínio e o medo. Riku certamente era poderoso demais – mas aquele não era o Riku que ela conhecia. Aquele não era o garoto gentil e engraçado que dançou com ela no baile em Pixie Hollow, e sim uma outra versão dele, muito mais forte mas totalmente corrompida pela escuridão.

Será que ele sabia que ficaria assim? Será que, se ela estivesse ali, ele não a diferenciaria dos inimigos e a destruiria com a sua Keyblade?

Enquanto isso, apenas uma pequena parte da mente de Riku permanecia consciente do que se passava. Ele odiava a sensação de ser guiado pelo seu lado mais negro, mas era a única forma de deter os Nobodies. E era bom que Leene e Kairi não o vissem naquele estado, ou ficariam apavoradas.

Ele só parou quando se certificou de que nada mais havia sobrado de pé. Depois, sentindo-se exausto, arrastou os pés na direção da colina, em busca das garotas. Ele preferia pensar que aquele que havia destruído todos aqueles Nobodies há segundos atrás não era ele, e sim alguma outra pessoa, alguma outra versão sua. Mas sabia que aquele era apenas o seu outro lado, o mais sombrio, e que por mais que tentasse se enganar, tentar se livrar daquilo era a mesma coisa que tentar apagar seu reflexo no espelho.

E, no fundo, era exatamente isso que ele queria fazer.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o

Mais tarde, naquele mesmo dia, as ruas de Paris foram tomadas pelos tipos mais exóticos.

A música e a alegria tomavam conta do ar. Bandeirolas enfeitavam as casas, pessoas riam, músicos tocavam seus instrumentos, papéis coloridos voavam. De certa forma, aquilo lembrava o Festival das Luzes, em Destiny Islands, também cheio de luz e alegria.

–Isso é tão legal! – dizia Sora, abrindo caminho entre a multidão – Eles não fazem esse tipo de coisa em Radiant Garden!

–Acho que nem tem tantas pessoas assim em Radiant Garden pra um festival desse tamanho – observou Donald, que observava as pessoas com desconfiança – Sério, estou com um mau pressentimento em relação a isso!

–Relaxa, Donald! – Goofy riu – Por enquanto está tudo limpo. Se algo estiver errado, logo saberemos.

–Bem, acho que tem algo errado sim! – então, ele apontou – O que eles estão fazendo?

Os três pararam, chocados, frente a uma cena grotesca: um homem horrendamente deformado, amarrado a uma roda, enquanto as pessoas jogavam legumes podres e ovos nele. O desespero e a vergonha estavam estampadas na face dele, e Sora sentiu o sangue ferver de raiva diante daquela cena:

–Mas o que diabos eles estão fazendo? – ele disse, furioso – Vamos tirá-lo dali!

Ele já se preparava para ir até o homem e resgatá-lo, mas outra pessoa já havia se levantado em defesa dele. Era uma bela mulher, de pele morena e longos cabelos negros, que naquela hora se colocava entre o homem e a multidão enlouquecida. Ela se aproximou dele, e Sora pôde ver que não havia zombaria no olhar dela – havia pena, e revolta. A mulher desamarrou o xale que usava preso à saia e o cobriu, murmurando um "isso não devia ter acontecido" enquanto limpava o rosto dele. Foi então que Sora ouviu uma voz fria dizendo, com desprezo:

–Você! Cigana! Desça agora mesmo!

–Quem disse isso? – murmurou Donald. Sora olhou em volta, e viu, ao longe, a figura de um homem vestindo negro e roxo, com o rosto fino e anguloso e um olhar cruel – Aquele cara ali?

–Acho que sim – respondeu Sora – O que ele pensa que tá fazendo?

–Sim, meritíssimo! – respondeu ela – Assim que eu soltar esta pobre criatura!

–Eu a proíbo! – disse o homem, feroz. Ela o ignorou solenemente e, com um olhar de desafio, puxou uma faca e cortou as cordas que amarravam o homem deformado à roda. O outro ficou irado, e vociferou – Como ousa desafiar-me?

–Maltrata este pobre rapaz como maltrata o meu povo! – retrucou ela, intensa – Fala de justiça e é cruel com os que mais precisam de sua ajuda!

–SILÊNCIO!

–JUSTIÇA!

A multidão toda ficou pasma com a atitude dela. Sora, por sua vez, a admirava cada vez mais. Ela estava ali, se levantando sozinha para defender um homem da crueldade de uma multidão, e agora batia de frente com o que parecia ser uma grande autoridade da cidade.

–Quem é ele? – sussurrou Sora para um homem ao lado dele – Eu não sou daqui, sabe...

–Aquele é o juiz Frollo, um homem muito influente na cidade – respondeu o homem – Mas é severo demais. Eu sugiro que não cause problemas com ele.

–Cigana, guarde minhas palavras – sibilou então o juiz, com o dedo em riste na direção dela – Vai pagar por esta insolência!

–Então parece que coroamos o tolo errado! – disse ela, cheia de ironia e falsa reverência – O único tolo que vejo aqui é você!

Ela atirou uma coroa de tecido na direção de Frollo, arrancando risadas de toda a multidão. Sora também riu, mas no segundo seguinte percebeu que a coisa começava a ficar feia, pois guardas a cavalo começavam a abrir caminho entre a multidão, visivelmente dispostos a pegar a cigana. Logo, ele se preparou para lutar. Ele não se permitiria deixar que fizessem mal àquela mulher tão forte e tão justa.

Mas logo ficou claro, também, que ela sabia se virar muito bem sozinha. O que seria uma perseguição deu lugar a um belíssimo espetáculo no qual ela, a artista principal, fazia acrobacias e truques de ilusionismo, despistando os guardas com maestria e deleitando a sua platéia. Ele a acompanhava com os olhos, quando conseguia encontrá-la, e uma ou outra vez deu uma rasteira em alguns guardas para atrasá-los. O show culminou com a humilhação do juiz Frollo, quando o camarote em que estava desmoronou.

Ela sumiu, mas o rapaz continuou lá. Ele se encolheu assim que o juiz se aproximou dele, e sussurrou um tímido "me perdoe, mestre", enquanto os guardas continuavam vasculhando a área em busca da cigana. Ele caminhou, torto, em direção à igreja de Notre Dame, enquanto a chuva caía e os outros se afastavam dele, como se ele tivesse uma doença contagiosa.

–Pobre rapaz... – murmurou Goofy – Todos são tão rápidos em apontar o dedo para ele, e quando alguém quer ajudar termina perseguido como um criminoso...

–Se pudéssemos fazer alguma coisa por ele... – Donald estava pesaroso – Qualquer coisa, para ajudá-lo, ou ajudar aquela moça...

–Nós vamos – retrucou Sora, decidido – Nós vamos. Talvez seja por isso que viemos aqui. Eu apostaria nesse cara, Frollo, como um maníaco controlador de Heartless em potencial.

–Tá, mas como vamos fazer isso? – perguntou Goofy – Não vamos conseguir encontrá-la antes dos guardas, e não vamos conseguir alcançar o rapaz.

–Eu vou pensar em alguma coisa – ele disse – Por enquanto, vamos achar um abrigo, OK? Vão indo na frente, eu alcanço vocês depois.

Eles concordaram, enquanto caminhavam na direção oposta à da catedral. Sora foi também, caminhando devagar. Ele tinha muito em que pensar. Ele olhava para o chão, para as poças de água que se formavam na rua, e prestava atenção em seu reflexo distorcido pelas gotas que caíam incessantemente do céu.

Era aquilo o que aquele homem era? Um reflexo distorcido de ser humano?

Se era assim, o que era aquilo que Sora estava vendo refletido na água?

Reflexos distorcidos em espelhos quebrados. Era fácil enxergá-los. E fácil pensar que eles eram verdadeiros e fiéis à realidade.

Aliás, fácil até demais...

"Pare com isso, Sora", ele sacudiu a cabeça vigorosamente. "Mantenha o foco aqui, temos uma missão e precisamos segui-la!".

Então, ele correu para alcançar Donald e Goofy, tentando afastar aqueles pensamentos estranhos e confusos sobre reflexos e espelhos. Mas, de alguma forma, ele sabia onde esses pensamentos queriam chegar. E nesse ponto, ele estava determinado a não pensar pelo máximo de tempo que pudesse.

o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kingdom Hearts: Motherland" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.