Another Way to Die escrita por Claire Smith


Capítulo 9
Capítulo 9




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John Watson

O necrotério do hospital Saint Bartolomews estava impossivelmente mais frio hoje.

Observei Molly ao tirar as luvas. Ela parecia bem mais disposta do que a dois dias atrás, e igualmente parecia não estar se alimentando com regularidade.

— Você sabe que não precisava fazer isso pessoalmente – tentei persuadi-la -, eu poderia muito bem pedir as informações à Emma.

— É verdade, mas eu precisa checar – ela respondeu. – Cheguei a pensar que nada disso tinha acontecido, então quando eu entrei na sala e a vi – seu corpo estremeceu -, soube que não havia inventado aquilo.

Não pude confortá-la quanto ao que vimos. Era difícil não se sentir conturbado com a imagem de uma jovem mulher morta sendo exposta como a um objeto.

— Lauren Smith, 23 anos, estudante de literatura. A hora da morte foi entre 3 ou 4 horas antes de todos a verem na cúpula – me informou, com uma pasta em mãos enquanto íamos para uma sala oposta. – O modus operandi é idêntico ao da primeira vítima. Houve obstrução das vias respiratórias - analisou rapidamente o que continha na pasta -, entretanto ela pareceu sofrer menos, se isso for possível.

Ela parou antes de abrir a porta de sua sala.

— Você não sabe de nada disso?

Neguei.

— Emma me informou que Sherlock veio aqui ontem saber de tudo que descobrimos – em nenhum momento houve qualquer inflexão em sua voz, nem mesmo ao dizer o nome da causa de eu estar aqui.

— Pois é, Sherlock simplesmente sumiu depois disso. Procurando pistas, é o que achamos – procurei dizer antes que ela se preocupasse. – Nós bem sabemos que isso é comum.

Ela concordou e entrou.

Molly não parecia zangada como no fatídico dia em que descobriu que mentíramos para ela, ao menos perdoara a mim e a Mary com facilidade, ou ao menos eu achava que sim. Lestrade também foi perdoado em seguida, mas não sem antes ouvir algumas poucas e boas.

— Houve uma causa para Lauren parecer sofrer menos na morte? – pergunto.

— Sim – entregou-me a pasta com os resultados. – Descobrimos que foi aplicado certa quantidade do sedativo bupivacaína nela, e quando este produziu efeito, ela pôde ser transportada para qualquer lugar que o assassino quisesse.

— Inclusive a galeria – falei.

Bupivacaína. Um anestésico geralmente usado no campo odontológico quando se deseja analgesia pós-operatória mais prolongada. No momento em que chega à respiração a mente turva e torna mais fácil manusear o paciente, ou vítima, no caso.

— Mesma causa da morte – comentei.

— Não.

Olhei para Molly que estava sentada na ponta da mesa, de frente para onde eu me encontrava, ainda à porta.

— Não?

— Nós sabemos que esse é um sedativo forte, seu início de ação costuma demorar um pouco, mas seu efeito é longo, de duas ou três horas. Isso amortece a mente de qualquer um, então quando o efeito vai passando, é aconselhável que o paciente esteja num ambiente calmo e que alguém esteja acompanhando os efeitos da substância em seu corpo.

— Sim, eu sei disso, então o que houve?

— Houve uma parada cardíaca – ela respondeu sem titubear. – Alguns casos já foram relatados em seu uso obstétrico. A pressão e os batimentos dela deviam estar a mil quando o efeito começou a passar e ela percebeu que algo estava errado. É esse o momento da morte; foi quando, provavelmente, ele a atacou e ela foi tomada por um grande susto. Parada cardíaca. Asfixia externa manual – completou.

Levei um tempo para absorver o que havia me dito. Lauren só teve uma ínfima reação da que teria em situações normais de alerta; ela não pareceu sofrer tanto, mas sofreu.

— John? - Molly chamou, preocupada. – Por favor, não desmaie – se ofereceu para buscar um copo d’água. Desconsiderei a oferta com a cabeça. – Você está pálido demais - disse, puxando-me em direção à cadeira em frente à sua mesa. Deixei-me cair nela de bom grado, embora não quisesse admitir. – John? – chamou novamente.

Levei meu olhar ao dela, que se encontrava à espreita, me analisando.

— Pensei que não ficaria assim – senti um aperto no pulso. – Entendo como se sente, devo ter tido uma reação parecida quando Emma mostrou o laudo. Não esperávamos por isso.

— Bom, você parece ter reagido bem.

— Eu lido com a morte todos os dias, preciso encontrar uma maneira de conviver com ela. Isso não significa que sou imune a seus efeitos. Há um trabalho a ser feito, uma família a ser confortada, ou um caso a ser resolvido com base em informações que eu disponibilizo. Não posso ser muito distante ou próxima demais, apenas tenho que estar preparada para o que posso descobrir.

Senti-me estúpido quando disse isso. Ela não teve a intenção, mas seu desabafo também podia ser aplicado à maneira como foi excluída de uma informação que a envolvia. Fomos idiotas por não contar a ela. Sherlock principalmente.

— Me desculpe – pedi.

— Não se preocupe com isso – fez um aceno com a mão, descartando o assunto. – Já o perdoei, não disse? – ela se afastou. – Sua pulsação está ok, embora você mesmo já deva ter percebido.

— E quanto a Sherlock?

Ela pensou antes de responder.

— Não estou mais tão brava, John.

Isso era um avanço.

— Espero que se resolvam logo.

Ela sorriu.

— O que foi? – perguntei.

— Você vai dizer isso a ele quando o ver.

Não tive o que responder perante a isso.

— Ah tudo bem, John – deu tapinhas no meu ombro -, a gente sabe que você gosta de ajudá-lo sempre que pode – voltou a sorrir.

— Mas fazê-lo sofrer de vez em quando não deve fazer mal – emendei.

Conversamos por alguns minutos antes que eu me despedisse de Molly e saísse do Barts.

...

— Esse é um ótimo plano – Mycroft disse, ao passo que Sherlock Holmes e Mary Watson concordaram.

Eu, com toda certeza, estava sem aliados naquela situação.

— O plano envolve vários civis – relembrei.

— Eles não estão na equação, não vão ser atingidos.

— Perdão, mas ninguém deve ser atingido. Civil ou não – falei.

— E não vão – Mary falou -, Sherlock e eu estaremos lá, e agentes estarão espalhados pelo castelo e pelo porto. Vai dar certo.

O otimismo em sua voz não chegou a me contagiar.

Olhei para Sherlock, quieto até aquele instante, um fato raro para quem poderia se exibir como de costume.

— Ficaremos seguros, John – disse. – Todos – frisou, olhando com carinho para Mary.

Suspirei. Não parecia que aquela ideia ia sumir da cabeça de cada um deles tão cedo. Mycroft já estava ao celular, planejando detalhes, organizando. Mary estava ansiosa por uma nova missão, ajudando os Holmes a serem melhores em campo. E eu, bom... Estava preocupado.

— Espero que não se importe em não estar presente dessa vez – Sherlock se dirigiu a mim.

— Como se você fosse sentir minha falta.

— Ah, John, é claro que vamos sentir – Mary sorriu.

Mycroft terminou a ligação.

— Não se preocupe, John. Você estará comigo em escritório – informou. – Agora só precisamos envolver devidamente todas as partes no plano.

Todos olhamos o detetive.

— Considere resolvido – ele disse, pegando o casaco e o cachecol de sua poltrona.

— Aceita carona? – Mycroft perguntou.

Mycroft oferecendo carona?

Olhei em dúvida para Mary. Ela tentou esconder o riso.

— Não, prefiro andar – Sherlock respondeu antes de sair acompanhado do Holmes mais velho.

Observei ambos pela janela. Um desaparecendo pela rua a pé, e o outro num carro do governo.

— O que deu neles? Desde quando são... cordiais?

Mary sorria.

— Irmãos brigam e às vezes fazem as pazes. Ou no caso deles, encontram algo mais importante em comum para unir forças – ela respondeu.

É, talvez fosse isso.

— Eu disse a você, não disse? – perguntou.

— Sobre o quê?

— Sobre ele ir atrás dela, John – responde, não acreditando por eu não ter percebido.

— Ele tem um trabalho a fazer – lembro.

— Sherlock não está indo lá apenas porque há um trabalho a ser feito, John, ele precisa ir. Ele quer fazer isso – complementa.

Segundos depois ouço seus passos descendo a escada do 221B, me perguntando o que ela queria dizer com aquilo.

Molly Hooper

Em algum momento da noite consegui dormir, com a mente completamente temerosa que acontecesse algo com minha irmã no outro quarto ou com minha mãe em Cardiff.

Dormi um sono sem sonhos. Entretanto, as lembranças vividas na galeria apareciam para me despertar do sono leve. Perdi a conta das várias vezes que acordei e voltei a dormir, e em todas elas um pequeno tremor percorria meu corpo como um mau presságio.

Quanto senti que novamente pegaria no sono um barulho me despertou. Um pequeno barulho na janela fechada. Alguém forçava sua abertura.

Em nenhum momento fiquei alarmada, aquela devia ser a parte mais natural e familiar da noite.

Ouvi o tilintar de metal contra metal enquanto o arrombador praguejava do lado de fora. Então, a janela cedeu e um contorno conhecido se mostrou visível através da noite.

— Vá embora – falei para a sombra.

— Não posso – respondeu.

— Claro que pode. Não deve ser difícil encontrar um crime a essa hora.

Pude ouvir meu visitante resmungar no escuro. Ainda não tinha saído do parapeito da janela.

— Não posso – repetiu.

— Você pode o que quiser. Saia daí e vá embora.

— Molly, por favor.

— Vá – aumentei a voz. – Vou ligar avisando a Sra. Hudson que o bebê dela perdeu o caminho de casa, mas já está voltando.

Não houve resposta. Por um momento, acreditei que o que havia dito surtira efeito, imaginei que realmente fosse sair e me deixar ali com a janela aberta para morrer de frio. Só tinha esquecido que aquela era uma das pessoas mais teimosas que conhecia. Ela não desistiria facilmente.

— Molly Hooper – seu tom indicava que não havia gostado da provocação, talvez tivesse ido longe demais, porém logo abrandou para um sussurro rouco. – Por favor.

Assenti para a sombra, observando-a enquanto adentrava o quarto e fechava a janela atrás de si, restabelecendo a temperatura confortável do ambiente.

— Eu...

— Não quero ouvi-lo, Sherlock – disse da forma mais branda que encontrei, vendo seu rosto ser iluminado pela parca luz do abajur.

— Se não quer me ouvir, porque me deixou entrar?

— Eu não sei – suspirei. – Estava frio e queria que você saísse.

— Então você queria calor... – começou.

— Eu não diria calor, apenas...

— E permitiu que eu entrasse – completou. O canto de sua boca se levantou.

Torci para a fraca iluminação do quarto ter escondido o rubor que se espalhara pelo rosto devido ao comentário.

— Saia. Agora – levantei-me num rompante, pronta para expulsá-lo se necessário.

— Não, não – respondeu ao se afastar de mim. – Me desculpe, me desculpe.

Parei de imediato, surpresa com o fato dele ter se desculpado duas vezes comigo. Todos que conheciam Sherlock poderiam contar nos dedos a quantidade de vezes que ele tinha dito aquilo. Muitos não conseguiriam nem completar uma mão.

— Por favor – sussurrou. – Me desculpe – disse pela terceira vez, olhando diretamente para mim. Senti que era verdade.

Precisei de todo um alto controle que imaginei que não tivesse para não explodir em emoções ali, para não ruir em lágrimas na frente dele.

— Eu não queria preocupá-la – voltou a dizer.

— Por quê? – perguntei de olhos fechados.

— Não quis acreditar em você sendo um alvo. Não você – murmurou.

— Mas eu precisava de um aviso, Sherlock.

— Me desculpe.

Bufei.

— Por favor, Sherlock. Aprecio suas desculpas, porém se dizê-las mais uma vez é bem capaz que comece a chorar ou xingar você. E daí para pior.

Isso o pegou desprevenido. Sua expressão tornou-se pensativa por um instante antes que dissesse:

— Caso não se importe, Molly, prefiro que comece a me xingar. E que venha o seu pior – seu rosto adquiriu um ar travesso que me fez sorrir.

Maldito Sherlock.

— Você não precisa me proteger – disse a ele. Eu ainda estava um pouco zangada. – Não sou uma princesa presa num mundo de vidro. Quero poder me defender e saber o que pode atingir os que estão próximos a mim.

— Entendo, apenas...

— Deixe-me terminar – pedi. – Eu não quero perder ninguém, Sherlock, e preciso que me ajude nisso. Prefiro sua ajuda do que vê-lo tomar o problema para si, entende? É sobre a minha vida que estamos falando e ela atinge outras pessoas também. Só confie e me conte quando alguém estiver atrás de mim por ajudá-lo, ok?

Ele se aproximou e estendeu a mão para, surpreendentemente, acariciar meu rosto. Não conseguia decifrar seus olhos, mas o que quer que passasse naquela mente, estava em sua forma mais intensa, e senti-me sendo sugada pela intensidade que o ato transparecia. Ele percebera que fui pega de surpresa e em momento algum recuou.

— Sinto muito ter assustado Agatha e você – recolheu sua mão, meus batimentos recuperaram alguns compassos. – Sinto por não ter contado que sabia. Prometo fazer o possível para que isso não se repita.

— Isso soou vago. Você tem que confiar em mim.

— Digo o mesmo a você. Acredito que isso seja uma via dupla para ambos, não? Uma confiança.

Ele tinha razão. Nossa amizade evoluíra muito ao longo dos anos. Muito mais do que esperávamos. E aquela era a base: confiança. Assenti para ele, incapaz de desfazer o contato visual estabelecido.

— Bom, você já pode ir – falei a contragosto, intrigada com aquela proximidade. – Já o desculpei – garanti.

Ele espiou a janela por cima do ombro antes de se voltar para mim.

— Não posso.

— Por que não?

— Preciso ficar aqui essa noite.

— Ah não, Sherlock. E o que acabou de prometer?

— Apenas essa noite, Molly.

— Não - bati o pé, precisava permanecer decidida. – Há várias pessoas me vigiando e correndo risco nesse exato momento.

Vi um rastro de nova surpresa atravessar seu rosto por um segundo.

— Mary me contou – respondi. – Sendo assim, não há motivos que o façam ficar.

— Porém, você não consegue dormir direito e mal come o dia todo – disse, para logo complementar. – Mary me contou, embora eu mesmo pudesse ver isso com ou sem aviso – seus olhos analisaram meu corpo enquanto fazia deduções.

Fiquei estranhamente consciente da camisola azul marinho que vestia. Um calafrio me percorreu.

Sherlock pegou o lençol na cama e o estendeu a mim.

— Você está com frio e com sono, Molly – o modo como disse aquilo dava a entender que sabia que o arrepio não fora causado pelo frio. – Nós sabemos o quanto você odeia não dormir o suficiente para trabalhar bem.

Odiei o fato dele ter razão, assim como odiei não resistir à proposta.

— Odeio isso – falei sem raiva, sem rancor, sem sentido e sem argumentos. E o infeliz sabia disso.

— Estarei lá fora – aproximou-se e deu-me um beijo na bochecha. – Boa noite, Molly Hooper.

Saiu do quarto, deixando-me com um sorriso bobo no rosto.

Naquela noite eu dormiria sentindo o cheiro dele. Com o cheiro de Sherlock Holmes impregnando meus pensamentos.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado (especialmente do final haha) e até o próximo capítulo :)



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