Another Way to Die escrita por Claire Smith
Capítulo 8
Sherlock Holmes
— Molly! Espere – gritei.
A princípio ela continuou correndo, tropeçando e derrubando objetos, mas logo compreendeu que não adiantava em nada correr a esmo no escuro.
Procurei por uma lanterna no bolso do casaco.
Molly começou a praguejar depois de esbarrar em algo. Apontei a luz para ela.
— Ai – esbarrou numa mesa. Colocou a mão na frente do rosto para diminuir a luz em si. – Estamos nesse escuro por 10 minutos e você só ligou a lanterna agora?
— Eu pedi que parasse. Porque saiu em disparada atrás de um homem que nem conhece?
— Ele ia matar Agatha.
— E você ia fazer o quê, Molly? Justiça com as próprias mãos?
Isso não era do feitio dela. Dava para ver que ela havia corrido atrás do homem no calor do momento, com a adrenalina pulsando em suas veias e um só pensamento na cabeça: proteger a irmã.
— Não sei – admitiu. – Queria... – sua voz sumiu.
Permaneceu em silêncio. Vasculhei o ambiente com a lanterna, mal cuidado e mal organizado, com vários objetos sem lugar próprio, espalhados. O telhado estava intacto, bem conservado, sem ranhuras; mofos recentes brotavam nas paredes. Nada que uma inspeção no encanamento e uma demão de tinta não resolvessem.
— Pelo menos você está bem... Inteira e viva, quero dizer.
Molly olhou-me fixamente. Era difícil saber o que ela pensava, ainda mais na penumbra.
Antes que pudesse dizer algo, pudemos ouvir o quebrar do vidro e uma breve brisa fria que vinha mais a frente. Um objeto caiu no chão e tudo voltou ao silêncio.
— Venha – disse.
Corremos até a parede dos fundos. O vento frio vinha da janela quebrada. A cortina que a cobria ondulava pouco, encobrindo o rombo causado pelo fugitivo. Na parede do lado fora do prédio, havia uma escada de incêndio; o homem que perseguíamos já descia os últimos degraus, e um carro estava a sua espera do lado oposto da rua. Ele era alto e musculoso. Definitivamente, não era o que esperava do nosso assassino.
— E agora? Faça alguma coisa – Molly disse.
Peguei o celular e avisei aos policiais que já estavam na galeria sobre um carro simples se deslocando para o centro da cidade. Molly me observava como se quisesse iniciar uma discussão ali, mas não seguiu a ideia adiante.
— Vamos examinar o corpo – disse, iluminando o caminho de volta.
...
Comparado a minutos atrás, o salão encontrava-se quase em perfeita ordem. Se tirássemos alguns paramédicos e policiais, pessoas nervosas e os ocasionais soluços e suspiros, era quase como se nada tivesse acontecido.
Molly estava com Agatha, acompanhando a breve consulta inicial que faziam.
— Não está tão ruim – ouvi o paramédico dizer. – Abra a boca, por favor – e fez uma análise preliminar auxiliado por uma lanterna. – Mas é claro que isso não exclui uma opinião profissional. Ela deve fazer um exame apropriado o mais rápido possível – disse a Molly –, embora não deva haver graves consequências.
— Só rouquidão – Agatha disse, testando a voz.
— Esse é o menor dos problemas – Molly suspirou alto.
— Posso dar uma olhada? – me aproximei.
O paramédico deixou o caminho livre e foi atender as causas de taquicardia.
— Você chamou a perícia? – perguntou por cima do ombro.
— Chamei Lestrade – disse. – Incline o pescoço, Agatha – pedi. As marcas ali não eram tão pronunciadas quanto na Sra. Bolton, ou mesmo em Lauren Smith (pelo pouco que pude ver através do vidro), o assassino ao que parecia não empregara toda sua força.
A pergunta era: porquê?
— Sente dor? – sua irmã perguntou.
— Apenas um desconforto – mentiu.
Molly ia discutir quando me chamaram.
— Sherlock – era John que parou ao ver a senhorita Smith na cúpula. Ele voltou-se para Lestrade que vinha um pouco mais atrás. – Sinto muito.
A cor no rosto do inspetor perdeu-se ligeiramente antes dele refazer sua expressão neutra.
— Sim – assentiu. – Alguém poderia abrir o vidro? – pediu a uma jovem que trabalhava ali, e veio falar conosco quando a mesma se afastou.
— Greg, uma boa notícia seria muito bem vinda agora – Molly pediu.
— Pedi que fossem atrás de uma van há pouco, alguma informação? – perguntei.
— Não aos dois – respondeu. – Os policiais ainda estão no encalço da van, manterei vocês informados. Agatha, uma ambulância está esperando para levá-la ao médico.
Ela assentiu, levantando-se. Molly acompanhava cada um de seus movimentos.
— Vou querer que as duas falem comigo depois – Lestrade disse. – Creio que a autópsia não será feita por você, Molly?
— Não dessa vez, vou acompanhá-la – ela respondeu se desculpando. – Emma fará, ela é a segunda no comando.
— Alguma ideia do porque do ataque à Agatha? – John perguntou.
— Ou do motivo para estarem atacando sempre onde estou? - Molly questionou.
— Nenhuma – Lestrade e eu falamos em uníssono. – Nem parece o mesmo assassino – comentei.
— O que quer dizer com isso? – John observava os machucados no pescoço de Agatha. – Está bastante claro para mim.
— Como sempre – murmurei. Então contei as diferenças que encontrei entre as duas vítimas fatais e nossa sobrevivente. - É só observar.
Todos olharam para Agatha esperando que ela pudesse explicar o fato de não estar morta.
— Estou tão surpresa quanto vocês – ela disse. – Eu nem mesmo sei por que fizeram isso comigo, parecia que estavam esperando por mim – contou.
— Bom – Lestrade lembrou -, Moriarty prometeu um presente à Molly.
— Mas não pode ser isso – John colocou-se ao lado da legista. Seu olhar dizia que ele se lembrava do que Mary e eu descobrimos com Billy.
— Depois do que Sherlock e Mary descobriram pode ser, só não esperávamos que atingisse alguém próximo a ela – apontou a Molly.
E então ela me olhou.
— O que descobriram? – ela perguntou.
— Hã, nada demais – tentei desconversar, Molly assim como John odiaria ser deixada de fora quando isso a envolvia.
— Não é “nada demais” saber que o casamento pode estar comprometido – Lestrade falou e eu tive vontade de estrangulá-lo. John tentava dizer ao inspetor que Molly não sabia daquilo. – Sejamos francos, Sherlock. Moriarty está quase apontando uma seta luminosa para Molly.
— E quando foi que essa seta foi apontada para mim, Greg? – a voz dela estava contida, mas ela me olhava zangada.
— Ah, você sabe, há uma semana quando Sherlock mandou o Billy... – Lestrade finalmente olhou para Molly e entendeu o óbvio. – Você não sabia. Me desculpe – murmurou tanto para ela quanto para mim, desconfortável por todos estarem encarando-o.
Ninguém ousou dizer uma palavra.
— Então todos sabiam – Molly finalmente disse -, inclusive Mary, e ninguém pensou em me informar?
— Não é bem assim – John ponderou.
— John, por favor – ela pediu. – Sherlock, que tal explicar?
— Nós descobrimos que talvez ocorra algo no casamento de sua prima.
— Talvez – ela falou com desdém. – Como o que talvez acontecesse hoje?
— Molly...
— Há uma semana você sabe disso, por que não me contou?
— Temos vigiado você, nada houve de estranho. Não havia razão para alarmá-la.
— Ele está certo, Molly. Ficamos de olho todos os dias – Lestrade me defendeu.
— Alguém pensou em ficar de olho nas pessoas ao meu redor? Alguém sequer cogitou em me incluir? – seus olhos estavam vermelhos agora, certamente de raiva. Seus punhos, crispados, deixavam escapar que ela lutava para manter o controle ali.
Nenhum de nós se manifestou.
— Isso não importa agora, não é mesmo? – ela parecia estar falando consigo mesma, para evitar pensar no assunto. – Vamos, Agatha – sua irmã que ficara calada durante a discussão, apenas nos observou e se deixou ser levada.
John e Lestrade murmuraram desculpas, mas ela apenas acenou para eles e saiu. Sem sequer um olhar em minha direção, ou um aceno. O inspetor acompanhou as duas.
— Hã, não se preocupe, ela não vai ficar zangada por muito tempo com você - John disse.
— Não estou preocupado.
— Aham, sei – deixando claro que não acreditava. – Espero que você saiba o que fazer.
Observamos a moça que falara com Lestrade voltar para abrir a cúpula de Lauren.
— Sinceramente, John, também espero – murmurei, baixo demais para ele entender, antes de analisarmos o corpo.
John Watson
— Mary, ainda podemos dar meia volta e desistir da ideia.
Mas minha esposa não se preocupava com a recepção que poderia ter quando Molly a visse.
— Não se preocupe – ela disse. O brilho no olhar me dizia que eu estava excluído de um plano só seu.
Resolvi não discutir e fiz isso durante todo o caminho. Lestrade ligara no fim da noite anterior contando que tudo estava bem com Agatha, e que as duas já tinham dito a ele tudo o que sabiam. Greg dissera que Molly não parecia mais tão zangada com ele quanto no início, Mary achou isso ótimo e cá estávamos.
Quando chegamos, peguei Rosie do colo da mãe e a aninhei nos braços.
Mary sorriu.
— Você enfrenta vários assassinos e está com medo da nossa adorável Molly? – ela fez um muxoxo quase sentindo pena.
— Para quem está envolvida você me parece bem tranquila – apertei a campainha da casa.
— Meu querido, querido John, a madrinha da minha filha simplesmente não pode ficar zangada comigo.
— Ah, é? E por que não?
Nesse momento, a madrinha em questão abriu a porta e um largo sorriso brotou em seu rosto.
— Rosie!
Minha pequena garota estendeu os braços e se deixou mimar, ela adorava ser o centro de todos os carinhos e beijos.
— Mary – cheguei a pensar que Molly brigaria com ela, mas ela mudou Rosie de posição e deu um abraço em minha esposa. – Não esconda informações de mim. Gosto e quero continuar a confiar nas pessoas.
— Desculpas mais uma vez – Mary disse.
— Está perdoada – Molly a soltou e olhou para mim.
— Hã, pois é, eu... – olhei para Mary não acreditando em como ela tinha se livrado tão rápido.
— Liguei para ela ontem – contou e piscou marota para sua amiga.
Molly me olhava como se decidisse o que dizer.
— Esse é o tipo de situação que espero do seu amigo e não de você.
— Sinto muito, Molly. Tínhamos que ter contado tudo, e não vou me importar caso você não fale mais conosco ou coisa parecida.
— Não falar com vocês? Por quê? – ela parecia realmente ultrajada com a ideia. – Não gostei do que fizeram, é claro, mas isso não muda nada. E eu sei que você só está com ciúmes de sua filha, John, por ela gostar mais de mim. Achou que eu fosse abandoná-la?
Sorri.
— Obrigado, Molly. Nos desculpe.
Ela fez um gesto com a mão deixando o assunto de lado.
— Entrem, entrem – liberou a passagem para nós e seguiu para o interior da casa. – Agatha, venha conhecer minha afilhada.
...
Rosie estava sendo paparicada pela mãe e pela madrinha. Agatha se encantara rapidamente com ela, mas deu espaço para que a irmã pudesse se distrair.
— Elas parecem se conhecer há muito tempo – ela comentou só para mim e apontou na direção das duas mulheres que conversavam com minha filha no meio delas. – Amigas de longa data? – perguntou.
Neguei. Elas se conheciam sim a um tempo, entretanto eu nunca poderia prever em como se tornariam próximas. A amizade de Mary e Molly surgira aos poucos e me pegou de surpresa. Começara discretamente no dia em que anunciamos nosso noivado na Baker Street, se estendera a exames de corpos no Saint Barts quando ajudávamos Sherlock em seus casos, e se consolidara no preparativo do casamento. Molly ajudou em muitas das escolhas das quais me escondia o máximo possível.
Logo elas marcavam de sair juntas e ainda levavam a Sra. Hudson que, inacreditavelmente, as deixava dirigir seu Aston Martin quando quisessem.
Elas já haviam dado mais voltas naquele carro do que eu sequer sonhara.
— Convidados! – Agatha exclamou. Estava com pequenas marcas em volta do pescoço e parecia bem animada para alguém que quase morrera horas atrás. – Observem meu novo símbolo – disse apontando sua garganta e depois sussurrou: - É a última moda – e sorrindo nos chamou para a cozinha.
— Sentem-se – Molly apontou para os bancos próximos à bancada. Comparada à irmã ela parecia bem mais cansada, nem lembrava a garota toda sorrisos que nos atendeu à porta.
— Você está lidando muito bem com isso - Mary disse a Agatha.
— Bem poderia ser pior – disse aliviada. – E não está tão mau assim, há sempre cachecóis lindos para esconder as marcas. Nada para se preocupar – e serviu o chá.
— Positiva, não acham? – Molly disse e serviu bolo.
— Sempre.
As duas nos contaram sobre o depoimento que tinham dado. Molly não vira ninguém suspeito no local, e Agatha tinha ido até a sala quando disseram a ela que a irmã a tinha chamado.
— Mesmo que não fizesse muito sentido – completou.
Molly só havia conversado com Jaime, que também falara com Greg e que esteve com as Hooper no hospital ontem à noite.
— O mesmo que você conheceu na festa meses atrás? – Mary questionou.
Ela assentiu enquanto brincava com Rosie. Eu não havia percebido ainda, mas os olhos dela estavam um tanto fundos, e ela estava ligeiramente mais contida hoje. Atenta aos movimentos de todos, alerta a qualquer detalhe.
Olhei para Mary e percebi que ela mesma observava a legista com um olhar examinador.
— Vocês estão bem com tudo o que aconteceu? – ela perguntou esperando pela resposta de Molly.
— O analgésico me ajudou a dormir – Agatha contou. – As dores diminuíram.
— Molly? – chamei.
— Não dormi nada bem.
— Com isso ela quer dizer que não conseguiu dormir nada – Agatha comentou. – Ela fez chá à noite toda e ficou acordada lendo e pensando.
— Pensei que estivesse dormindo – sua irmã acusou.
— Molly, não precisa se preocupar. Há gente vigiando vocês nesse exato momento – Mary disse.
— Provavelmente Agatha não era o alvo em questão – tentei dizer.
— Então quem era? – ela perguntou.
Não respondi.
— Doutor Watson, ninguém acredita nisso – Agatha falou -, embora eu não entenda ainda o que tanto podem querer da Molly.
— Vingança – respondi. – Ela ajudou um amigo a fingir a morte.
— Sherlock? – ela perguntou. Molly assentiu, porém nada disse. – Como você fez isso?
— Longa história, conto depois.
Ficamos absortos e silenciosos. Até Rosie se aquietara no colo da madrinha e estendera a mão para acariciar o rosto de Agatha.
— Hã, espera um pouco. Quem está nos vigiando? – Molly quis saber.
— O inspetor Lestrade disse que estaria – Agatha lembrou.
— Ele não é o único - Mary respondeu com um sorriso. – Mycroft está monitorando.
— Mycroft? – o espanto de Molly era compreensível.
— Sherlock não precisou de muito para convencê-lo, o governo britânico está de olho em tudo que diga respeito a Moriarty.
— Ainda assim. É difícil imaginá-lo... – Molly parou de falar tentando se acostumar à ideia.
— Eu o estou ajudando – Mary tornou a dizer -, e claro, Sherlock também.
Molly franziu as sobrancelhas.
— Gente demais em perigo.
— Tenho que concordar com você – Agatha disse. – Mas com tantos sem teto aqui perto, Molly, fico surpresa que nunca tenha sido atacada.
Nós três nos entreolhamos cúmplices.
— O quê? – Agatha estava curiosa.
— São os sem teto de Sherlock – contei. – Os olhos e ouvidos dele pela cidade.
— Como assim?
— Creio que Molly pode explicar depois, sim? – Mary se pôs de pé. – Precisamos ir. Vocês ainda precisam descansar, principalmente você – apontou Molly.
— Estou bem – ela mentiu.
— Mas seria bom dormir – aproximei-me para pegar Rosie de seus braços. – Sua afilhada concorda comigo.
— Sei.
Nos despedimos das duas. Após uns minutos já estávamos a caminho de casa.
— Então – falei -, você acha que vai dar certo?
— Não sei – Mary olhava pela janela do táxi.
— Ainda acho que esse é um jogo cego – comentei.
— Ah, John. Não se preocupe. Sherlock vai atrás dela, você vai ver – e olhou-me como se já soubesse os próximos passos que seriam jogados.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
E ai, gostaram? Digam a essa pobre pessoa que vos fala.
Até o próximo!