Amnésia escrita por Ana Coluto


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oi galera,
não me aguentei e postei antes da hora!
Mas já vou avisando que o próximo vai demorar ein (uma semana)
Esse cap é consideravelmente menos interessante que o anterior.
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Beijos



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Não há como negar que Maria estava tentando recuperar o controle de sua vida.

Ela se esforçava diariamente para colocar uma expressão neutra durante o dia. Fazer café, limpar os armários, almoço, compras no mercado e aquela passadinha no açougue eram coisas que ela se prontificava a fazer. Certas coisas ainda eram naturais e não mudavam e certas pessoas não estavam interessadas no seu drama pessoal.

Contudo, Maria ainda estava sem coragem de encontrar seu passado. Continuava diariamente aceitando o  chá de seu tio para tentar ativar suas memórias, e toda noite revivia  o momento em que matou seu pai. Aquilo era masoquismo, presa no momento em que arruinou sua vida. Mas ela escutava a voz do pai tão clara e nítida que era quase um vício passar por aquilo todas as noites, por mais que acordasse desmaiada sobre o próprio vomito toda manhã.

Talvez fosse até um modo de punição, porque ela não procurava recuperar as memórias de maneira saudável através de fotos e longas conversar com sua família. Na verdade, todas as fotos que antes tinham em seu quarto foram retiradas por sua mãe para que ela não ficasse com muitas perguntas na cabeça e não ficasse confusa. E em relação a conversar longas com sua família, era um ponto delicado. Sua irmã mais nova, Clara, não falava com ela, pelo contrário: parecia acuada e temorosa todas as vez que as duas se encontravam sozinhas, encarava apenas o chão e era indiferente a qualquer tipo de tentativa de interação por parte de Maria. Era frustrante, mas os médicos diziam que com o tempo isso passaria, era apenas um mecanismo de defesa desenvolvido pela garotinha desde o acidente.

A mãe de Maria, Silvana, parecia ficar constrangida constantemente. As duas trocavam palavras amenas, mas nunca falavam no ocorrido e nunca haviam se abraçado depois que Maria saíra do hospital. Maria tinha medo se um dia sua mãe colocaria tudo para fora, se culparia sua primogênita por ter perdido o homem de sua vida, se jogaria na cara todo o sofrimento que passaram enquanto esteve internada.

Seu tio era seu confidente, amigo e amparo nesses últimos dias. Sempre estava lá por ela, conversava com facilidade, lembrava de situações engraçadas que viveram juntos, falava de como foi sua infância e vivia falando de sua mãe, que  morrera de depressão por causa de seu irmão, e de como sua força de vontade sempre o inspirou.  Ela amava seu tio cada dia mais e todos os outros parentes que mesmo distante enchiam suas redes sociais com palavras de carinho.

Tinha seus amigos também, claro. Que estavam tentando não ser tão invasivos, mas não funcionava. Seu celular não parava de tremer com mensagens preocupadas, engraçadas para levantar seu humor e com muito pedido para sair e espairecer. Eles estavam sendo tão persistentes que Maria havia combinado de ir num barzinho com eles aquela noite.

Enquanto se olhava no espelho, considerando com que roupa ir sentiu como se estivesse fazendo algo errado. Não sabia como agiria no meio dos amigos e nem como manter um assunto que não envolvesse seu acidente.

Ouviu uma batida na porta.

Seu tio Everson colocou a cabeça para dentro. Seria ele quem daria carona até o bar para que ela encontrasse os amigos.

—Então, estou adequada para a ocasião? – perguntou dando uma volta para seu tio ver o look.

Ele sorriu de uma forma que lembrou muito o seu irmão.

—Se você estiver indo num velório, talvez. – disse enquanto abria mais a porta. – Não para alguém que pretende ficar bêbada com os amigos após uma experiência de quase morte.

Maria riu divertida. Somente alguém com muita intimidade teria a audácia de fazer piadinha com aquela situação.

Ela concordou com a cabeça. Estava na hora de não lamentar o ocorrido e começar a criar novas memórias a partir dali, mesmo que o álcool a fizesse esquecer logo em seguida.

Voltou para o guarda roupa e procurou algo mais adequada para a ocasião e optou por roupas mais leves que ela considerou que haviam sido compradas especialmente para aquelas ocasiões. Enquanto empurrava os cabides de um lado para outro viu no fundo de uma prateleira a caixa em que guardava suas fotos e evitava a todo custo mexer.

Sentiu um aperto no coração e fechou rapidamente a porta, mas sua animação tinha ido por água abaixo.

Maria sentia o chão levemente desnivelado e uma leve tontura tomava conta de sua cabeça. Estava leve como uma pena, seus pensamentos não eram ordenados e parecia um amontoado de cenas fora de contexto, mas pelo menos não eram as mesmas imagens depressivas de sempre.

Estava sentada do lado de fora do bar, recostada na parede e sentia o cheiro de cigarro de alguns fumantes próximos. Estava feliz, ou pelo menos achava estar. Havia dançado com seus amigos, lembrou que era boa no pagode e que todo seu corpo parecia saber exatamente como fazer os movimentos das músicas, tanto que em um momento se viu rodeada de pessoas para observarem sua dança e também para terem a oportunidade de a tirarem para dançar.

Seus amigos tinham sido super delicados, riram com ela e falaram de acontecimentos importantíssimos como: as últimas músicas que foram lançadas e que ela deveria aprender a coreografia, as fofocas dos mundos dos famosos e algumas curiosidades sobre a faculdade. Ela havia perdido provas importantes do período e não havia passado de ano.

—Maria, você está bem? – perguntou uma voz suave próxima a ela.

Com o coração acelerado Maria abriu os olhos.

Conhecia quem lhe dirigia a palavra. Encarou o homem moreno a sua frente, alto e com olhos escuros. Até onde ela se lembrava eles eram namorados.

Continuou olhando para ele sem conseguir falar. Todo seu corpo ficou tenso de repente e aquela sensação estranha que o chá lhe causava começou a se manifestar em um grau mais elevado. Seu estomago estava repuxando insistentemente e se amaldiçoou por ter bebido demais naquela noite.

Estava quase preparada para ouvir o barulho da buzina do caminhão que sempre iniciava a lembrança da noite do acidente quando foi pega de surpresa. Era outra lembrança voltando.

Ela estava preparando três sanduiches na cozinha, ao som de Like a Virgin de Madonna, segurava uma cerveja na mão e o canto do balcão da cozinha indicava que não era a primeira. Seu quadril se movimentava no ritmo da música e não parecia se importar do cabeço estar em contato com os pães. A cada novo ingrediente adicionado Maria lambia os dedos apreciando suas artes culinárias.

Terminado os sanduiches, ela os colocou em um prato e abriu a geladeira e pegou mais duas cervejas que colocou em baixo do braço. Ainda subia as escadas dançando quando viu Daniel ajoelhado do lado de Clara e a menininha parecia estar chorando.

Pegou o controle que estava no seu bolso de trás e a música cessou instantaneamente e ela se ajoelhou ao lado de Daniel. Os olhos castanhos da irmã estavam cintilantes devido às lagrimas.

—Ei Clarinha. – disse passando a mão no rosto dela. – Por que você está chorando?

A irmã fungou e puxou a respiração. Parecia estar se recompondo.

—Nada não, o Daniel já me ajudou – disse baixinho. Sua voz estava rouca e bem desanimada.

A Maria da lembrança olhou para um Daniel que parecia tão confusa quanto ela. Conversaram por olhares por breves instantes de segundos e então voltou a encarar sua irmã.

—Quando eu tinha onze anos eu também tinha problemas. – declarou sorridente. – Pega um pão pra ver se anima.

A irmã recusou com a cabeça e voltou correndo para o próprio quarto fechando a porta atrás de si.

Maria levantou sem parecer dar importância para o ocorrido, aparentemente eram as inseguranças da pré-adolescência que haviam feito sua irmã chorar. Dando mais um gole na cerveja olhou de um modo maroto para Daniel.

—Eu acho que também devíamos ir para o quarto. – disse enquanto envolvia o moreno num abraço apertado e dava beijinhos em seu rosto.

Maria voltou para a realidade e percebeu que estava com a testa apoiada em algum lugar macio e cheiroso, e por um breve instante cogitou a hipótese de fingir que não tinha recobrado a consciência.

Juntando toda a força de vontade levantou a cabeça do ombro de Daniel e o encarou seriamente. Alguma coisa no rosto do rapaz fez com que se sentisse tranquila, não sabia dizer exatamente o que já que ele parecia muito incomodado com o contato físico e se afastou dela assim que percebeu que havia acordado.

—Isso acontece com que frequência? – perguntou enquanto ajeitava a blusa.

Estava uma noite tranquila e serena. Maria continuava sentada em frente ao bar, ninguém havia percebido seu desmaio ou talvez julgassem que era apenas o efeito do álcool e não uma nova lembrança que aflorava em sua mente. Arrumou o cabelo e inclinou a cabeça para trás.

—Não é nada demais. – disse encarando o chão. – Só acontece quando me lembro de alguma coisa...

Percebeu que havia falado demais. Não queria contar esses pequenos acessos de memória que tinha, era algo que escondia de sua família pois queria aguentar o baque sozinha. Sentia que todos estavam tentando protege-la da lembrança da noite do acidente, mas não gostava da ideia de saber que estava sendo poupada da dor.

Por isso que toda a noite desmaiava em seu banheiro, relembrando os segundos que antecederam o acidente: talvez lembrasse o motivo da sua histeria, o porque de ter comprometido sua vida familiar para sempre e de ter perdido seu pai naquela estrada. O chá do seu tio a lembrava disso.

E Daniel havia sido o catalisador de outra memória.

—Você estava consolando a Clara. – continuou tentando obter alguma resposta dele. – Estava na minha casa. Você lembra o que aconteceu depois?

Como não houve resposta imediata resolveu erguer o rosto e estranhou o que viu. Daniel havia fechado a cara, como se uma nuvem carregada estivesse pairando como ele. Os lábios haviam se fechado numa linha fina que mostrava contrariedade e seus ombros foram projetados para trás. Ele aparentava estar irritado.

—Você deveria ir para casa agora. – disse enquanto voltava em direção à porta de entrada do bar. – Parece um pouco sobre sobrecarregada.

Maria parecia não entender o que acabara de ocorrer, o fato era que nem todos haviam perdido a memória.

Enquanto voltava para a mesa de seus amigos, Daniel também revivia uma noite que acontecerá aproximadamente seis meses atrás.

—Eu nunca mais quero te ver, Daniel – Maria atacou uma toalha roxa em sua direção. – Eu tenho nojo de você, seu idiota.

As buchechas grandes que ele sempre gostava de morder quando estavam descontraídos queimava num tom vermelho de ódio. Os olhos castanhos de Maria estavam esbugalhados devido a raiva latente e os cabelos estavam desgrenhados.

—Pelo amor de Deus, Maria. – ele disse segurando o braço dela. – Você tá enlouquecendo, eu jamais faria isso. Eu respeito você e sua família.

Maria gritou de ódio. Chutou a toalha caída para o lado.

—Sai da minha casa, sai. – apontou para a porta

Havia um misto de sentimentos dentro de si: estava confuso devido à acusação que estava sofrendo por parte de Maria, não esperava que a confiança dela fosse em si fosse tão baixa e nem tentava ouvir o que ele tinha para falar. Outro sentimento era preocupação de quem poderia ter feito aquilo na casa de Maria.

No fim de semana havia tido uma festa ali, com muita bebedeira e jovens loucos e desajuizados que eles conheciam na faculdade. Não tinha como manter um controle sobre quem entrava em qual cômodo e nem prever todas as ações que aconteceriam.

Ele sabia que não tentava argumentar com Maria naquele estado, então virou as costas e rumou de direção a porta, com uma sensação muito ruim o acompanhando.

E parado naquele bar, vendo tantos rostos felizes e pessoas se divertindo com quem gostavam seu coração pesou e antes que pudesse evitar estava do lado de fora do bar novamente, encarando Maria.

—Eu te levo pra casa.

 


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Notas finais do capítulo

E aí, galera?



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