De Repente Papai escrita por Lady Black Swan


Capítulo 13
Orgulho de escritor


Notas iniciais do capítulo

Eu acho que me inspirei um pouco em mim mesma para descrever a vocação de escritor de Sesshoumaru nesse capítulo, mais do que um “amor” pela escrita o que eu tenho é mais quase como uma necessidade fisiológica de escrever, no entanto eu não sou profissional e muito menos tão dedicada quanto o Sesshoumaru kkkk E longe de “ler de tudo um pouco” eu leio apenas aquilo que me cativa. ^^’

GLOSSÁRIO:

Seifuku: Uniforme escolar feminino.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/713754/chapter/13

Depois de puxar os braços de Rin através das mangas da camisa do seifuku e ajeitar a roupa nela, ele virou-se para pegar o suéter bege de mangas compridas que fazia parte do que compunha o “uniforme de inverno” da escola de Rin, enquanto ela mantinha os braços erguidos no alto para que ele pudesse vesti-la.

Geralmente a garota se virava muito bem para se vestir sozinha, e para a maioria das outras coisas também, com exceção de prender o cabelo — no que, diga-se de passagem, Sesshoumaru não era de muita ajuda —, mas naquele dia em especial estava fazendo tanto frio que a menina sequer fora capaz de conseguir levantar da cama.

Justo ela que sempre acordava cedo e fazia o desjejum permanecera fechada em “seu” quarto até Sesshoumaru ir vê-la já levando a refeição que ele mesmo prepara — e que ela já comera —, achando que estava doente.

—Você está realmente bem para ir à escola? — perguntou pelo que deveria ser a terceira vez vendo seus dentes baterem enquanto puxava a gola de marinheiro do seifuku para fora do suéter — Se quiser pode faltar hoje.

—Não, está tudo bem. — gaguejou virando-se para que ele pudesse por nela o casaco cor de rosa que quase lhe batia nos joelhos. — Mamãe sempre dizia que, se dependesse de mim, no inverno eu hibernaria como um urso e só iria para a escola na primavera.

—Você não funciona bem no frio, funciona? — ele arqueou uma sobrancelha enquanto enrolava o cachecol vermelho e cinza em volta de seu pescoço e o amarrava.

—Não. — ela admitiu deixando ele lhe abotoar o casaco — Mas vou ficar bem, dormi com um aquecedor de barriga e ainda estou usando ele, então...

—Acho que está exagerando, o inverno mal começou, e na sua sala com certeza vai estar mai quente. — e enfiou o gorro, que combinava com o cachecol, em sua cabeça.

—Minha sala nunca vai ser quente o bastante durante o inverno. — afirmou estendendo as mãos nuas a frente do corpo.

Ele arqueou a sobrancelha pondo nela as luvas que, agora ele percebia, também faziam conjunto com o cachecol e o gorro. Ela havia escolhido tudo a dedo, não fora? Era uma criança, mas no final das contas continuava a ser uma garota.

—Isso foi algum tipo de referencia ao meu apartamento? — questionou.

Inuyasha sempre dizia isso a respeito do apartamento — muitas vezes o apelidando de iglu, mas Sesshoumaru gostava do frio, então nunca o aquecia o suficiente, além de que, quanto mais o mantinha assim menos tempo Inuyasha e seus amigos passavam ali.

—Não, de jeito nenhum. — negou abraçando a si mesma. — Mas admito que esse lugar poderia ser mais quente.

—Bem, vá se acostumando. — ele tocou sua cabeça e levantou-se — Vamos indo, ou você se atrasará para a escola, não se preocupe eu ligo o aquecedor no carro para você.

—Sesshoumaru-Sama o senhor não sente frio? — ela perguntou o seguindo — Esse lugar aqui é gelado.

—E está apenas no inicio. — respondeu no corredor — Eu sinto frio, como qualquer ser humano normal, mas também acho que um pouco de frio não faz mal, então não fico tentando desesperadamente transformar a casa numa sauna durante o inverno.

Ele parou por um momento para calçar os tênis e pegar as chaves, ela parou ao seu lado para por os sapatos.

—O senhor não vai nem colocar uma jaqueta? — ela perguntou quando os dois saíram.

—Já disse que um pouco de frio não me incomoda...

—Mas está fazendo, pelo menos, 8°C aqui fora!

—6,5°C. — ele a corrigiu, havia ouvido a temperatura no noticiário enquanto fazia o desjejum — Mas sem risco de neve ainda.

De repente a menina pôs-se a sua frente estendendo os braços e ele quase tropeçou nela.

—Sesshoumaru-Sama, desse jeito o senhor vai pegar um resfriado, ou até uma pneumonia ou hipotermia! — afirmou.

Novamente pondo a mão em sua cabeça ele passou por ela sem lhe dar maior atenção.

—Não vou não, estou usando calça e camisa de mangas compridas.

—O senhor usa isso todos os dias! — ela protestou.

—Quando nos conhecemos eu estava de bermuda. — ele pontuou chamando o elevador.

A menina suspirou, aparentemente desistindo, e parou ao seu lado para pegar sua mão.

—Isso é normal? — perguntou.

—O que?

—Estar mais frio lá dentro do apartamento do que aqui fora.

Ele a olhou de canto.

—Você só acha que está mais quente aqui fora por causa de todas essas roupas que me fez colocar em você. — afirmou.

—Não, tenho certeza que não é isso. — ela negou — É que morar com o senhor é como morar dentro de um iceberg.

—Você é livre para ir embora se quiser. — relembrou-a.

O elevador chegou, Sesshoumaru trouxe-a para dentro consigo.

Depois disso ela não disse mais nada até chegarem ao carro.

—Quando o tio Inuyasha vai voltar?

—Ele volta da viagem escolar hoje. — respondeu dando a partida e, como prometera, ligando o aquecedor — Mas vai passar alguns dias na casa da Domadora, então não sei.

E então o assunto acabou. Definitivamente.

...

Levaram-se exatos vinte minutos para percorrer o caminho do apartamento até a escola de Rin, mas foram os vinte minutos mais longos da vida de Sesshoumaru.

Ele tinha aquele carro há cerca de dois anos, mas não se lembrava de já ter usado o aquecedor antes então não sabia se ele realmente funcionava ainda, infelizmente — ou felizmente, ele ainda não tinha decidido ao certo — ele funcionava sim, e muito bem.

O carro ficou tão agonizantemente quente — na opinião de Sesshoumaru — que antes da metade do percurso a menina já havia se livrado do casaco e das luvas, provavelmente teria tirado o cachecol e o gorro se tivesse tido mais tempo.

No segundo em que ela desceu do carro ele desligou o aquecedor e abriu as janelas para o vento frio de fora o resfriasse enquanto ele dirigia — porque aparelho de ar condicionado nenhum daria jeito naquilo. — e só as fechou quando estacionou o carro.

—Só podia ser você mesmo Sesshoumaru, para andar com as janelas do carro abertas num tempo desses! — Sesshoumaru ouviu assim que saiu do carro. — E ainda sem casaco! Quando menos esperar vai morrer congelado Sesshoumaru!

Ele ligou o alarme do veiculo e olhou por cima do ombro, Myuga, seu editor, estava parado na calçada com as mãos dentro do bolso do casaco longo que esvoaçava ao vento.

—Parece que chegamos juntos. — observou.

—Parece que sim. — o velho concordou.

—Você me chamou aqui porque arranjou alguma coisa para mim? — Sesshoumaru questionou passando por ele.

Myuga pôs-se a segui-lo.

—Ah sim, talvez. — respondeu vagamente — Mas fiquei realmente surpreso quando você me ligou perguntando se tínhamos algo para você.

—Não sei por quê. — Sesshoumaru ergueu um braço acenando para que segurassem o elevador — Sou um escritor, é natural que eu esteja sempre à procura de coisas para escrever.

—Há! — riu Myuga — Eu podia até acreditar nisso, se tivesse vindo de qualquer outro escritor que não você Sesshoumaru.

Sesshoumaru acenou brevemente com a cabeça, em agradecimento para a mulher que havia segurado o elevador para eles, recostou-se ao fundo e olhou de canto para o velho que era pouco mais de uma cabeça mais baixo que ele.

—Por que diz isso? — perguntou.

Ainda com as mãos nos bolsos Myuga baixou a cabeça e a balançou.

—Bons escritores normalmente o são porque amam o que fazem, pelo menos é o que eu acredito já que esse não é um trabalho muito gratificante. — Myuga respondeu — Vocês se dedicam horas a fio todos os dias, por meses e às vezes até anos só para, no final, ter algo do que se orgulha e que seja digno de ser publicado não é? Isso tudo mesmo sem saber se aquela obra terá um bom número de vendas ou mesmo se será bem recebida pelo público.  Um escritor pode escrever a vida inteira... E mesmo assim não ter, no final do mês, dinheiro suficiente sequer para pagar o aluguel. — e lançou um olhar de canto à Sesshoumaru que tinha que “abrigar” o “irmãozinho” em casa sob a condição de o pai pagar metade de seu aluguel, mas este permanecia impassível, sem sequer olhar em sua direção, como se a conversa não fosse com ele — Muitos vivem e morrem sem sequer se tornarem conhecidos... Mas mesmo assim eles não param, eles continuam a escrever, porque realmente amam isso, é por isso que estou dizendo que se fosse qualquer outro escritor a me dizer isso eu acreditaria.

E encolheu os ombros.

Sesshoumaru, que até então parecia estar ignorando-o, finalmente olhou-o de canto.

—Está dizendo então que eu não amo escrever? — questionou — Por que mais eu escolheria essa profissão tão ingrata, como você mesmo diz, se não a amasse?

—Não, não estou dizendo que você não ama o que faz, afinal por que outra razão estaria aqui? Francamente sei que não é pelo dinheiro, se fosse isso você não teria abandonado o curso de direito. — Myuga acenou displicentemente com a mão. — E eu particularmente não consigo imaginar mais nenhuma outra razão, além de amor, para alguém fazer uma loucura dessas.

As portas do elevador se abriram no décimo andar, a mulher se retirou e em seu lugar outras três pessoas entraram.

—E então? — pressionou Sesshoumaru.

—É só que... O que está fazendo?

Acontece que Sesshoumaru havia colocado um cigarro entre os lábios e estava, naquele exato momento, tentando ascendê-lo com um isqueiro.

—Você está em um elevador! — Myuga o repreendeu.

Sesshoumaru desistiu do cigarro com um suspiro, na verdade havia pegado-o de maneira quase inconsciente mesmo.

—Eu já não posso fumar nem na minha casa, onde é que vou fumar? — reclamou pondo o isqueiro no bolso e devolvendo o cigarro a carteira.

—Não sei. — Myuga torceu o nariz — Mas em um elevador é que não será e com certeza não no meu escritório!

Quando colocava a carteira de cigarros de volta no bolso Sesshoumaru percebeu que havia algo ali que ele não havia notado antes e, um pouco surpreso, descobriu uma pequena bala em seu bolso.

Finalmente as portas do elevador abriram-se no décimo quinto andar, e ambos se moveram para sair.

—Agora... Voltando ao assunto de antes. — retomou Myuga. — Quando penso em você eu não consigo associar a palavra amor, mesmo com relação à escrita, para mim a relação que você tem com escrever... É mais uma necessidade do que propriamente algum sentimento, eu acho que... Para você escrever é como respirar: não é que você queira fazer isso particularmente, mas você precisa disso para viver.

Explicou enquanto ambos seguiam lado a lado pelo corredor, a caminho do escritório de Myuga. Sesshoumaru olhou para o alto jogando a bala dentro da boca e colocando a embalagem amassada de volta no bolso — já que não havia lixeiras por perto.

—Então talvez... Eu esteja começando a precisar de uma dose maior de escrita para sobreviver?

—Há! — fez Myuga novamente, da mesma forma que havia feito no elevador, empurrando a porta de seu escritório — Sesshoumaru eu te conheço desde que era menino, porque não me conta a verdade de uma vez?

Sesshoumaru moveu a bala de um lado para o outro em sua boca, seguindo Myuga pela pequena antessala do escritório.

—Eu preciso do dinheiro. — respondeu.

Myuga deu um riso fungado.

—Isso todos nós precisamos. — respondeu enquanto procurava pela chave certa para abrir a porta de sua sala — Mas, mesmo assim, você nunca foi de fazer muita questão disso.

Ainda jogando a bala de um lado para o outro em sua boca Sesshoumaru voltou a olhar para o alto, depois baixou o olhar para Myuga novamente e respondeu:

—Tenho uma menina em casa.

No susto Myuga derrubou o molho de chave — e ele tinha acabado de achar a chave certa!

—Você? Uma menina? Na sua casa? — perguntou surpreso se abaixando para pegar as chaves do chão — Você que nunca sequer se envolveu emocionalmente realmente a sério com uma garota de repente tem uma morando na sua casa?

Sesshoumaru girou os olhos.

—Seu velho caduco, por acaso está ficando surdo? — disse — Eu disse que é uma menina, ela não tem sequer nove anos ainda.

—Ah... Bem. — Myuga levantou-se com as chaves em mãos — E... O que você faz com uma menina tão pequena em casa?

Ele olhou estranhamente para Sesshoumaru por cima do ombro enquanto abria a porta, este, por sua vez, arqueou-lhe uma sobrancelha.

—Não pense coisas estranhas de mim, velho, eu não a sequestrei, se é o que está pensando. — respondeu tomando a frente e entrando de uma vez no escritório — Ela é a filha de uma antiga amiga minha, só estou tomando conta dela por um tempo.

—Uma antiga amiga... Sei. — repetiu entrando no escritório.

Mas parou quando viu o olhar mortal que Sesshoumaru lhe lançava.

—Eu já disse. — disse entre os dentes — Pare de pensar coisas estranhas de mim.

—Mas como...! Como você não quer que eu pense coisas estranhas se você não para de falar coisas estranhas?! — Myuga atrapalhou-se.

A bala que Sesshoumaru estivera chupando estava acabando agora, ele colocou as mãos nos bolsos.

—De qualquer forma, você me chamou aqui porque arranjou algo para mim. — comentou, e olhou-o de lado — E então? O que você tem para mim Myuga?

Aquele rapaz... Ele ia mesmo mudar de assunto assim tão de repente?

Myuga suspirou.

Bem, de qualquer forma seria inútil insistir, mesmo que fizesse mais perguntas ele não lhe responderia então não tinha outro jeito, tinha? Afinal fora para aquilo que ele o chamara ali.

—Sobre isso, a editora está organizando um projeto para ser lançado no final da primavera. — respondeu começando a tirar o casaco.

Mesmo sem ser convidado, e ainda com as mãos nos bolsos Sesshoumaru se sentou.

—E do que se trata?

—Bem, estamos tentando juntar oito escritores para serem coautores de um livro que deverá juntar oito contos que tenham como plano de fundo, uma estação do ano, serão dois contos para cada estação. — respondeu dando a volta na mesa para ocupar seu lugar — E como você tinha me ligado procurando por algo eu indiquei você, no caso você seria um dos autores responsáveis pelo tema “verão”.

Por um segundo Myuga achou que alguma janela da sala havia se aberto por acaso, pois de repente a temperatura ali no ambiente caiu drasticamente, mas então percebeu que era apenas o olhar mortífero de Sesshoumaru novamente sobre si.

—Por que está me olhando dessa forma agora? — gaguejou afastando-se involuntariamente — Você queria um trabalho, não é? Eu te arranjei um!

—Por quê? — a voz de Sesshoumaru soava perigosamente baixa — Porque tenho que escrever sobre algo tão odioso quanto o verão?

—Sabe Sesshoumaru... As pessoas normalmente não costumam odiar tanto o verão. — Myuga murmurou se reaproximando. — Mas você é um escritor, e sabe perfeitamente que nem sempre se pode escrever só sobre o que se gosta, não e? — questionou readquirindo o ar profissional e se inclinando sobre a mesa — Se aceitar terá metade do pagamento adiantado para as suas despesas até terminar de escrever e a outra depois do lançamento, fora isso não haverá participação nos lucros, em outras palavras você estará vendendo seus direitos autorais por essa participação no livro à editora, se aceitar podemos tratar dos detalhes do contrato mais tarde. Então? Vai pegar ou não?

...

Sesshoumaru tinha certeza que seu relógio não estava adiantado, isso significava que ele havia chegado no horário certo, mas mesmo assim aquela menina estava demorando toda uma eternidade para aparecer.

Já ficando impaciente Sesshoumaru deu mais uma tragada em seu cigarro e então, enquanto virava a página do livro que lia, deu algumas leves batinhas com ele na beirada do cinzeiro para livrar-se das cinzas incomodas.

No fim havia acabado por aceitar o trabalho — e como poderia recusá-lo depois de Myuga o ter posto a prova tão abertamente o seu orgulho de autor? —, mas aquele era um trabalho com o lançamento previsto só para a primavera e, embora ele já estivesse pensando no que escrever, o contrato só seria assinado no mês que vêm, e consecutivamente o pagamento também só seria efetuado nessa data, e Sesshoumaru precisava do dinheiro para agora, de forma que Myuga precisou usar alguns de seus contatos para lhe arranjar algo que fosse mais imediato.

E agora ele tinha a resenha de três livros para entregar em um prazo de até duas semanas, que sairiam na sessão de comentários de alguma revista literária qualquer, ele receberia por aquilo, então pouco lhe importava que revista era.

—Desculpe pelo atraso Sesshoumaru-Sama...! — a menina exclamou entrando repentinamente no carro... E torcendo o nariz antes mesmo de fechar a porta. — O senhor está fumando de novo!

Acusou.

Sesshoumaru não se deixou abalar.

—Aparentemente sim.

Respondeu fechando o livro calmamente, com o cigarro pendendo entre os lábios... Até ser repentinamente arrancado dali.

—Essa coisa vai matar o senhor! — a menina exclamou com raiva, amassando furiosamente o cigarro no cinzeiro.

Apoiando o cotovelo na janela aberta e repousando o rosto sobre o punho fechado, Sesshoumaru a encarou calmamente de lado.

—Que me mate ou não, isso é problema meu e não seu.

—O senhor está errado! — ela discordou ao que ele arqueou uma sobrancelha — Isso é problema meu também! Porque Mariko já se foi e por isso agora o senhor é tudo o que me resta! Então nem pense em morrer também Sesshoumaru-Sama! Nem pense!

Sesshoumaru olhou-a em silencio enquanto a menina sentava amuada em seu lugar e puxava sobre si o cinto de segurança, pensou em salientar que ela tinha aos avós e não a ele, mas dessa vez decidiu deixar passar.

—Vou deixar a janela aberta para o cheiro dissipar-se. — avisou colocando o livro sobre o painel do carro e dando a partida.

—Ah... Sim. — ela respondeu ainda amuada, com os punhos enluvados cerrados sobre o colo.

—Por que você demorou tanto? — perguntou com visível falta de interesse.

—Ah. — a menina virou-se surpresa para ele, já havia até esquecido disso — Sinto muito por isso Sesshoumaru-Sama, mas eu me esqueci de lhe avisar que hoje era a minha vez de limpar e arrumar a sala de aula, eu não tenho o seu número então não pude ligar para avisá-lo, e como tio Inuyasha e os outros não estão na cidade eu não sabia se adiantaria ligar para eles ou não.

—Limpar e arrumar a sala de aula. — Sesshoumaru franziu minimamente o cenho, a boca agora era uma linha reta — Aí está algo de que eu definitivamente não sinto falta na escola.

Rin suspirou em total concordância recostando as costas ao apoio do assento.

—Mas, pelo menos, não é tão ruim quanto nas vezes em que a minha turma é escolhida para limpar os banheiros de algum andar.

A boca de Sesshoumaru torceu-se só um pouquinho, é ele também odiava quando a turma dele era escolhida para essa tarefa.

—É, mas eu ainda preferia isso à às vezes em que minha turma era escolhida para ficar lá fora limpando a piscina.

Ele podia ficar de joelhos e limpar uma privada, mas ainda preferia isso a ficar do lado de fora debaixo do sol esfregando a piscina.

—Na minha escola não tem piscina.

—Espere até chegar ao ginásio. — ele a advertiu — E mesmo que se salve dessa, do colegial você não escapa.

Garantiu-lhe.

Foi quando Rin notou o livro sobre o painel do carro e, curiosa, o pegou.

—Esse não é o tipo de livro que eu imaginava que o senhor gostava. — comentou analisando a capa do livro.

Aquele era um dos livros sobre os quais ele precisava escrever uma resenha, Sesshoumaru havia parado em uma livraria a caminho dali exclusivamente para comprá-los.

Não que ele não pudesse ter simplesmente pegado um exemplar de cada de graça na sede da revista para a qual escreveria as resenhas — afinal eles eram, por hora, seu material de trabalho —, mas como escritor ele sabia o quão importante era ter seus livros vendidos — especialmente levando-se em conta a porcentagem baixa de lucro que um escritor ganhava por cada exemplar vendido — de forma que sempre se recusava a receber livros de graça e até insistia em pagar por eles.

—Sou um escritor Rin. — ele parou no sinal vermelho e a olhou incisivamente — Mas não sou um amador, ou alguém que faz isso simplesmente por prazer ou por hobbie, escrever é uma necessidade minha, porque eu sou profissional, e como tal eu tenho a obrigação de ser um leitor assíduo, eu preciso ler muito e diariamente, tenho que ler livros de literaturas variadas, inclusive àquelas que usualmente eu não leria, ser um leitor também faz parte do trabalho de ser um escritor.

E esta, a propósito, era a razão para ele ter comprado na livraria, além dos três livros sobre os quais precisava escrever as resenhas, outros dois livros extras que escolhera aleatoriamente.

O sinal ficou verde, Sesshoumaru seguiu com o carro.

Mas, mesmo depois de quase três minutos, Rin continuou calada enquanto ele dirigia, ao que ele foi, finalmente, vencido pela curiosidade de olhá-la — mesmo que de canto — afinal, Rin ficar calada por mais de um minuto inteiro — que dirá três! — não era um evento muito comum.

A menina estava paralisada olhando-o de uma forma não menos do que fascinada.

—O que foi? — perguntou já incomodado com aquilo — Qual o problema agora?

Parecendo sair de algum transe ela piscou e balançou a cabeça.

—Não. — disse — Não, é que o senhor fala com tanto descaso e desinteresse do seu trabalho que fiquei surpresa em ouvi-lo falar assim tão sério de repente. — explicou-se — E aí eu lembrei-me daqueles filmes americanos com o “dia da profissão” e imaginei como seria se tivéssemos esse dia aqui também, e o senhor fosse à minha escola...

—Dia da profissão? — ele a interrompeu.

—Pelo o que eu vi nos filmes é um dia em que os pais das crianças vão às escolas para falar de suas profissões. — explicou — Acho que é para incentivá-las a escolher uma carreira.

—Rin. — chamou-a estacionando o carro — Se eu fosse falar sobre a minha profissão na sua escola os pais e professores só iriam me acusar de induzir as crianças ao ócio.

Dito isso ele tirou o cinto de segurança e saiu do carro.

E a menina o seguiu alegremente. 

—Viu só? É disso que estou falando! — apontou. — Mamãe realmente tinha razão.

Sesshoumaru franziu o cenho ao chamar o elevador.

—Sua mãe tinha razão em que?

Parando ao seu lado, ela inclinou-se para frente e sorriu alegremente ao responder:

—Mamãe me contou que na época que vocês namoraram todas as amigas dela diziam a ela que era uma perda de tempo, porque você não a amava nem nunca amaria, era o “menino de gelo”, mas para a mamãe você apenas não demonstrava as coisas, quer as amasse ou odiasse você nunca deixava claro, e de uma coisa ela tinha certeza: ao menos por algum tempo você a amou, mesmo que só um pouquinho. E sabe como ela sabia disso?

Ele não sabia que naquela época as amigas de Mariko lhe diziam coisas como aquelas sobre o relacionamento de ambos — verdade seja dita, ele nem sequer sabia que ela havia contado a alguém sobre isso —, mas tampouco isso tinha importância agora, quase dez anos depois de tudo.

—Não faço a menor ideia. — Sesshoumaru girou os olhos.

E realmente não sabia de onde Mariko podia ter tirado uma ideia daquelas, ele, pelo menos, nunca lhe dera tais ilusões.

Rin sorriu como se soubesse de algum segredo, e tirou de dentro da camisa o medalhão de ouro que sempre lhe pendia do pescoço.

—Porque no aniversário dela o senhor lhe deu isso, tanto a corrente quanto o medalhão são de ouro por isso deve ter custado muito caro, especialmente para um aluno que ainda estava terminando o ginásio, nem consigo imaginar o sacrifício que o senhor deve ter feito naquela época, só para presenteá-la com isso, e é por isso que Mariko tinha certeza que por algum tempo, mesmo que só um pouquinho, o senhor a amou de verdade.

Ah, aquele medalhão... Um grande sacrifício para obtê-lo? Por favor.

O que será que Mariko diria se soubesse as reais origens dele? O que diria sua querida filhinha?

—Foi muita ingenuidade de Mariko acreditar que eu a amava só por algo assim. — acabou por dizer simplesmente.

Mas, mesmo depois desse comentário, Rin não perdeu seu sorriso, e ainda lhe respondeu:

—Pois eu acho que ela tinha razão! — afirmou, e para justificar-se continuou: — Quer ame ou odeie algo o senhor realmente não gosta de demonstrar, é como a escrita: não parece, mas o senhor realmente a ama.

Foi quando o elevador finalmente chegou.

...

Amor.

Muitas horas mais tarde, deitado em sua cama e olhando para o teto, essa palavra ainda não havia saído da cabeça de Sesshoumaru, com o livro aberto sobre a barriga ele suspirou cobrindo os olhos com o antebraço direito.

Do ponto de vista de Sesshoumaru ele nunca descreveria o que houve entre ele e Mariko envolvendo tal emoção.

E havia dito isso a ela naquela noite, dez anos atrás...

—Sesshoumaru-kun, Sesshoumaru-kun. — ela o chamara.

Pensando bem, Rin tinha uma maneira bastante semelhante a da mãe de falar.

—O que foi Mariko? — ele lhe respondera sem sequer olhá-la, pois estava muito ocupado.

Naquela época Sesshoumaru tinha quinze anos de idade e estava estudando para passar no exame que lhe garantiria fazer o colegial numa boa escola, Mariko havia lhe pedido que fizesse o teste para entrar na mesma escola que a dela para os dois passarem mais tempo juntos, mas ele se recusara — Como se fosse mesmo abrir mão de uma escola de prestigio só por uma razão tão tola.

Embora fosse realmente uma situação rara que ela o chamasse enquanto ele estudava, afinal ela sabia que ele não gostava de ser interrompido, mas mais do que isso ela também amava vê-lo estudar.

Mariko era um ano e oito meses mais velha que Sesshoumaru, e trabalhava como babá de Inuyasha, os pais dele passavam muito tempo fora trabalhando e Sesshoumaru era ocupado demais para ficar cuidando do filho dos outros, portanto era natural que tivesse uma babá.

Naquele momento Inuyasha estava dormindo tranquilamente em seu quarto, e Mariko estava na cama de Sesshoumaru.

—Eu estive pensando... — ela hesitou. — Você me ama?

Sesshoumaru tamborilou com a caneta por um momento, estava intrigado com uma questão especificamente difícil de física.

—Se eu a amo? — repetiu pouco interessado — Por que está me perguntando isso agora?

—É que...

—Eu não me lembro de ter feito qualquer coisa para lhe dar tal esperança. — afirmou.

O silêncio pairou sobre aquele quarto, não que isso fosse, de alguma forma, um incomodo para Sesshoumaru que finalmente começara a resolver aquela questão de física.

—Então... Você me odeia?

Sesshoumaru virou-se para olhá-la, não estava irritado, mas intrigado com o porquê de ela estar lhe causando tantas interrupções naquela noite.

Mariko estava sentada em sua cama totalmente embrulhada pelo cobertor de Sesshoumaru de tal forma que apenas o seu rosto podia ser visto, ele não conseguia entender porque, mesmo depois de quase cinco meses, ela sempre ficava dessa forma incrivelmente envergonhada e cheia de pudor quando terminavam, — mesmo que, nessa questão, ela fosse a mais experiente ali e não ele — não é como ele ainda não a tivesse visto sem roupas.

—Não. — respondeu — Nem por isso.

De alguma forma essa resposta pareceu deixá-la mais triste do que se ele tivesse lhe respondido com uma afirmativa.

—Entendo. — ela sorriu tristemente e baixou a cabeça — Então, no final das contas, você apenas não sente nada em relação a mim. — e, apertando o cobertor mais firmemente contra o corpo, continuou com uma voz quase embargada: — Se é assim... Talvez seja melhor que paremos por aqui com isso.

Sem dizer nada Sesshoumaru apenas voltou a lhe dar as costas, ainda tinha que terminar de estudar.

—Se é isso o que você quer. — respondeu.

—Sim, é o que eu quero. — embora seu tom de voz não parecesse mostrar muita confiança — Por que... Um relacionamento sem sentimento algum... Só me faz sentir-me infeliz.

Agora, parando para pensar, talvez naquela noite ela quisesse algo dele, talvez quisesse que ele dissesse que a amasse, ou que simplesmente lhe pedisse para ficar.

No entanto, ele não sentia nada disso por Mariko, para ele a coisa entre eles era algo mais físico, ele era um adolescente de quinze anos, tinha necessidades, e ela parecia disposta a saciar essas necessidades, isso era tudo.

Mas desde que ela não estava feliz com isso então ele não a obrigaria a ficar.

De forma que tudo o que lhe disse foi:

—Feche a porta quando sair.

E não a olhou sequer uma vez enquanto ela, chorando baixinho, começou a recolher suas roupas e vestir-se.

Mariko fechou a porta depois de sair.

Depois disso ela nunca mais voltou ao quarto de Sesshoumaru.

Quatro meses depois ele e a família se mudaram.

Sesshoumaru abriu os olhos e se sentou de repente quando ouviu alguém bater em sua porta.

O relógio de cabeceira marcava 2h03min.

Havia pegado no sono? Nem sequer se dera conta.

E alguém ainda continuava a bater em sua porta.

—Que é? — respondeu passando a mão no rosto.

A resposta veio na forma de um fio de voz que se espremeu para passar por debaixo da porta:

—Sesshoumaru-Sama... Sou eu... Rin.

Sesshoumaru girou os olhos, claro que ele sabia que era ela, quem mais poderia ser? Inuyasha ainda estava na casa da Domadora.

—O que foi Rin? — respondeu já se colocando de pé.

—Eu... Eu... — a voz de detrás da porta soava muita mais frágil e tênue do que o normal. — Estou com frio.

Com brusquidão ele abriu a porta.

—Bem. — disse — E o que é que eu tenho haver com isso?!

Diante de si a menina estava parada trêmula, com os joelhos chacoalhando-se e os dentes batendo sem controle, as mãos estavam enfiadas de baixo das axilas e os olhos eram súplices.

—Por favor... — as palavras saíram assim, escapando-lhe por entre os lábios — Posso dormir com o senhor? É só por essa noite... Está muito, muito frio.

Por um longo minuto, que pareceu durar para sempre, o homem frio e a garotinha trêmula se encararam e então, sem dizer uma palavra ele lhe deu as costas e voltou para cama.

—Que está fazendo aí ainda, por acaso congelou? — perguntou quando a notou ainda parada no mesmo lugar. — Mexa-se!

—D-desculpe! — ela respondeu.

E parecia já estar indo embora quando ele lhe disse:

—Feche a porta quando entrar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Hoje vimos um pouco mais sobre Mariko também, mas dessa vez por um ponto de vista além do de Rin, Sesshoumaru é realmente alguém cruel, não concordam? E por falar no Sesshoumaru, o que acham de como anda a relação dele com Rin? Eu acho que, apesar de ainda ser um pouco brusco, bem que ele está melhorando um pouco com ela...

E agora por último uma pequena curiosidade do Japão!

No Japão as escolas geralmente não possuem funcionários encarregados da limpeza, pois essa função cabe aos próprios alunos, sendo eles próprios que se revezam para organizar e limpar desde as salas de aula até os banheiros, os japoneses acreditam que com isso ensinam valores de responsabilidade e independência às suas crianças, as crianças, por exemplo, não vão emporcalhar todo o banheiro ou jogar lixo no chão sabendo que serão eles mesmos aqueles que terão que limpar tudo depois.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "De Repente Papai" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.