Acordei com o som irritante do despertador. De todos os sons desse planeta, aquele me parecia o mais irritante de todos, principalmente para se acordar. Bati a mão na parte superior do mesmo para desliga-lo e me permiti manter os olhos fechados por mais alguns minutos. Nunca tive problemas com horário sempre fui bem organizada na hora de programar meu dia e aqueles minutinhos após o despertador tocar faziam parte da minha rotina matinal.  Sempre acreditei que não se alcança a excelência em meio a desorganização. Para mim o grande segredo de uma vida bem-sucedida está exatamente em saber planejar e executar.

Como em todas as manhãs minha televisão ligou cinco minutos após o despertador tocar - indicando que meu tempinho a mais na cama já tinha acabado - no horário exato do início do noticiário da manhã. E, enquanto eu ouvia sobre as primeiras notícias do dia segui minha rotina de arrumar a cama, escolher a roupa para o dia, uma ducha rápida e, quarenta e cinco minutos depois enquanto ouvia a previsão do tempo já tinha finalizado minha maquiagem. Peguei minha bolsa e desliguei a TV antes de sair.  Meu apartamento não era muito grande. Considerava ele do tamanho ideal para uma mulher solteira da minha idade: dois quartos - sendo o principal uma suíte, enquanto o menor era usado como uma espécie de escritório -, a cozinha não era grande, mas eu quase não a usava, uma sala razoavelmente ampla em um excelente prédio de seis andares na Noble Square.

Residi nesse prédio há alguns anos quando ainda morava de aluguel e adorava toda a facilidade de acesso que ele tinha. Ficava praticamente em frente ao pequeno Eckhart Park e, menos de três minutos andando da estação de metrô mais próxima que aliás, permitia uma viagem rápida de menos de dez minutos ao centro financeiro de Chicago.  E, essa sem sombra de dúvida era uma das coisas que mais gostava. A rapidez que tinha em deixar o ambiente sossegado em um bairro residencial com pequenas áreas verdes para a loucura dos grandes prédios comerciais e lojas. Não, que não gostasse do Rogers Park onde morrei durante meus primeiros seis anos na cidade, mas Noble Square era muito mais cômodo de morar para mim.

— Olá morena. – fiquei surpresa ao ver Gale sair da cafeteria frente à estação de metrô com dois copos vindo em minha direção, mas sorri sincera assim mesmo. – Bom dia. – ele beijou o canto dos meus lábios lentamente. – Para você, duplo forte sem açúcar.

— Obrigada. – peguei o copo e seguimos lentamente até à revista. – Era isso que eu precisava antes da reunião maçante que teremos em alguns minutos. – ele riu e bebeu um gole da própria bebida.

Gale Hawthorne era um dos meus colegas de trabalho. Nos conhecemos há pouco mais de cinco anos quando comecei a trabalhar na Chicago Entertainment* uma revista razoavelmente conhecida no estado onde comecei como freelance. Quando comecei lá, ele já trabalhava na revista há dois anos e me recebeu muito bem. E, de lá pra cá nossa relação vem sendo produtiva, por assim dizer, éramos quase que amigos com benefícios sem qualquer pressão de ambas as partes. Assim como eu, que tinha como foco minha carreira, Gale que atualmente era o editor da sessão de esportes era o tipo de profissional comprometido com o trabalho e não buscava nada sério.

— O que vai fazer nesse final de semana prolongado?

— Não sei, acho que trabalhar e quem sabe fazer uma visita ao Willis Tower. – não importava quantos anos eu morasse em Chicago, amava visitar o edifício. Adorava subir até o 103º andar no P Skydeck e admirar a vista magnifica da cidade principalmente nessa época do ano. O verão permitia uma vista espetacular do lago, sem contar com a sensação maravilhosa de ver a cidade pelo chão de vidro da plataforma fora da estrutura. Independentemente da quantidade de vezes que estive lá, ainda conseguia sentir a mesma sensação de estar flutuando sobre a cidade que senti na primeira vez quando conheci o local. – E, na segunda provavelmente vou almoçar na minha irmã.

— E, o que você acha de um jantar no Metropolitan? Eu, acompanho você no seu passeio e você janta comigo depois.

— Jantar em um restaurante cinco estrelas com uma das melhores vistas da cidade? Desse jeito vou pensar que você está querendo algo sério, Gale. – brinquei e vi que ele sorriu ligeiramente sem graça. – Você não quer algo sério quer? – parei no meio da calçada o olhando atentamente.

— A intenção do jantar era não falar sobre isso no meio da rua, Katniss. – realmente aquele não era nem de perto um lugar adequado para aquele tipo de conversa.

— Eu não sou alguém namorável, Gale. Você sabe, tenho um relacionamento sério com o meu trabalho e...

— Katniss, vamos falar sobre isso no jantar, sim? - sugeriu enquanto abria a porta para mim.

— Não, as coisas estão tão bem Gale, por que complicar? – ele suspirou antes de me puxar para um canto do saguão do prédio onde ficava a revista.

— Eu, não sou mais um garoto. Profissionalmente minha vida está ótima e eu não estou falando em casamento, ou algo assim. Estou falando em assumirmos um relacionamento sério, eu quero mais Katniss, mais do que sexo casual e saídas ocasionais.

— Gale, você sabe que eu...

— Pensa sobre o assunto e falamos melhor no jantar está bem? – eu não tinha concordado com o jantar, ainda sim acabei concordado com a cabeça antes de pegarmos o elevador e irmos direto para a reunião daquela manhã. 

Horas de uma reunião maçante era tudo que eu não queria após a conversa com Gale - que aliás estava sentado à algumas cadeiras da minha -, mas sem outra escolha acabei imensamente feliz levantando quando a reunião se deu por encerrada e fui em direção à minha sala onde minha assistente já esperava por mim na porta.

— Flavius, ligou avisando que pegou uma virose e não vai poder cobrir o show desse final de semana, mas que pode cobrir o desfile no feriado. – ela me seguiu até a minha sala e foi lendo os recados. - Glimmer Rambin, gostaria de uma reunião com a senhora o mais breve possível. O fotógrafo pediu para avisar que as fotos estão prontas e que ele já fez uma pré-seleção.

— Liga para a Vênia e peça para cobrir o Flávius no show. Marque um horário com Rambin para terça-feira pela manhã, hoje estou muito atarefada. – sentei na minha mesa e liguei meu computador - Peça para o Messalla trazer as fotos, quero escolher o mais breve possível.

— Claro, sua irmã ligou e pediu para a senhora atender o celular, ou lembrar que tem uma irmã e ligar para ela. – Lavínia trabalhava comigo desde que virei editora da sessão de lazer e estava mais do que acostumada as ligações dramáticas que Prim fazia.

— Certo, quando ela ligar novamente pode passar a ligação. – passei mais algumas tarefas para ela e assim que saiu voltei minha atenção para o trabalho. Eu amava aquela correria e quando estava trabalhando, nada mais importava. Logo após o almoço Lavínia me informou que Prim estava na linha e assim que ela passou a ligação pude ouvir minha irmã mais nova.

— Enfim consegui falar com você, não atende mais o celular, não?

— Eu estava em uma reunião. – recostei na cadeira calmamente. – Como vai você? E, as crianças?

— Estamos todos bem, claro que estamos com saudades já que a última vez que te vimos foi rapidamente no aniversário da Lily há quase dois meses, só para lembrar.

— Eu sei, tudo anda muito corrido por aqui, mas vamos nos ver no feriado.

— Então sobre isso que queria falar com você. Estava pensando que já que, esse ano o feriado cai na segunda-feira você podia vir no sábado e passar três dias aqui com a gente. – a voz dela era de pura animação.

— Eu não posso Prim, sabe que mesmo em casa sempre acabo trabalhando.

— Você pode trabalhar aqui durante a noite, sábado vai ter uma festa aqui na cidade vai ser muito divertido. Vamos lá Katniss, você fica aqui em casa. Sem contar que o Luca ficou de sair com as crianças no domingo então seremos só você e eu, como nos velhos tempos, ou podemos até mesmo sair para um barzinho, ou algo assim.  – eu não passava a noite em Twelve Valley há muito tempo e embora a ideia de passar mais tempo com minha irmã, sobrinhos me agradasse e muito não era algo que realmente queria fazer.

— Prim...

— Por favor Katniss, vai ser divertido, eu prometo.

— Tudo bem, eu vou no sábado. – concordei e ouvi ela comemorar do outro lado e sorri, de certa forma seria uma forma de evitar o jantar com Gale e toda essa história de relacionamento sério. Nos falamos por mais alguns minutos antes que eu precisasse desligar e voltar ao trabalho.

Cheguei a Twelve Valley no fim da tarde de sábado e pude notar que a cidade já estava se preparando para o feriado. No bairro onde minha irmã estava morando próximo ao lago, a movimentação era grande já que todo ano era lá que acontecia a queima de fogos e o show. Muitas famílias levavam a sério as festividades e era possível ver bandeiras americanas espalhadas por muitas casas.

— Tia Katniss. – fui recebida por um pequeno foguete loiro de quatro anos que veio correndo em minha direção, assim que me viu descer do taxi.

— Olá meu amor, tudo bem? – pequei Tony nos braços e recebi um beijo melado no rosto e não duvidei que o pequeno tinha atacado os alcaçuz, ou qualquer outro doce provavelmente escondido dos pais, ou pelo mesmo escondido da Prim. – Andou comendo doce escondido, não é? – ele abriu um sorriso lindo em meio sua nítida cara de culpa e não aguentei segurar a risada.

— Foi só alguns não conta pra mamãe, por favor.

— Não me contar o que? – Prim se aproximou com um sorriso largo e logo me abraçou com carinho.

— Nada não mãe, eu vou avisar as meninas que a titia chegou. – ele desceu do meu colo e correu em direção a casa.

— Anthony, não corra. – ela alertou e vi quando ele diminuiu a velocidade. - Não vou nem perguntar porque, eu sei que ele comeu doce antes do jantar. – ela suspirou e acabei rindo. -   Vamos entrar, estou tão feliz que tenha vindo. - eles haviam se mudado para essa casa há uns cinco anos quando minha irmã descobriu estar gravida novamente. Era uma típica casa de subúrbio ampla com quintal, jardim e permitia que meus três sobrinhos tivessem cada um seu próprio quarto, além de ficar em uma excelente localização próximo a escolas e ao lago. E, diferente da casa onde cresci era possível sentir o clima familiar ao entrar. Porta retratos de família, desenhos na geladeira todas essas pequenas coisas que minha mãe nunca tinha dado a menor importância. – Arrumei o quarto da Rose para você, achei mais apropriado para você trabalhar caso precise.

— Tia Katniss. – a loirinha me abraçou com carinho assim que cheguei ao topo da escada. Era incrível como Lily conseguia se parecer ainda mais com minha irmã do que Rose. Aos seis anos a pequena era uma cópia da Prim quando tinha essa idade.

Ela me acompanhou até o quarto me contando animada que estava fazendo ballet e que sua turma iria participar do desfile daquele ano. Eu amava aqueles três mesmo não convivendo tanto com eles como deveria. Porém, enquanto estava com eles era como se nos víssemos sempre. Então, duas horas depois seguimos em direção à uma das praças da cidade onde estaria acontecendo a festa. O lugar estava todo decorado, com bandeirolas e barracas espalhadas por toda parte. Alguns brinquedos infláveis estavam sendo a sensação das crianças e não pude deixar de pensar na grande diferença entre as comemorações de uma cidade minúscula com as de Chicago.

— Tio Peeta. – Tony me trouxe de volta à realidade quando soltou minha mão e correu em direção ao loiro que vinha em nossa direção o pegando em seguida no colo. Vi quando Lily se juntou a eles e, até mesmo Rose abriu um sorriso largo ao ver o loiro. Peeta se aproximou cumprimentando o irmão com um aperto de mão em Prim e Rose com um beijo antes de se virar em minha direção.

— Olha quem resolveu se juntar aos pobres, como vai Everdeen? – depois da nossa conversa anos atrás sobre nossa noite juntos, ele agia como se nada daquilo tivesse acontecido e voltamos para o mesmo tratamento de antes cheio de alfinetadas aqui e ali.

— Estava melhor antes de ver você, Mellark.

— Então crianças o que vão querem fazer? – Prim se adiantou parando o que quer que fosse começar entre nós. E, logo os três começaram a escolher o que queriam fazer. Rose queria encontrar as amigas. Lily queria doces, enquanto Tony estava interessado nos brinquedos.

Acabamos nos encontrando com Annie e Finn - que eram amigos da minha irmã - e logo Rose se juntou a filha mais velha dos dois Jully, que tinha a mesma idade que ela e o casal acabou indo com a duas atrás de outras amiguinhas, enquanto Peeta e Luca levavam Tony aos brinquedos Prim  e eu andávamos pelas barracas atrás de um doce que agradasse Lily. 

— Ele é um insuportável. – comentei olhando minha sobrinha caminhando alguns passos à nossa frente comendo o doce que tinha escolhido.

— Isso para mim é amor reprimido. – revirei meus olhos e vi que ela riu. – Vocês são dois cabeças duras isso sim, mas prometi que não falaria mais nada então... – realmente no início minha irmã tentou entender o que tinha acontecido na noite do casamento e o que nos levou ao resultado que chegamos na conversa que tivemos na casa dela, mas como nem mesmo eu tinha uma resposta certa para aquela situação era realmente difícil explicar. – Você ao menos deveria admitir que os Mellark têm uma ótima genética. Por mais, que eu prefira meu moreno tenho que admitir que Peeta é um homem lindo. – olhei na mesma direção que ela estava olhando e realmente vendo os dois irmãos lado a lado não tinha como negar que eram lindos, duas belezas distintas mas ainda sim ambos eram lindos.

— Você ficou com o italiano bonito Prim. – brinquei tentando não pensar muito na beleza do loiro parado próximo aos brinquedos.

— Verdade, mas o projeto de italiano é uma graça. – brincou com a forma que eu costumava chama-lo e acabei rindo.

No fundo eu gostava desses pequenos momentos, gostava de passar um tempo longe da loucura do meu trabalho, de passar um tempo naquela cidade com ar um pouco rural mesmo que para estar ali eu tivesse que aturar Peeta Mellark.

*Revista fictícia.