O Loiro chegou em casa esbanjando cansaço, tomou um banho quase dormindo no processo e caiu na cama, nu, em cima dos cobertores e tudo - inclusive alguns grãos de ração.

Não viu o Brownie em lugar nenhum, mas nem estava se lembrando dele. Só mesmo de manhã, quando acordou com o gato deitando-se em sua cabeça, que começou a espirrar que nem louco e expulsou o bicho de sua cama.

"Tá pensando que meu cabelo é um ninho, é?" O garoto perguntou encarando o felino, que o olhou de volta e miou. "VOCÊ É MUITO FOFO!!!" Pegou o animal e o espremeu em um abraço, mas logo teve outra crise de espirros e foi direto pro banheiro.

Seu cabelo se assemelhava a um ninho, de fato. Fez a higiene diária, vestiu o uniforme do Pet Shop e tomou café da manhã com os pais antes de ir andando até o trabalho. Era a dois quarteirões de distância, nada demais. Só quando chegou percebeu que havia esquecido o gato.

"Oi Lu, bom dia!" Ele a abraçou com força. Já tinha se acostumado, mas o bom humor do garoto pela manhã a irritava profundamente, ainda mais em certos dias do mês.

"Bom dia..." Ela respondeu, bocejando "tudo bem? Cadê o gato do moço?"

"Pois é, esqueci lá em casa coitado. Mas os meus pais já foram trabalhar, menos mal né. Cadê o Fred?"

"Dormiu na casa da Bruna" ela revirou os olhos "sempre chega atrasado e com cara de quem não pregou os olhos"

Dênis deu um sorriso malicioso, escorou no balcão e disse "mas não dormiu mesmo... AAAAH FRED, PUXA O MEU CABELO, ME CHAMA DE CACHORRA!" Ele fez uma imitação fajuta de forma debochada de Fred com a namorada, Luana se dobrava de rir e eles só perceberam Fred ali quando este fechou a porta e o sininho tocou.

"Chamo com todo prazer, Dênis, minha cachorrinha!" Dênis ficou sério e apertou os olhos pro outro, que apenas sorriu, sarcástico "mas puxar o cabelo eu deixo pra quando estivermos sozinhos" sem esperar resposta, ele foi até a outra sala guardar a mochila.

"Ih, ficou puto" Dênis riu novamente, acompanhado por Lu.

O sininho tocou outra vez, anunciando a chegada do cara de terno.

"Você voltouuuu!" Exclamou Luana, alegre. Dessa vez ele estava bem engomado. "Esqueci o seu nome"

"Miguel Sierpe" ele entregou um cartão de visitas "e o da senhorita?"

"Luana, prazer!" Ela respondeu, mesmo que estivesse evidente em seu crachá.

"Você veio buscar o Brownie?" Dênis entrou na conversa.

"É, acho que sim" ele suspirou, passou uma mão no cabelo

"Eu esqueci em casa" deu um sorriso amarelo. "É aqui pertinho, vamos lá buscar!"

O homem revirou os olhos, pediu paciência a si mesmo "Ok... No meu carro"

Luana ergueu as sobrancelhas em sinal de aprovação sobre o carro "não demore, senão vou descontar do seu salário hein Deninho"

"Não enche, de manhã nem tem movimento"

Ao saírem, o único carro estacionado na porta era um Corolla preto, que logo piscou os faróis ao ser destrancado.

"Caramba... E eu pensando que você tinha um Palinho, ou algo assim" disse Dênis, só pra irritar. Deu as coordenadas de sua casa e em dois minutos eles chegaram.

"Você quer entrar?" Perguntou.

"Não mesmo" foi a resposta.

"Ah, anda logo, desce aí. Tá de mau humor porque?" Miguel desceu do carro, um pouco desconfortável e sem paciência. Estava bem calado, característico do mau humor matinal.

"Por que você é um pestinha irritante"

"Não sou?" Ele deu um sorriso como se aquilo fosse um elogio, destrancando a porta.

Ao entrarem, o garoto procurou o gato em diversos lugares. Embaixo das camas, no banheiro, no guarda-roupa com a porta aberta...

"Ali, ele está ali em cima do armário" Miguel apontou. Como o gato havia ido parar naquele lugar? Haviam sérias suspeitas daquele bicho ser um extraterrestre, na mente do homem.

"Ta bem, eu vou subir na pia, qualquer coisa você me segura"

E assim fez, subiu de joelhos na bancada da pia, esticou os braços e o gato escapou da sua mão, miou resignado "vem cá, anda..." Se esticou mais um pouco, mas a porta do armário o impedia, então ele a abriu, conseguindo segurar Brownie e puxá-lo para o seu colo.

Ouviu o barulho de uma porta se fechando e salto alto batendo no chão de cerâmica. Enfiou o gato pra dentro do armário e o fechou ali rapidamente, no momento exato em que sua mãe apareceu na cozinha.

"Dênis? O que está fazendo aí? E quem é esse?"

Miguel respirou fundo, se perguntando por quê fora se meter em tamanha burrada. Já Dênis espremeu os lábios em linha reta, pensando em alguma desculpa.

"Eu que pergunto: Denise, o que está fazendo aqui?" Ele imitou o tom dela.

A mãe ergueu uma sobrancelha, e disse exatamente o que estava na mente de Miguel "é sério?"

Bem nesse momento o gato miou. Dênis engoliu em seco, havia uma possibilidade dela não ter escutado.

"Você percebeu o que tem no meu jardim?" Ela colocou a mão na cintura.

"Flores?"

"Tem cocô no meu jardim" seu rosto estava sério. Miguel se forçou para não demonstrar a vontade de rir com aquilo. Sorte que ele era bom nisso.

"Mas cocô é adubo ué" o gato miou outra vez, só que mais alto, dessa vez era impossível ela não ter escutado. Mas não demonstrava ter ouvido, de qualquer forma. Denise esperava que o filho esclarecesse a situação, séria. "Mãe, não tem um gato nesse armári-ATCHIM!" Antes mesmo de terminar de falar, espirrou. Se soltando de onde segurava e tendo aquela sensação horrível de queda. Por sorte um par de mãos segurou sua cintura, o equilibrando, mas a porta do armário estava aberta e o gato, dentro da pia.

O olhar de sua mãe dizia que a qualquer momento ela poderia ligar o triturador do ralo para engolir o felino.

Dênis foi para o chão novamente e correu para pegar Brownie, apertando-o contra o peito. "Eu sei que não posso ficar com ele mamãe, mas eu não pretendia, era só um dia enquanto meu professor viajava... Ele não tinha onde deixar o gatinho... Olha que carinha de dó...!" Miguel ergueu uma sobrancelha. Não sabia que agora era professor daquele pirralho.

"Só some com esse bicho daqui. Eu vou voltar pro trabalho... Quero o jardim limpo" Ela espirrou, pegou o notebook na mesa e saiu outra vez.

"Que brava." Miguel disse "vocês têm alergia?" Perguntou, olhando Dênis espirrar outra vez, tirou o gato da mão dele. No mesmo instante Brownie o arranhou e escalou seu ombro, mas ficou quieto depois disso. Então Miguel apenas ficou segurando pra que ele não caísse. "Vamos?"

Ele não parava de espirrar, mesmo assim seguiu Miguel até o carro. "O que você vai fazer com o Brownie?" Perguntou, como uma criança tendo que deixar seu brinquedo preferido.

"Vou deixar em qualquer esquina." Brincou. Viu Dênis ficar sério e tomar ar, pronto pra explodir com uma enxurrada de xingamentos pra cima dele. "Calma, não to falando sério. Vou... ficar com ele até encontrar outro dono."

O loiro se acalmou. "Ah, bom. Já sei de tudo o que você precisa pra cuidar dele" deu um sorriso largo.

xXx

"Aí você coloca essa areia na caixa que ele vai usar ela. Mas depois tem que limpar com essa pázinha" deu as últimas instruções à Miguel.

"Tá bom, tá bom. Já entendi. Quanto deu isso tudo?" Perguntou, olhando o relógio.

Dênis fez algumas contas na calculadora. "Deu R$78,90" falou com a maior cara lavada.

"Ta brincando...?" um veia subiu na testa de Miguel. Entregou o cartão com um suspiro.

Sorte que podia chegar mais tarde no trabalho hoje.