Mesmo aos espirros, Dênis foi obrigado a levar o Brownie - sim, já havia batizado o gato cinza com um nome nada a ver - para sua casa, escondendo-o dos pais. Quando ficava muito próximo de bichos peludos, a rinite alérgica atacava, e aí já era.

O garoto trancou o bichano em seu quarto, com água, comida, e um jornalzinho pra ele fazer as necessidades. Se não fizesse ali, tudo bem, contando que não seja em cima da cama. Só pra garantir colocou alguns grãos de ração sobre o lençol, nenhum gato jamais ousaria cagar na própria comida.

A não ser um bem debochado, mas esse não era o caso.

Como já dava a hora, Dênis trocou de roupa correndo, pegou sua mochila e saiu, Fred já estava estacionado na porta. Partiram a caminho da universidade. Não era a Federal, infelizmente. A nota não foi suficiente, como o esperado pra um desastre em humanas como o menino, mas seus pais concordaram em bancar uma particular, se ele prometesse não reprovar em nada.

Era o seu sonho, com toda certeza ia ter as melhores notas da turma - ele dissera aos pais.

Mas só antes da primeira prova. Dênis poderia muito bem ser o cara mais retardado da turma. Não, pensando bem tinha uns piores.

"Eaí Sofia. Belezinha?" Ele disse sorrindo amarelo ao arrastar uma cadeira para a primeira fila e se sentar ao lado da garota. Ela não respondeu, parecia não gostar muito dele. Dênis se obrigava a sentar na frente todos os dias para que o professor falasse bem de perto, até cuspisse como o de genética fazia, pra ver se alguma coisa entrava em sua cabeça de vento, e seus amigos de turma acabaram se afastando um pouco, mas ainda passavam o intervalo juntos.

Tirando alguns dias, como esse, que os amigos preferiam ficar na sala enquanto Dênis ia lanchar, morto de fome já que não havia comido nada desde o almoço.

A tia da lanchonete enchera o copo de suco até a borda, e nas mãos do loiro, aquilo só podia dar em desastre. Ele tomou um gole, foi andando até a mesa, calculando cada passo, concentrado demais naquela simples tarefa do dia a dia que até autistas executavam com mais graciosidade.

E pra variar ágüem passou correndo esbarrando nele, como se estivessem no fundamental. A menina mal se virou para pedir desculpas, cheia de livros nas mãos e um óculos fundo de garrafa, ela simplesmente se foi. Deixou Dênis boquiaberto com um copo de suco vazio e um problema na frente. O crachá de professor.
Fodeu.

O suposto professor tirou o blazer do terno, molhado com suco de morango batido com leite mas que na ocasião parecia vômito. Precisou tirar a gravata também, mas a camisa social listrada por sorte permanecia imaculada.

Dênis se encolhia cada vez mais, culpado e de cabeça baixa.

"Você por aqui?!" O professor perguntou, instigando a curiosidade do garoto, que só então olhou em seu rosto. O dono do Brownie! "Afinal, quantos anos você tem? Não devia estar no Ensino Médio?"

O rubor subiu às faces de Dênis, era difícil ele sentir raiva de alguma coisa, mas não gostou nada do tom de deboche do homem. "Eu tenho 17, tá? Muito bem formado no ensino médio pra sua informação!"

Pra sua surpresa o outro deu um sorrisinho, e só disse "vem, eu vou te pagar outro suco"

"Você não precisa, foi quem saiu perdendo nessa história, mais do que eu" retrucou o garoto, cruzando os braços.

"É uma questão de ponto de vista" ele respondeu, pegou o menino pelo braço e o puxou de leve até a fila "minhas roupas vão pra lavanderia amanhã, então não muda nada"

"Você não sabe lavar as próprias roupas?" Dênis disse, dando um sorriso maldoso.

"Não" respondeu Miguel, preferindo o caminho mais curto do que toda aquela explicação de custo benefício "por que você estava chorando mais cedo?" Perguntou casualmente.

O garoto suspirou e olhou pra baixo. Que homem enxerido. "Por causa da Judy" respondeu com simplicidade

"Sua namorada?" Eles já faziam o pedido do suco, Dênis soltou uma gargalhada tão forte que assustou a atendente e algumas pessoas perto. Em meio a curiosidade Miguel se sentiu idiota, mas não admitiria isso.

"Não, bocó. Eu não tenho namorada. Judy é uma cadelinha que eu encontrei atropelada ontem de manhã. Mas ela não sobreviveu..."

"E você estava chorando por causa disso?" Miguel ergueu as sobrancelhas. Um pensamento maldoso passou pela cabeça de Dênis, de jogar o suco bem na cara do mais velho. Mas era imprudência demais. "Está cursando veterinária, certo?" Assentiu em resposta "se continuar com esse coração mole, vai ser pior pra você"

"Não é o primeiro a dizer isso. Bom, agora eu tenho aula. Vê se busca o Brownie amanhã"

"Brownie?"

"Seu gato, idiota!"

Ah, merda, o gato. Miguel já até havia se esquecido, mas fazer o que?

"Se continuar me xingando assim, vou te dar uma suspensão" Miguel ameaçou. Dênis já estava de saída, mostrou a língua desafiadoramente.

"Você não é meu professor!"