Miguel chegou ao trabalho atrasado, xingando o gato por isso. Não é como se ele tivesse perdido muito tempo com o bicho, e sua chefe nem havia chegado ainda. Ele só gostava de reclamar do que lhe tirava do sério.

   O gato miara a noite inteira por ter ficado preso na varanda de seu apartamento, provavelmente depois de cair do muro, e assim que Miguel abriu a janela de manhã o gato entrou como se invadir a casa alheia fosse aceitável. Sem nem fazer cerimônia.

"Miguel, como anda o romance?" A moça perguntou, sentando na beirada de sua mesa. O corte da saia social ia até o meio das coxas.

"Marina, você sabe que eu não tenho nenhum romance" ele suspirou, e antes que pudesse dar outra má nota sobre aquilo, ela ergueu as sobrancelhas e deu um sorriso aparente simpático.

"Me refiro ao que pedi pra você escrever mês passado" ela levantou-se da mesa e foi até a porta, antes de sair se virou para ele outra vez "sem pressa, eu só acho que um romance ficaria bom com suas palavras"

Que conveniente que aquela fosse sua chefe. Era meio doida, cada um com sua individualidade.

Mas pedir pra um escritor de ficção científica mudar o foco assim de repente? Qual o sentido? Em suas histórias sempre houve um pouco de romance, porém pouco trabalhados, e Miguel não gostava da idéia de focar justamente nisso. Suas relações amorosas por pouco não haviam sido destrutivas, ele não se dava muito bem com "romance".

Esse assunto vez por outra vagou por sua cabeça ao passar das horas, a idéia de escrever um romance... Que coisa, podia ser bom! Novas experiências. Quem sabe?

Só, pelo amor de Deus, sem muitos clichês! Era o que ele mais odiava nos romances. Por isso os que mandavam pra editora, nenhum passava pelas mãos de Miguel, eram reprovados sem pensar duas vezes.

Quando foi dando a hora de sair do trabalho ele se lembrou do gato, e do garoto que se dispôs a cuidar dele. Já deviam estar fechando o Pet Shop a essa hora, e Miguel chegaria tarde, ainda iria para a faculdade dar aula. Com toda certeza o garoto pensaria ter sido enganado. Talvez resolvesse ficar com o bichano, isso seria perfeito. Afinal, pareceram se dar muito bem. Miguel se perguntou outra vez qual seria o motivo do choro, odiava ficar às cegas sobre as questões emocionais das pessoas.

E por que os outros atendentes não se importaram? Bem provável que eles soubessem o motivo e resolveram deixar o garoto sozinho. Não podia ser algo tão sério, já que ele sorriu facilmente. Talvez fosse algum motivo bobo de adolescente, uma briga com a  namorada por exemplo. Quem nunca, não é mesmo Miguel?

Miguel balançou a cabeça e puxou os cabelos. Que mania estranha de criar possibilidades pra fatos que não lhe diziam o mínimo respeito!

No dia seguinte voltaria pra buscar o maldito gato, quem sabe assim conseguiria alguma informação.