Singularidade escrita por SayakaHarume


Capítulo 7
I. Singularidade




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Singularidade

1. qualidade ou propriedade do que é singular. 2. ato, dito ou coisa singular.

 

A semana se arrastou e Vikram estava próximo de um ataque de nervos. A família de Maya era terrivelmente social, querendo sempre estarem juntos em uma sala conversando sobre tudo e nada. Maya estava perpetuamente exasperada por eles, e Ravi metade do tempo estava olhando para Vikram em busca de ajuda.

Por isso, foi um alívio quando saiu para cavalgar sozinho.

Era estranho buscar a solidão ao invés de fugir dela. Porém, era inevitável, sendo que todas as companhias disponíveis eram as erradas. Se houvesse apenas um desejo que Vikram pudesse realizar, ele pediria para Aklen estar ali com ele. Desde o primeiro dia de sua volta a propriedade onde crescera, não havia um momento em que ele não tivesse desejado falar com Aklen.

Um beijo poderia mesmo causar tão grande mudança?

Porém, lá no fundo, Vikram sabia que não tinha sido o beijo. Aklen era um garoto quebrado pela vida, e que tinha se reconstruído com o passar dos anos a partir dos pedaços que lhe restara, se tornando a peça que se encaixava perfeitamente na alma incompleta de Vikram. Ele sabia disso, e sabia há algum tempo. Apenas não havia notado.

Seu coração ansiava para voltar para Aklen, mas ele estava preso aqui, longe do oceano, em meio a pessoas que futuramente seriam parte da família, mas que ele não conseguia se importar.

Quando voltou para casa, apenas Ravi ainda o esperava na varanda, e ele não sabia se estava grato ou não por isso, principalmente quando seu irmão nada falou, apenas o seguiu para o estábulo. O silêncio nunca tinha sido tão pesado entre eles, e Vikram se perguntava se era apenas em sua cabeça, ou se Ravi sentia também.

― Você está terrivelmente quieto esses dias. ― Ravi finalmente quebrou o silêncio, mas Vikram não sabia o que responder, então nada respondeu, deixando que Ravi continuasse. ― Você... você tem algum problema com Maya ou a família dela?

― O quê? ― Vikram virou a cabeça para o irmão, vendo a expressão preocupada que ele ostentava. ― Não, não, de jeito nenhum! Maya é um anjo e eu a adoro. A família dela é ótima, embora eu ainda ache o irmão dela levemente obcecado demais com duelos.

― Não poderia concordar mais com você. ― Ravi deixou uma risada aliviada escapar. ― Então o que está te preocupando, irmãozinho?

Vikram olhou as rédeas em suas mãos enquanto caminhava ao lado do irmão, comprando alguns instantes para ter uma resposta, mas o tempo passou e nenhuma veio.

― Eu não sei. Havia muito tempo que eu não ficava assim. ― Seu sussurro não era mais alto do que o som dos grilos, mas sabia que Ravi o ouviria. ― Querendo estar em outro lugar.

― Você quer ir embora?

― Não. ― Vikram olhou para o massivo palacete. O lugar onde crescera. ― Eu quero ir pra casa. Eu achei, Ravi, eu finalmente achei e acho que você não vai gostar.

― Vikram, não há nada no mundo que você poderia fazer que fosse me desapontar. Eu conheço você.

― Na ilha, eu... ― Encontrei alguém e ele é incrível, Vikram queria dizer. Eu o vi em seu pior momento e me apaixonei pela força que ele tem.

― Você conheceu alguém lá e acha que eu não vou aprovar? ― Ravi sempre tivera o talento para pressentir o que o irmão queria dizer. ― Vikram, eu nunca desaprovaria a garota que você gosta só por ela ser...

― Não é uma garota. ― Vikram o interrompeu, a confissão subindo por sua garganta antes que ela o sufocasse.

Ravi parou de andar, os olhos arregalando em surpresa.

― Oh. ― Foi o único som que fez para reconhecer que havia ouvido e recomeçou a andar, na mesma velocidade que antes.

― Por favor, Ravi, diz alguma coisa ― Vikram pediu, os dedos apertando as rédeas até que sentiu a dor nas articulações.

― Eu não sei o que dizer. ― Ravi foi sincero. ― Nunca imaginei que essa era sua preferência. É uma surpresa e tanto.

― Você me odeia?

― Eu não poderia nunca te odiar, Vikram. Acho... que eu preciso de um tempo para processar isso. ― Ravi passou o polegar no lábio inferior, antes de continuar. ― Este... esta pessoa que você gosta... retribui seus sentimentos?

Vikram pensou no jeito que Aklen sorria toda vez que se reencontravam, e em como o havia beijado.

― Eu... eu acho que sim. Não falamos sobre isso. ― Vikram hesitou por um momento. A essa altura eles já haviam chegado ao estábulo, e pararam as portas deste. ― Ele me beijou.

― E você realmente gosta dele? ― Ravi sorriu levemente, e Vikram sentiu que poderia começar a chorar e gargalhar por isso.

― Ele é tudo, Ravi. ― Foi a resposta sincera. ― Eu nunca me sinto sozinho quando estou com ele.

― Então estou ansioso para conhecê-lo. ― Ravi afagou o cabelo do irmão. ― Eu vou levar um tempo para me acostumar a ideia, mas... eu amo você.

― Eu também amo você, irmão. ― Vikram sorriu para Ravi e mordeu o lábio inferior antes de completar com um E eu o amo, e eu o amo e ele era o que faltava.

—x-

Aklen nunca havia sido bom em querer coisas para si. Ele sempre havia quisto tirar seus irmãos daquela ilha, dar uma boa educação a eles. Ele sempre quis que sua mãe melhorasse, mas ele nunca havia quisto nada somente para si.

Aklen não sabia como querer Vikram.

Ele não sabia se, caso Vikram voltasse, deveria ir recebê-lo, como havia se tornado um hábito. Não sabia se deveria mencionar o beijo. Não sabia se tinha o direito de querer Vikram, a memória de suas mãos macias ainda vivas demais e isto o fazia ter vontade de se afundar nele e ao mesmo tempo correr pra o outro lado do mundo.

Ele ainda estava aprendendo, aprendendo pela presença de Vikram. A cada dia ao lado dele parecia fazer mais sentido querê-lo. Então, claro, tudo tinha que ir por água abaixo. Uma sucessão de acontecimentos que em uma ventania derrubava o castelo de cartas que Aklen tão cuidadosamente estava erguendo.

Ainda sentia em seus ossos a vergonha e humilhação de ter apanhado na frente de Vikram. Não queria ser visto como alguém a ser protegido. Não queria cair na tentação de contar com outra pessoa para resolver um problema que era exclusivamente dele. Doera engolir sua vergonha e ir falar com Vikram naquele dia. Doera vê-lo tão furioso, mas ao mesmo tempo, veio a vontade de deixar sua armadura cair, de apenas deixar tudo que ele vinha guardando a tantos anos sair de seu peito e talvez, pela primeira vez na vida, sentir-se sem o mundo sobre seus ombros.

E então, havia, em um momento de desvario, cedido a uma vontade que ele nem sabia que tinha, e desde aquela hora não tinha parado de pensar em fazê-lo novamente. Não parava de se perguntar se tinha ou não imaginado aquela fração de segundo onde Vikram o retribuía.

Esperança era um sentimento perigoso e ele se sentia sufocado por ela.

As manhãs, uma vez que metade da família agora estava em Alto Capital, haviam se tornado ocorrências mais sossegadas. Derin raramente acordava cedo, e Sumer fazia seu melhor para todos os dias acordar Kaner, Seven e Nimet e ajudá-los a se lavar e se vestir. Algumas vezes também fazia o café da manhã. Mesmo que pelo resto do dia não encontrasse motivação para mais nada, os cuidados matinais de seus filhos mais novos haviam se tornado algo sagrado e naquele dia não fora diferente.

Não era um dos melhores dias de Sumer, mas ela preparou o café mesmo assim, e depois de servi-lo, se colocou atrás de Aklen, lhe acariciando o cabelo enquanto o filho comia.

­― Você está preocupado ― ela sussurrou. ― Você não ficava preocupado assim a algum tempo.

― Não é nada, mãe. ― Aklen hesitou, antes de completar de uma forma que aquietasse Sumer. ― Vikram e eu discutimos antes dele voltar pra Alto Capital. Sobre o pai. Eu não tinha contado pra ele.

― Você deveria ter contado. ― De todas as coisas que Sumer poderia ter dito, essa certamente era o que ele menos esperava.

― Vikram não precisava saber ― Aklen retrucou, defensivo. Virou-se na cadeira, de forma a sentar-se de lado e encarar a mãe. ― Não é problema dele, ele não precisa se preocupar com isso. Eu resolvo, como sempre resolvi. ― O tom de acusação na última frase não era intencional, mas ele também não planejava retirá-lo.

Sumer cruzou os braços, e não recuou diante da acusação velada. Naquele momento, Aklen viu a mulher que havia sido o escudo entre ele e Derin nos primeiros anos de sua vida.

― Você realmente acredita nisso? Que tem que resolver tudo sozinho e que outros não têm nenhuma ajuda a oferecer? ― O tom era neutro, o que era pior do que fúria ou frieza.

― Não cabe a eles...

― Você não vai chegar a lugar nenhum sozinho, Aklen. ― Ela deu as costas, voltando para o fogão. ― Seus irmãos estão em Alto Capital porque você os ajudou. Sair daqui era tudo que eles queriam. E você, o que quer? E quem vai ajudá-lo a conseguir? ― Aklen se engasgou com as palavras, e Sumer prosseguiu. ― Nós dois escolhemos caminhos dolorosos e nos seguramos a isso com tudo que tínhamos, porque parece ser a única coisa que é nossa. Se continuar assim, Aklen, você poderá nunca ser como seu pai, mas acabará como eu.

― Mãe... ― Aklen se levantou, indo até ela, mas Sumer se virou ergueu uma mão, o impedindo de prosseguir.

― O passado não pode ser mudado. Já foi, nos resta aceitar. ― Sumer pressionou os dedos aos lábios por um instante, seus olhos fechando para ocultar a mágoa que havia neles. ― Aquele dia... você chorou no meu colo. Por quanto tempo esteve se segurando? Eu entendo seu ponto de vista. ― Ela acabou com a distância entre eles e segurou o rosto de Aklen entre suas mãos. ― Você quer ser forte, ser alguém em que seus irmãos confiam. Quer ser a pessoa com quem eles contam e em quem eles acreditam. Eu entendo. Mas se você não encontrar uma forma de aliviar o fardo nas suas costas, isso tudo só vai se acumular, e quando você se sobrecarregar, não haverá volta. Não de um jeito simples. Eu sou a prova viva.

― Mãe, eu não vou... ― Aklen segurou os pulsos de sua mãe e foi interrompido por ela.

― Por isso, meu bem, quando sairmos daqui, você cuidar de si mesmo. Você já cuidou dessa família o suficiente. ― Sumer afastou o cabelo que caia pelos olhos de Aklen. ― Está na hora de você descobrir quem você é longe de nós, antes que não reste mais nada a se descobrir. E faça as pazes com o menino do continente. ― Ela tocou o nariz de Aklen com o indicador, antes de voltar ao fogão. ― Ele ainda vai te ensinar a ser egoísta e você vai ensiná-lo a ser altruísta.

― Eu nem sei se ele vai querer falar comigo.

― Ele vai. ― Sumer sorriu antes de se concentrar em o que quer que estivesse começando a preparar para o almoço do filho.

Aklen estava prestes a responder, mas as risadas de seus irmãos que saiam do quarto invadiram a cozinha e ele deixou as palavras morrerem na ponta de sua língua. Beijou as três crianças na testa antes de voltar ao seu café da manhã.

O que ele queria?

Que seus irmãos fossem felizes. Sua mãe ficasse bem. Ver o mundo. Vikram.

Ele não sabia querer coisas para si, mas não havia viva alma que não concordasse que Aklen era um aprendiz rápido.


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