Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 23
Novas surpresas!




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O que eu estava sentindo agora era muito diferente do que senti nas últimas semanas. Dessa vez, tudo em mim parecia fraco. Não só mentalmente, mas principalmente fisicamente. Meu nariz não parava de escorrer, sentia dores pelo corpo todo, queria muito ir no banheiro e na maior parte do tempo eu tinha quase certeza de que estava mais quente do que o normal.

— Talvez você não esteja se alimentando corretamente. – Comentou Catarina, parecendo preocupada comigo.

— Ou talvez você esteja com uma gripe. – Célia observou após verificar minha temperatura com a mão em minha testa.

— Na verdade, eu acho que peguei a virose da Isa. – Resolvi dizer o que eu particularmente achava.

— Mas eu não senti metade das coisas que você sente. – Isabeli disse, levemente confusa e curiosa.

Ela era tão espertinha as vezes. 

— Talvez você não estivesse com virose, Isa. Talvez estivesse só com um pequeno resfriado.

— Mas então, a tia Nina, está mesmo com virose?

— Não sabemos ainda. – Célia passou a mão nos meus cabelos. — Vamos dar um remedinho a você e esperar que isso passe logo. Enquanto isso, descanse e beba muita água.

Nem mesmo após ter sido praticamente obrigada a comer uma panela inteira de sopa de galinha e tomar uma garrafa inteira de água a cada dez minutos meus sintomas aliviaram.

— Poderíamos levá-la ao médico. – Sugeriu, Max.

— Vamos esperar até amanhã. – Disse Célia.

Eu passei o tempo inteiro no sofá, coberta dos pés à cabeça mesmo com solzão lá fora. Eu comi direitinho, bebi água, tomei vários remédios, tirei alguns cochilos, assisti alguns filmes infantis com Isabeli e não me senti nada melhor.

— Amanhã eu vou a cidade e você pode ir comigo. – Disse Célia ao me acompanhar até o quarto mais tarde. — Vamos consultar um médico e ver o que há de errado com você.

Eu até que dormi bem aquela noite. Não nem mesmo acordei para vomitar. Nem tive pesadelos estranhos. Dormi feito um bebê.

Célia me acordou bem cedinho... Um pouco antes das sete. Eu tomei um banho, coloquei uma calça e uma blusinha fina de mangas longas. Na cozinha, eu comi umas bolachinhas de leite. Não conseguia comer muito devido ao estômago embrulhado. Lá fora, Célia buzinou de sua caminhonete.

O hospital da cidade era bem pequeno, mas muito movimentado. A sala de espera estava lotada, principalmente de idosos e crianças agitadas e chorosas. Nós esperamos por trinta e cinco minutos até sermos atendidas.

Quando entrei no minúsculo consultório, Célia fez questão de entrar comigo. O médico já era bem de idade e parecia não ouvir direito as coisas que eu dizia, eu tinha que repetir tudo mais de duas vezes: o quanto minha barriga doía, o quanto eu queria vomitar a todo momento, o quanto meu corpo doía..

Ele apertou a minha barriga, eu quase soltei um berro. Ele olhou bem dentro dos meus olhos com uma luz, olhou dentro do meu ouvido, mandou eu respirar fundo enquanto checava o meu peito e mandou eu pôr a língua para fora.

— Não parece ter nada de muito errado com você, mas eu tenho uma outra suspeita. – Disse ele, calmamente. Mas não de um jeito bom e sim de um jeito irritante. — Quando foi sua última menstruação?

Essa pergunta foi como ser acertada no rosto com uma bola de basquete.

É claro que eu nem se quer me lembrava da minha última menstruação, lembrar desse tipo de coisa é banal quando acaba de se perder o grande amor da sua vida.

 — Pois bem. – Ele foi até seu armário e tirou lá de dentro uma caixa. — Faça esse teste e depois volte aqui para me dizer o resultado.

 Um teste de gravidez? Está de brincadeira, né?

Apesar do choque em minha expressão, Célia me conduziu para fora do consultório e depois para o primeiro banheiro que nós encontramos por ali mesmo.

Eu fiz xixi do palitinho, conhecia bem aquele processo. Mesmo assim, estava assustada demais para acreditar nessa possibilidade. Andrew partiu faz quase dois meses. A última vez em que transamos foi... Como isso pode ser possível?

— E então? – Célia bateu na porta do banheiro alguns minutos depois.

Resolvi sair e mostrar para ela o resultado que estava bem diante dos meus olhos... Queria que ela me dissesse que aquilo não era o que eu estava vendo. Ou será que era?

— Positivo? – Ela me olhou com os olhos esbugalhados. — Ah, meu Deus... Você está gravida!

Ela me deu um abraço que quase me derrubou.

Como ela poderia estar feliz com essa revelação? Eu estava em choque. Eu estava grávida já algum tempo e não fazia ideia. Além do mais, o pai desse bebê estava morto. O que tem de bom nisso? Absolutamente nada. Crescer sem um pai não é nada bom e eu sei bem como é isso.

— Meus parabéns, querida. Que ótima notícia! A melhor notícia que eu já recebi até hoje. Nossa... Estou tão feliz!

— Célia, por favor, não conte a ninguém por enquanto. Por favor! Eu estou... É melhor que ninguém saiba ainda.

Ela ficou séria de repente.

— Bom... Tudo bem. Se é o que você quer. Vai ser difícil me segurar... É meu primeiro netinho! Mas vou tentar... Por você.

— Obrigada.

Ao voltar a sala do médico surdo e gagá com o resultado positivo em mãos, ele foi me passando uma série de exames para fazer, chegou até a recomendar uma amiga obstetra aqui da cidade e perguntou como era possível eu não ter percebido que estava grávida de quase dois meses e meio.

Acompanhei Célia pela cidade, era minha primeira vez aqui. Notei o quanto esse lugar é calmo e tranquilo. Tem algumas lojinhas ali, alguns barezinhos do outro lado. Mas é só isso. Nada de grandes shoppings ou supermercado.

Ela comprou algumas coisas que faltava em casa e ao meio dia nós voltamos, bem na hora do almoço. Eu estava muito abalada, então quase não falei nada, apenas comi calada e ouvi os outros conversarem. Quando me perguntara sobre a conclusão do médico, eu disse que era só uma virose, mas que ia passar logo, eu só precisava ter paciência.

Mas na verdade, não era tão fácil assim. Não sei nem porque menti. Eles logo perceberiam. A barriga ia crescer, eu passaria a frequentar consultas medicas com frequência. Que desculpas eu daria? Que precisai ir à cidade comprar morangos? Que estava ficando gordinha de tanto comer?

Já no meu quarto, após a refeição... Foi inevitável não me deparar diante do espelho, onde eu ergui com calma a minha blusinha. Olhei para minha barriga... Parecia levemente volumosa, mas era algo quase imperceptível. Meus seios... Bom, esses com certezas estavam maiores que o normal.

Sentei-me um pouco.

Até pouco tempo atrás eu ainda não tinha certeza se queria ser mãe, ainda mais tão jovem e tão cedo. E agora... Eu com certeza não tenho certeza se é isso que quero pra mim, ainda mais nesse momento da minha vida. Eu perdi alguém. E esse alguém é o pai dessa criança. Se ao menos ele tivesse vivo, eu teria uma certeza: ele iria querer muito isso. Ele daria pulos de alegria, ele beijaria a minha barriga invisível e faria planos para chegada do bebê. Eu ficaria assustada, é claro. Muita coisa para processar, mas com a ajuda dele eu acabaria me acostumando e entrando nessa com ele.

**

A dor da perda não foi embora, eu só me acostumei com ela. Tenho evitado também ficar me lamentando, pensando, chorando, me punindo ou punindo a todos. Não é culpa de ninguém. Foi uma fatalidade. Não tem volta. E ele iria querer que eu ao tentasse seguir em frente. Foi o que ele me disse durante aquele sonho e sei que se ele tivesse previsto a tragédia que ia acontecer, teria me feito prometer em voz alta, olhando no fundo dos olhos dele.

E ao contrário do que acontece com outras pessoas que passam por coisas parecidas, eu não tenho visto ele, nem ouvido, nem sentido. Às vezes eu gostaria muito de ter essa oportunidade, mas outras vezes penso se seria mais fácil saber que ele estar ali, do outro lado, mas não podemos nos tocar, nem nada parecido. E se ele estar aqui de alguma forma, mesmo que eu não possa ver, ele precisa ver que estou me esforçando o máximo que posso. Ele teria orgulho de mim.

Como o próprio Max sugeriu, eu precisava fazer algo que ele gostava que eu fizesse, quem sabe assim eu me sentia um pouco reconfortada. Eu pensei muito sobre isso, até chegar à conclusão de que Andrew sempre foi minha principal forte de inspiração para a escrita. Antes dele, eu tinha um terrível bloqueio criativo. Depois dele tudo mudou, inclusive isso.

Resolvi então que estava mais que na hora de tirar meu notebook da gaveta e usá-lo novamente. Eu o levei lá para baixo, para fora, para o jardim. Eu já estava me sentindo bem melhor da “virose”. Sentei-me de baixo daquela árvore, que havia se tornado a minha preferida entre tantas outras, liguei o notebook, abri o arquivo e reli o último parágrafo que escrevi há quase quatro meses atrás.  

Fechei os olhos, respirei fundo e fiz a cabeça pensar um pouco.

De que forma eu queria continuar aquilo? O que eu faria com os personagens daqui em diante? Como seria o termino daquela história? O que eu queria que acontecesse?

Só de pensar nessas coisas, foi o bastante para me motivar a continuar escrevendo de onde parou, mas com outros olhos, novas perspectivas. Escrevi por um longo tempo. Não fui interrompida por nada e ninguém. Agradeci internamente por isso. Sem contar que o lugar onde eu estava já ajudava muito. O verde, o azul do céu, o vento fresco, o som das folhas balançando e o perfume agradável de flores.

Resolvi dar uma pausa, pois estava faminta e quando ergui meus olhos me deparei com o Max. Ele estava ali e eu nem tinha notado. Ele estava do outro lado, sentado num banco que fica próxima a casa e o canteiro de flores. Em mãos ele tinha um bloquinho de folhas. Ele estava muito concentrado em seja lá o que estivesse fazendo.

Por um momento, nossos olhos se cruzaram. Ele sorriu para mim e eu sorri para ele. Era rara as vezes em que ele colocava um sorriso no rosto. Na maior parte do tempo ele estava calado, muito sério e parecia um velho ranzinza.

— Quer entrar e comer alguma coisa? -  Ele gritou. — Pelo cheiro, estão fazendo um delicio bolo de cenoura.

Hmmm... Há quanto tempo eu não comia bolo de cenoura?

Na Austrália não é muito comum essas coisas.

Entrei junto com ele, deixei meu notebook na sala sobre a mesinha e depois segui até a cozinha. O bolo de Catarina estava uma delícia. Célia estava lá fora cuidando das flores, Isabeli na escola e Max pegou um pedaço e saiu, alegando ter coisas para resolver no escritório.

O que ele fazia da vida para ganhar dinheiro eu ainda não sabia.

— Bom, somos só nós duas. – Olhei para Catarina. — Porque você não me fala mais um pouco sobre você.

— Sobre mim? – Ela sorriu. — Não há nada de interessante para saber sobre mim. Minha vida é um saco.

— Eu duvido muito!

— O.k. O.k. Vamos lá... Vou tentar. Você já sabe que engravidei muito cedo, aos quinze anos. Foi assustador, mas sempre tive certeza de que eu queria aquele bebê. Foi uma gravidez difícil, eu tive muito enjoo e muitas vontades. Meus pés incharam muito e eu fiquei enorme de gorda. Mas sempre tive muito apoio da Tia Célia, do Max e do Andrew.

Era a primeira vez que ela tocava no nome dele na minha frente, algo que eu tinha quase certeza que ela evitava fazer para não me machucar. Mas eu não me machuquei. Na verdade, de repente me deu uma curiosidade enorme de saber mais sobre ele por outra perspectiva... Através dos olhos dela. Só que o foco nesse momento era a vida dela e não ele.

— Você sempre a chama de tia... Ela é mesmo sua tia? Eu sempre tive curiosidade, mas nunca perguntei.

— De sangue, não. Meu pai trabalhou aqui como jardineiro por muito anos, mas ele morreu quando eu tinha 5 anos. A minha mãe morreu durante o meu parto. Eu fiquei órfã muito cedo e tive muito medo, pois eu basicamente nasci aqui, nesse lugar, nessa casa. Então, Célia resolveu me adotar, como um membro da família e desde então eu vivo aqui e sou muito grata a ela e todos eles.

— Por isso você está sempre ajudando em tudo?

— Basicamente, sim. Eu ajudo não só por ser grata, mas também porque eu gosto dessas coisas, sabe? Eu sempre amei cozinhar, sempre amei cuidar da casa, ser prestativa...

— Você nunca sonhou com mais nada?

— Sim, até alguns anos atrás eu sonhava em ser enfermeira. Mas eu só terminei o ensino médio e nunca cheguei a estudar mais nada. Foi muito difícil, por causa da minha filha. Eu queria estar aqui para ela o tempo todo, pelo simples fato de não ter tido pais por muito tempo. Eu queria que com ela fosse diferente, já que o pai dela resolveu me abandonar antes mesmo dela nascer e nunca quis saber dela.

— Você leva muito jeito para enfermeira.

— Ah, mas quem sabe numa outra vida.

— Eu acho que você ainda é muito nova e tem muito tempo pela frente. Nunca duvide disso. Coisas terríveis acontecem com todos, mas você não pode desistir assim. Sua filha vai crescer e você poderá correr atrás desse tempo.

— Você acha mesmo?

— Eu acredito em você. Espero que você acredite também.

**

Pela primeira vez desde que se foi, Eli entrou em contato comigo por vídeo. Diretamente do México. O pais do Fernando, onde eles estavam atualmente.

— Quais são as novidades? – Perguntou ele.

— Agora eu sei basicamente tudo sobre jardinagem, Catarina e eu somos quase irmãs, Isabeli sabe como alegrar meus dias e o Max... bom, ele é o Max. Você sabe. Ah, voltei a escrever, tomo banho todos os dias e como feito um porco.

— Uau! Estou bastante impressionado.

— Mas e aí, me conta!

— Eu e os pais do Fê não nos damos nada bem. Tivemos várias brigas nesses últimos dias. Ele bem que tenta manter a paz entre nós, mas com aqueles pais que ele tem é praticamente impossível. Eles são horríveis, Nina!

— Você está na casa deles?

— Não! Eu estou ficando num hotel. Longe deles!

— Menos mal.

— Mas é só isso?

— De novidades? Creio que sim.

— Ah, qual é? Inventa alguma outra coisa. Estou tão entediado!

Pensei comigo mesma: conto ou não conto? Ele vai surtar!

— Se prepara. Tenho algo muito importante a dizer.

— Por favor! Conta!

— Eu estou... Grávida!

— E quem é o pai?

— Eliezer! Que pergunta estupida é essa?!

— Desculpa. – Ele sorriu. — Ai, meu Deus... Sério?

— Total. Descobri faz alguns dias.

— Puta merda! Eu vou ser tio!

Consegui sorrir verdadeiramente, mas foi rápido.

— A ideia parece linda e mágica, mas só de pensar, quero morrer de tanto chorar. O que será de mim criando essa criança sozinha sem um pai por perto? O que vou dizer a ele quando perguntar sobre o que aconteceu com o pai? Eli, eu não estou pronta para isso! Eu não sei cuidar de nada, nem mesmo de mim.

— Olha só, respira fundo. Você tem a mim. Sabe que pode contar comigo para tudo. Eu posso desistir de tudo e ir aí ficar com você. Cuidaremos dessa criança juntos. Sem contar que você não é a única mãe solteira do mundo. E você tem a Célia, a Catarina... Nina, você nunca estará sozinha, meu amor.

— Eu sei, mas vai ser tão difícil...

— Claro que vai! Se não fosse, não teria graça.

— Eli.. Para! Me leva a sério, por favor.

— Eu levo, mas desencana, amiga. Você já passou por tanta coisa... Acha mesmo que não vai vencer mais essa? E pensa só nesse bebezinho... No sorrisinho dele, o cheirinho dele, as roupinhas dele, as risadas... E se ele for parecido com ele?

— Eu realmente espero que seja. Seria um presente.

Nós conversamos por muito tempo, até eu me sentir exausta o bastante para ir me deitar e dormir.

Célia bateu no meu quarto as nove da manhã do outro dia.

— Não poderei ir a sua primeira consulta hoje. Eu sinto muito, querida! Mas apareceram uns imprevistos. Catarina pode ir com você! Você não precisa contar nada a ela... Ela vai entender...

Eu estava mesmo disposta a não contar nada a ela tão cedo, mas não resisti. Quando paramos em frente a clínica, eu fui logo colocando tudo para fora. Eu cheguei a chorar. Catarina foi um doce ao me abraçar e afagar meus cabelos.

O mais importante foi ela dizer que sabia o que eu estava sentindo e que entendia perfeitamente, mas que eu precisava ser corajosa. E lá fomos nós, juntas, de mãos dadas.

— Nós já podemos saber o sexo do bebê? – Perguntou Catarina a médica, Simone, enquanto ela me consultava.

— Bom, se vocês quiserem... Podemos tentar.

— Não! – Eu disse. — Eu não quero saber o sexo do bebê agora. Quero que seja surpresa até o nascimento.

As duas sorriam para mim.

— Será uma surpresa e tanto.

Estava tudo bem comigo e com o bebê. Ela me deu várias dicas e sugeriu várias coisas: jeitos melhores de dormir, alimentos mais recomendáveis e saudáveis, atividades físicas, certos tipos de cremes...

— Isso merece uma celebração especial.

Catarina resolveu que hoje nós íamos almoçar fora, num dos lugares preferidos dela aqui da cidade.

Naquele momento eu descobri que já tínhamos nos tornamos boas amigas e que isso tinha tudo para dar certo, tínhamos muito o que contribuir uma com a outra.


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Notas finais do capítulo

Nina, grávida? O que vocês acharam?



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