Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 14
Mudança de planos.




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Me olhava no pequeno espelho do banheiro e sabia que estava linda, sabia que essa era uma noite especial e tinha tudo para ser incrível. Eu tinha me produzido bastante. O único problema é que faltava alguma coisa. E eu sabia exatamente o que. Ou melhor: quem. Faltava ele

Eliezer passou a semana inteira tentando me animar, tentando me convencer de que seríamos o melhor acompanhante um para o outro para esse baile de despedida já que não tínhamos mais ninguém com quem contar.

— Pelo menos ainda temos um ao outro. – Disse ele uma centena de vezes.

Sim, era verdade. Ainda tínhamos um ao outro e seria sempre assim. Mas não era mais a mesma coisa. Não depois que conheci com o Andrew. Com ele tudo era tão mais completo. Pena que eu estupidamente estraguei tudo.

Desde aquele dia nós não nos falamos mais. Sinto que é o fim para nós dois. Sinto que o perdi de vez. Eu posso até ter certos defeitos com os quais ele pode lidar, mas esse, essa minha insegurança e paranoia, é algo que nem eu mesma consigo entender ou suportar na maior parte do tempo.

— Pronta? – Eli perguntou do outro lado da porta.

Eu já estava trancada no banheiro há algum tempo.

Resolvi que era hora de sair e encarar os fatos de frente.

— Nossa! – Ele me pegou pela mão e me rodopiou. — Você está tão linda que se eu gostasse de garotas, com certeza, só teria olhos para você essa noite.

Tive que rir.

Eu realmente caprichei. Não tive como fugir depois de ter comprado esse vestido pela internet. O vestido mais lindo que já usei em toda minha vida. Longo em tom de nude mais escuro e com caimento que me faz parecer uma sereia: justo em cima e com uma calda mais aberta e que toca o chão. Perfeito. Os cachos deixei livre, prendendo somente na lateral com uns grampos. A maquiagem harmoniosa e um batom escuro.

Eli também está um arraso como sempre. Para essa noite ele escolheu uma calça preta, um sapato igualmente preto, um blazer cinza brilhoso e uma gravata borboleta preta. Sem contar, que ele está muito cheiroso, o cabelo todo arrumadinho e os olhos cor de mel iluminados e cheios de empolgação.

Ele parece feliz, mas sei que no fundo ele também sente falta de algo.

Falta de um certo alguém. 

— Vamos? – Pego minha bolsinha marrom de mão. — Não quero me atrasar.

Pegamos um táxi e em minutos chegamos ao lugar escolhido para a nossa festa. É um lugar grande, com uma bela fachada envidraçada, grandes colunas, um jardim na frente e nas laterais do salão e luzes para todos os lados.

Nós chegamos adiantados e é por isso que ainda não tem quase ninguém. As poucas pessoas estão sentadas pelas mesas espalhadas na lateral esquerda do salão, conversando. No fundo tem uma parte mais alta onde o DJ contratado já está tocando uma música famosinha do momento e mais para o lado os banheiros. Na lateral direita está o bar e a longa mesa com os aperitivos servidos pelo buffet. No meio é mais escuro, com algumas luzes fluorescente para o pessoal dançar e curtir.

— Ah, não. Essa não. – Resmunga Eli ao meu lado.

Estava tão impressionada com a organização de tudo que nem vi que o Fernando já estava por ali e nesse momento vinha em nossa direção com uma expressão preocupante.

— Vou ver quem já chegou. – Dei um passo à frente, mas Eli me segurou pelo braço e me lançou um olhar frio.

Pelo jeito ele queria que eu ficasse, mas eu não via porquê.

— Quero conversar com você. – Disse Fernando em espanhol de uma forma tão charmosa que só ele é capaz.

Ele é um fofo e está tão mais bonito hoje, impossível o Eli resistir.

— Saia da minha frente! – Pediu Eli grosseiramente, já me puxando pelo braço.

— Por favor, Eli. Por favor. Vamos conversar. Prometo que vai ser rápido.

Eli e eu paramos. Quando olhei para trás vi os olhinhos do Fernando brilhando.

Eram lágrimas. Ele estava desesperado. 

— Eli – Chamei-o com o coração apertado, ele olhou para mim sério. — Converse com ele. Dê uma chance. Não desperdice isso. Não seja como eu. Não faça isso com você.

Ele desviou o olhar.

— Eu não posso deixar você sozinha hoje... Prometi que curtiríamos essa festa juntos como nunca antes.

Entrelacei meus dedos nos dele e apertei de leve.

— Eu vou ficar bem. Não se preocupe comigo. – Tentei sorrir. — Estarei aqui o tempo todo, caso precisar. Agora vá.

Ele parecia dividido, lutando internamente contra todos os seus sentimentos. Mas por fim, acabou vencido. Ele beijou a minha bochecha e desapareceu com o Fernando.

Torci por eles.

Andei um pouco pelo salão, peguei uma bebida e procurei por um rosto familiar. Eu não tinha construído nenhum laço forte, mas tinha feito algumas amizades boas. As pessoas da minha turma eram muito boas, unidas e comunicativas.

Sentei-me com algumas meninas.

Aos poucos o pessoal foi chegando e lotando o ambiente. A música começou a ficar mais alta por causa do grande falatório. Estavam todos bonitos e sorridentes. Tirando fotos, se abraçando, dançando, bebendo e comendo.

Eu fiquei o tempo todo sentada, dando o meu melhor. Tentei ser simpática, tentei sorrir, tentei conversar. E algumas vezes, procurei pelo Eli em meio ao tumulto, mas nada vi.

As meninas me chamaram para dançar, mas eu recusei educadamente, alegando estar com os pés doendo por causa do sapato alto. Sendo que o sapato estava ótimo nos pés. Ele era novo, mas muito confortável e ideal para mim.

Resisti ao impulso de tirar o celular de dentro da minha bolsinha sobre a mesa e verificar para ver se eu tinha alguma mensagem ou alguma ligação perdida.

— Ei. – Eli apareceu de repente na minha frente. Estava corado e sorrindo largo. — Estava te procurando.

— E aí... O que aconteceu?

— Eu sou um estupido. Tudo não passou de um grande mal-entendido. Nem acredito na minha estupidez. Eu perdi tanto tempo sendo cabeça dura! Aquela noite, na festa do túnel, o Fernando não me deu um pé na bunda. Foi só que aconteceram umas coisas, uns problemas familiares.

— Que tipo de coisas?

— A família dele acabou descobrindo que ele é gay mesmo morando do outro lado do planeta e ele ficou muito mal, pois não esperava uma reação tão negativa. Ele mesmo queria contar no momento certo. Só que não foi bem assim...

— Poxa... Que chato! Mas ele está bem agora?

— No começo ele ficou muito mal. Sentiu vergonha e por um momento quase desistiu de ser quem ele é só para agradar e acalmar a família. Ele até pensou em desistir do curso e voltar para casa para explicar tudo. Mas ele pensou melhor e viu que não valia a pena, que não era certo. Enfim. – Eli sorriu ainda mais, se é que era possível. Pelo visto era sim.

— Vocês estão bem agora?

— Totalmente!

Falando no Fernando, ele veio até nós, sorriu para mim todo contente, nem parecia o cãozinho de horas atrás e puxou o Eli para se divertir no meio da pista de dança.

Eles formavam um lindo casal.

A festa estava se saindo muito bem, muito melhor do que imaginei, só que ao contrário do que eu esperava, isso acabou me deixando ainda mais para baixo, ainda mais péssima.

Estavam todos felizes e comemorando, menos eu.

Saí lá para fora algumas vezes para pegar um ar. A noite estava bonita, com um arzinho gelado e um céu repleto de estrelas. Não aguentei mais e peguei o celular. Não havia nada além de uma mensagem carinhosa da Sydney desejando que eu tivesse uma noite incrível.

Voltei lá para dentro e peguei mais uma bebida.

Estava pensando seriamente em ir embora, ver alguma série ou um filme em casa e fazer pipoquinha.

Senti então uma aproximação repentina.

Não olhei para trás de imediato, pois tinha quase certeza de que era um cara ruivo cheio de sardas que não tirou os olhos de mim durante todo o momento em que estivesse sentada.

Não estava a fim de papo furado.

Uma mão pousou em meu ombro esquerdo.

— Olha, eu não quero ser grossa nem nada... – Já estava preparada para xingar no meu melhor inglês quando de repente me faltou o ar, as palavras. Me faltou tudo.

— Oi. – Ele sorriu docemente.

— Andrew?

— Olá, garota-solitária-no-bar-no-meio-de-uma-festa-bombástica.

 Ele continuou sorrindo. Eu sorri também.

— Mas...

Eu tinha tantas perguntas...

— Esqueça as perguntas. Tudo que importa agora é que eu estou aqui. Eu sou seu par e quero ter a honra de ter uma dança com você. – Ele tirou a bebida das minhas mãos e colocou sobre o balcão. — Você topa?

Ele estendeu a mão.

— É claro...

Segurei sua mão e foi nesse momento em que ele aproveitou para me dar uma bela conferida.

— Nem preciso dizer que você é a garota mais linda dessa festa. Você parece uma... Sereia. Uma linda e bela sereia.

A música que estava tocando estava ao nosso favor. Era uma música mais lenta e calma. Perfeita para se dançar com aquela pessoa especial que faz seu coração saltar.

— Eu não acredito que você está aqui. – Disse eu baixinho o suficiente para ele ouvir.

— Eu me sentiria muito mal em ter que deixar você nessa noite tão importante. Além disso, eu precisava te ver, precisava te tocar, te beijar. – Ele encostou de leve os lábios nos meus. — E precisava também te dizer umas coisas.

Isso me preocupou.

Ele não viria aqui só para terminar de vez comigo, né?

— Vamos sair daqui por um instante? – Perguntou ele depois que a música terminou.

Assenti, nervosa.

Fomos até o jardim na lateral da construção e quando encontramos um banco vazio nós nos sentamos.

— Eu sei porque você fugiu, sei porque se apavorou e compreendo. Você está amedrontada. As questões familiares te apavoram. E não te culpo por isso. Você teve uma infância difícil, tem uma mãe e avós difíceis. Mas isso que nós temos é tudo tão fácil. Você não acha? Eu te amo, você me ama e isso é tudo. Pelo menos eu achava que sim. Só que eu estava enganado.

— Não, você não estava...

— Sim, eu estava. – Ele continuou e eu quis interromper, mas não me atrevi. Eu precisava ouvir o que ele tinha a dizer, porque eu não sabia bem o que dizer. — O amor é tudo, mas nem sempre é o bastante. Pois a vida é mais do que isso. Existem as dificuldades, os conflitos e os... Medos. E você tem medo. Medo de ter que lidar com uma mãe que você mal conhece, medo de ter que enfrentar uma nova realidade que você desconhece, medo que ela não seja como você imagina ou espera, medo de botar tudo a perder...

Eu não imaginava que ele me compreendesse tão bem, se eu soubesse disso antes, talvez não tivesse fugido pela segunda vez. Mas agora eu sei. E estou cansada de fugir.

— Você não tem que fazer isso, Nina. Você não ter que ir agora. Você não tem que sentir a obrigação de consertar as coisas com ela. Não ainda. Não se não estiver preparada e tudo bem se você nunca estiver. – Ele segurou minhas mãos. — Ela terá que entender depois de tudo que te causou.

Era isso. Isso eu precisava ouvir. Era isso que eu pensava bem lá no fundo, mas tinha medo de dizer em voz alta.

Chorei baixinho enquanto ele me abraçava.

— Se ela te ama, ela entenderá.

Voltei a olhar para ele.

— Obrigada por isso.

— Tem mais uma coisa. E quero que ouça com atenção. – Ele se aproximou ainda mais. Eu não conseguia tirar os olhos dele. — Eu quero que você venha morar comigo. Se você ainda quiser ficar, é claro. Vamos renovar o seu visto. Você será a minha parceira, seremos amigados. E isso será tão bom para nós, uma nova etapa. Sem contar que você terá menos custos com o visto e todas essas coisas... Eu vou te ajudar...

— Espera... Você está falando sério?

— Ué – Ele voltou a sorrir. — E porque não estaria?

TUM.TUM.TUM.

Meu coração está prestes a explodir.

— Isso é tão... Insano. – Sorrio, maravilhada. E seco os últimos vestígios de lágrimas. — Mas eu aceito. Claro que aceito!

Me jogo nos braços dele.

— Quero que você se mude amanhã mesmo, tudo bem?

Fico séria de repente.

— Mas... Não sei. Ainda preciso conversar com o Eli sobre isso.

— Ele pode vir também! Seremos todos uma família.

Dou risada.

— Duvido que ele vá aceitar, por causa dos últimos problemas que ele teve com o Noah.

— O Noah foi um filho da puta! Nisso eu posso concordar. Então, colocaremos o Noah para fora.

Rio de novo.

— Vamos ver isso com calma, ta bom?

— Então você vai ficar?

— Sim, eu vou. – Aproximo meus lábios dos dele e o beijo de leve. — Vou ficar bem aqui com você.

Ele me beija de volta.

— Isso era tudo que eu precisava ouvir.

**

— Posso saber onde foi que você passou a noite? Você não me deixou nem uma mensagem e simplesmente desapareceu!

— Calma, Eli. Eu posso explicar. – Entrei e fechei a porta.

 Os sapatos que estavam nas minhas mãos eu larguei em qualquer canto e me atirei na minha cama.

Estava exausta. Tive uma longa e divertida noite.

— Nem precisa, porque esse seu sorrisinho já explica tudo.

— Você nem vai acreditar...

— Eu também tenho novidades!

— Conta você primeiro, então. - Pedi.

— O.K. Se prepara então. – Ele sentou-se pertinho de mim. — Fernando e eu decidimos que vamos conhecer o mundo todo juntinhos!

— O quê? – Sentei-me, imediatamente.

— Isso mesmo. Uma viagem. Só nós dois. Por vários países e continentes. E praticar nosso inglês, conhecer gente nova, tirar muitas fotos, nos aventurar por aí.... Juntos!

— Mas isso é... Perfeito!

— Não é? Mas me conta... Você e o Andrew se resolveram?

— Melhor do que isso! Nós vamos morar juntos. Na verdade, eu vou ir morar com eles e com os garotos. 

— Mas já?

— A pergunta certa é: porque só agora?

Ele riu.

— Sabe, nós íamos convidar você para se juntar a nós, mas sair por aí dando a volta ao mundo parece muito melhor!

— Com toda certeza.

— Você é tão sortudo! – Dei um soquinho nele. — Mas espera aí... Você ia me abandonar, é isso mesmo?

— Claro que não! A verdade é que eu sabia que o Andrew ia atrás de você. Quem você acha que deu o endereço da festa a ele? O que eu não sabia é que eu e o Fernando íamos nos acertar também e que ele me proporia algo assim.

— Minha nossa! – Eu o puxei para um abraço apertado. — Nós somos tão, tão sortudos! Finalmente encontramos os homens de nossas vidas, dá para acreditar nisso?

— Não... Isso tudo parece um sonho. Só, por favor, não me acorde ainda.


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Notas finais do capítulo

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