A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 8
08. Não há outro lugar onde eu queira estar




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Por Peeta

A visita de Gale foi fundamental para que eu decidisse sobre a volta ao Distrito 12. Isso não significa que não tenho mais questionamentos. No entanto, é lá que estão as respostas de que necessito.

Repasso em minha mente a conversa mencionada por Gale, a que tivemos no porão da loja de Tigris. Naquela ocasião, ele disse que eu havia conquistado Katniss e que ela nunca o havia beijado da maneira como fez comigo na arena-relógio.

No entanto, se eu contar apenas com o que está fixado em minha memória, não me lembro de nenhum beijo naquele lugar horrendo.

Recordo apenas das alucinações que introduziram em minha cabeça: Katniss tentando me afogar na praia... Ela me induzindo a acertar o campo de força com o facão e, depois, quando Finnick conseguiu me trazer de volta à vida, tentando me enforcar... Ela ameaçando me abandonar na névoa venenosa, quando eu mal podia andar... Katniss atiçando os macacos mutantes para me atacarem.

No entanto, não memorizei nenhum beijo.

Assisti aos vídeos do Massacre Quaternário inúmeras vezes, porém sempre acontece de as imagens que vejo e as palavras que ouço Katniss proferir não condizerem com o que guardo em minhas recordações.

Tenho aquelas lembranças desfocadas, com pontos brilhantes, as quais sei que não são verdadeiras, mas que não deixam de existir em minha mente, mantendo-me refém da dúvida do que é real ou não.

Pego, então, os vídeos que ficam à minha disposição, para ver de novo o Massacre Quaternário. Assisto a eles com atenção, especialmente a parte em que entrego à Katniss o medalhão com as fotos de sua mãe, de Prim e de Gale.

— Sua família precisa de você, Katniss. Ninguém precisa de mim — menciono, sem resquícios de autopiedade em minha voz.

— Eu preciso — ela discorda do que eu disse. — Eu preciso de você.

No exato momento em que escuto a sua voz dizendo suavemente "Eu preciso de você", pauso o vídeo, pois vem à minha mente a recordação do dia em que um dos meus torturadores da Capital praguejou contra mim:

— Peeta, agora você pensa que nós estamos somente bagunçando a sua memória. Você ainda tem noção do que, de fato, aconteceu. No entanto, quando avançarmos com o telessequestro, logo você vai ter certeza de que essas distorções são a sua memória. Você vai pensar que Katniss é sua inimiga, uma bestante que odeia você e quer vê-lo morto a qualquer custo! Pode dar adeus à sua amada... Daqui a alguns dias, ela será simplesmente odiada por você.

O que está em minha cabeça é uma memória distorcida, eu sei. Esforço-me além do possível para afastar essas alucinações, pois tenho consciência de que não são verdadeiras.

Então, finalmente consigo. Eu me lembro do que aconteceu e de tudo o que senti!

A princípio, fico chateado por ela dizer que precisa de mim, apesar de ter aguardado praticamente toda a vida para ouvir algo semelhante. No entanto, não ali, não quando eu precisava convencê-la a salvar a sua própria vida, e não a minha.

Respiro profundamente, com intenção de lhe dizer alguma coisa, mas antes que eu possa falar, ela interrompe minha fala, colando a sua boca em meus lábios. Por algumas vezes, ainda tento argumentar com ela, mas desisto e me entrelaço a Katniss, deixando aquele beijo fluir.

Aquele beijo! Quase posso sentir novamente o calor de seu corpo, reacendendo uma chama que costumava arder em meu peito.

Fico saboreando essa memória resgatada, uma das poucas de durante os Jogos, porém forte o suficiente para suplantar todas as outras lembranças sem sentido que guardo daqueles dias. Mal posso esperar para contar à equipe médica.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Na manhã seguinte, quando o Dr. Aurelius e a Dra. Ceres chegam ao meu quarto em sua ronda matinal, surpreendo-os com a novidade.

— Isso só pode significar uma coisa, Peeta. A proximidade da sua alta! — Dr. Aurelius me felicita. — Só vamos precisar de uma última bateria de exames para você ser liberado.

Nos dias que se seguem, então, tudo fica num clima de despedida.

Hoje, no almoço com Johanna e Max, pergunto a eles sobre os seus planos futuros:

— Vou com a Annie para o Distrito 4. Ficarei com ela até o bebê nascer e talvez um pouco mais — diz Johanna.

— E como ficam vocês dois? — questiono, apontando para ambos.

— É pra isso que servem os trens e aerodeslizadores! Para encurtar distâncias — responde Max sem hesitar.

— Que distância? Quem disse que uma gestante e um recém-nascido não precisam de um enfermeiro? — Johanna dispara.

— Uma namorada carente também, né, Joh? — implico com ela e recebo uma piscadela de volta. — Pelo visto, você já tem emprego garantido no Distrito 4, Max.

— E você? Vem com a gente? — indaga ele.

— Decidi voltar para o Distrito 12. Até avisei ao Haymitch. Só não disse o dia que chegarei lá, pois ainda não sei exatamente quando será a minha alta — informo.

— Meus pais estão aqui no hospital hoje, Peeta. Acho que minha irmã quer apresentá-los a você! — Max comenta.

— Eu adoraria conhecê-los. E você, Johanna? Já foi apresentada ao sogro e à sogra? — pergunto.

— Ainda não. — Ela lança um olhar de lado para Max e, depois, vira-se para mim. — Você me ajuda nesse desafio, padeiro? Não quero estragar tudo com esse meu jeito... — Johanna não termina a frase.

— Com esse seu jeito singelo de ser! — Max completa para ela.

— É claro que ajudo. Jamais perderia a oportunidade rara de ver você sem graça com alguma coisa — acrescento.

— Rá, rá, rá... Engraçadinhos! — Johanna retruca e recebe um beijo de Max na ponta do nariz.

— Gosto de você do jeitinho que você é e eles vão gostar também. Fica tranquila! — Max a acalma, ou ao menos tenta, pois Johanna avista a Dra. Ceres entrando no refeitório, acompanhada de um casal, provavelmente seus pais.

Max se põe de pé para saudá-los com abraços e beijos e se apressa em nos apresentar.

— Johanna, Peeta, esses são nossos pais, Lucila e Cassius.

Todos nos cumprimentamos educadamente e isso é o máximo de comedimento que Johanna consegue. O que, na verdade, foi perfeito, pois, ao mesmo tempo em que é desbocada, ela é muito divertida e a tarde transcorreu de forma leve e descontraída.

Em alguns momentos, fico observando o modo como o Sr. Cassius se comporta em relação à sua esposa.

Vejo demonstrações de afeto, confiança e até algumas breves discordâncias, mas nenhum receio aparente por parte dela.

Há quanto tempo eles lidam com o lado telessequestrado dele? O quanto sofreram para encontrar esse ponto de equilíbrio, em que não demonstram medo de cada gesto ou palavra dela provocar um surto nele?

Isso me dá muitas esperanças de um dia conviver em harmonia com Katniss.

O Sr. Cassius percebe a minha curiosidade e, talvez por imaginar o motivo, abandona a conversa animada para se sentar ao meu lado e iniciar um papo reservado:

— Foram meses e meses difíceis de convivência até descobrirmos o que desencadeia as crises. O tom de voz com que ela fala, certas palavras e o momento em que são ditas, o meu estado de espírito, alguma experiência vivida que me deixa mais propício a sucumbir — enumera ele. — O cuidado deve ser constante e, mesmo assim, há dias em que não consigo evitar uma recaída. No entanto, tudo valeu e vale a pena, pois a amo e não enfrentaria nada disso ao lado de outra pessoa. Seria o mesmo que estar sozinho.

— Sinto muito pelo que aconteceu à sua família e agradeço pelo exemplo que vocês estão me dando. Preciso mesmo acreditar que posso recomeçar — afirmo.

Ele dá uma leve batida com a mão em meu ombro e volta a se acomodar ao lado da esposa, que sorri pra mim de modo compreensivo.

Depois de alguns minutos, peço licença para me retirar. Apesar das dores e dos traumas que todos nós carregamos, tudo parece bem encaminhado.

Johanna e Max estão ótimos.

Dra. Ceres e seus pais parecem melhores ainda.

Annie vai ficar bem no Distrito 4.

E eu preciso estar calmo e descansado para os exames que farei amanhã.

Retornando ao meu quarto, termino de pintar o quadro que estou fazendo para presentear a Dra. Ceres.

A pintura a retrata com o seu pai. Como não conhecia as feições dele até ainda há pouco, seu rosto está escondido num abraço que ele dá em sua filha, mas agora posso aperfeiçoar a imagem com as suas verdadeiras características físicas.

Ao fim, mais otimista que nunca, começo a arrumar uma pequena mala com meus poucos pertences e faço uma lista com os ingredientes de que preciso para preparar o bolo que prometi a Max quando tivesse alta.

Deixo a listagem com a equipe da cozinha, pedindo que não contem a ninguém sobre o bolo, e janto no refeitório mesmo.

Chegando ao meu quarto, com tantos fatores contribuindo para eu estar em paz, durmo um sono tranquilo, como há muito tempo não fazia.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

No dia seguinte, sou acordado bem cedo para uma sessão cansativa de exames. Torno a encontrar o Dr. Aurelius em seu consultório, ainda pela manhã.

— Vamos aguardar os resultados dos últimos exames, Peeta. Se tudo der certo, eles saem daqui a algumas horas — afirma o Dr. Aurelius com sua calma de sempre.

— O que esses resultados precisam dizer para que eu tenha alta? — pergunto ansioso.

— É necessário que você saiba alguns detalhes das suas condições, para entender o que esperamos das conclusões dos exames... Nossos estudos apontam que algumas substâncias que compõe o veneno das teleguiadas simulam o comportamento de neurotransmissores, interferindo no funcionamento cerebral — explica o médico. — Descobrimos também que a exposição prolongada a pequenas doses diárias pode alterar a expressão de alguns gens e gerar modificações químicas no DNA, mudando, assim, o padrão genético do organismo.

— Nem preciso ser médico para entender que o que aconteceu comigo parece ser algo bem grave! — reflito, preocupado.

— Você tem razão, mas não desanime, pois você já avançou significativamente para uma melhora. O intuito agora é saber se os novos medicamentos que introduzimos estão sendo eficazes para reverter a atuação do veneno em seu cérebro e se eles têm algum efeito colateral, para que não prejudiquem a saúde de seus outros órgãos. Só assim você poderá continuar fazendo uso deles após a sua alta.

— O que tenho que fazer enquanto aguardo os resultados dos exames? — indago.

— Primeiro, precisa saber que a sua alta é praticamente certa. Segundo, acho que pode ir até a cozinha fazer o bolo que você está planejando, para comemorar. Ouvi dizer que era pra ser segredo, mas com o alvoroço que a notícia da sua possível alta causou, parece que a novidade vazou. — Dr. Aurelius ri. — Você não faz ideia do quanto é querido, Peeta.

Antes de deixar o consultório, peço permissão ao médico para ligar para a ala pediátrica e pergunto ao Max se ele pode reunir as pessoas mais próximas para almoçarmos juntos, com a promessa de uma bela sobremesa feita por mim.

Depois, dirijo-me apressadamente até o refeitório, onde encontro todo o material necessário para preparar a receita. Os ingredientes e os utensílios estão cuidadosamente arrumado sobre uma bancada. Passo, então, o restante da manhã fazendo uma das coisas de que mais gostava na padaria: preparar e confeitar um bolo.

Ao terminar, só tenho tempo de tomar um banho rápido, para não atrasar mais ainda o almoço dos que trabalham no hospital. Eles já devem estar famintos, porém acho que não vão se arrepender de ter esperado, pois o bolo, modéstia à parte, deve estar uma delícia.

Max conseguiu trazer Johanna, Annie, seus pais, Dra. Ceres, Dr. Aurelius e até duas crianças, que também estão recebendo alta hoje, acompanhadas de seus familiares.

Há uma faixa colorida pendurada perto da mesa em que vamos almoçar, na qual está escrito: 'Seja feliz, Peeta!', provavelmente feita pelos pequenos da ala pediátrica.

Ao final da refeição, o bolo é distribuído, não só para os integrantes da mesa, como também para os demais presentes, e todos pedem que eu faça um discurso:

— Serei eternamente grato pelo amor e profissionalismo de todos os que passam aqui a maior parte dos seus dias e noites, lutando pela recuperação de tantas pessoas e salvando vidas — digo, já com a voz embargada. — Quero agradecer pelo carinho e cuidados recebidos e pelas novas amizades conquistadas durante minha internação. É verdade que não pretendo voltar aqui como paciente, mas... como visitante, para rever a todos que agora moram em meu coração, com certeza, eu volto!

Recebo felicitações de muitas pessoas e despeço-me de Annie, Johanna e Max:

— Pra vocês três, só digo um 'até breve'. Mantenham-me informado sobre tudo! Quando vão para o Distrito 4, quando o bebê estiver para nascer...

— Nós esperamos sua visita em breve mesmo! — exclama Annie.

— Cuida dessa sua cabecinha, Peeta, pois já basta uma desmiolada no Distrito 12 — brinca Johanna, bagunçando meus cabelos.

— Despedida em grande estilo, Peeta! Vou sentir sua falta! — Max me dá um forte abraço.

A Dra. Ceres e o Dr. Aurelius se acercam:

— Pronto para ver os resultados? — A médica parece animada.

— Podemos passar no meu quarto antes? Preparei um presente para você, Dra. Ceres — falo ternamente.

— Sem problemas — concorda o Dr. Aurelius.

Lá chegando, entrego a pintura que fiz à Dra. Ceres, que fica bastante tocada.

— Peeta, não tenho palavras! Estou muito feliz com a sua recuperação e a sua alta, mas, ao mesmo tempo, muito triste com a sua partida. — Algumas lágrimas rolam pelo seu rosto.

— Eu me sinto da mesma forma, Dra. Ceres — reconheço, abrindo os braços para abraçá-la.

— Dra. Ceres, você está muito emocionada. Pode guardar o seu presente, que consigo lidar sozinho com o nosso paciente — garante o Dr. Aurelius.

Assim, eu o acompanho novamente até sua sala e, logo após entrarmos, uma assistente lhe entrega um envelope.

Diante dele, sentado na confortável poltrona de seu consultório, tento fazer uma expressão de tranquilidade, embora meu peito esteja ardendo de pura ansiedade.

Quero voltar para o Distrito 12, para minha casa, para... Katniss.

Mas de nada adianta um rosto tranquilo, se meus dedos não param de tamborilar na quina da mesa, o exato ponto onde os olhos do médico estão fixos.

— Sei que você está desejando receber alta o mais rápido possível, Peeta.

— Pra quem está hospitalizado há tanto tempo, Dr. Aurelius... acho até que vou receber um diploma de enfermagem ou de medicina quando conseguir sair daqui, tamanha é a minha experiência na área.

Dr. Aurelius dá um sorriso discreto:

— Bom humor preservado. Ótimo sinal — observa ele e anota algo em uma ficha. — Preciso fazer uma avaliação sua, complementar aos exames. Podemos conversar agora? Você se sente bem para isso?

— Sim! — respondo com convicção. — Mais um passo para obter alta. Não quero adiar.

— Entusiasmo mantido. — Meu comentário rende outra anotação e, só então, ele abre o envelope com os exames.

Após analisar os documentos em silêncio, ele prossegue:

— Quando soube do que fizeram com você e das suas condições físicas e mentais, pelo meu conhecimento em medicina, pensei que você não fosse se recuperar. No entanto, aí está você, contrariando todos os prognósticos.

— Não foi nada fácil. Aliás, continua sendo difícil — admito.

Enquanto a conversa se desenrola, observo o Dr. Aurelius preencher diversos campos em alguns formulários, sempre falando em voz alta o nome do tópico que ele está avaliando: Discurso coerente. Noção da realidade. Localização no tempo e no espaço. Julgamento crítico. Autocontrole.

Até que ele interrompe o diálogo, diante de um dos itens:

— Identificação do agente provocador das crises. — O médico lê pausadamente. — Esse é um dos mais importantes. Você certamente sabe a resposta.

— Algumas situações que envolvem Katniss Everdeen — afirmo.

— Então, você sabe como evitar os surtos... ficando longe dela. Você é livre, pode morar no Distrito que você quiser, ou mesmo na Capital.

— Escolhi voltar para o Distrito 12 — declaro resoluto.

— Mas é lá que está o principal gatilho dos seus colapsos. — Ele se esforça para me convencer a fazer outra opção.

— Existem outros modos de defini-la, Dr. Aurelius — discordo. — Katniss pode ser tantas outras coisas pra mim. Por isso, estou retornando ao Distrito 12. É lá que está Katniss Everdeen... e não há outro lugar onde eu queira estar.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Vou ali dar uma relida no final de “A esperança” e já volto!

Não quero fugir dos fatos que acontecem no livro…

Beijos!

Isabela



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