A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 7
07. Não desista dela




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Por Peeta

Annie e Johanna aguardam a minha resposta sobre a possibilidade de eu falar com Gale.

— Não tenho nada a perder. Ou tenho? — avalio.

— Só o seu tempo e a sua paciência, dependendo do resultado da conversa — resmunga Johanna.

— E a minha sanidade também. Vocês viram o que aconteceu ainda há pouco, só por ter ouvido o nome dele. — Estou decepcionado comigo mesmo. — Não posso ser assim tão fraco.

— Enquanto você se decide, vou chamar a Dra. Ceres, que pediu para que eu informasse a ela quando você estivesse acordado — avisa Johanna, e logo sai.

Annie mantém os olhos fixos no canto do quarto, onde está o meu material de pintura.

— Você voltou a pintar? — pergunta. — Posso ver?

Assinto e ela se aproxima do cavalete onde está o quadro com a imagem de Prim, praticamente pronto.

— Você não sofre retratando as pessoas que perdemos? — Annie pergunta.

— Tudo isso está na minha memória mesmo. Não há como fugir. Pintar ajuda muito a me acalmar e a colocar as ideias no lugar — explico.

— Está muito bonito. Qualquer dia desses vou pedir que pinte um do Finnick — comenta Annie com o ar triste.

— Será uma honra — afirmo.

Ela observa o quadro e seus pensamentos parecem estar bem longe.

— Annie, você acha que valeu a pena? Tanto sofrimento, tantas perdas irreparáveis, em troca da mera promessa de um país melhor? — interrompo suas divagações.

— Não tem sido nada fácil viver sem o Finnick, Peeta, porém prefiro não pensar que seria melhor se algumas coisas tivessem sido diferentes. Às vezes, algo bom depende de um acontecimento que não desejaríamos, a princípio — revela Annie. — Jamais desejaria ser sorteada como tributo para os Jogos Vorazes. Mas, se não fosse por essa infelicidade, nunca teria conhecido o Finnick... E eu não mudaria nada do que aconteceu, mesmo que soubesse que ele partiria tão cedo.

— Você está certa — chancelo. — As mortes dele, de Prim e de tantos outros não podem ter sido em vão.

Não demora muito, Johanna retorna com a Dra. Ceres, que está com uma expressão preocupada.

— Peeta, como você está? Não imaginava que aquilo pudesse acontecer! Pra mim, você e Gale eram amigos ou colegas bem próximos. Achava que a visita dele seria uma surpresa boa — menciona ela, arrependida.

— Nós não somos amigos. Jamais fomos. No entanto, não somos exatamente inimigos. Dá pra entender? — confundo–a mais do que esclareço.

— Ficaria mais fácil de compreender, se ela soubesse que, na verdade, vocês dois se dariam muito bem, não fosse um baita ciúme em relação a uma certa pessoa... — Johanna ajuda a Dra. Ceres a desvendar o mistério.

— Ah, agora está claro — aquiesce a médica. — Então, você pretende falar com Gale?

— Sim. Ele pode ter algumas das respostas de que preciso — decido finalmente.

Assim, saio do meu quarto escoltado pelas três. Dra. Ceres nos leva até uma espécie de biblioteca, com grandes janelas de vidro que têm uma boa visão de um dos belos parques da Capital.

No outro extremo, diante de enormes estantes de livros, há diversas mesas de estudo. Uma delas, que tem duas cadeiras, uma de frente para a outra, já está ocupada por Gale, que se levanta para cumprimentar as meninas.

Depois, elas se afastam e se acomodam na mesa mais distante, fazendo sinal de que estarão atentas a tudo o que se passar.

Achei que o nervosismo tomaria conta de mim, porém estou bastante calmo. Isso me preocupa, pois não quero que essa tranquilidade seja fruto apenas do remédio que Max injetou em mim. Preciso aprender a me controlar e estou diante do que é o meu maior teste até agora.

— Você queria conversar comigo de igual para igual. Aqui estou — abordo Gale com segurança.

— Sim. Não gostaria de encontrar você como um convalescente inválido e incapaz de se defender — responde ele secamente e aponta a cadeira à sua frente para eu me sentar, enquanto ele toma seu lugar.

— Espero que você não esteja insinuando que ainda estou nesse hospital por vontade própria — retruco, já perdendo um pouco a paciência.

— Não é isso. Apenas não queria sentir novamente uma coisa egoísta que passou pela minha cabeça quando vi você pela primeira vez no hospital do Distrito 13, depois do seu resgate das garras da Capital.

— Não me lembro de você ter me visitado no hospital de lá.

— Eu o vi apenas através do vidro e, no estado em que você se encontrava, pensei que nunca poderia competir com aquilo. Katniss nunca seria capaz de abandoná-lo e sempre se sentiria mal por estar comigo, caso ela me escolhesse — explica ele.

— Não estou mais naquele estado, apesar de ainda estar internado. Por favor, não faça de mim um obstáculo entre você e Katniss, se pretendem ficar juntos — murmuro visivelmente desolado.

— Você não reparou que disse: caso ela me escolhesse? Pois bem, Katniss não me escolheu. No entanto, deixa isso pra lá...

— Vamos ao que interessa, então? — Apresso-me em dizer, para mudar logo o assunto que tanto me perturba.

— Não sei se posso considerar que somos amigos, mas já ajudamos um ao outro em algumas situações e guardo um profundo respeito por você — começa ele, mas o interrompo.

— Tirando as vezes em que se ofereceu para me matar — recordo amargurado.

— Não nego isso. Nós estávamos numa guerra e, se você não estava do meu lado e ameaçava Katniss, era um inimigo e também um alvo — diz Gale de maneira fria. — Mas o que importa é que hoje vim em missão de paz.

— E qual seria essa missão? — indago curioso.

— Vim pedir a você para cuidar da Katniss. — fala ele serenamente, como se demandasse algo muito simples.

Apesar de eu estar, de fato, cogitando retornar ao Distrito 12, as palavras de Gale me irritam um pouco. Não quero dar o braço a torcer, a princípio, e admitir que cuidar de Katniss é tudo o que eu queria fazer desde já.

— Você acha que consigo? Estou internado aqui, sem previsão de alta. Não posso nem cuidar de mim mesmo! — contesto, sendo evidente a minha chateação.

— Você a salvou tantas vezes. Então, você é, sim, capaz de cuidar dela! — Gale protesta. — Por fim, você impediu que Katniss se matasse, de modo que se tornou responsável por ela com base nesse motivo também.

— E por que você não assume essa responsabilidade? — questiono indignado.

— Porque estou morando no Distrito 2 — responde ele em voz baixa, ciente do quão insatisfatória é sua justificativa.

— Se é assim, também posso escolher morar em outro Distrito — rebato.

— Mas não é só por isso — admite Gale finalmente. — É, principalmente, porque existe mais do que a distância entre mim e Katniss agora. Existe a culpa pela morte de Prim nos separando.

— Não estou entendendo. Qual foi a sua participação na morte dela? — pergunto incrédulo.

Gale cruza as mãos sobre a mesa vagarosamente, parecendo formular a melhor maneira de me dizer algo desagradável.

— Snow estava prestes a emitir uma rendição oficial, quando os rebeldes lançaram os paraquedas...

— Quando os rebeldes lançaram os paraquedas? — Eu o corto. — O aerodeslizador tinha o emblema da Capital...

— Bem, igual a quase todo mundo que se revoltou contra Snow, você achou que foi ele quem deu a ordem para bombardear as crianças da Capital, mas isso partiu de Coin, na verdade. A única coisa que era da Capital ali era o símbolo do aerodeslizador — explica ele.

Reflito demoradamente sobre o que Gale acabou de dizer.

— Agora tudo começa a fazer sentido... É óbvio que, se Snow tivesse um aerodeslizador à sua disposição, ele teria fugido. O assassinato daquelas crianças sempre me pareceu uma estratégia absurda.

— Foi uma jogada de mestre por parte de Coin. A ideia de que Snow estava bombardeando crianças indefesas instantaneamente abalou qualquer aliança que o povo da Capital mantinha com ele. Não houve mais resistência à dominação dos rebeldes depois disso.

— Como as pessoas ficaram sabendo? — questiono.

— As imagens foram ao ar ao vivo. Obra de Plutarch.

— Os paraquedas também devem ser criação dele, não? É algo típico de um Chefe dos Idealizadores dos Jogos — reconheço.

— Aí é que você se engana. Trabalhei com Beetee num setor chamado Arsenal Especial no Distrito 13. Projetamos diversas armas baseadas nas minhas armadilhas para capturar animais. Uma característica delas é que sempre se aproveitam do ponto fraco das presas. Não foi diferente nas armadilhas que fiz para atingir pessoas. Busquei o ponto fraco delas.

— Qual foi a fraqueza humana que inspirou a criação das suas armas de guerra? — sondo.

— As armas que desenvolvi para atingir pessoas baseavam-se na solidariedade humana. — Gale abaixa os olhos. — Katniss sabia desse projeto. Sabia que a ideia da dupla explosão de bombas havia surgido no Distrito 13. Ela uma vez viu o esboço do plano e questionou o projeto como meio de se vencer uma guerra. A ideia é, basicamente, a seguinte: a primeira leva de bombas mata e fere algumas pessoas. As segundas explosões destroem os verdadeiros alvos dessa armadilha: quem se preocuparia em socorrer as primeiras vítimas.

— As primeiras bombas atingiram as crianças. A segunda explosão, a equipe de resgate — relembro a horrível cena. — Você quer dizer que o objetivo de Coin era atacar a equipe de resgate rebelde? Eles é que se compadeceram das crianças e foram socorrê-las.

— Não sei se ela queria todos os integrantes da equipe mortos, mas você sabe que havia uma pessoa que não deveria fazer parte do grupo de socorristas e, no entanto, lá estava e foi igualmente assassinada.

— Primrose! — constato estarrecido. — Ela era muito nova para ser convocada.

— No entanto, havia uma ordem vinda de Coin para que Prim fizesse parte daquela equipe especificamente. Era uma ordem, mas Coin fez parecer que foi um convite, prontamente aceito por nossa brava menina.

— Todas essas atrocidades... apenas para atingir Katniss com a morte da irmã. — Percebo agora a real dimensão do que aconteceu no dia marcado para a execução de Snow. — Por isso, Katniss concordou com a realização de mais uma edição dos Jogos Vorazes. Para não contrariar Coin. Assim, ela não desconfiaria dos planos de Katniss de matá-la no lugar de Snow.

— Ela certamente queria abalar Katniss, mas, num só ato, conseguiu também acabar com qualquer apoio que Snow ainda tinha, ao fazer pensar que tudo partiu dele, apressando o fim da guerra e aproveitando para assumir o poder — observa Gale.

— Mas a vitória já estava praticamente a seu alcance. Como você disse, Snow já iria se render quando os paraquedas foram lançados. No fundo, ela não precisava usar o artifício das bombas nas mãos das crianças para vencer a guerra — destaco. — Coin só não havia conquistado a confiança e o apoio incondicional de Katniss. Era a única coisa que faltava. O Tordo, e não Coin, era o rosto da rebelião. Katniss é quem teria mais influência do que qualquer outra pessoa, caso apoiasse alguém para assumir o governo.

— Isso é verdade — concorda ele.

— É possível também que Coin tenha escolhido fazer isso por meio do armamento que você projetou, para alcançar ainda um terceiro objetivo: afastar você de Katniss, plantando entre vocês essa desconfiança — acrescento.

— Não sei se Coin estava ciente de que Katniss conhecia alguns dos meus projetos do Arsenal Especial. No entanto, essa é mesmo uma possibilidade — reflete Gale. — Mais um golpe baixo de Alma Coin, que tentou usar você como uma ameaça à Katniss também. Caso contrário, ela não teria pessoalmente autorizado o seu envio para fazer parte do Esquadrão 451, Peeta. Katniss definitivamente não podia confiar em Coin e ambas sabiam disso.

Faz-se um longo silêncio, até que ele o quebra:

— De qualquer modo, minha impiedade custou a vida de Primrose e não me orgulho nem um pouco disso. Você é a primeira pessoa para quem conto essa história e não me lança a acusação velada de que foi a minha bomba que matou Prim — pondera Gale. — Nem mesmo Katniss me poupou dessa culpa, que vou carregar comigo enquanto eu viver.

— Não que eu concorde com o uso da compaixão humana para se conseguir vencer um adversário numa guerra, mas você apenas projetou a armadilha. Não foi uma ordem sua que determinou o ataque. Você havia acabado de levar dois tiros em uma tentativa de fuga no Círculo da Cidade — destaco. — Também não há como esquecer as circunstâncias em que você criou a bomba... numa rebelião, numa oportunidade única de derrubar Snow depois de 75 anos de tirania e após ver o Distrito 12 destruído. O modo como seu projeto foi utilizado e a sua finalidade são de responsabilidade de Coin. Nunca colocaria esse peso em seus ombros. Logo você, que sempre cuidou de Katniss e da família dela.

— Era isso o que sempre tive em mente: protegê-las. No entanto, falhei. — Seu desapontamento transparece.

— Você não poderia evitar. Coin conseguiria seu objetivo usando ou não o armamento que você ajudou a criar. Fazer essa acusação contra você seria como culpar a mim e a qualquer outro tributo pelas mortes nas arenas. Não era a nossa vontade, mas as circunstâncias fizeram de nós assassinos.

Depois de outra longa pausa, ele respira fundo e pergunta:

— Você ainda a ama, Peeta?

— Essa não é uma questão simples de se responder. E não é porque é você quem está perguntando, Gale. Sem ofensas. Realmente não sei — digo com sinceridade.

— Não perguntei por mal. Não tenho mais a intenção de ser um concorrente, embora ache que o amor que sinto por ela jamais deixará de existir — confessa Gale. — Sinceramente gostaria que a sua resposta fosse sim. Katniss merece ser feliz ao lado de alguém que igualmente a mereça e, em minha opinião, esse alguém é você.

Sem dizer mais uma palavra, Gale se ergue da cadeira, despede-se das garotas à distância com um aceno e se dirige à saída da biblioteca apressadamente. Num impulso, eu o chamo de volta.

— Gale, espere um pouco, por favor. Você pode me acompanhar? Quero que fique com o último quadro que pintei.

— Sim, claro. — Sua expressão inicialmente preocupada se desfaz.

No caminho de volta, fico me perguntando se ele vai reagir bem à imagem pintada. Primrose cercada com os paraquedas que explodiram ao seu redor, ceifando sua vida.

Resolvo quebrar o silêncio embaraçoso que se instalou, perguntando sobre um dos assuntos que ainda me preocupam:

— No último dia que vi Katniss, foi feita uma votação para aprovar a realização dos últimos Jogos Vorazes, com crianças da Capital. Isso foi adiante?

— Felizmente, não. Paylor suspendeu todas as ordens dadas por Coin. Essa foi a primeira determinação a ser cancelada — conta Gale.

Solto a respiração que estava prendendo, suspirando alto, de tão aliviado que fico com a notícia.

— Katniss sempre questionou toda a confiança que eu depositava em Coin e, no final das contas, estava certíssima. Ela não passava de uma tirana sanguinária como Snow — comenta ele.

— Agora entendo os atos de Katniss. Obrigado por suas informações, Gale. Essas questões estavam me consumindo — agradeço genuinamente.

Chegando ao nosso destino, vou até o cavalete e retiro a tela com cuidado.

— Coincidência ou não, terminei alguns pequenos retoques nesse quadro ontem. — Giro a pintura para ele, mas não consigo decifrar o que Gale está sentindo. — Aí está Primrose em seus últimos instantes. Estava lá e presenciei todo aquele horror. Apesar de tudo, acho que no fundo Prim também não gostaria que você ficasse se culpando por sua morte.

Após um tempo parado, sem esboçar uma reação sequer, Gale finalmente aceita o quadro, segurando-o pelas laterais, sem tirar os olhos da tela.

— Muito obrigado pelo quadro e, principalmente, pelas palavras, Peeta. Essa conversa foi um divisor de águas pra mim. A ferida ainda dói, mas ao menos começou a cicatrizar.

Por fim, ele vira em minha direção, com seus olhos cinzentos marejados:

— Estou lembrando aqui daquela nossa conversa no porão da loja de Tigris. O improvável aconteceu e eu, você e Katniss sobrevivemos à rebelião. Talvez não se recorde, mas você já desistiu de tudo por ela mais de uma vez e, assim, você a conquistou. Não desista dela... por favor, nunca.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

O próximo capítulo será o último com Peeta no hospital. Então, temos que nos despedir de alguns personagens que ficarão na Capital e de outros, que vão para seus distritos.

Quem topa voltar com o nosso padeiro favorito ao Distrito 12?

Beijos!

Isabela



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