A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 40
Vitoriosa


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Peeta e Katniss estão em lua de mel, então é inevitável que esse capítulo também seja impróprio para menores de 18 anos.
Os próximos deverão voltar a ter classificação livre, a não ser que vocês sinalizem que querem o contrário.

Logo no início do capítulo, fiz uma adaptação da música Nascente (Flávio Venturini e Murilo Antunes), uma das mais belas poesias sobre momentos de amor pela manhã:
"Clareia
Manhã
O sol vai esconder a clara estrela
Ardente
Pérola do céu refletindo teus olhos
A luz do dia a contemplar teu corpo
Sedento
Louco de prazer e desejos
Ardentes"



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Por Katniss

O sol ainda está na iminência de nascer, mas já estou acordada há um bom tempo, depois de um período de sono curto, porém restaurador.

Eu me sinto diferente, transformada, redimida. Acabo de descobrir e compartilhar uma parte de mim que eu sequer conhecia.

Eu me entreguei a Peeta, mas recebi muito mais em troca.

Peeta também foi generoso em dividir comigo uma parte dele, o que agora me traz a deliciosa responsabilidade de guardar tesouros que não foram confiados a mais ninguém. Seu amor, seu corpo, seu prazer.

Foi algo intenso e, ao mesmo tempo, doce. Uma experiência maravilhosa com o homem que eu amo.

Enquanto penso em tudo o que aconteceu, fico apreciando a face tranquila de Peeta.

De perto assim, à meia-luz, seu rosto é ainda mais perfeito. Sua tez clara contrasta com a pele morena da minha mão, que traceja levemente seu maxilar. Seus lábios estão ligeiramente avermelhados e os cílios loiros se confundem com os cachos soltos sobre sua testa, que quase chegam até seus olhos.

Não quero acordá-lo, porém minhas mãos não resistem em gravitar em torno do seu corpo. Meus dedos passeiam por seu abdômen e por seus braços.

Quando apoio meu queixo sobre seu torso nu, seus olhos se abrem, mas não o seu sorriso. Peeta está preocupado.

— Já acordada? Você teve um pesadelo, meu amor? – Suas mãos ladeiam meu rosto de modo protetor.

— Não – respondo rapidamente, para afastar logo qualquer pensamento negativo que ele possa ter.

Ergo o meu tronco, ocultando minha nudez com uma das extremidades do lençol.

— Acho que a falta de sono é por excesso de felicidade… e de vontade - ouso dizer, ruborizando.

Seus lábios se curvam para cima ante a minha declaração atrevida.

— Então, somos dois… insones felizes e desejosos de viver tudo aquilo de novo e de novo e de novo… – Ele se levanta um pouco e causa-me arrepios ao deslizar seus lábios em um dos meus braços, justo o que sustenta firmemente a manta à minha frente.

Peeta se senta, recostando-se à cabeceira da cama, e o movimento faz com que o lençol que seguro sobre mim escorregue um pouco para baixo, quase deixando meus seios à mostra.

Tento me cobrir novamente, mas Peeta evita que eu conclua minha ação, segurando minha mão gentilmente.

— Não se esconda. Você é perfeita – diz ele, olhando-me nos olhos, e as únicas coisas que vejo neles são admiração e amor.

— Preciso de um tempo pra me acostumar a isso – confidencio.

— Engraçado… Eu me acostumei bem rápido. – Ele faz uma expressão bem travessa e ameaça tirar do lugar o lençol que o mantém coberto da cintura para baixo, porém eu recomeço a falar antes que isso aconteça e ele interrompe o gesto para me escutar.

— Quando nos reencontramos na primeira arena, você disse que não se importaria se eu o visse sem roupas… Eu e toda Panem, seu exibido! – brinco, empurrando seu ombro.

Peeta ri e segura minha mão, dando um beijo nela.

— Mas foi você quem pediu para eu tirar minha cueca! – Ele faz cara de indignado. — Desde aquela época, seus desejos são uma ordem!

— Não era um desejo. Eu estava cuidando da sua ferida e dei a você a mochila da Rue para se cobrir… Eu não tinha segundas intenções.

— Oh, minha menina pura! – Peeta toca a ponta do meu nariz e seu dedo desce vagarosamente por meus lábios e meu queixo. — Eu sei de tudo isso. Eu sei exatamente quando você quis tirar minha cueca com segundas intenções.

Minha reação imediata é arregalar os olhos e ele sorri maliciosamente em resposta.

Antes que eu retrucasse, Peeta me puxa até ele, num gesto que afasta de vez o tecido sobre nossos corpos. Suas mãos se espalmam em minhas costelas, aderindo meu tronco ao dele. Aprisiono sua cintura com minhas pernas.

Sua boca procura a minha e, depois, explora meu pescoço e meu colo.

Arranho minhas unhas em suas costas, percorrendo toda a extensão que alcanço. Ele solta um murmúrio rouco e sobe suas mãos até os meus seios, que depois são também tocados por seus lábios, fazendo-me inspirar fortemente.

A manhã finalmente clareia e as estrelas que ainda teimavam em brilhar na imensidão, até então pouco iluminada, ficam escondidas.

Peeta segura o meu rosto delicadamente, incitando-me a olhar pra ele. Nossas respirações erráticas se mesclam. Meus dedos pressionados em seu peito tremem ao sentir a velocidade das batidas do seu coração.

— Katniss… Você  sabe o efeito que causa em mim.

O sol é como pérola no céu refletida nos olhos de Peeta, que contempla meu corpo à luz do dia, sedento, louco de prazer e desejos ardentes.

No quarto já iluminado pela claridade natural, eu me despeço aos poucos da vergonha pela nudez e por minhas cicatrizes.

Peeta não tem pressa. Ele é terno, carinhoso e, por um instante, hesita em continuar com a descoberta de nós mesmos. Preciso apenas olhar em seus olhos e roçar o meu nariz no dele, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça, para que entenda que estou preparada.

Desfruto da agonizante espera para recebê-lo, antes de nossos corpos se alinharem pra se amar mais uma vez, enquanto Peeta resvala seus dedos ao longo das minhas pernas até encontrar meus pés, trazendo vida a cada parte que ele toca.

As mãos de Peeta fazem o caminho de volta e me tomam vigorosamente para sustentar meus quadris sobre ele. Ele alivia a pressão que faz para me firmar e eu desço meu corpo devagar, controlando a maneira como nos conectamos intimamente, logo sentindo meu corpo responder à catarse de me sentir amada e desejada com tanta intensidade.

Então, revivemos a sensação de ter um ao outro do modo mais pleno, na entrega mais profunda, pulsando de satisfação. Ele suspira longamente, parecendo desfrutar de cada movimento, assim como eu.

Peeta me completa.

Não. Completar não é o verbo que define o que ele faz comigo.

Peeta me transborda. E seu corpo, em harmonia com o meu, me apresenta a uma miríade de sensações indescritíveis.

Seu suor se mistura ao meu. Seu cheiro fica guardado em meus pulmões. Seu sabor está impregnado em minha língua, que dá vazão ao anseio de provar cada centímetro de sua pele.

Arqueio as costas em resposta ao maravilhoso sentido de bem-estar que me domina. Fecho os olhos com força.

— Olha pra mim, meu amor – implora Peeta.

Abro os olhos e observo embevecida o quanto ele é bonito. Ao ver sua face irradiando excitação, uma nova onda de calor percorre meu corpo, desde o meu ventre até as pontas das minhas mãos, presas em seus cabelos, e dos meus pés, enroscados em seu dorso.

Quando Peeta libera seu próprio êxtase, nossas bocas se unem febrilmente num beijo, abafando nossos gemidos.

Ainda abraçados, desabamos no colchão, exaustos e revigorados ao mesmo tempo.

Eu me acomodo entre suas pernas, com a cabeça apoiada em seu peito, escutando as batidas do seu coração se suavizarem.

Peeta me abraça e passa as mãos por meus cabelos com carinho, uma vez, duas vezes e segue assim. Perdida nesse instante de tranquilidade, ouço sua voz:

— Você faria tudo de novo pra chegar até aqui, nesse momento?

— Não. Eu não faria tudo de novo – sentencio sem vacilar, erguendo meu tronco para ver seu rosto. — A morte de Prim, da sua família e de tantos outros e a destruição do nosso Distrito foram um preço alto demais.

— Eu entendo. – Peeta me encara com olhos tristes.

— Calma… Eu não terminei. – Tento tranquilizá-lo, pois reconheço a dureza e a tristeza das minhas palavras.

Ele aguarda a continuação com expectativa. Fecho meus olhos para evitar as lágrimas.

— Não faria tudo de novo. Eu mudaria algumas coisas, porque tenho certeza de que você encontraria um caminho até meu coração… de algum modo.

Torno a abrir os olhos e Peeta agora encara o teto. Observo que ele suspira de alívio.

— Eu amo você por sua sinceridade e por sua confiança. – A voz firme de Peeta contrasta com seu olhar, que parece perdido, sem querer se focar em lugar algum. — Você confia em mim mais do que eu mesmo. Eu nunca consegui falar com você na escola.

— E, ainda assim, eu não era indiferente a você. Hoje consigo reconhecer isso – confesso e Peeta finalmente fixa os olhos em mim com surpresa. — Peço desculpas por falar essas coisas. Eu só queria que Prim estivesse aqui… E sua família também.

— Você ainda não está em paz, não é mesmo?

Não sei como expressar tudo o que experimento em meu interior. É grande o tumulto de emoções que se acumulam dentro de mim.

Tenho receio de arruinar tudo, devido à minha falta de jeito com as palavras, como quase aconteceu há alguns minutos.

— É difícil administrar tantos sentimentos e pesar todas as perdas e as conquistas. Porém, posso afirmar, com certeza, que estou muito feliz com o que construímos a partir dos nossos cacos. – Aproximo meu rosto do dele e toco meu nariz em sua bochecha, sentindo-me momentaneamente fragilizada. — É difícil acreditar que eu mereça tanta felicidade… Pena que essa felicidade é proporcional ao medo que tenho de deixar de ter tudo isso. A possibilidade de perder você me apavora.

Peeta gira o corpo e se coloca sobre mim, apoiado nos cotovelos.

— Eu já garanti que você não precisa se preocupar. – Peeta abaixa o tronco, unindo meu peito ao dele. — Você pode sentir as batidas do meu coração? Enquanto ele funcionar, eu estarei ao seu lado. E, quando ele não tiver mais forças e parar, ainda assim, continuarei amando você. Eu disse sempre e será para sempre. – Ele deposita beijos em meu pescoço, meus lábios e meu nariz.

Eu amo você por sua sinceridade e por sua confiança— reproduzo as palavras dele, recomeçando a sorrir com os beijos que recebo.

Ouço os miados de Buttercup e o ruído de unhas sendo arrastadas na madeira da porta. Eu e Peeta olhamos na direção de onde vem o som e rimos.

Peeta coloca ambas as mãos rodeando meu rosto e se acerca, roçando os lábios em minha testa.

— Vou ver o que Buttercup quer. Descanse um pouco, Katniss…

Ele se levanta e me cobre com a manta. Depois, busca algumas peças de roupa no chão do quarto, veste-se apenas com a cueca e a calça e abre a porta para pegar o gato no colo.

A visão faz minhas bochechas esquentarem e leva um sorriso aos meus lábios, pois me recorda de que Peeta sabe o momento exato em que eu quis me livrar de sua cueca com segundas intenções. E eu também sei.

Adormeço rapidamente e, algum tempo depois, sou despertada com beijos de Peeta em minhas costas e com as patas de Buttercup subindo em meus pés.

— Hora de acordar, dorminhoca!

Olho pra ele com cara de 'eu tenho mesmo que fazer isso?' e, em seguida, afundo meu rosto no travesseiro.

— Um pão de queijo por seus pensamentos – sussurra Peeta em meu ouvido.

Viro ligeiramente a cabeça para dar minha resposta.

— Eu sei que vou ganhar pães de queijo, mesmo que não diga o que estou pensando.

— É claro que vai! Você é a linda esposa de um padeiro apaixonado.

— Por isso, vou revelar espontaneamente. Estou pensando que não quero sair daqui nem tão cedo.

— Bem, acho que terei que mantê-la aqui só pra mim, então? – Ele acaricia meus ombros e capto o aroma de canela que exala de seus dedos. — Fico lisonjeado com sua declaração. Porém, estou percebendo uma pontinha de embaraço no jeito como você falou…

— Não quero encontrar ninguém. Será como se estivesse escrito na testa de todos: Eu sei o que vocês fizeram na noite passada.

— E sabem mesmo! Nós nos casamos e estavam todos presentes.

— Você sabe precisamente do que estou falando.

Precisamente. - Peeta imita o meu modo de falar. — Nosso casamento foi tão romântico que tenho certeza de que inspirou muitos casais a fazerem o mesmo que nós. Então, estaremos todos na mesma situação.

— Pronto! Você acabou de me convencer a ficar confinada em casa por uma semana! – Puxo o lençol para me cobrir por inteiro.

— Que bom que eu tenho um plano mais ou menos parecido. – Peeta destapa minha cabeça e se deita ao meu lado. — Já que não podemos fazer uma viagem de lua de mel, ainda, eu preparei tudo para passarmos uns dias na casa do lago.

— Jura?

— Eu já me arrumei e aprontei o que vamos precisar. Só falta você!

Levanto em um salto e tento correr para o banheiro, enrolando-me no lençol e arrastando o pedaço que sobra pelo chão. Peeta pisa na ponta do tecido, enquanto eu puxo inutilmente a outra extremidade.

Peeta dá gargalhadas com a cena e eu desisto, deixando o pano cair pelo piso do quarto.

— Eu não preciso de tempo nenhum pra me acostumar a isso! – provoca ele. — Você é linda demais!

Descarto suas palavras com um gesto de mão, rindo também, e me apresso em entrar no banheiro para tomar um banho. Ao terminar, antes de vestir um roupão, reparo em minha imagem refletida no espelho. Vejo uma mulher que traz na pele algumas marcas deixadas por um amante gentil, porém ardente.

De volta ao quarto, ouço as instruções de Peeta, que ficou deitado em nossa cama me esperando.

— Sugiro que coloque na sua mala apenas o arco e as flechas. Você não precisa de muitas roupas… Não para o que estou planejando pra nós dois.

Sorrio junto com ele e jogo uma toalha em sua direção. Ela o atingiria em cheio, se ele não a capturasse no ar antes disso.

— Nós sobrevivemos àquele período na caverna sem muitos recursos. A casa do lago será nossa nova caverna, que tal? – pergunta ele.

— A ideia é ótima, mas prefiro levar um pouquinho mais de suprimentos, pois não teremos patrocinadores para mandarem sopa ou cozido de carneiro até nós.

— Você tem razão. Vou providenciar tudo. – Peeta se põe de pé à minha frente, segura minha cintura e beija meu pescoço. — Espero você lá em baixo.

Arrumo uma bolsa com roupas e itens básicos de higiene, dentre outras coisas necessárias a um mínimo de conforto no meio da floresta, sem esquecer o arco e a aljava de flechas.

Quando desço, estou faminta e sou recebida com uma bela mesa, na qual estão dispostos os prometidos pães de queijo e muitos pães doces salpicados com canela.

Alguém bate na porta e Peeta vai atender. Não demora muito, a voz de Haymitch reverbera até a cozinha.

— Senti um cheiro bom de pão assado e aproveitei para checar como vocês estão, crianças… Se bem que não há mais crianças por aqui.

Viro meu rosto em brasas para a direção oposta e me ponho de costas, diante da pia. Peeta me observa com um sorriso no canto da boca, estendendo um prato com pães para Haymitch.

— Você quer chá também? – ofereço, sem afastar meus olhos da xícara que peguei para disfarçar.

— Lindinha! – Pelo seu tom jocoso, sei que Haymitch está achando graça da minha reação à sua chegada. — Não pense que sou apenas um intrometido. Eu sou. Mas estou aqui a pedido do seu marido, que solicitou os meus préstimos para dar conta de uma lista de tarefas para vocês poderem aproveitar alguns dias a sós, tranquilos, longe da civilização. – Haymitch sacode meus ombros e continua a falar perto do meu ouvido. — É a minha contribuição para que vocês possam encomendar pequenos tordos e pequenos padeiros para correrem pela casa.

Estreito os olhos antes de me virar devagar para encará-lo e, se eu já estava vermelha de vergonha, Haymitch me faz ficar roxa de indignação.

No caminho até chegar a Haymitch, meus olhos captam Peeta se divertindo com a situação, enquanto enche um cesto com pães.

— E a Effie vai bem, Haymitch? – pergunto.

— Muitíssimo bem.

— Já se certificou de que ela pode estar também muito animada para casar e encomendar pequenas escoltas e pequenos mentores? – interrogo mordaz, atingindo seu ponto fraco. — Ela parecia bem propensa a isso quando pegou o buquê de flores.

— Aquilo que você aprontou com o buquê não valeu. Foi golpe baixo, docinho – reclama ele e termino por sorrir em sua direção.

— Effie estava mesmo bem entusiasmada – confirma Peeta.

Haymitch engole em seco e Peeta ri mais ainda, estendendo a ele o cesto e uma folha de papel com algumas anotações.

— Aqui está a relação. Obrigado pela ajuda! – Peeta agradece.

— Não há de quê, garoto. – Haymitch examina a nota e continua. — Vou dar conta de tudo.

— Mande lembranças a Effie! – peço e Haymitch balança a cabeça afirmativamente.

— Um bom passeio pra vocês e aqui vai um conselho: fiquem vivos! – diz ele e desaparece porta afora.

— Até a volta, Haymitch! – Peeta se despede em alta voz, antes de me cercar com seus braços, apoiando as mãos na pia onde ainda estou encostada.

— Tenho que rir com vocês dois, implicando um com o outro… Você estava vermelha como um tomate.

— E você, senhor Peeta Melllark, está merecendo dormir ao relento hoje, por rir às minhas custas.

— Que bom que estou levando apenas um saco de dormir. Assim, você vai dormir ao relento comigo. – Ele me rouba um beijo e sorrio com nossos lábios colados.

— Tudo pronto para irmos? – indago.

— Sim. Tudo pronto! Eu falei com sua mãe por telefone antes de você acordar. Ela vai nos esperar no saguão do hotel para poder se despedir, antes de partir para o Distrito 4. – comunica Peeta. — Pelo que me disse, ela não vai mais de trem. Gale poderá levar quase todos de aerodeslizador.

— Então, vamos?

— Você não prefere ir andando na frente? – Ele coça a nuca.

Percebo que Peeta tenta ocultar o desconforto e, dessa vez, é ele quem fica enrubescido.

— Ah! No final das contas, acho que não sou a única a ficar envergonhada.

— Não é isso – desconversa ele. — A Johanna já me fez passar uma saia justa com a sua mãe no Distrito 4 e a minha cota de vergonha na frente dela já se esgotou! Além disso, imaginei que talvez vocês quisessem conversar um pouco a sós.

— Vamos lá! Eu sobrevivi à visita de Haymitch. Você pode enfrentar a minha mãe!

Ele acomoda a pesada mochila em suas costas e me ajuda com a minha bagagem, porém ainda hesita em ir comigo até o hotel.

— Vem… Quero caminhar pela cidade com a minha mão na sua. – Estendo a minha mão para ele e Peeta finalmente se convence a me acompanhar.

Entrelaçamos nossos dedos e Peeta leva minha mão à sua boca para beijar minha aliança.

Antes de sairmos de casa, Buttercup se enrosca nas minhas pernas, como se adivinhasse que ficaremos uns dias fora. Peeta solta minha mão e se abaixa para pegá-lo no colo.

— Delly vai cuidar de você, garotão! Eu sei que vai sentir falta da Katniss, não vai? – Peeta aponta pra mim. — Hoje foi difícil impedir que ele entrasse no quarto enquanto você descansava.

— Podemos levá-lo até o hotel. Não sei se minha mãe o viu aqui em casa ontem – opino.

Peeta não se manifesta de imediato, mas Buttercup salta para meus braços, o que é suficiente para que ele vá conosco.

— Não vamos nos despedir dos outros? – pergunto.

— Effie e Annie vão ficar mais alguns dias e, com certeza, encontraremos com elas na volta. Acho que a Johanna também decidiu passar um tempo aqui.

— Falando nela… Conta pra mim essa história da Johanna deixando você sem graça na frente da minha mãe.

Peeta narra pelo caminho o que aconteceu no Distrito 4 e, então, fico conhecendo o motivo de ter recebido aqueles telefonemas inusitados das duas.

Minha mãe surge na porta do hotel assim que nos aproximamos da entrada.

— Katniss, Peeta e… Buttercup?! – Seus olhos ficam marejados ao pousarem no gato.

— Logo depois que voltei pra casa, ele veio atrás de Primrose, mãe, e acabou se transformando num companheiro pra mim – explico.

— Isso é tão… Nem sei como definir – fala ela emocionada e afaga o pelo de Buttercup. — Inesperado.

Enxugo algumas de suas lágrimas e minha mãe esboça um sorriso.

— Estou tão feliz por você, filha. – Ela segura meu queixo com carinho e examina a minha face. — Seu pai e sua irmã estariam também.

— Sua presença aqui significou muito pra mim – afirmo.

— Pra nós – enfatiza Peeta e recebe o abraço da minha mãe.

— Toma conta dela, Peeta. Você faz isso?

Sempre - responde ele, olhando pra mim.

— E isso vale pra você também, Katniss. Lembre-se do que conversamos ontem.

— Eu nunca vou me esquecer. – Entrego Buttercup a Peeta e também abraço a minha mãe. — Posso esperar outros conselhos como aqueles?

— Não vou mais sumir, eu prometo. Enfrentei a volta até aqui. Não foi fácil… Não está sendo fácil. – Mais lágrimas rolam por suas bochechas. — Mas eu consegui.

Ela se vira para Peeta.

— Reconheço que, depois de tudo, eu temia a reaproximação de vocês. No entanto, vendo os dois juntos, não poderia imaginar nada mais acertado.

— É uma luta diária, Sra. Everdeen. Cada dia juntos é uma conquista – declara Peeta e ela aquiesce.

Um hóspede do hotel passa pela porta em direção à rua e Buttercup chia, quebrando o breve silêncio que se fez.

— Buttercup continua adorável – brinca minha mãe. — Ele vai com vocês para a casa do lago?

— A princípio, não. A não ser que nos siga pela floresta – respondo.

— Então, ele pode ficar comigo até a hora do meu embarque. – Minha mãe estende os braços para pegá-lo do colo de Peeta. — E pensar que você detestava esse gato, Katniss!

— Buttercup ganhou o meu respeito quando veio do Distrito 13 pra cá. E Prim o adorava…

Minha mãe encara o bichano com um olhar saudoso e, em seguida, beija o meu rosto e o de Peeta.

— Adeus, Sra. Everdeen.

— Até breve, meus filhos. Tenham cuidado.

Dou um último beijo nela e coço as orelhas de Buttercup.

— Não se preocupe, mãe. Até breve.

Eu e Peeta esperamos ela entrar no saguão do hotel e rumamos para a floresta.

Como não é necessário voltar para casa ainda hoje, temos tempo de sobra para fazermos um trajeto um pouco mais longo até o lago, porém repleto de lugares que gostaria que Peeta conhecesse.

A árvore em que meu pai desenhava um alvo para me ensinar a atirar flechas. Os arbustos de frutas silvestres que eu e Gale cercamos para evitar o acesso dos animais. Uma parte rebaixada do solo da floresta, onde eu e meu pai uma vez construímos uma piscina de folhas para eu brincar.

Já perto do lago, paramos debaixo de uma grande oliveira para bebermos água, abrigados do sol.

— Você já foi até o topo daquele monte atrás do lago? – Peeta questiona, indicando um ponto da paisagem à nossa frente.

— Não. Nunca fui muito além da beira do lago.

— Podemos ir até lá? – Peeta indaga.

— Sim! – Eu me animo.

Deixamos nossas bagagens na pequena casa e contornamos o lago. A subida até o monte não é tão íngreme e chegamos ao ponto mais alto sem muitas dificuldades.

No entanto, ainda que a caminhada tivesse sido sacrificante, teria valido a pena, pois, do outro lado, encontramos um enorme campo de dentes-de-leão.

— Essa vista é linda! – Peeta exclama. — Vai render um belo quadro.

— Até hoje, o meu local favorito da floresta era o lago. Agora estou na dúvida – declaro e sinto os braços de Peeta me rodearem por trás.

— Vamos definir assim… O lago é o lugar especial que você guarda no seu coração com carinho, pelas lembranças com o seu pai. Esse campo de dentes-de-leão é o nosso lugar especial.

Viro o corpo para ficar frente a frente com Peeta e dou-lhe um beijo em sinal de concordância.

Está tudo muito calmo, ocasião ideal para apresentar a Peeta uma brincadeira que meu pai fazia muito comigo.

Dou um passo para trás num gesto cauteloso e, levantando uma sobrancelha, digo:

— Não se mexa – uso um tom de voz preocupado.

Peeta corre os olhos por todo o meu rosto e sua expressão se transforma com apreensão.

— Katniss? – Meu silêncio é tudo o que ele tem como resposta. — Há algo errado?

— Não! – Dou um sorriso amplo, o que faz com que Peeta se acalme um pouco, e, sem perder um segundo, começo a correr. — A não ser que você me alcance!

— Katniss! – Ouço o grito atrás de mim.

Com uma risada alta, acelero com incrível rapidez para longe de Peeta.

— Você não vai fugir de mim! – Peeta ameaça, com a voz divertida.

Percebo que chegou o momento de dar o golpe final, que eu treinei tantas vezes com o meu pai. Reduzo um pouco minhas passadas, fingindo exaustão. Com minha visão periférica, eu me certifico de que Peeta nota minha maior lentidão, mas não diminui o ritmo da corrida, sorrindo confiante quando já está bem perto de mim.

Então, eu o surpreendo e desvio para a esquerda, que é a direção do lago.

Peeta fica atordoado com minha manobra repentina. Seu desconcerto atrasa a perseguição em alguns segundos e avanço alguns metros na dianteira.

Olho para trás por curiosidade, mesmo havendo o risco de perder minha vantagem, e vejo que ele me encara com um olhar fulminante, voltando a se mover velozmente, depois de inspirar e expirar o ar pela boca, contrariado.

Logo chego ao nosso pequeno refúgio, com Peeta em meu encalço. Quando estou prestes a pôr meus pés no piso rachado da casa, sinto mãos fortes me erguendo e me girando no ar em seguida.

Meus olhos agora estão mirando as copas das árvores que cercam o lago e minhas costas se chocam contra a superfície macia da areia úmida que cobre a margem.

Sem conseguir parar de rir, vejo o rosto de Peeta surgir diante do meu e enterrar-se em meu pescoço. O seu corpo firme me cobre, vibrando em razão das suas risadas também incessantes.

Ele ergue sua cabeça e consigo ver seus olhos, que se acendem com a fagulha de desejo que já está se tornando familiar pra mim. Meu riso vai sumindo aos poucos.

Fico perdida nos azuis penetrantes, até fechar meus olhos para receber o beijo ardente que seus lábios me reservam.

Sua boca faz uma trilha úmida desde o meu queixo até minha clavícula.

— Você não ganhou essa perseguição, Mellark. – Meus polegares acariciam suavemente suas bochechas ruborizadas pela corrida.

— É lógico que ganhei! Sou eu que estou no terreno inimigo e minha oponente está completamente dominada! E eu vou demonstrar isso agora mesmo, Everdeen! – Ele impede que eu dê uma resposta insolente ao me beijar com um misto de fervor e carinho.

Depois, passo as mãos por seus cabelos, observando seu rosto e os galhos das árvores ao nosso redor, que nos protegem como uma redoma, e tenho a impressão de que a natureza confirma que fomos feitos um para o outro.

Eu e ele. Partidos, quando separados, mas inteiros, quando unidos como um só.

Entretida em meus pensamentos, só então me dou conta de que Peeta não consegue tirar os olhos de mim.

— Eu me rendo, Everdeen. Você vai sempre sair vencedora!

E Peeta apenas solidifica o que estou sentindo.

Encontrei a vida de uma vitoriosa.

 


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!
O final de ano está chegando, o ritmo no trabalho está frenético, as férias escolares do meu filho se aproximam... Tudo isso junto é sinônimo de falta de tempo pra escrever.
Então, não se preocupem se eu demorar a postar. Darei continuidade sempre que possível!
OBS: A perseguição na floresta foi ligeiramente inspirada numa cena semelhante do livro Dulce Enemistad. Pra quem lê em espanhol e gosta de romances históricos, fica a sugestão de leitura.
Beijos!
Isabela