A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 30
Nascer


Notas iniciais do capítulo

Capítulo inspirado na música linda da Isadora Canto - Nascer:

"É a hora esperada, vamos nos conhecer
Vou olhar em sua alma e amar-te ainda mais
Agora quero ver você nascer
Agora somos eu e você
Vamos nos preparar
O momento vai chegar
O momento vai chegar
O momento vai chegar
Nascer..."

Deu pra entender o que vai acontecer, né?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/696420/chapter/30

 

 

Por Peeta

Levanto-me às sete da manhã. O dia está lindo e quente, de modo que a claridade do sol ilumina toda a casa. Annie já se encontra na cozinha, comendo algumas frutas.

— Já está acordada? Está tudo bem? – pergunto após encontrá-la.

— Despertei cedo. Estava sentindo cólicas leves e não consegui mais dormir.

— Será que é hoje, Annie? – Fico logo alerta.

— Talvez o Finnick nasça hoje mesmo – diz ela com tranquilidade. — Estou pressentindo que o trabalho de parto em breve vai começar.

Lanço para ela um olhar tenso, porém logo me recomponho. A última coisa que posso fazer é demonstrar nervosismo.

— Você quer cancelar o passeio? – indago, pois havíamos combinado com o Max, a Johanna e a Dra. Ceres de irmos à praia. 

Johanna decidiu que é hora de enfrentar os traumas que adquiriu durante o período em que estávamos em poder da Capital.

— Não é necessário. Pode continuar com os preparativos. Acho que ainda há tempo de ir até o mar uma última vez antes de o bebê nascer.

— Na verdade, já aprontei tudo para o piquenique. Vou apenas deixar uma massa de biscoitos pronta para assar na hora do lanche da tarde.

— Que ótimo! Vamos esperar os outros chegarem, então. – Annie termina de comer e se dirige até a pia com a louça.

— Eu lavo, Ann. Pode terminar de se arrumar. – Assumo as tarefas na pia da cozinha antes que Annie o faça.

Logo depois, tomo meu café da manhã, separo os ingredientes para preparar os biscoitos e começo a misturá-los.

— Mas que belo espetáculo, padeiro! Nem queira saber o que estou pensando só de ver você com as mãos nessa massa. – Johanna entra na cozinha e se posiciona ao meu lado, apoiando os cotovelos no balcão para me encarar. — Vai me dizer que a desmiolada nunca agarrou você numa situação dessas?

— Não. Até hoje, só fiz biscoitos puros e castos— brinco, sentindo minha face começar a enrubescer.

— Ah, mas é claro que Katniss não facilitaria as coisas pra você! – Johanna ergue o tronco, decidida. — Vou ter uma bela conversa com ela.

— Você vai assustá-la, isso sim. E vai ser sua a culpa por eu morrer virgem— lamento e ela cai na risada.

— Meu querido padeiro, virgem e inocente… Você vai é me agradecer! – Johanna pisca pra mim.

Não satisfeita, ela pega um pouco da massa que está no balcão e começa a manuseá-la, imitando meus movimentos.

— Aposto que você está aí amassando isso e pensando nela. – Ela joga a cabeça para um lado e para o outro, balbuciando as palavras de um modo provocante, enquanto enrola a massa desajeitadamente. — Oooh, garota em chamas, você é tão macia… Oooh, eu quero apertar você assim, Katniss.

Ouço uma tosse forçada vindo da porta. Meu riso se interrompe de imediato.

É a Sra. Everdeen quem está de pé na soleira. Agora é que fico vermelho como um tomate, enquanto Johanna parece nem se incomodar.

— Bom dia, Sra. Everdeen! Vai conosco à praia? – pergunta ela.

— Não. Eu vim ajudar a Sandy a ajeitar a casa para a chegada do bebê. Ele deve nascer logo e é bom que, quando chegar a hora, esteja tudo em ordem com roupinhas, lençóis… Essas coisas.

— Sandy ainda não chegou – aviso, sem conseguir olhar pra frente.

Johanna bate as mãos uma na outra, espalhando farinha pelo ar, e sai, deixando-me sozinho com a Sra. Everdeen. Peço internamente com todas as minhas forças que ela não tenha ouvido a conversa que eu estava tendo com Johanna. Porém, ela escutou.

— Peeta, não se preocupe. Eu me comprometo a ter aquela conversa com Katniss. Não posso deixar isso a cargo apenas da Johanna. – A Sra. Everdeen me comunica antes de voltar para o corredor que leva até a sala.

Fico com os olhos presos na minha tarefa. Nunca demonstrei tanto interesse em cortar uma massa de biscoitos.

Distribuo a massa crua já nos formatos dos biscoitos em alguns tabuleiros e pego os cestos onde guardei as comidas e as bebidas que vamos levar para a praia.

Todos já estão no quintal da frente. Dessa vez, Maximus leva Annie pela areia até próximo da água.

A Dra. Ceres estende algumas toalhas no chão e todos se acomodam, exceto Annie, que fica numa cadeira de praia.

Eu me sento na areia mesmo, um pouco afastado, com o mar aberto à minha frente. Ainda estou triste pela conversa que tive com Katniss por telefone. A saudade dela me assola. Uma saudade que dói em meu peito.

Sempre fui de fazer drama com as coisas, porém nada se compara à comiseração que estou sentindo por mim mesmo por estar longe de Katniss e, principalmente, por haver esse mal entendido entre nós.

— Você está bem? – A Dra. Ceres caminha até onde estou e indaga, percebendo meu estado de espírito.

Tento respirar fundo para me acalmar, mas não consigo esse efeito.

— Não. – Olho pra baixo.

— Você está péssimo mesmo. – Ela se senta ao meu lado. — Se você me permite, Peeta, eu gostaria de esquecer meu profissionalismo por um instante.

— É claro que permito – digo, subitamente ansioso para que ela compartilhe sua sabedoria comigo.

— Você me conheceu como sua médica, certo? Depois, passei a ser mais uma espécie de conselheira pra você. Mas, antes de ser qualquer uma dessas coisas, eu sou uma mulher. O que vou dizer agora não significa que estou tomando o partido de ninguém, mas eu entendo a Katniss. – A Dra. Ceres percebe que eu deixo de olhar o chão para me virar em sua direção. — Com toda certeza, posso afirmar que Katniss está insegura.

— Eu sei.

— Mesmo convivendo com você e com a Annie e sabendo o que realmente se passa entre vocês, não posso negar que aquelas imagens deram um nó em minha cabeça. É assim que esse tipo de reportagem funciona. A imprensa quer que as pessoas acreditem naquela informação e divulga as fotos nos ângulos exatos, fazendo parecer real uma situação que não existe. Eu imagino o estrago que as fotos não fizeram na mente dela!

— Não sei o que fazer pra consertar esse estrago.

— Você não pode perder as esperanças. No fundo, Katniss sabe das suas razões para esta viagem. Ela sabe que é uma atitude extremamente generosa da sua parte.

Engulo em seco e balanço a cabeça.

— Annie conversou com ela e me disse que o resultado foi positivo, mas não acredito que Katniss tenha falado realmente tudo o que estava pensando a meu respeito, para não assustar a Annie. Acho que nossa situação está longe de ser resolvida.

— Jogue o jogo deles, dando as notícias que eles querem divulgar, mas com a versão verdadeira dos fatos – opina ela.

— Essa é mesmo uma ótima ideia. – Eu me sinto animado com essa possibilidade. — Só preciso encontrar a oportunidade… E se eu não encontrar? Nas suas pesquisas, Dra. Ceres, você não poderia inventar um remédio que ajude a Katniss a acreditar no que digo a ela?

— Mesmo se existisse esse remédio, essa não seria a melhor forma de convencimento, concorda? – A Dra. Ceres joga um punhado de areia em mim.

— Mas é claro que esse remédio não existe! Senão você teria dado uma dose para o médico apaixonado, não é? – falo, quando percebo ao longe o Dr. Augustus caminhando na beira da praia, e aponto para que ela o veja também.

Dra. Ceres desvia os olhos para onde estou indicando e fica corada.

— Ele se declarou pra mim ontem. Foi tudo muito rápido.

— Nem tanto. Ele já a admira há algum tempo, Dra. Ceres.

— Apenas profissionalmente.

— Mas ele deu a entender que acha você muito bonita…

— Há a diferença de idade também. – Ela finge não ter ouvido meu último comentário.

A Dra. Ceres fica em silêncio por um momento, enquanto observa o médico se aproximar, depois me diz:

— Estou sozinha há bastante tempo, por opção. Por que agora essa solidão começou a me incomodar tanto?

— Não posso dizer com exatidão o que isso significa. Mas isso é um começo… Aliás, um ótimo começo. – Eu me ergo do chão, para que o Dr. Augustus tome o meu lugar, o que não demora a acontecer.

Vou até onde estão os outros. Ainda na areia, Johanna está resistente em se aproximar do mar. Ela se faz de durona, porém é fácil saber quando algo a perturba.

— Olhe ao seu redor. Você está cercada de pessoas que somente querem o seu bem! – Annie a incentiva.

— Você tem que tentar substituir as recordações ruins por lembranças boas. Foi mais ou menos o que Prim fez comigo para me ajudar com as memórias do telessequestro. – Eu me manifesto também.

— Vem. Vamos fazer isso agora. – Max a puxa pela mão com carinho e a leva até a beira do mar.

Não é fácil para ela. Agora Max segura as duas mãos trêmulas de Johanna e anda devagar, acompanhando os passos vacilantes dela, até suas pernas estarem quase cobertas pela água.

— Você está conseguindo, Jo! – Annie continua a encorajá-la, de pé ao meu lado na areia.

Max enxuga as lágrimas que descem incessantemente pelo rosto de Johanna e se abaixa com as mãos em concha para pegar água e molhar cuidadosamente os ombros e os braços dela, até Johanna parar de tremer. Quando Max distingue um sorriso que ela dá, ainda que sem muita convicção, não hesita em pegá-la no colo, para depois ajudá-la a mergulhar.

Johanna submerge e rapidamente volta à superfície. Sua expressão satisfeita ao emergir deixa a todos aliviados. Annie bate palmas animadamente, mas, de repente, leva uma das mãos ao ventre e estende a outra mão para mim, como se estivesse sentindo algo diferente.

Eu a amparo e aguardo alguns segundos para ela se restabelecer. Olhando pra mim, Annie aponta para o mar.

— Você me leva até ali?

No momento em que a água cobre seus pés, Annie fecha os olhos com força, como se fizesse uma oração, pedindo proteção para ela e para o bebê, reunindo forças para dar tudo certo.

— Eu me sinto preparada. Esse é o momento que ele escolheu para chegar.

Vejo Annie apoiar a novamente a mão em sua barriga. Começam as contrações, que continuam ainda sem ritmo, espaçadas e, segundo Annie, totalmente toleráveis.

— Pode ser mais um alarme falso, mas é melhor todos irmos para casa – orienta o Dr. Augustus, depois que percebe as reações de Annie. — Você toma um banho e observa se as contrações evoluem ou não.

Todos acatam o conselho do médico. Chegando à casa, encontro Sandy e a Sra. Everdeen no quarto de Annie.

— Vocês podem ajudá-la a se banhar? – peço. — Ela já teve algumas contrações.

Elas se entreolham, sorriem e se prontificam a auxiliá-la.

Depois que eu e Annie estamos prontos e reunidos na sala de estar com Sandy e a Sra. Everdeen, as contrações se intensificam e começam a pegar ritmo, em intervalos e duração regulares. Aparentemente, são um pouco mais dolorosas.

Sandy serve um lanche e Annie come um pouco. Em seguida, chegam Max, Johanna, Dra. Ceres e Dr. Augustus, acompanhado de um pediatra e uma enfermeira. A equipe médica leva Annie ao quarto para que avaliem como está avançando a dilatação. Ao voltarem para a sala, o Dr. Augustus anuncia:

— Para quem tinha alguma dúvida, é hoje que o bebê vai nascer!

Annie senta-se perto de mim e eu seguro sua mão. A Dra. Ceres toma o lugar ao lado oposto.

— Ouça as necessidades do seu corpo, siga os seus instintos. Não precisa ter vergonha. É da mulher o papel principal na hora do parto, não do médico ou dos enfermeiros – declara a Dra. Ceres e fita o Dr. Augustus, que não parece discordar e apenas olha admirado para ela.

— É você quem vai dizer quais posições são mais confortáveis. É você quem decide se quer deitar, caminhar, até mesmo comer. Nós estaremos aqui para dar todo o suporte. – A Sra. Everdeen também a aconselha, com toda a sua experiência.

— Se alguma coisa sair do controle, temos uma ambulância de prontidão para garantir um transporte rápido e seguro para o hospital – comunica o Dr. Augustus. — Mas faremos de tudo para que isso não seja preciso.

De tempos em tempos, Max monitora os batimentos cardíacos do bebê, para acompanhar se ele está bem. Dra. Ceres está sempre atenta para deixar a Annie o mais confortável possível, incentivando-a a caminhar e a mudar de posição. A Sra. Everdeen a mantém hidratada, oferecendo água e suco de vez em quando.

As contrações vão se intensificando, conforme avançam as horas, e é visível a dor que Annie sente.

— A dor do parto é diferente de todas as outras. Enquanto as outras dores indicam que algo não vai bem com o nosso corpo, a dor durante o trabalho de parto produz os hormônios que ajudarão no nascimento do bebê. – Dra. Ceres a tranquiliza. — Então, tenha isso em mente.

Tais palavras foram o suficiente para fazer Annie manter o pensamento positivo. Assim, depois de cada contorção dolorida, ela pronuncia frases como: “Essa já passou! Menos uma contração pra eu enfrentar!” ou “Sua chegada está cada vez mais próxima, filho.”

— Você está se saindo muito bem, Annie! – Eu a encorajo também.

Johanna prepara uma compressa gelada e eu aplico na testa de Annie. Uma contração bem forte a atinge e, dessa vez, a bolsa estoura.

Chega a hora de ir para a piscina e, antes de terminarem de enchê-la, eu saio de cena, indo para a cozinha. Fico quieto, auxiliando Sandy a esquentar água em alguns recipientes, para que a temperatura seja mantida aquecida na piscina. Sei que as contrações continuam, intensas e lancinantes, pois ouço a voz suave da Dra. Ceres acalmando e, ao mesmo tempo, incentivando Annie a não desanimar.

— Você não quer ficar lá ao lado da Annie? – Max vem até mim para perguntar.

— Eu quero, mas ela deve estar nua para dar à luz e, depois, para amamentar. Não quero constrangê-la ou…

— Annie está submersa na água e está usando uma camisola bem decente. E, mesmo que não estivesse, é o nascimento de uma criança, Peeta! – exclama ele.

— O enfermeiro Maximus tem razão. É algo muito maior que qualquer pudor, meu querido… – A Sra. Everdeen diz pra mim ao entrar na cozinha atrás dele. — Pode acreditar que o que Annie mais precisa é ter o seu apoio agora.

Concordo com a cabeça e estou me dirigindo de volta à sala, quando Johanna esbarra em meu ombro sem querer, vindo atrás de Max com uma cara nada boa.

— Escuta aqui, grandalhão! – Johanna bate no braço do namorado. — Você nunca, jamais vai me fazer passar por aquilo ali!

Eu já ia lançar um olhar compreensivo para Max, quando vejo que o que Johanna lhe diz aparentemente não o preocupa.

— Vamos ter essa conversa depois que o bebê nascer, tudo bem, Johanna?

— Eu estou falando sério, Maximus! – Ela aponta o dedo para ele, que beija a mão dela antes que ela a abaixe. — Já estamos conversados!

— A-hã… Sei… – Ele demonstra sua descrença no que ela acabou de dizer e volta para a sala, enquanto Johanna bufa.

— Acalme-se e vamos ajudar a Annie, Jo – convoco e ela demora um pouco a responder.

— Vamos sim. – Johanna, por fim, respira profundamente e me segue.

Posiciono dois bancos perto da piscina, um para mim e outro para Johanna, de modo que Annie possa estender cada uma de suas mãos para um de nós dois, quando quiser.

— A dor é muito intensa. Mas eu não quero ser tirada daqui até o Finnick nascer. Vocês me ajudaram tanto a tê-lo em casa. Tenho que suportar – desabafa Annie assim que nos sentamos.

Ela está tremendo. Seus dedos agarram as bordas da piscina. Apoio minha mão sobre a dela e ela imediatamente a segura. Vou tentar conversar para distraí-la. Parece uma boa ideia.

— Vou contar uma história engraçada… Certa vez, quando eu tinha quatorze anos, na aula de artes, a professora não passou nenhuma tarefa específica. Ela disse que era dia de desenho livre e nos levou para o pátio da escola. Eu já havia feito em casa algumas gravuras de Katniss, mas não ia perder a oportunidade de desenhá-la enquanto podia olhar diretamente pra ela. Então, eu fiz de tudo para me sentar de frente para Katniss – narro no intervalo entre contrações e Annie me observa em expectativa. — Eu estava muito satisfeito com o que desenhei. Ela estava linda, como sempre, concentrada no que estava pintando. Até que a professora avisou que nossos desenhos fariam parte de uma exposição na escola. Fiquei apavorado e rapidamente troquei meu desenho pelo que Delly fez, antes que a professora recolhesse os papéis.

Fico calado quando sinto Annie apertar mais forte a minha mão e contrair um pouco o rosto. Passados alguns segundos assim, ela afrouxa o aperto, respirando devagar.

— Conta o restante, Peeta – pede Annie, mas os outros também me olham atentos, aguardando o desfecho.

— A parte humilhante da história, você quer dizer, não é? Pois bem… Nem deu tempo de ver o que Delly havia desenhado. Escrevi meu nome no verso da folha e adivinhem o que eu vi quando virei o papel para entregar à professora?

— O que foi? – Max já está rindo por antecipação.

— Delly estava numa fase em que queria imitar os estilistas da Capital e desenhou um vestido cheio de babados coloridos, com uns corações em volta – falo e todos caem na gargalhada.

— Sinceramente, não sei o que foi pior! – Johanna debocha.

— E como Delly explicou o desenho que fez de Katniss? – Dra. Ceres pergunta.

— Delly se saiu bem. Disse que desenhou o que estava vendo à frente dela. Mas acho que Katniss nem notou que havia sido retratada. Ela sempre foi tão reservada – digo e encontro os olhos um pouco marejados da Sra. Everdeen.

Fico feliz por fazer Annie rir um pouco, mas logo a risada dela se transforma numa careta de dor, quando começa outra contração.

Ela encosta a cabeça na borda, respira fundo, calmamente. Em todo esse período de contrações, Annie demonstra uma serenidade que surpreende.

— Falta pouco! – Dr. Augustus avisa confiante. — Está chegando a hora de fazer força, Annie!

Nos primeiros esforços, nada de diferente acontece. Porém, não demora muito, a Dra. Ceres vibra:

— O bebê coroou, Annie! Continue inspirando e expirando. Quando a contração vier, faça mais força e logo o Finnick estará nos seus braços.

Ela se sente realmente incentivada e continua colaborando corajosamente, apesar do cansaço estampado em seu rosto. Ela inspira com força e expira vagarosamente. A partir desse momento, não se ouve a voz de mais ninguém. Os protagonistas do parto passam a ser, efetivamente, Annie, seus instintos e o bebê.

— Eu quero tanto ver seu rostinho, filho – diz Annie com voz doce, ainda que entrecortada pela dor. — Vem, Finn!

E ele vem… Annie tira a criança de dentro d'água. Ouço um chorinho leve e, imediatamente, Annie abraça o bebê, colocando-o sobre ela.

— Seja bem-vindo, meu filho… Meu pequeno Finnick.

Pronto. Não há mais choro. Aliás, apenas cessa o pranto do bebê, pois todos no recinto estão com as faces banhadas em lágrimas. É um dos momentos mais maravilhosos que eu já presenciei na vida e que vai ficar eternamente gravado em minhas lembranças.

— Você nasceu cercado de tanta proteção, meu amor. É como se eu tivesse esperado a vida inteira para guardar você em meus braços – Annie continua conversando e ninando o filho.

Nenhum de nós consegue parar de olhar o bebê: pequenino, frágil, tranquilo e… perfeito.

A Sra. Everdeen cobre o seu corpinho com um lençol pequeno, ainda dentro da piscina. Annie acaricia seus pezinhos e pega em suas mãos minúsculas.

Ela arrisca amamentá-lo e, instintivamente, ele cheira a mãe para, logo depois de algumas tentativas meio sem jeito, conseguir se alimentar.

Ninguém ousa interromper aquele momento sagrado e até nos afastamos um pouco, indo para o corredor, deixando mãe e filho um pouco a sós. Eu ainda consigo acompanhar a cena de onde estou. É completamente fascinante.

Apenas os médicos e a Sra. Everdeen permanecem com Annie e a ajudam a sair da piscina para se deitar no sofá da sala, forrado com antecedência por Sandy, que colocou também à disposição da equipe médica muitos lençóis limpos e toalhas.

Pelo que escuto das conversas entre o Dr. Augustus, a Dra. Ceres e a Sra. Everdeen, eles estão apenas esperando a placenta sair, bem como aguardam o cordão umbilical parar de pulsar para ser cortado.

Observo Johanna e Max se abraçando ao meu lado, emocionados, e ela pergunta:

— Quando é que nós podemos encomendar o nosso filhote?

Ele arregala os olhos e se afasta para poder ficar de frente para ela.

— Eu imaginei que, no final do dia, você apenas mudaria de ideia sobre nunca ter filhos. Pelo visto, a experiência foi transformadora mesmo… Jo, você já está até fazendo planos!

A Sra. Everdeen vai em direção à cozinha em busca de Sandy e a conduz a caminho da sala. Eu a escuto dizer:

— Sandy, Annie perguntou se você poderia cortar o cordão umbilical.

— Eu? – Sandy se espanta. — Será uma honra.

A incansável senhora enxuga as mãos no seu avental e segue a Sra. Everdeen com um grande sorriso. Ela atuou de forma discreta, mas fundamental, durante todo o trabalho de parto, e também muito antes disso. Então, eu admiro a sensibilidade de Annie ao homenageá-la nesse momento que marca o instante em que, finalmente, o bebê começa a viver separado da mãe.

— Faria tudo de novo pra ter você aqui comigo, filho – declara Annie entre lágrimas, não mais de dor.

Não só eu, como a equipe médica também, aprendemos que nada deve atrapalhar os primeiros instantes de vida do bebê e da mãe. Eles devem ter a chance de ficar o tempo que quiserem juntos, respirando, descansando de todo o esforço, conhecendo e reconhecendo um ao outro, descobrindo esse amor que já existia desde o ventre, mas que desabrocha a cada toque e em cada olhar.

Por isso, quando Finnick termina de mamar, fica ainda um bom tempo aconchegado no colo da mãe e somente depois o pediatra, que descobri se chamar Dr. Aureus, pede para examiná-lo e pesá-lo.

O pequeno é uma graça e nasceu cheio de saúde. Sandy o enxuga bem, põe a primeira fralda e veste nele uma roupinha confortável.

Enquanto isso, na sala, o Dr. Augustus verifica se está tudo bem com Annie.

Quando tudo parece mais calmo, o Dr. Augustus está visivelmente emocionado e, sem se conter, segura uma das mãos da Dra. Ceres com a mão esquerda, enquanto com a direita apoia as costas dela.

— Você me fez vivenciar o momento mais marcante da minha vida. E não estou falando somente do ponto de vista profissional.

— Já você… Foi perfeito durante todo o tempo. E não estou falando somente do ponto de vista profissional— admite a Dra. Ceres.

Como eles não percebem que posso observá-los de onde estou, vou para outro ponto do corredor rapidamente, antes que eu presencie a cena romântica que imagino que vá acontecer. Encontro a Sra. Everdeen no caminho.

— Como a senhora disse, o nascimento de uma criança é algo muito maior que qualquer pudor – digo, tomando-lhe das mãos os lençóis limpos que ela estava levando para o quarto de Annie. — A ligação que eu vi se formar ali, diante dos meus olhos, entre Annie e o filho dela, não pode desaparecer, mesmo depois que esse bebê crescer… A senhora tem uma filha já crescida, mas que precisa restabelecer esse vínculo tanto quanto o pequeno Finnick precisa do carinho e dos cuidados da mãe dele.

Ela não me responde. No entanto, assim que percebe que sua ajuda não é mais tão necessária, a Sra. Everdeen se despede para ir à sua casa.

— Vou falar com Katniss hoje ainda, Peeta, o quanto antes – avisa ela e me sinto feliz por mãe e filha.

Enquanto Annie descansa com o bebê no quarto, coloco os biscoitos que preparei para assar e, após, celebramos juntos o nascimento de Finnick. Duas horas mais tarde, Annie acorda faminta e eu sirvo a refeição leve que Sandy fez para ela.

Depois que o Dr. Augustus e o Dr. Aureus checam as boas condições físicas de Annie e do bebê, nossos amigos e a equipe médica vão embora.

Nessa noite, durmo no sofá da sala, para ficar mais fácil de ajudar a Annie, caso ela precise de mim até o amanhecer, quando Sandy retornará.

Por fim, a casa fica quieta. É a mesma casa, só que mais completa, com um novo ser, tão pequenino, porém capaz de enchê-la de amor e de alegria… E de um chorinho sentido de vez em quando, cujas causas ainda precisamos aprender a decifrar.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Com o passar dos dias, a rotina fica completamente diferente. Cuidar de um recém-nascido é trabalhoso e exige muita paciência e dedicação, não só para o bem-estar do bebê, mas também da mãe.

A recuperação de Annie após o parto foi bastante rápida, o que foi algo muito positivo para ela assumir com confiança as inúmeras responsabilidades que acompanham a maternidade.

Sandy é zelosa a ponto de ter abandonado temporariamente a própria casa para passar os dias e as noites com Annie e o bebê.

Eu tento ajudar em tudo. Os banhos de sol pela manhã são por minha conta, pra que Annie possa descansar. 

Finnick é tão calminho que Sandy não se preocupa em deixá-lo a sós comigo e aproveita esses momentos em que fico curtindo o bebê para se recuperar da fadiga também.

Estou sentado no chão da varanda com Finn deitado em minhas pernas, como sempre fico.

Mesmo sendo tão novinho, já é possível distinguir nele as feições de seu pai. O cabelo avermelhado é a única coisa que puxou de Annie.

Finn olha pra mim com seus olhos verdes, que acompanham com muita atenção cada movimento e reagem a cada palavra que lhe digo. Estou tão absorto em observá-lo que não vejo Johanna irromper quintal adentro.

— Peeta, olha isso! – ela fala alto e eu e Finn nos sobressaltamos um pouco.

O bebê faz uma carinha de choro pelo susto e os olhinhos curiosos logo procuram a dona da voz.

— Shhh, Jo! Fale mais baixo.

— Own… Oi, fofura. – Ela se abaixa e mexe na barriga dele, que logo se agita alegremente, não mais querendo chorar. — Você já sabe que esse é o jeito da Tia Jo, não é?

— O que você quer me mostrar? – pergunto.

— Mais fotos invasivas. – Ela me mostra uma revista com imagens de todos nós.

Os vários retratos têm em comum o fato de estarmos com Finn no colo. Num deles, eu apareço nessa mesma posição em que estou.

— Hoje eu pego esse fotógrafo! – Johanna olha para mim e, em seguida, analisa a revista. — Essa foto só pode ter sido tirada daquela direção.

Ela indica um ponto da praia onde há apenas uma árvore frondosa e, mais adiante, uma embarcação aparentemente abandonada.

— Será que alguém se esconde naquele barco ali na frente? Ou… Como não pensei nisso antes? Na árvore! – Johanna joga a revista sobre uma cadeira e corre até sua casa.

Não demora muito, ela sai com um machado na mão. Mais do que rapidamente, levo Finn para os braços da mãe e saio para alcançar Johanna e evitar uma tragédia.

Apoiada no tronco da árvore, ela esbraveja, olhando para cima.

— Desce agora, antes que eu derrube essa árvore com você aí em cima mesmo!

— Calma, Jo! Ele não vai querer descer com você segurando isso. Deixa que eu converso com ele. Tenho um plano. – Tento dissuadi-la.

— Tudo bem – fala ela entredentes para mim, porém depois volta a gritar com o homem no alto da árvore. — Eu vou deixar o meu machado na minha casa, mas não ouse fugir, porque eu alcanço você!

Johanna vai até sua casa e eu o chamo:

— Pode vir até aqui. Vou fazer uma proposta a você.

Ele desce os galhos da árvore com facilidade e se posta à minha frente, estendendo a mão pra mim.

— Meu nome é Agilis Frame. Sou repórter fotográfico.

— Você tem noção dos problemas que me causou por conta daquela notícia falsa que foi divulgada? – Apenas olho para sua mão esticada e ele a recolhe.

— Só deduzi…

— Deduziu errado, Sr. Frame! – Eu o corto duramente. — Mas acho que temos uma chance de corrigir esse equívoco e você não será prejudicado. Eu garanto.

— Estou ouvindo. – Ele me olha fixamente, parecendo interessado.

— Na próxima quinta-feira, quando o filho da Annie completa quinze dias de vida, ela fará o ritual de apresentação dele ao mar. É um costume do Distrito 4. Posso tentar convencê-la a deixar que você seja o fotógrafo oficial da celebração.

— E o que quer em troca?

— A promessa de que vai deixá-la em paz depois. Mas não é só isso. – Faço uma pausa intencional. — Quero também uma entrevista, ao vivo, para que não haja nenhuma edição. E é fundamental que ela aconteça antes de quinta-feira.

— Sua proposta é irrecusável. – Ele novamente ergue a mão e, dessa vez, eu a aperto. — Fechado. Apenas preciso fazer alguns contatos e já respondo quando poderá acontecer a entrevista.

— Só não posso prometer que Annie vai concordar com a primeira parte do acordo.

— Isso seria apenas um bônus. Não abro mão dessa entrevista por motivo nenhum.

O fotógrafo se afasta. Vou até onde está Johanna, que me encara revoltada.

— Você deixou que ele fugisse?

— Ele vai voltar – afirmo e, em seguida, explico o acordo que fiz com Agilis, o qual ela aprova.

— Você ofereceu tudo o que ele queria, mas de um jeito em que você pode usar as armas dele a seu favor.

— Assim espero, Jo – afirmo confiante. — Assim espero.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Para escrever sobre o parto na água, usei muitas referências dos relatos que encontrei nos sites:

www.partodoprincipio.com.br

https://conversandocombernardo.wordpress.com/

Espero que tenham gostado!

Beijos!

Isabela