A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 28
28. No Distrito 4




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Por Peeta

A viagem para o Distrito 4 transcorre sem contratempos, só não é tão rápida quanto o trajeto do trem que vai direto até a Capital, pois o comboio em que estou vai parando nas estações de todos os distritos para embarque e desembarque de passageiros.

A previsão de chegada ao meu destino é no início da tarde do dia seguinte à minha partida. Logo depois que o almoço começa a ser servido, é anunciado que o Distrito 4 está próximo. Faço uma refeição rápida e reúno os meus pertences.

O relógio da estação marca o horário de uma e meia da tarde quando saio do vagão. A estação de trem fica bem distante da Aldeia dos Vitoriosos no Distrito 4. Ao menos, é o que indica o mapa fixado na saída de passageiros.

É a primeira diferença que percebo em relação ao Distrito 12, no qual é possível ir caminhando para praticamente todos os principais lugares da cidade. Ainda estou sem saber como fazer para ir para a Aldeia, quando surge um homem uniformizado, oferecendo serviço de transporte, o qual eu aceito.

Ele me pede para informar meu destino e, quando digo o endereço, o rosto dele se volta para mim com mais atenção e percebo que me reconhece.

— Peeta Mellark. — O motorista demonstra saber quem eu sou. — Esse é o número da casa da Annie Cresta, agora Annie Odair, não é?

— Sim, é esse mesmo.

— Há repórteres por toda a parte atrás de notícias do bebê do Finnick e da Annie. — Ele faz um meneio de cabeça, indicando um grupo de profissionais da imprensa num local estratégico da estação. — Acho que eles já descobriram você.

— Obrigado por me alertar. — Caminho em silêncio ao lado do homem e, pela minha visão periférica, observo a movimentação dos jornalistas, que filmam e tiram fotos.

Felizmente, o veículo dele não está muito distante. Já dentro do carro e olhando a paisagem pelo percurso, reparo que pouca coisa mudou nos arredores desde a Turnê da Vitória, um sinal de que esta parte do Distrito 4 não foi tão atingida durante a guerra.

A Aldeia dos Vitoriosos do Distrito 4 fica numa península, bem destacada do resto da cidade, e é composta de lindas e grandes casas, todas voltadas para o mar. O motorista me deixa em frente ao número da casa da Annie.

Ao contrário das residências do Distrito 12, o quintal circunda toda a área térrea, cercada de varandas. Então, não há como bater à porta antes de entrar na propriedade. Toco o sino que fica no portão.

Uma senhora de meia idade vem me atender com um grande sorriso no rosto.

— Seja bem-vindo, Peeta! Sou a Sandy — apresenta–se ela. — Eu cuidava da casa de alguns vitoriosos desde muito tempo. Agora, posso me dedicar exclusivamente à Annie.

— Muito prazer em conhecê-la — cumprimento–a, enquanto Sandy abre o portão.

— Annie está muito ansiosa por sua chegada! E os outros também.

— Johanna e Max?

— Sim! Daqui a pouco, eles devem chegar por aí. Além disso, mais tarde, a Annie vai receber a visita do Dr. Augustus, o obstetra dela, que está sempre por aqui, pois se mudou para a casa que era da Mags. É provável que ele venha acompanhado da Sra. Everdeen, que você deve conhecer bem — afirma ela e assinto.

— Ela está bem? — Tento obter mais informações sobre a mãe de Katniss.

— É difícil dizer. A Sra. Everdeen não é muito de sorrir ou de conversar. Só sei que ela trabalha muito e se dedica bastante ao hospital e ao cuidado de algumas pessoas da nossa vizinhança.

— A casa dela fica perto daqui?

— Eu e ela moramos na mesma rua. São uns quinze minutos de caminhada depois da saída da Aldeia. Fica muito próxima ao novo hospital — explica Sandy, enquanto me ajuda com a bagagem mais leve e me conduz ao interior da sala de estar, que é bastante aconchegante, decorada com simplicidade e bom gosto.

— Annie está na cozinha. Ela estava usando o liquidificador. Acho que, por isso, não ouviu a campainha. — Sandy faz com que eu solte minhas malas e sinaliza para que eu vá até lá.

Sigo em frente e me deparo com a bela ruiva de cabelos compridos, conversando carinhosamente com sua enorme barriga:

— Mamãe já vai lanchar, Finnick. — Sua voz suave me lembra dos momentos em que ela tentava me consolar, durante o tempo em que estivemos em poder da Capital.

— Olá! — saúdo em tom baixo, para não sobressaltá-la. — O bebê já está dando trabalho à mamãe? Mexendo muito e pedindo comida?

— Peeta... que bom que está aqui! — Ela sorri, sua doçura transbordando de seus olhos, e estende a mão para que eu possa segurá-la. — Respondendo à sua pergunta, estou lanchando, justamente porque o Finn está quieto demais. Um sinal de que ele já está se preparando pra chegar.

— Ah, é? Não sabia que, no final da gravidez, o bebê não se mexe tanto quanto antes.

— Como dizem, ele já está encaixado, além de estar grandão e com menos espaço — esclarece ela. — Então, fiz uma vitamina de banana, pra ver se ele se anima um pouco, e também pra evitar as cãibras que comecei a ter nesse fim de gestação. Segundo a Sandy, bananas ajudam nisso... Anota essa dica, pra quando você e sua futura esposa estiverem grávidos.

Annie percebe pela minha expressão que o comentário me deixa triste. Não consigo disfarçar. Por isso, antes que ela pergunte o motivo, mudo de assunto:

— Eu lhe trouxe um presente! Vou pegá-lo enquanto você faz o seu lanche.

Busco o grande embrulho que transportei com todo o cuidado na viagem, depositando-o sobre a mesa da cozinha para que ela possa abri-lo.

— Está fácil de adivinhar que é um quadro. Por isso, a surpresa é só por conta do que pintei — falo com expectativa.

— Quero ver o que você retratou! — Annie tira rapidamente o papel que envolve a moldura. — Ou quem.

Seus olhos pousam na pintura e imediatamente ficam úmidos. No entanto, um sorriso escapa de seus lábios antes de as primeiras lágrimas rolarem. Depois de algum tempo contemplando a imagem, Annie ergue seu olhar até mim.

— Peeta, não tenho palavras. Você não imagina quantas vezes essa cena surge em meus sonhos... Finnick beijando o meu ventre, onde está o nosso bebê. É simplesmente perfeito. — Ela passa os dedos sobre a figura do marido. — E sei exatamente onde colocá-lo.

— Pode deixar que carrego o quadro. Está pesado. — Eu me adianto para pegá-lo, antes que ela tente fazer isso.

— Vem comigo! Tenho mesmo que mostrar a casa a você.

Ela me leva até um corredor, ainda no andar térreo, e abre a porta de um cômodo, que vejo se tratar de um quarto, no qual predominam cores claras nas paredes e nos móveis, com uma decoração que tem detalhes em azul.

— Este é o quarto que montei na parte de baixo da casa para mim. Como sempre fui desastrada, Sandy acabou me convencendo de que minha gravidez não combinava com escadas — explica e dou uma risada.

— Não ria. É sério! Sandy tem razão. — Ela mesma se trai e ri também, apontando para si própria. — A pessoa aqui não se acostumou facilmente a ter uma barriga desse tamanho.

— E o quartinho do bebê? Já está montado? — indago.

— Vou continuar por aqui depois que o Finnick nascer, ao menos nos primeiros meses. Não se assuste com a falta de um berço tradicional... Olha que legal esse aqui, acoplado à cama.

Reparo, então, no móvel em formato de um navio, que pensei se tratar apenas de um enfeite. É um pequeno berço, que se encaixa numa das laterais da cama, possibilitando que o bebê durma ao lado da mãe, em segurança.

— Daqui pra frente, seremos apenas e meu companheirinho aqui. — Ela alisa a barriga com ternura. — Nada de quartos separados.

— É uma ideia ótima. Vocês serão, sem dúvida, uma dupla muito unida. Aliás, vocês já são. — Apoio o quadro no chão. — É aqui que você quer colocar a pintura?

Annie aponta para uma área vazia numa parede.

— Estava reservando esse espaço para uma foto do Finn quando nascesse. No entanto, é o local ideal para colocar o seu quadro.

Ergo a moldura e a penduro na parede, onde já havia sido instalado um prego. Os tons da pintura fazem uma bela combinação com todo o quarto e Annie não esconde sua emoção.

— Não imaginava que você fosse gostar tanto. Para falar a verdade, tinha dúvidas se você ia gostar — reconheço.

— Eu amei — admite ela com um sorriso encantador.

— Confesso que pintei o quadro sem a pretensão de trazê-lo. Porém, Katniss me aconselhou a dar de presente a você.

— Que bom que você ouviu a opinião da Katniss! Falando nisso, você não quer falar com ela?

— É o que mais quero! — respondo imediatamente.

Annie me conduz até uma pequena mesa na sala, onde fica o telefone, e sai do cômodo pouco depois. Disco o número da casa da Katniss.

— Alô? — atende ela, ao segundo toque.

— Katniss, sou eu...

— Peeta! — Katniss exclama e meu coração acelera só de ouvi-la dizer meu nome.

— Não nos vemos desde ontem, mas não estou exagerando se eu disser que estou com saudades...

— Sei que não é exagero. Também já sinto saudades.

— Está tudo bem? Alguma novidade?

— Por incrível que pareça, muitas! — Ela soa animada. — Effie vai passar uns dias aqui no Distrito 12, ou melhor, na casa do Haymitch.

— Que pena que estou tão longe! Queria ver a cara dele quando soube.

— Ele estava num mau humor terrível, mas, quando contei a novidade, só faltou pular de alegria. — Katniss ri e fico em silêncio para escutar o som da sua risada. — Peeta?

— Estou ouvindo. Quais são as outras novidades?

— Daisy falou o meu nome também. Depois, disse o seu nome novamente, com a mãozinha sobre o coração. — Sinto que ela está emocionada.

— Uau! Receber declarações de amor de vocês duas na mesma semana é demais pra mim.

— Eu posso imaginar o sorriso gigantesco que está em seu rosto agora. — Katniss acerta em cheio.

— E Daisy está cuidando do canteiro de flores?

— Está sim, fez isso ontem e hoje. Aliás, todos estão cumprindo com muito empenho as tarefas que você deixou para eles.

— Que tarefas? Do que você está falando? — Eu me faço de desentendido.

— Você acha que não percebi que estou cercada de cuidados?

— Ah, bom. Assim fico mais tranquilo e só me resta mesmo uma preocupação... Como você passou a noite? — questiono, tentando não parecer tão ansioso por sua resposta.

— Eu li o que você escreveu sobre mim e não tive pesadelos — revela Katniss e solto o ar de meus pulmões com alívio.

— Também li tudo o que você escreveu, o capítulo e a sua carta. Nunca li nada tão bonito. Mal posso acreditar que aquelas palavras são sobre mim, para mim e, o que é melhor, vindas de você.

— Suas palavras também foram lindas e me acalmaram. Foi como estar com você aqui comigo.

— Aquele dia conturbado até que rendeu a boa ideia de escrevermos um para o outro.

— Não vamos nos lembrar daquele dia agora — pede Katniss e meu peito volta a apertar ao ouvir seu tom de voz. — Só não demora a voltar, por favor.

— Logo, logo estarei em casa — asseguro a ela. — Porque eu amo você, Katniss.

— Também amo você, Peeta... Muito.

Annie surge na sala de estar e faz um gesto para eu dar um recado para Katniss.

— Annie e o bebê estão mandando um beijo. Vou encontrar Johanna mais tarde e, talvez, a sua mãe.

— Dê um abraço nelas por mim e... — Katniss faz uma pausa. — Peeta, veja se minha mãe está precisando de alguma coisa. E cuidado com a Johanna!

— Não se preocupe!

— Até breve, Peeta! — Katniss se despede num fio de voz.

— Fica bem, meu amor. — Tento transmitir a ela carinho e segurança.

Desligo o telefone e, ao olhar para Annie, ela está com as mãos nos lábios, com uma expressão espantada e, ao mesmo tempo, satisfeita.

— Eu ouvi bem? Meu amor? Que lindo! E que progresso, para quem estava na dúvida se devia ou não voltar ao Distrito 12!

— Você foi minha maior incentivadora — lembro-me das nossas conversas no hospital.

— É impressão minha ou você parece mais leve depois de falar com Katniss? — Annie repara.

— Ela não teve pesadelos, Annie. Katniss leu o capítulo que escrevi sobre ela e teve uma noite de sono tranquila.

— Capítulo? — Annie franze o cenho.

Explico sucintamente sobre o Livro de Memórias e sobre como combinamos de cada um de nós escrever a respeito do outro. E conto sobre a minha maior preocupação ao ficar longe de Katniss, que são seus pesadelos.

Durante nossa conversa, Annie me mostra os outros cômodos do andar de baixo, sempre me lembrando de que devo ficar à vontade, como se estivesse em minha casa.

Annie me conta que Johanna e Max estão morando na casa que pertencia a Finnick. Ela relata que, em geral, nenhum dos dois fica em casa durante o dia, pois Max trabalha no hospital e Johanna se voluntariou para ajudar a montar a Guarda Distrital, a força de segurança que substituiu os Pacificadores nos distritos e que vai atuar em parceria com a nova Guarda Nacional.

O papo flui naturalmente entre nós até que Sandy se aproxima para lembrar a Annie de que o obstetra vem visitá-la dentro de pouco tempo.

— Ah, sim, obrigada por avisar, Sandy! Você pode levar o Peeta ao quarto dele? Já vou me aprontar para a consulta.

Sandy faz que sim com a cabeça e me aguarda pegar as malas. Quando já estou a ponto de subir as escadas, Annie me chama:

— Peeta! É bem possível que a Sra. Everdeen venha com o médico. Algum problema em encontrar com ela?

— Não, nenhum. Fico feliz que ela esteja acompanhando a sua gestação. A Sra. Everdeen cuidou muito bem de nós enquanto estávamos no Distrito 13. Nunca vou me esquecer disso.

— Ela e Prim — recorda Annie.

— A Sra. Everdeen é um doce de pessoa. Já o Dr. Augustus... — Sandy resmunga antes de alcançar os degraus. — Ele pode ser um excelente profissional, mas quer mudar tudo por aqui e acabar com todos os nossos costumes.

Annie suspira e volta para o seu quarto, pensativa.

— A senhora acha que isso está afligindo a Annie? — pergunto à Sandy.

— Um pouco... Quer dizer, bastante — admite a senhora.

Desço as escadas sem pensar duas vezes.

— Annie! Você pode abrir? — Bato na porta de seu quarto e ela aparece assim que a chamo.

— Oi, Peeta! Algum problema?

— Só quero que você se lembre de contar sobre todas as suas preocupações ao médico.

— E de dizer como você prefere que seja o parto! — Sandy completa atrás de mim.

— Vou tentar — fala Annie, sem muita convicção.

— Nós estamos aqui para apoiá-la — digo e ela sorri fracamente, voltando a fechar a porta.

Sandy balança a cabeça e continua murmurando, enquanto sobe as escadas:

— Esses médicos vêm da Capital e descartam assim, sem mais nem menos, tudo o que se fazia há gerações e gerações aqui.

Ela me leva à suíte que Annie reservou para mim. É um quarto amplo, arejado e muito confortável, com janelas que dão vista para o mar.

Depois de arrumar a bagagem no armário, como um pouco do lanche que Sandy trouxe pra mim, tomo um banho e desço as escadas, não sem antes guardar a carta que Katniss escreveu para a mãe em meu bolso.

Escuto uma conversa animada e reconheço as vozes de Johanna, Max e, se eu ouvi bem, da Dra. Ceres.

De fato, encontro os três na sala de estar e me surpreendo com o uniforme preto que Johanna está vestindo, muito parecido com os trajes que eu e os outros usávamos durante a rebelião.

No entanto, minha maior admiração é com o visual da Dra. Ceres, com os cabelos soltos e roupas despojadas, ainda mais bonita que a mulher que conheci no hospital, escondida atrás daquele jaleco branco e do cabelo preso.

— Ora, ora... Finalmente, o padeiro mais charmoso de Panem deu o ar da graça! — Johanna se aproxima e me dá um abraço. — Como está a desmiolada?

— Katniss pediu para eu ter cuidado com você — aviso, antes de dar um beijo em sua bochecha.

— Ela é desmiolada, mas é prevenida! — Johanna revira os olhos.

— Ei, Peeta! Você tem que ter cuidado é comigo! — Max se levanta do sofá e faz menção de apertar minha mão, mas me segura e me levanta no ar. — Saudades, cara!

Quando ele me solta, sua irmã já está de pé ao nosso lado, pronta para me dar um abraço.

— Dra. Ceres, que surpresa boa! — Também abro meus braços para cumprimentá-la.

— Peeta, você está tão bem! — Ela segura meu rosto entre suas mãos. — Agora é oficial... Você é o paciente que mais me deixa orgulhosa por sua recuperação.

— Devo muito à senhora. Quer dizer... a você, Dra. Ceres — corrijo–me antes que ela reclame.

Olho em volta à procura de Annie, porém ela não está por perto.

— Annie está na consulta com o Dr. Augustus? — questiono.

— Desde antes de chegarmos — informa Johanna.

— Tive a impressão de que ela está muito apreensiva em relação ao parto — comento. — Annie não parece segura quanto ao método que o médico escolheu.

— Como assim o método que o médico escolheu? — Dra. Ceres pergunta, um pouco indignada. — Não é assim que as coisas devem funcionar... O parto é um momento tão precioso. A opinião da Annie deve ser ouvida.

— O Dr. Augustus mexeu no seu ponto fraco, maninha! Aposto que ele vai ouvir poucas e boas quando acabar a consulta da Annie — diz Max, coçando a cabeça. — Vai com calma. Ele é um dos meus chefes no hospital.

— Nem que fosse o meu chefe, Max! Você sabe o que penso! — exaspera–se ela com a sugestão do irmão. — Sempre defendi que a melhor maneira de as gestantes se prepararem para receber o bebê é escolhendo a forma de trazê-lo ao mundo... Ao menos, sempre que possível. E vou defender a escolha da Annie!

— Essa eu quero ver! — Johanna brinca. — Minha cunhadinha saindo do sério e enquadrando aquele Dr. Arrogantius.

No minuto seguinte, o barulho da porta se abrindo faz com que todos nós fiquemos em silêncio. Os passos pelo corredor indicam que a consulta terminou e que eles se dirigem à sala de estar.

Sem saber que estamos aqui, Annie continua falando:

— De vez em quando, sinto as contrações de treinamento, que o senhor explicou que aconteceriam. Elas têm sido mais frequentes e intensas, mas até agora só foram alarmes falsos.

Annie, o médico e a Sra. Everdeen finalmente entram na sala.

— Quando as contrações forem pra valer, eu e minha equipe estaremos preparados para recebê-la no hospital. — Ouço a voz do médico pela primeira vez e reconheço o sotaque da Capital.

Annie fica visivelmente abalada depois de ouvi-lo falar na ida ao hospital e olha pra mim, como se pedisse ajuda. Faço um gesto afirmativo com a cabeça, que apenas ela percebe, e isso lhe dá ânimo para verbalizar o que, de fato, é a sua vontade para a hora do parto.

— A respeito disso, Dr. Augustus, aqui no Distrito 4, temos o costume de ter os bebês em casa. Todas as famílias fazem o parto na água e prefiro...

— O Distrito 4 agora tem um hospital de ponta, Annie. — O Dr. Augustus nem espera Annie terminar de falar e seu tom de voz dá a entender que ele já tem a questão por encerrada. — Vamos deixar esse costume antigo pra trás, está bem?

— Não, não está nada bem. — A entonação firme da Dra. Ceres parece ocupar todo o cômodo. — A Annie está tentando exercer um direito dela como gestante, buscando informações sobre suas opções, assim como apoio profissional adequado.

O médico ouve o comentário sem ao menos olhar para ela e solta uma risada sem humor. Para responder, ele apenas gira a cabeça na direção da Dra. Ceres.

— Só há um detalhe que você não está considerando. Para mim, o parto domiciliar não é uma opção.

— Pois deveria ser, em respeito à autonomia materna. As mulheres merecem ter acesso a uma escolha livre e esclarecida.

— Ainda bem que a opinião médica aqui cabe a mim, e não à senhorita.

Assisto atônito ao diálogo nada amistoso entre os dois médicos. O clima fica bastante tenso e me aproximo de Annie para tentar tranquilizá-la. A Sra. Everdeen tem a mesma ideia.

— Engano seu, Dr. Augustus — adianta–se Max, em defesa da irmã.

— Você pode me explicar em relação a quê exatamente estou enganado, enfermeiro Maximus? — O Dr. Augustus sinaliza para Max seu desagrado com o rumo da conversa.

Max pigarreia e, finalmente, esclarece:

— Esta é minha irmã Ceres, que, além de médica, faz mesmo jus ao título de doutora, devido a toda a sua trajetória de estudos. — Max abraça a irmã de lado e dá um beijo em sua testa. — Ela está de férias e chegou ontem aqui. Por isso, não tive a oportunidade de apresentá-la ao senhor.

O médico engole em seco e, dessa vez, vira seu corpo, e não só sua cabeça, para encarar a Dra. Ceres.

— Você é a Dra. Ceres Savior, do Hospital Universitário da Capital? — Um misto de admiração e incredulidade cruza o semblante do médico.

— Exatamente.

— Muito prazer. Augustus Birthing. — A postura e o modo de falar dele mudam completamente. — Tentei ser seu aluno nas classes de neurociência, mas as vagas já estavam esgotadas à época. Foi quando me apaixonei pela obstetrícia e concentrei meus estudos e minha residência no Hospital Central, porém, antes de me decidir, li todos os seus trabalhos acadêmicos. — O médico começa a enumerar de modo bastante empolgado tudo o que a Dra. Ceres escreveu, até que observa todos os olhares curiosos sobre ele, de modo que ele diminui o ritmo das palavras. — Que são... absolutamente fantásticos.

Erguendo uma sobrancelha, Johanna murmura:

— Impressionante. O que mais você sabe sobre ela?

— Eu realmente poderia continuar falando aqui, mas isso seria, no mínimo, esquisito. — Dr. Augustus ri, um pouco constrangido com todos os olhares em cima dele.

— É engraçado você saber tanto sobre ela e nunca ter buscado conhecê-la pessoalmente — observa Annie, já mais calma.

— Acreditem. Eu tentei. E já estou arrependido de não ter insistido mais — confessa o Dr. Augustus, olhando diretamente para a Dra. Ceres. — Está difícil associar quem você sempre foi em minha cabeça com a sua verdadeira imagem — diz ele com uma expressão confusa.

— Você está enfatizando a nossa diferença de idade de uma forma nada sutil — aponta a Dra. Ceres, de maneira bem mais relaxada.

— Não, maninha. Ele quis dizer que nunca poderia imaginar que uma cientista brilhante como você fosse tão... tão... — Max gesticula, como se buscasse uma palavra para definir a jovialidade e a beleza da própria irmã.

— Jovem e gostosa — completa Johanna, piscando para Max, que ergue a mão para que ambos batam na palma da mão um do outro. — Não é isso?

— Não usaria exatamente tais palavras, mas essa é a ideia — admite o Dr. Augustus e a Dra. Ceres fica ruborizada.

— Então... — interrompo o silêncio que se instalou. — Vamos ao que interessa definir agora? A Annie poderá ter o parto do modo que ela sempre planejou?

— O parto na água é uma tradição aqui, mas é uma novidade na Capital. Já acompanhei alguns casos no Hospital Universitário. A diferença é que o da Annie será feito em casa — explica Max. — A imersão em água se mostrou uma opção segura para gestantes de baixo risco.

— Quanto a isso, Annie é uma grávida exemplar. Alimenta-se muito bem e não engordou nada além do esperado. Ela e o bebê estão em excelentes condições de saúde — destaca o Dr. Augustus. — Sra. Everdeen, alguma objeção?

A mãe de Katniss se surpreende com o pedido de opinião, mas responde com segurança:

— Fora os nascimentos que assisti aqui e no Distrito 13, todos os partos que realizei foram domiciliares e eu não dispunha de quase nenhum recurso. Annie, ao contrário, estará bem amparada quanto a isso. Então, se ela e o bebê estiverem bem, não vejo problema em atender a esse pedido.

— Sendo assim, dou minha palavra. Se tudo se encaminhar para que seja um parto natural, ele será realizado aqui, nessa sala, segundo a tradição do Distrito 4 — garante o médico, olhando ora para Annie, ora para a Dra. Ceres.

— Eu me prontifico a providenciar tudo o que for necessário e o quanto antes, Annie. Você pode ficar despreocupada — avisa a Dra. Ceres.

— Posso lhe dar uma carona até as lojas — oferece o Dr. Augustus.

A Dra. Ceres aceita e os dois se despedem para ir à cidade.

A maioria de nós está feliz com a novidade. A única que não parece à vontade com a ideia de ter uma piscina inflável instalada no meio da sala é a Johanna.

O tempo passa, porém alguns traumas ficam. No entanto, Max segura suas mãos trêmulas e fala algumas palavras em seu ouvido que têm um efeito positivo. Ela se acalma, mas, ainda assim, os dois logo avisam que vão para casa. Annie os acompanha até a porta, com as mãos nos ombros de Johanna.

A Sra. Everdeen também se dirige até a porta, porém eu a detenho, estendendo-lhe a carta de Katniss.

Nesses segundos em que estou olhando fixamente para ela, observo como está mais magra e abatida, e também o quanto Prim se parecia com a mãe. Suas feições, seus cabelos, seus olhos.

— Katniss me pediu para entregar isso à senhora.

Ela segura o envelope e fica olhando para ele sem nada dizer.

— A senhora poderia acompanhar a recuperação de Katniss. Ela sente sua falta.

— Não sei como posso ser útil à minha filha. Não naquele lugar.

— Desculpe-me pelas palavras duras, mas a senhora culpa Katniss pelo que aconteceu à Prim?

Ela nega veementemente com a cabeça.

— Culpo a mim mesma, em como pude confiar tão cegamente em Coin — diz ela com a voz embargada. — Fui eu, pessoalmente, que autorizei Primrose a ir à Capital.

— Sra. Everdeen...

— Como posso encarar Katniss, depois de tudo o que ela fez pra salvar a irmã, agora que sei a verdade sobre as bombas que mataram Prim?

— Sua filha só quer ter a mãe por perto — falo e agora ela me olha nos olhos. — Katniss vai tentar reverter a ordem de restrição. O principal objetivo dela é reencontrar a senhora.

— Vou pra casa ler a carta e tentar falar com Katniss. — Ela abaixa novamente a cabeça e se retira sem se despedir de ninguém.

Quando todos já se foram e eu e Annie estamos a sós, ela suspira, visivelmente feliz e aliviada:

— Obrigada, Peeta! Estou devendo essa a você.

— Acho que essa sua dívida é com a Dra. Ceres...

— Mas foi pelo seu incentivo que falei com o médico. Você não reparou que fiz o comentário aqui, na presença de todos? — pergunta ela e assinto. — Tinha certeza de que alguém sairia em minha defesa.

— Isso merece uma comemoração — proponho.

— Sei como eu gostaria de comemorar.

— Sabe? Então, é desse jeito que vai ser. Conta pra mim!

— Quero ir até o mar. Já faz tanto tempo... — Annie implora com as mãos unidas. — É uma longa caminhada até a beira da praia e não posso ir sozinha. Max está trabalhando incansavelmente para o funcionamento da ala pediátrica do hospital, Johanna ainda não superou completamente o medo da água e Sandy não concorda que eu faça o esforço da caminhada com esse barrigão todo.

— Você acha que é realmente seguro? Não é muito cansativo pra você?

— Eu preciso ir até lá, Peeta. Sempre sinto Finnick comigo, mas é perto do mar que essa sensação de proximidade é quase física... Ele e o mar sempre foram como uma coisa só. — O que ela diz é mais do que suficiente para me persuadir.

— Eu levo você. Vamos agora?

— Sim! — concorda ela com brilho nos olhos. — Só preciso pegar algumas coisas.

— Espero você lá fora.

Eu me aproximo do portão e olho ao redor, à procura de algum jornalista ou de algum carro com vidros escuros, que poderiam ocultar uma pessoa com uma câmera. No entanto, a rua está deserta e não há nenhum veículo por perto. Tudo parece calmo, até demais. Afasto a ideia de que alguém poderá registrar imagens nossas do lado de fora da casa, para não preocupar Annie.

Ela logo chega, usando agora um grande chapéu e uma bolsa, de onde retira um pequeno pote e me oferece.

— Filtro solar. Sua pele é tão clarinha que, mesmo sendo fim de tarde, pode ficar vermelha.

Observo que ela não espalhou bem o creme na própria face e retiro os excessos cuidadosamente com as pontas dos dedos.

Passo o filtro solar em meu rosto e agora é a vez de Annie me ajudar a não ficar com a cara esbranquiçada por causa do creme.

O vento sopra um pouco mais forte e carrega o chapéu dela para o meio da rua.

— Deixa que pego! — Corro até lá e, depois, eu mesmo enterro o chapéu em sua cabeça. — Vamos ver se agora fica no lugar.

Annie sorri abertamente. Andamos devagar pela areia da praia e ela se apoia em mim para se equilibrar melhor.

— Você prefere ir descalça pela areia? — pergunto.

— Puxa! Você leu meus pensamentos!

Eu me abaixo para retirar as sandálias dos seus pés, assim como o calçado que estou usando.

Noto que a caminhada é bem sacrificante para Annie e ainda faltam uns bons metros para alcançarmos a água do mar. A praia está completamente deserta. Não há sinal de pescadores, banhistas e, principalmente, repórteres. Paro de andar e ela me olha espantada.

— Calma! Não desisti de ir à beira do mar... Nós vamos até lá, mas só se for assim — digo e pego-a no colo.

— Peeta, não precisa! — Annie exclama, surpresa, mas não prossegue com os protestos, quando percebe que avanço rapidamente até a espuma deixada na areia pela agitação das ondas.

— Prontinho. Está entregue!

Ponho-a no chão, mas continuo segurando seu tronco para estabilizá-la. Quando seus pés tocam a areia úmida, que é logo coberta pela fina camada de água que vem e vai, conforme as ondas se quebram à nossa frente, Annie fica em êxtase.

Por um momento, ela parece estar em outra realidade, num mundo particular em que simplesmente desaparece aquele ar de melancolia que está sempre presente em seu rosto, por mais sinceros que sejam seus sorrisos.

Seus olhos verdes adquirem um brilho diferente e percebo que aquele instante com o mar é uma experiência transcendente para ela.

Libero as suas mãos de tudo o que ela está segurando e me afasto um pouco, depois que me certifico de que não há o risco de Annie perder o equilíbrio devido ao movimento da água.

Ela acaricia seu ventre e cantarola baixinho uma música que fala: do carinho da brisa à beira da praia, que não aplaca a saudade que sente de certo pescador... da imensidão do mar, que, ainda assim, não se compara ao tamanho do seu amor... e do amanhecer após cada pôr do sol, que a impulsiona a um recomeço, apesar de toda a dor.

Embalado pela docilidade da voz de Annie, fito o horizonte, também sentindo saudade, só que de certa caçadora.

— Peeta — Annie interrompe meus devaneios —, eu trouxe uma máquina fotográfica. Você pode fazer umas fotos pra mim?

— Nunca mexi em uma dessas.

Annie me explica rapidamente o funcionamento da câmera e procuro um bom ângulo para capturar algumas belas imagens. Com a minha ajuda, ela se senta na areia e descansa um pouco. Eu continuo batendo fotos dela e da paisagem.

— Gostei! A fotografia é também uma forma de arte — reconheço.

— Sem dúvida! Finnick era apaixonado por fotografia — recorda ela. — Mas nunca abandone seus quadros, Peeta. Uma foto não poderia reproduzir aquela cena que você pintou.

— Não farei isso. Pintar é uma terapia pra mim.

— Vamos pra casa? Já está começando a escurecer — pede ela.

Devolvo a câmera à Annie e recolho nossos calçados da areia. Pego-a novamente no colo para fazer o caminho de volta e ela não contesta dessa vez.

Passo os olhos por toda a orla e não vejo ninguém. No entanto, continuo com a estranha sensação de que estamos sendo observados.

 


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal!

No capítulo, fiz umas homenagens à minha gestação, que foi bem diferente do que eu esperava.
Tive enjoo, mas não vomitei nem uma vez!
Tive desejo, mas nada muito peculiar: só de tomar sorvete de morango com pedacinhos da fruta.
Mas, gente, eu tive cãibra, muita cãibra na perna... Esse é um sintoma não muito divulgado, mas esse eu tive! Daí a Annie teve também.

Falando em gravidez, vocês viram que eu tratei de algumas polêmicas (ao menos, no mundo materno), como cama compartilhada e parto domiciliar.
Só quero dizer que não estou levantando nenhuma bandeira.
A única coisa que defendo é a busca por informações - sempre - e por profissionais preparados.
Cada família tem a sua dinâmica para a criação dos filhos e cada mulher tem a sua percepção do seu próprio corpo para escolher o tipo de parto.

Beijos!

Isabela