A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 21
21. Eu vou esperar por você


Notas iniciais do capítulo

Olá! Obrigada pelas opiniões sobre o tamanho dos capítulos! Boa leitura!



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Por Katniss

Acho que o fato de Peeta ouvir meus soluços através da porta está deixando-o ainda mais furioso. Então, depois de tantos gritos e golpes violentos nas grades, eu me afasto alguns metros. Logo depois, vem o silêncio.

O que foi que fiz? Estraguei tudo mais uma vez. Preciso de ajuda.

Vou em direção à casa de Haymitch, que, por sorte, está de saída:

— O que foram esses berros? Onde está o garoto?

— Haymitch! Depressa! Peeta sofreu uma recaída e acho que está desacordado na casa dele.

— Está explicado... Preciso pegar a chave da porta.

— Imaginei mesmo que você tivesse uma cópia.

— Sim, queridinha. Peeta me disse que, sempre que pudesse antecipar um surto, ele tentaria prender a si mesmo em casa. Assim, ele fica seguro de que não há como machucar você.

Levo minha mão à boca para conter um soluço.

— Espantada? Eu não estaria. Tudo o que Peeta faz é pensando em você, Katniss. Até nas ocasiões em que ele não pode ter plena consciência disso.

Lágrimas de dor e remorso caem descontroladamente, enquanto Haymitch entra novamente em sua casa.

— Agora vamos. Já achei a chave. — Ele logo volta.

Abrimos a porta dos fundos e, ao chegarmos à sala de estar, Peeta está caído no chão, com as mãos e os braços machucados.

Corro até o banheiro para pegar algum material para fazer os curativos. Encontro uma caixa de primeiros socorros no armário e retorno para a sala.

Apoio a cabeça de Peeta sobre uma almofada e começo a limpar as feridas, para depois cobri-las com gaze.

Ele não acorda. Procuro algum outro sinal de sangue em seu corpo, porém só vejo uma mancha avermelhada em sua têmpora esquerda, que deve ter batido no chão com a queda.

Haymitch e eu o erguemos com dificuldade para deitá-lo no sofá.

— Será que devemos ligar para algum médico? — pergunto.

— Certamente. Ele está desacordado há muito tempo.

No entanto, Haymitch mal termina de falar, os olhos azuis de Peeta, agora cristalinos, começam a se abrir. Ele olha confuso para seus braços e toca seus curativos.

Quando tenta erguer o tronco, seu rosto se contorce em uma expressão de sofrimento e ele torna a fechar os olhos, sem perceber a nossa presença.

— O que aconteceu, Peeta? Já chegou ao ponto de você e Katniss não poderem ficar sozinhos por um minuto sem se desentenderem? — Haymitch pergunta a Peeta, porém seu olhar de desaprovação está voltado para mim.

Peeta mantém os olhos fechados e seus dedos tateiam as laterais de sua testa.

— Katniss está bem? Eu a machuquei?

— Somente com suas palavras — digo baixinho e só agora ele nota que estou de pé ao lado do sofá.

— Oh, Katniss... — As lágrimas enchem os olhos de Peeta. — Como posso consertar o que falei?

— Quem precisa consertar sou eu. — Sento-me a seu lado e toco delicadamente sua face esquerda, ainda vermelha pelo tombo que deve ter sofrido ao desmaiar. — Eu não devia ter dito isso. Não se culpe. Você já estava em crise quando me falou aquelas coisas.

Peeta solta um gemido de dor, mas segura minha mão contra seu rosto.

— Preciso fazer uma compressa fria para colocar aqui. — Solto devagar os meus dedos da pressão de sua mão.

— Na primeira gaveta da cômoda do meu quarto, há uma bolsa térmica. — Ele aponta o andar de cima.

— Vou buscar — aviso e, virando-me para Haymitch, digo: — Peeta precisa descansar.

Imploro com o meu olhar para que ele não prossiga com aquele tipo de questionamentos. Eu e Haymitch somos tão parecidos que, quase sempre, funciona conosco essa comunicação não verbal. No entanto, ele afasta os olhos propositalmente.

Subo as escadas e escuto sua voz exaltada.

— Vocês parecem duas crianças, testando os limites um do outro!

Vou até o quarto de Peeta e abro a gaveta que ele indicou. O seu perfume emana das roupas meticulosamente dobradas e guardadas na cômoda.

Logo encontro a bolsa térmica, porém não resisto e pego também uma de suas camisas para aspirar profundamente aquele cheiro, que tanto me acalma e do qual sinto tanta falta.

O que será de nós depois do que aconteceu hoje? Depois de tudo o que dissemos?

Evitei completamente a sua companhia nos últimos dias. No entanto, não foi por mim, foi por ele.

Peeta pode discordar, mas a quem quero enganar? Não sou metade da pessoa que ele merece ter a seu lado. Não posso afundar nesse poço de culpa e levar Peeta junto comigo.

Ele tem o direito de buscar a verdadeira felicidade e tenho o dever de permitir que isso aconteça.

Arrumo com cuidado a camisa na gaveta, agora ligeiramente amarrotada, todavia é inútil tentar não deixar vestígios do que fiz.

Caminho em direção à porta e, nesse curto trajeto, posso ver o interior do cômodo que Peeta usa como estúdio de pintura. Pelo visto, esse período sem vê-lo foi bastante produtivo.

Eu me deparo com diversos quadros novos e, na maioria deles, a minha imagem é retratada.

Contudo, o que me chama mais a atenção é um esboço que tem como figuras centrais um casal. Não é possível distinguir quem são as pessoas no desenho ainda em fase inicial, porém a mulher está grávida e o homem deposita um beijo em seu ventre proeminente.

Ver esse rascunho, justamente hoje, é uma infeliz coincidência, que só faz reafirmar em mim a certeza de que não posso ter ou dar esperanças de uma vida ao lado de Peeta.

Desço as escadas desanimada. Haymitch e Peeta estão calados, mas o silêncio é logo quebrado.

— Você demorou pra achar o que estava procurando. O garoto voltou a dormir. — Haymitch usa um tom de voz baixo. — Só me responda uma coisa: o beijo que vocês trocaram hoje depois de tantos dias separados não significou nada realmente?

Presumo que Peeta tenha dito a Haymitch o que aconteceu depois que ele nos ajudou com o último capítulo do livro de memórias.

Imediatamente fico corada e não respondo à pergunta. Na verdade, não tenho a resposta exata, porém certamente mentiria se dissesse que não significou nada.

— Não precisa falar uma palavra, Katniss. Você pode até tentar enganar a si mesma, mas não a esse velho observador.

— Realmente não sei o que senti ou o que sinto. Ultimamente, não gosto nem de mim mesma.

— O que você pretende fazer daqui pra frente?

— Vou pedir ao Peeta para esquecer o que se passou entre nós desde que ele voltou.

— Só você para afastar a pessoa que mais lhe faz bem nesse mundo. Não entendo.

— Você não sabe do que está falando!

— Ah, não sei? Quanto tempo você ficou enfurnada dentro de casa, numa cadeira, sem levantar pra nada? Foi só ele chegar pra você se animar a caçar, a se livrar daquela rosa fedorenta, a escrever um livro...

— Vou me afastar, porque não mereço alguém como ele do meu lado.

— E o que você fez ou pensa que fez pra dizer uma bobagem dessas?

— Você mesmo já me falou isso, esqueceu? Pois eu não! Você podia viver cem vidas e ainda assim não merecer aquele cara — reproduzo a frase que me foi dita por Haymitch, quando o procurei após o anúncio do Massacre Quaternário.

— Disse e repito essa frase pra ver se você valoriza o Peeta como ele merece. Não pra você magoá-lo ainda mais.

— Mas não é só isso. Fui que causei a morte da família dele e todas as desgraças pelas quais ele passou... Ninguém me convence do contrário.

— Você foi usada. Eu fui usado. No entanto, acaba que algo bom saiu disso. Um país renovado, onde você pode, sim, tentar ser feliz com ele, formar uma família, criar seus filhos.

— Ao que parece, Peeta não lhe contou sobre tudo o que houve hoje.

— Posso saber o que foi que ele não contou e que é tão grave assim?

— Não quero nada disso que você enumerou. Não quero formar uma família. Não quero ter filhos. E você sabe que Peeta nasceu para ser pai. Um ótimo pai.

— Katniss, você ainda é nova, pode mudar de ideia.

— Não! Nem cogito isso. E não é de agora, é desde sempre. Muito antes de conhecer vocês, já rejeito essa ideia. Não tenho instinto materno.

— Isso não é verdade. Quem viu você cuidando de Prim e de Rue não duvida de que também possui esse dom.

— O dom de deixá-las morrer diante de mim?

— Pare de se culpar por coisas que você não cometeu e não tinha como evitar. — Haymitch faz uma pausa e me lança uma mirada penetrante por alguns segundos. — Se, por acaso, você engravidasse, você não amaria seus filhos?

— Eu os amaria mais que tudo... Seria louca por eles. — Desvio o olhar para o chão.

— Então, o que pode ser tão ruim? Você pode me dizer?

— Isso me apavora. Não conseguiria viver em paz só de pensar na possibilidade de perdê-los — murmuro, sem levantar os olhos. — Não adianta, Haymitch, não terei filhos. E Peeta disse que sempre quis ser pai. Não quero olhar para trás daqui a alguns anos e perceber que eu o impedi de realizar seu sonho.

— Crianças realmente o fazem feliz e, se ele nunca poderá ter isso com você, concluo que...

— Nunca poderei fazer Peeta feliz. É por isso que não posso deixar isso continuar. Afinal, passei a vida inteira construindo camadas e camadas de defesas que me faziam encolher toda diante do que mais abominava em relação ao casamento, em relação ao futuro... A perda de meus filhos para os Jogos... Os Jogos se foram, mas a crueldade humana, não.

Termino de falar, um pouco exaltada. Percebo uma movimentação no sofá e congelo no lugar em que estou, sem coragem de olhar para trás, quando ouço a voz de Peeta:

— Vocês esqueceram de que estou bem aqui e posso ouvir tudo o que estão falando? Vocês estão conversando como se eu não fosse um interessado no assunto.

Sua fala é mansa, porém não consigo encará-lo. Deixo a bolsa térmica sobre a mesa.

— Ponha um pouco de gelo aqui e aplique em seu rosto. — Ando depressa em direção à porta.

— Katniss... — Peeta me chama, porém não o atendo.

Eu saio da casa dele, batendo a porta atrás de mim. A caminho de casa, deixo escapar um suspiro que não notei que estava segurando. Haymitch me segue, quando entro em minha sala.

— Katniss, são rompantes assim que podem causar os transtornos no garoto. Você não aprende! Parece que esqueceu o que acabou de acontecer com vocês.

— Engraçado. Tenho que me policiar pra não despertar o lado bestante do Peeta. Não posso ter medos. Não posso ter dúvidas. Devo ter as respostas. Devo ter paciência pra não ferir os sentimentos de ninguém. — Tomo ar depois de despejar as palavras. — Posso ser mais forte do que aparento, mas isso não significa que também não esteja ferida. Não aguento mais essas cobranças, Haymitch. Só estou... Cansada.

Ele se aproxima, com uma expressão mais leve no rosto, e põe as mãos em meus ombros antes de beijar o topo da minha cabeça.

— Eu entendo, docinho. Desde que pus os olhos em você pela primeira vez, mesmo estando bêbado como um gambá, vi muita coragem. Você se lembra de que gritei isso no palco no dia da colheita? Mais do que vocês! Mais do que vocês!

— Você disse também que havia gostado de mim — recordo, com um meio sorriso.

Haymitch ergue uma sobrancelha e sacode a cabeça em minha direção.

— Pois é. Às vezes, eu me engano em minhas primeiras impressões. — Ele dá alguns passos para trás, como se estivesse me analisando. — Mas não foi o seu caso.

— Então, você ainda gosta de mim? — indago e ele assente.

— Desde aquele dia, naquela colheita, foi inevitável. — Haymitch pega um lenço em seu bolso e o balança à minha frente. — Bandeira branca... Você não teve trégua durante todo esse tempo e é isso o que vou lhe dar agora. Além do meu apoio, é claro. Não importa o que você decida fazer. Só pense nas consequências das suas escolhas.

Haymitch sai e me jogo no sofá, esgotada. Fico ali encolhida, abraçada às minhas pernas, olhando para o nada. Buttercup parece sentir minha tristeza e se enrosca nos meus pés.

A minha vontade é de ficar com Peeta, porém um medo maior de machucá-lo me invade. Ambos os sentimentos me consomem e não sei qual predomina.

As dúvidas tomam conta dos meus pensamentos por tanto tempo que, quando me dou conta, os raios alaranjados do pôr do sol já alcançam as frestas das janelas fechadas.

O som de batidas na porta me desperta de vez, mas permaneço sentada.

— Pode entrar. Estou aqui na sala.

Peeta surge na soleira da porta e a fecha devagar.

— Não sei se algum dia você estará segura perto de mim — afirma, sem se aproximar de onde estou.

— Você não sabe, mas eu sei — declaro, absolutamente convencida disso. — Vem cá. Vamos conversar.

Só então ele dá alguns passos em minha direção. Vendo que não há espaço no sofá, já que Buttercup agora está esparramado na poltrona, Peeta se senta no chão à minha frente.

Apoio minha cabeça no braço do sofá e ele retira alguns fios de cabelo do meu rosto, afagando minha testa, antes de falar.

— Posso esclarecer uma coisa? Tudo o que realmente preciso é que você seja feliz, Katniss. Com ou sem filhos.

— Peeta, não consigo esquecer o que foi dito aqui hoje. Antes de saber minha opinião a respeito, você afirmou que queria muito ter filhos — relembro. — Infelizmente, não sou a pessoa que você gostaria eu que fosse.

— Não diga isso. Você é tudo pra mim. Só preciso saber se, mesmo havendo esse ponto de discordância entre nós, você estaria disposta a me dar mais uma chance? — pergunta ele, sorrindo tão docemente que não sei como encontro forças para não tomar o seu rosto em minhas mãos, deixando de lado todas as minhas incertezas.

— Eu gostaria de dar a nós dois, não só uma, mas todas as chances possíveis. Porém, antes disso, vamos encarar a sua viagem ao Distrito 4 como uma oportunidade de você vivenciar o que não poderei lhe oferecer no futuro. O nascimento de uma criança. Assim, você vai poder refletir sobre o que realmente quer... E se pode abrir mão disso pra ficar comigo.

— Você prefere definir a nossa situação somente quando eu voltar?

— Se é que você vai voltar... — Evito seus olhos.

— Katniss, você sabe que não existe nenhuma possibilidade de eu não retornar. Não tenho nada além de um grande carinho pela Annie. Não sinto por ela o que sinto por você.

— Esse é o momento perfeito para você avaliar se, de fato, isso é verdade. Até lá, vamos deixar as coisas como estão.

— Posso voltar a ficar com você durante a noite?

Respiro fundo e me sento antes de fazer uma confissão dolorosa, resultado de todas as ponderações que fiz durante essas horas de reflexão:

— Peeta, não quero mais que você passe as noites em minha casa.

— Mas não posso e não quero deixá-la sozinha. Nessas noites em que fiquei em minha casa, pude ouvir os seus gritos.

— Por favor, preciso dizer a você os meus motivos. — Passo as mãos no rosto antes de olhar pra ele. — Muitas vezes, a noite é o momento em que quero me esquecer de que o resto do mundo existe. Prefiro fingir que todo o universo se resume ao meu quarto, a essa casa... E não quero que você ou qualquer outra pessoa esteja aqui pra fazer com que eu me lembre do contrário.

Tudo isso é dito com muito pesar. Minhas palavras não são proferidas com resquícios de desdém ou raiva. Ainda assim, Peeta não esconde de mim a decepção que lhe causam. Com os olhos marejados, ele insiste:

— Pensei que estivesse ajudando você a suportar seus pesadelos.

— Sim. Não posso negar que você faz isso. No entanto, a vontade de ficar sozinha é ainda mais forte.

— Não vou abandonar você assim facilmente. Prometi fazer o impossível para ver você bem.

— Você também me garantiu uma vez que iria embora, se eu dissesse que a sua presença está me causando algum mal. — Tento transmitir convicção em minha voz, mas o que digo a seguir sai como um sussurro. — Está me fazendo mal enxergar tantas possibilidades de ser feliz ao seu lado, sem que eu possa aproveitar nenhuma delas.

— E por que não pode? Eu aceitaria esse distanciamento, se tivesse certeza de que você é indiferente a mim. Não consigo entender o que pode ser maior do que o sentimento que temos um pelo outro.

— Você pode não saber agora, mas, no futuro, você entenderia e se arrependeria de haver insistido, em vez de ter desistido de mim.

— Como posso me arrepender ou mesmo cogitar desistir, se o que mais quero na vida é proteger você? — Peeta questiona. — Preciso que me deixe ajudá-la. Você já teve tantas perdas. Será que vale sacrificar a sua felicidade?

— É a sua felicidade que está em risco, se você continuar comigo.

— Por quê? Você não me dá um motivo plausível para acreditar nisso.

— Sobrevivi sem meu pai, agora estou sobrevivendo sem Prim. Vou me acostumar a passar as noites sem você, a ficar só com meus pesadelos.

— Não é possível que seja só uma questão de costume pra você. Estou aqui falando de amor, de entrega, de apoio mútuo, e você vem falar em se acostumar e desacostumar.

— Sei que não parece justo.

— Não quero nada menos do que o que já conquistamos, porém não posso obrigar você a nada, muito menos a ficar comigo. Então, como quiser... — Ele finalmente parece entregar os pontos, com tristeza. — Mas lembre-se de que eu disse a palavra 'sempre' pra você, quando me pediu pra ficar. Estou e estarei ao seu lado...

— Não diga mais uma palavra, Peeta. — Eu o impeço de continuar, mas mantenho o tom calmo. Tenho que ser cautelosa, depois do seu último surto. — É disso que estou falando. Não quero me lembrar de ninguém ao meu lado. Quero esquecer. Todos os que estiveram ao meu lado ou estão mortos ou sofrendo ou... — Lágrimas rolam em meu rosto. — Nem minha mãe tem forças para estar aqui comigo depois de tudo. Como você consegue?

— Não é uma resposta simples, Katniss. São tantos os motivos e você deve imaginar quais são. — Ele suspira. — Você sabe exatamente de onde vem a minha vontade de estar com você, de cuidar de cada uma de suas feridas e de aplacar a dor que você sente. No entanto, não quero pressioná-la com mais uma declaração do meu amor, que, com certeza, você não quer ouvir.

Fico sem palavras e Peeta entende o meu silêncio de forma equivocada.

— Não vou mais incomodar você.

— Não o estou proibindo de vir aqui me ver. Só preciso de um tempo.

— Bom saber disso — diz ele, sem conseguir ocultar seu abatimento, mas logo seu rosto se ilumina com uma ideia. — Mas... E quanto ao livro? Estávamos indo relativamente bem ao escrevê-lo.

Fico pensativa, já imaginando onde ele pretende chegar, e Peeta continua:

— Tenho uma proposta. O que você me diz de continuarmos escrevendo? Faço um capítulo sobre você e vice-versa?

— Só não espere que eu faça desenhos seus... — resmungo.

— Puxa. Era isso o que mais gostaria de ver! — Ele se levanta. — Tenho tanta coisa para escrever a seu respeito. Acho que não terminarei o capítulo antes de ir para o Distrito 4.

Meus olhos já haviam recuperado certo brilho depois do início difícil da nossa conversa, porém volto a me entristecer quando ele menciona a viagem que fará para acompanhar o nascimento do bebê da Annie. Disfarço da melhor forma.

— Trato feito, então. — Estendo minha mão e ele a aperta, olhando-me intensamente.

Tento lhe dizer sem palavras que estou mais uma vez me distanciando dele para preservá-lo, acima de tudo. Como se lesse meus pensamentos, Peeta fala:

— Essa ideia de se afastar de mim para me proteger é uma tolice, pois é por você que vivo, que respiro. Agora cabe a mim buscar convencê-la disso. Assim, antes de ir embora, penso que não devo deixar a sua casa sem tentar fazê-la mudar de ideia, ainda que isso signifique arriscar o pouco que já conquistei.

Como ainda não havia soltado a minha mão, ele me puxa para junto dele e, sem me dar tempo de qualquer reação, toca seus lábios nos meus.

Eu logo identifico a real intenção de Peeta. Esse beijo não é e não poderia ser casto ou suave. Tinha que ser avassalador, para derreter desde logo a muralha de gelo que pretendo erguer entre nós. Ele consegue seu objetivo. Esse beijo me faz sentir viva.

Não fico tensa. Ao contrário, relaxo, envolvida em seus braços, completamente entregue. Ele se desprende de mim lentamente e me observa.

Volto a fechar os olhos e mantenho-os assim, para tentar esconder inutilmente as lágrimas que escapam deles.

Ele enxuga com seus polegares o rastro úmido que elas deixam em meu rosto e, depois, segura meu queixo suavemente, fazendo-me fixar a atenção nele.

— Peeta… — começo a dizer, todavia ele não me deixa concluir a frase, tocando minha boca brandamente com seu dedo indicador.

— Não precisa falar nada. Não quero dar a chance de não nos despedirmos em bons termos, apesar do que acabei de fazer. Sei que estou errado, mas nada do que você disser pode me fazer ficar arrependido.

Novamente tento dizer algo, porém ele continua:

— Nosso próximo beijo é você quem vai roubar de mim — afirma ele em tom desafiador, mas, ao mesmo tempo, de modo carinhoso.

Peeta está me testando, mas isso não me aborrece. Afinal, isso é exatamente o que quero. Mais um beijo dele. Todos os beijos dele.

Ele dá meia volta em direção à porta e já segura a maçaneta, quando pergunto:

— Você está mesmo convencido de que vou roubar um beijo seu?

— Preciso estar convencido disso, senão eu não vivo — fala por sobre o ombro, fitando o chão por alguns segundos, talvez esperando que eu diga alguma coisa, mas fico em silêncio.

Peeta gira a maçaneta e abre a porta. Corro até ele e apoio minhas mãos em seus braços, forçando-o se posicionar à minha frente, e, tal como ele previu segundos atrás, são meus lábios que procuram os seus dessa vez. Quando me afasto, ele encosta sua testa na minha e sussurra:

— Não esperava que seu beijo roubado fosse acontecer tão rápido. Nem em minhas previsões mais otimistas.

Ele tenta me abraçar, mas não permito, continuando a segurar seus braços. Eu já estava me perdendo nele, quase me esquecendo da minha decisão. Não posso permitir isso.

— Peeta, por favor, pare. — Eu me sinto nauseada com o que estou prestes a fazer, deixando-o ir embora, quando ele quer tanto ficar, quando quero tanto que ele fique. — Eu...

Não consigo continuar, pois percebo que minhas palavras se tornariam ainda mais duras em seus ouvidos.

Quando Peeta olha para mim, as lágrimas em seus olhos finalmente caem.

Isso é como uma facada em meu peito. Então, recuo até minhas costas encontrarem a porta. E, embora seus lábios e mãos estejam tremendo, embora eu possa enxergar toda a emoção em seu rosto, não volto atrás, ao menos não com palavras, pois meus olhos certamente não escondem o que, de fato, estou sentindo.

Peeta ainda me ama. E eu o amo também.

No entanto, Peeta não tem noção do quanto de si mesmo ele já perdeu, justamente por nutrir sentimentos por mim. Não posso prejudicá-lo ainda mais.

— Eu precisava sentir você mais uma vez, Peeta, mas... Ainda não mudei de ideia. — E, depois de uma breve pausa, que pareceu uma eternidade, completo: — Adeus.

Ele balança a cabeça e parece não crer em minhas palavras. Por fim, suspira consternado, enquanto escancaro a porta para que ele se retire.

— Até breve, Katniss.

Fecho a porta atrás de mim e apoio minha cabeça nela, sem saber o que fazer ou o que pensar. Sinto que ele faz o mesmo do lado de fora, talvez esperando para ouvir o barulho da chave trancando a fechadura.

Seguro a maçaneta e a movimento para baixo. Ainda há tempo de novamente abrir a porta, mas desisto e, por fim, giro a chave.

Então, ouço seus passos se afastando. Sinto meu corpo inteiro estremecer, porém não demora muito, o som de sua voz chega até mim:

— Eu vou esperar por você — manifesta ele, bem alto, declarando-se de modo nada discreto. — A distância não vai acabar com o que sinto. Não importa quanto tempo passe, ainda estarei esperando por você. Prometa que vai me procurar quando tiver uma resposta definitiva. Mesmo que seja para dizer que não devo ter esperanças.

— Prometo! — grito de volta e o toque na porta indica que ele retornou.

— Ainda queria pedir uma coisa, mas não aguento mais essas nossas conversas através das portas. Quero ver o seu rosto, olhar nos seus olhos.

Abro a porta sem pensar duas vezes.

— Sei que você quer ficar sozinha — reconhece ele e tento não pensar na maneira como meu coração dispara quando o vejo novamente sorrindo diante de mim. — Mas seu aniversário está chegando e gostaria de preparar algo especial pra você, como uma forma de...

— Não precisa falar mais nada, Peeta. — Meu tom de voz é um pouco mais firme do que pretendia ao interrompê-lo.

— Você não vai nem considerar o meu pedido?

— Não é isso, seu bobo, você só não precisa falar mais nada... Para não estragar a surpresa. Vou adorar passar o meu aniversário com você, não importa o que esteja planejando fazer.

Peeta sorri abertamente agora e fecho a porta, após ele acenar e se virar para ir para sua casa.

Peeta vai me esperar até que eu tenha minhas respostas. Posso esperar também, até que ele tenha as respostas dele, ainda que Peeta ache que não precisa delas.

Sem pressa. Eu e ele precisamos desse tempo para que sejamos verdadeiramente nós.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Só o Peeta mesmo para ter paciência para lidar com esse turbilhão de emoções que move a Katniss: amor, medo, insegurança, culpa…

Espero que eu tenha conseguido expressar qual é a minha ideia do que se passaria com ela num momento como esse (resumindo: uma confusão só!).

Beijos! Grata por acompanharem a fic!

Isabela