A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 12
12. O Tordo e a pérola




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Por Peeta

Quando Katniss adormece em meus braços, Buttercup já está enroscado aos pés dela. Permito-me mais uma vez contemplar sua expressão suave.

Noto que sua respiração torna-se lenta e tranquila, ao contrário da minha. Esta é a forma como me comporto quando estou com ela. A respiração irregular e o coração querendo escapar pela boca. Reações que simplesmente não existem em relação a mais ninguém. E a emoção que motiva tudo isso é algo que estou reencontrando dentro de mim.

Quero viver esse momento único, tão desejado, tão acalentado durante todo o tempo em que estivemos afastados, mesmo que não tivesse plena consciência desta minha vontade.

Estar assim tão próximo de Katniss desperta em mim os mais diversos sentimentos, porém um deles sobressai. Sinto se espalhar em meu peito uma sensação muito boa, dessas que merecem ser partilhadas.

Então, não resisto e sussurro em seu ouvido, mesmo sabendo que ela não está consciente para entender. No entanto, não sei se terei coragem ou mesmo outra oportunidade de abrir meu coração:

— Agora sei o porquê eu lhe dei o medalhão, oferecendo a minha vida pela sua. Sei o motivo de ter voltado ao Distrito 12, a razão de estar aqui e querer ficar... Sempre... Eu amo você, Katniss Everdeen.

Eu me declaro pra ela e admito a redescoberta desse sentimento para mim mesmo.

Katniss se inquieta um pouco depois que termino de falar, porém o movimento não é suficiente para perturbar seu sono e ela não acorda.

A mão dela que segura a pérola está agora relaxada, de modo que o pequeno objeto escapa de seus dedos e rola até onde está pousado o meu braço.

Pego a pérola e bendigo o momento em que eu a encontrei e pude oferecê-la a Katniss. Não sabia que havia sido algo tão importante para ela.

Tento me desvencilhar de seu corpo com cuidado para não despertá-la e, quando consigo, procuro um lugar seguro onde colocar a pequena esfera.

Avisto um delicado porta-joias de madeira sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama dela, que considero o lugar perfeito para guardá-la. Para minha surpresa, ali está o broche do Tordo usado por Katniss desde os primeiros Jogos.

O Tordo e a pérola. Katniss e eu.

Fecho a caixa com cuidado e desço as escadas para preparar algo para o nosso almoço.

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Quando acabo de aprontar uma sopa leve de legumes, vou chamá-la.

Vejo que ela já não se encontra na mesma posição em que estava dormindo e está um pouco irrequieta. Pode ser que esteja tendo um pesadelo.

Sento-me a seu lado na cama e acaricio seu rosto delicadamente:

— Katniss, não se apavore. É só um sonho ruim — digo calmamente.

Ela se debate um pouco. Passo minhas mãos por seus cabelos, tentando lhe transmitir segurança.

— Nada de mal vai acontecer. Estou aqui... Meu amor.

Katniss se ergue assustada e me abraça assim que me reconhece, quando desperta de seu estado de sonolência. Não sei se ela reparou como me referi a ela no final da minha frase. Meu amor. Acho que sempre quis chamá-la assim.

— Peeta, você está aqui... — constata ela, separando-se de mim e segurando meus ombros.

Seus olhos fitam os meus com intensidade, como se buscassem algo neles que ela precisa ver com urgência, porém não encontra.

— Você se sente melhor? Quer comer alguma coisa? — questiono.

Katniss confirma com um meneio de cabeça e tenta se levantar, mas não consegue fazer isso por conta própria. Então, eu a auxilio a sair da cama e a dar os primeiros passos em direção à escada, até que ela consegue se firmar sozinha.

— Gosto da ideia de ter você por perto — admite. — Mas continuo sentindo falta de alguma coisa. Você não olha para mim da mesma maneira que costumava fazer. Você não parece mais ser a mesma pessoa.

— Espero que isso não seja algo de todo ruim. Você também não é e não será mais a mesma. Talvez essa seja uma das razões pelas quais meu olhar está diferente. No entanto, estou recuperando alguns sentimentos do passado que tentaram apagar à força. — Tento dizer a ela com os meus olhos o que lhe declarei quando ainda estava adormecida.

— Você ainda sofre os efeitos do telessequestro? — Katniss pergunta.

— Acho que nunca vou deixar de ser perturbado pelo envenenamento e pelos flashbacks com as memórias distorcidas — explico. — Até o momento, não há uma cura real, mas os remédios e alguns outros cuidados me ajudam.

— Estou aqui me lembrando do estado em que você chegou ao Distrito 13. Sua atual condição é muito melhor do que poderia esperar — confessa.

Sem pensar, Katniss põe a mão em torno de seu pescoço, o que imediatamente me remete ao dia em que eu a ataquei, tentando enforcá-la.

— Acho que nunca disse isso a você. — Eu me aproximo dela e toco também o seu pescoço. — Sinto muito pelo que fiz.

Katniss simplesmente se afasta, sem nada dizer.

— Não queria assustar você agora — falo com tristeza. — Meus surtos já melhoraram bastante. Dos últimos que tive, apenas um não consegui controlar... Foi quando Gale me visitou no hospital.

A expressão de Katniss se endurece ao ouvir a notícia.

— Não tive a honra de ser visitada por ele quando estive internada na Capital — murmura um tanto indignada. — Você o atacou durante o episódio?

— Não. Minha crise não foi na presença dele e, de qualquer modo, foi preciso injetar tranquilizante em mim. Quando me recuperei, eu e Gale conversamos bastante, especialmente sobre você...

— Não estou interessada em saber! — Katniss me corta, mas prossigo:

— Foi muito importante ouvir o que ele tinha pra me dizer e me ajudou muito a decidir voltar pra cá — confidencio. — Acho que você poderia tentar ouvi-lo também.

— Já disse que não quero falar sobre isso e não pedi sua opinião a respeito — resmunga, visivelmente chateada.

A tensão já se instalou entre nós e Katniss se fecha ainda mais. Seu comportamento e suas palavras se tornam frios e distantes.

Constato tarde demais que não deveria ter tocado e, muito menos, insistido no tema.

Sua reação me afeta de modo negativo. Lembro-me das palavras do pai da Dra. Ceres sobre como ele e a esposa aos poucos descobriram o que desencadeava as recaídas dele:

"O tom de voz com que ela fala, certas palavras e o momento em que são ditas, o meu estado de espírito, alguma experiência vivida que me deixa mais propício a sucumbir..."

Nossa ligação ainda é muito frágil. Não posso colocar tudo a perder.

Katniss volta a falar, retomando o assunto anterior:

— Apesar de não estar curado, você ao menos tolera minha presença e não preciso mais algemá-lo pra ficarmos perto um do outro — afirma, numa tentativa de quebrar o gelo.

Nem tenho tempo de protestar pelo fato de ela mencionar que apenas tolero a sua presença. Haymitch surge sorrateiramente na cozinha, vindo da sala, aproveitando a deixa para implicar com Katniss:

— As algemas ainda podem ser úteis, queridinha. Num momento em que você esteja com boas intenções... Ou, melhor dizendo, com péssimas intenções! — Haymitch a instiga.

Katniss se surpreende com a entrada repentina de nosso mentor, mas logo se recompõe e volta a mostrar irritação, torcendo os lábios e fazendo uma careta que lembro vagamente de ter visto em algum lugar.

Mas é claro! Ela repetiu a expressão que me fez rir no elevador do Centro de Treinamento, quando Johanna tirou toda a roupa após a cerimônia de abertura dos 75º Jogos Vorazes. Não me contenho e sorrio novamente com a lembrança.

— Ah! Cala a boca, Haymitch! — esbraveja ela.

— É assim que você demonstra todo o seu apreço por mim? — continua ele, com seu jeito debochado.

— Pra quem deu o ar da graça depois de séculos, você está sendo muito bem recebido — rebate Katniss.

— Vai com calma, Haymitch — aconselho, mas é inútil.

— Não sabia que estava sentindo tanto a minha falta, docinho — zomba Haymitch, fazendo Katniss revirar os olhos com impaciência. — Vim checar se é mesmo verdade que você resolveu acordar pra vida.

— Acho que tenho que agradecer principalmente a você, Haymitch, pela sua grande ajuda — retruca Katniss, com ironia.

— Você faz milagres mesmo, hein, garoto? Agora faça o favor de deixá-la menos zangadinha. — Haymitch bate com a mão em minhas costas, como se estivesse me parabenizando.

Katniss fica bastante aborrecida com esse gesto dele e com a risada que tento disfarçar, mas não consigo.

— Bisbilhotou o que queria, Haymitch? Agora pode ir. — Ela praticamente o expulsa, apontando a saída.

Haymitch ergue as mãos em sinal de rendição.

— Estou indo e, pelo visto, não é por falta de adeus... — Ele acena e some tão rápido quanto apareceu.

Katniss já estava abalada com a menção a Gale. Após a visita de Haymitch, ela está bufando de raiva.

— Katniss, ele só estava brincando. Haymitch só disse aquilo quando chegou, porque, apesar de todas as mudanças que você sofreu, uma coisa não mudou: a sua pureza, que todos conhecemos desde os primeiros Jogos. Você continua pura... E perfeita aos meus olhos. — Tento diminuir a intensidade de sua ira, porém acho que só fiz inflamá-la ainda mais.

— Não achei nada engraçadas as insinuações dele. Já você... — Ela estreita os olhos em minha direção. — Por que você insiste em ignorar os erros das pessoas, em passar a mão na cabeça delas? Já fez isso hoje com Gale e com Haymitch.

— Katniss, não fiz por mal — murmuro.

— Saiba que tudo o que você faz, por bem ou por mal, afeta o destino das pessoas. E não estou falando só do que acabou de acontecer aqui. — O tom de voz de Katniss é tão glacial quanto seu olhar. — Por que você tem sempre que bancar o bonzinho?

Sua frase esconde a acusação de que meus atos de gentileza são falsos ou indesejados por ela. Isso me machuca intensamente.

"O tom de voz com que ela fala..."

— Bancar o bonzinho? Como assim? — indago com tristeza. — Não entendi aonde você quer chegar.

Algo sombrio vai dominando o espaço daquela sensação boa e leve que tomava conta de mim ainda há pouco.

Katniss parece não notar. Ela reflete por alguns instantes e respira fundo:

— Por que você não me deixou engolir aquela pílula? — Katniss reformula a questão, agora sem rodeios.

"...certas palavras e o momento em que são ditas..."

— Você tem razão ao duvidar dos meus motivos. Não estava sendo nada bonzinho naquele momento. — A mágoa que estou sentindo se transfere para a minha voz e para os meus olhos, dos quais, contra a minha vontade, escapam duas lágrimas pesadas.

— Peeta, não foi isso o que quis dizer! — Katniss soa arrependida, porém preciso concluir o que tenho pra lhe falar.

— Na verdade, aquele foi um dos meus gestos mais egoístas. Eu estava salvando a minha vida ao não deixar você morrer — desabafo.

Depois de proferir essas palavras, outras lágrimas rolam pela minha face. Katniss estende a mão para enxugá-las.

Não sei se ela desiste de me tocar ou se sou eu que me afasto antes de Katniss me alcançar. Corro para longe dela, antes que não possa mais me controlar.

Em seguida às lágrimas, sinto as pontadas agudas em minha cabeça e minha vista se escurece.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Até o próximo capítulo, que será sob o ponto de vista da Katniss.

Amo escrever com o Peeta narrando, mas é preciso transitar um pouquinho pelos pensamentos da nossa heroína, concordam?

Beijos!



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