A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 13
13. Nós protegemos um ao outro




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 Por Katniss

Vou depressa para a sala de estar e encontro Peeta curvado sobre a mesa, de frente para mim.

Aproximo-me dele e verifico que está apertando o recosto de uma cadeira com tanta força que parece que poderia estilhaçá-la sob os nós de seus dedos. As lágrimas que ele derramou e que não consegui enxugar mancham seu belo rosto.

Seus olhos estão bem fechados e sua face se contorce dolorosamente, enquanto gotas de suor brotam de sua testa. Ele está lutando para se livrar das lembranças terríveis que o apavoram, mas ao mesmo tempo parece tão indefeso...

Chego ainda mais perto e sussurro, por não querer assustá-lo ainda mais:

— Peeta, escuta... Não é real o que você está vendo. Volta pra mim.

No entanto, não obtenho resposta. A culpa pelo telessequestro dele é, em parte, minha. A culpa por ele estar nesse estado agora é toda minha. Sempre minha. Eu consigo estragar tudo, invariavelmente.

— Fica comigo, Peeta — elevo um pouco a minha voz para despertá-lo do transe, porém ela soa mais exasperada do que eu tinha intenção.

Seus olhos se abrem e é um choque não encontrar aquelas íris azuis inconfundíveis. Suas pupilas dilatadas olham em minha direção por poucos segundos e, em seguida, Peeta força-se a deslocá-las a um ponto fixo, bem distante de onde estou. Observo pelas veias saltadas em seu pescoço que a sua pulsação acelera ao me ver. O grito reprimido é mais desgastante para ele do que se houvesse vociferado essa carga emocional tão pesada.

Eu me posiciono por detrás dele e ponho as mãos em seus ombros. Posso sentir como seus músculos estão tensos. Peeta não se move. Ao contrário, ele fica paralisado com o meu toque.

— Peeta, você prometeu que ficaria comigo — falo com carinho.

Deslizo meus polegares suavemente, acariciando a parte superior das suas costas e dizendo baixinho:

— Não duvido de sua bondade. É por causa dela que ainda estou viva. — Tento em vão consertar as injustiças que falei pra ele há poucos minutos. — Não faz nem uma hora que você me chamou de 'meu amor'. Eu ouvi. Sua voz me resgatou de um pesadelo. De início, achei que não fosse verdade. Pensei que suas palavras fizessem parte da minha imaginação atormentada. No entanto, abri meus olhos e você estava lá comigo... Peeta...

Mais uma vez, nada acontece. Abaixo meus braços em frustração, porém não posso desistir. Então, envolvo Peeta pela cintura e encosto minha cabeça em seu dorso. Sua musculatura ainda está bastante rígida. Quero fazer esse sofrimento acabar. Preciso fazer alguma coisa para acalmá-lo.

Começo, então, a cantarolar a canção do Vale, a música que ele me ouviu cantar no dia em que me viu pela primeira vez. No dia em que se apaixonou por mim, quando era um menino de cinco anos.

Decorridos alguns minutos desde que entoei as primeiras notas, sinto seus músculos relaxando. Tenho certeza de que seu episódio chega ao fim, quando ele deixa a cabeça pender para a frente, com um suspiro alto de alívio. Eu me calo e ele se vira pra mim, com o semblante exaurido.

— Não pare de cantar, por favor — implora ele.

— Você está bem? — pergunto, fugindo de seu pedido.

Peeta faz sinal de positivo com a cabeça, porém é óbvio que as visões que ele acabou de ter o abalaram. Puxo a cadeira e o ajudo a se sentar nela, antes de ir até a geladeira para oferecer-lhe um copo com água. Quando volto, ele está com a testa apoiada em seus braços sobre a mesa.

Imagino a dor física que essas crises infligem a ele, além do terror psicológico. Deve ser algo dilacerante. Peeta sente minha aproximação e, sem erguer a cabeça, insiste:

— Canta pra mim, Katniss.

Deposito o copo à sua frente e hesito. Ele levanta os olhos em minha direção, aqueles olhos azuis, agora tão límpidos, que conseguem aquecer cada uma das minhas células. E sorri, ainda que fracamente, aquele sorriso capaz de me desestabilizar por completo.

Puxo outra cadeira e me sento a seu lado. Acaricio seus cabelos, fazendo-o esconder seu rosto mais uma vez em cima de seus braços. Se Peeta estivesse com os olhos cravados em mim, não conseguiria cantar com a mínima afinação. Volto a cantarolar, num tom suave, como os carinhos que continuo fazendo em seus cachos loiros.

Não sei quanto tempo se passa até que Peeta levanta seu corpo e faz sinal para eu me silenciar, com o dedo indicador sobre os lábios.

— Shh! Presta atenção — sussurra ele.

Eu obedeço, porém fico intrigada com o seu gesto e percorro os olhos em volta de nós, procurando por alguma ameaça, já assumindo a minha postura de caçadora.

— Os pássaros pararam de cantar para escutar sua voz! — Peeta brinca.

Eu solto a respiração que estava segurando e volto a me tranquilizar aos poucos, mas ele repara que o meu susto foi um pouco exagerado para o momento. A tensão que senti durante o flashback dele ainda não havia se dissipado completamente.

— Assustei você antes também, não foi? — Peeta constata com ar triste.

— Você não tentou me machucar em nenhum momento. Só fiquei apreensiva, por não saber como ajudá-lo — comento sinceramente.

— Mesmo sem saber como, você me ajudou — diz ele. — Suas palavras, sua voz e sua canção me trouxeram de volta.

— Preciso aprender a não provocar as suas crises. Sei que sou o principal gatilho delas — afirmo sem conseguir fitá-lo, enquanto me preparo para sair da cadeira.

— Não tenho o direito de pedir nada a você, mas não se afaste de mim, por favor — pede Peeta com voz trêmula, estirando os dedos para segurar meu pulso gentilmente.

Ainda que tente esconder, ele ainda não se recompôs do surto que acabou de sofrer.

— Não vou a lugar nenhum — asseguro. — Ficarei aqui até que você não precise mais de mim.

— Então, prepare-se para ficar aqui pra sempre, pois esse momento não vai chegar nunca. Jamais deixarei de precisar de você, Katniss — declara ele.

— Não podemos nos envolver dessa forma, Peeta. Eu, ao menos, não posso — afirmo e ele olha para baixo.

A decepção se instala em suas feições. Estendo minha mão e cuidadosamente coloco sobre a dele.

— No mínimo, temos que esperar até que nós dois estejamos recuperados — acrescento.

Não sei o que estou dizendo. Estou dando esperanças a Peeta? Será que tenho mesmo o direito de ter e de dar alguma esperança?

Ele fica calado por alguns segundos e, logo depois, surpreendo-me quando ele faz exatamente o que acabou de pedir para eu não fazer. Peeta se afasta e vai até a entrada da casa.

— Acho que nunca vou me recuperar, Katniss — admite ele. — Sempre serei o bestante em que Snow me transformou.

— Peeta... — começo a protestar e o sigo até a porta, porém ele sai e a fecha atrás de si, deixando-me sozinha.

Fico sem ação, a princípio. Depois, caminho até a cadeira de balanço próxima ao fogo e me acomodo nela. Buttercup vem me fazer companhia.

Não posso crer que imaginei que minhas palavras estavam dando algum alento a Peeta, quando, na verdade, só serviram para deixá-lo descrente de qualquer possibilidade de ficarmos juntos. O pior de tudo é não saber se isso é bom ou ruim, tanto pra mim quanto pra ele.

Se eu me distanciar a tempo, estarei preservando Peeta dos sofrimentos que inevitavelmente vou lhe causar, caso ele insista em se aproximar de mim. Ele merece alguém com quem possa formar uma família, ter filhos... E não uma pessoa como eu, estéril, não no sentido fisiológico, mas emocionalmente.

Eu não me perdoaria se o privasse de se sentir feliz por completo, por puro egoísmo meu. No final das contas, concluo que foi bom ter feito com que ele se sentisse rejeitado. No entanto, nada é assim tão simples.

Se foi bom, então, por que essa dor não abandona o meu peito? Por que essa vontade de ir correndo até ele? Por que me sinto feliz quando ouço passos de alguém se aproximando da porta?

Meu coração dispara, imaginando que Peeta está de volta. No entanto, a animação se esvai quando a pessoa do lado de fora encaixa a chave na fechadura. Não pode ser Peeta. Ele não tem a chave da minha casa.

Greasy Sae atravessa o batente e ao me ver no local de sempre, respira fundo e pergunta:

— De novo nessa cadeira, minha menina? O que aconteceu?

— Não foi nada. — Viro meu corpo para o outro lado, mostrando que não estou interessada em esclarecer coisa alguma.

Ela vai até o fogão, abre a tampa da panela que está sobre ele e prova um pouco do seu conteúdo.

— Humm. Deliciosa essa sopa! — elogia ela, enquanto pega um prato e uma colher. — É pena que estivesse intacta até eu chegar. Não tenho muito o que fazer, pois a janta já está pronta, mas não vou embora.

Greasy Sae segura minhas mãos e, apesar da minha relutância, conduz-me até a mesa e me serve uma bela porção de sopa. Do tamanho da minha fome. Ela não exagerou e a sopa está mesmo muito saborosa, de modo que logo esvazio o prato.

— Quer repetir? — pergunta ela, já sabendo que sim, pois se acerca de mim com a concha cheia antes mesmo que eu responda. — Agora você está mais animada pra conversar? Ainda quero saber o que houve.

— Está bem. Eu conto — assinto, contrariada.

Então, narro brevemente o que aconteceu depois que ela saiu daqui.

— E o que você pretende fazer agora? — indaga a velha senhora.

— Quero sumir, desaparecer... Não quero viver mais, pra não cometer mais nenhum erro — murmuro.

— Oh, minha filha, as pessoas erram. Depois, a gente mesmo ou o tempo dá conta de consertar! — Greasy Sae me consola.

— Mas minhas falhas são sempre as piores. Não têm conserto. Prim está morta...

— O que não tem remédio remediado está, Katniss! — A interrupção dela é enérgica, mas não desrespeitosa. — Vamos tratar do que se pode resolver ainda, antes que seja tarde demais.

— Já é tarde demais. Peeta nunca mais ficará bem — rebato.

— Por que você diz isso? Em minha opinião, Peeta está bem. Ele tem que conviver com essa dificuldade, mas está bem e está buscando ficar bem ao seu lado.

— E já consegui estragar isso. Desde que ele voltou, parti seu coração duas vezes pelo menos. Não posso mais me permitir fazer isso com ele.

— Não siga por esse caminho de renúncia, Katniss. É a única coisa que peço. Dê essa oportunidade a Peeta e a você mesma.

Apenas balanço veementemente minha cabeça em negação. Nenhum de seus argumentos me convenceu de que eu possa reverter os males que fiz ou mesmo proporcionar alguma coisa boa a quem quer que seja, especialmente ao Peeta.

Greasy Sae suspira e retira a louça e os talheres da mesa. Eu a ajudo a lavar e guardar. Não dizemos mais nada uma para a outra e ela vai embora.

Estou mesmo decidida a criar uma barreira de gelo na qual eu me isole do mundo. Só assim conseguirei resguardar o pouco que restou a Peeta, depois de tudo o que retirei dele. Sua família, sua paz, sua esperança.

Dele, só me restará a pérola. Vou buscá-la no quarto, onde lembro de tê-la visto pela última vez, porém não a encontro. Procuro desesperada por sobre a cama e pelo chão, mas a pérola não está em parte alguma.

Não posso acreditar que não poderei guardar nem mesmo o símbolo do que foi um esboço de felicidade que me permiti sentir um dia.

O choro que estava guardando desde cedo, desde quando vi Peeta derramar lágrimas também, vem com toda a força.

Desço as escadas desolada, já pensando em me afundar na velha cadeira de balanço, porém ouço batidas na porta.

Quando a abro, eu me deparo com Peeta, carregado com diversos pacotes. Não consigo dizer nada, pois minha voz se perdeu entre soluços. Ele rapidamente deixa tudo no chão e me abraça:

— O que houve, Katniss?

Eu me pergunto como pude pensar em renunciar a esse abraço e a essa voz cheia de ternura. No entanto, logo me lembro de que é para o bem dele, para que seu caminho esteja livre e, assim, ele encontre uma boa esposa, com quem possa realizar seus sonhos.

— A pérola — consigo finalmente dizer. — Eu a perdi.

— Não! Ela está guardada! — Peeta me tranquiliza.

Agora as lágrimas caem entre sorrisos.

— Peeta, por que você se importa tanto comigo?

— Eu me importo por muitos motivos, mas principalmente porque estou redescobrindo meu amor por você, Katniss — confessa.

— Seu amor por mim deve ser apenas mais uma ilusão criada em sua mente.

— Do que você está falando?

— Seu cérebro foi todo embaralhado e, depois, bombardeado com a informação de que você me ama, várias e várias vezes. Isso fez você pensar que é assim que se sente em relação a mim — concluo.

— Se isso que você está dizendo fosse verdade, nunca teria duvidado do que eu estava sentindo e, até a manhã de hoje, só o que tinha em minha cabeça eram dúvidas — argumenta ele. — Respeito a sua decisão de não querer me dar uma chance, mas não diga que é porque não acredita no meu amor.

Não posso alimentar esse sentimento dele e Peeta acabou de me dar os meios de afastá-lo de mim. Eu que sou a fonte dos sofrimentos e infortúnios de tantas pessoas, principalmente dos dele.

Então, fito o chão e digo a maior e mais dolorosa mentira que já proferi para Peeta:

— Não acredito no seu amor.

— Diga isso olhando nos meus olhos! — Peeta demanda, de modo firme.

— Não. Não preciso repetir. Você entendeu — nego, pois nunca conseguiria reproduzir o que falei, se o estivesse encarando, e Peeta sabe disso.

Ele ergue meu queixo gentilmente e não há como escapar das profundezas de seu olhar.

— Diga agora.

— Não sei como você pode me amar — afirmo, buscando uma frase que não seja uma mentira deslavada como a que disse anteriormente.

A reação dele é sorrir aliviado.

— Não saber como eu posso amar você é algo muito diferente de não acreditar no meu amor.

Fico envergonhada, pois ficou evidente que não disse a verdade.

— Só queria entender a razão de inventar desculpas para eu me distanciar de você — menciona ele, sem estar necessariamente se dirigindo a mim, como se pensasse em voz alta.

Quase posso ver seu cérebro trabalhando, maquinando uma resposta para a sua questão. Até que ele se vira para mim e fala:

— Ah, eu entendo. Entendo perfeitamente. — Seu sorriso lentamente se desfaz.

— O que você entende perfeitamente? — pergunto, receosa em ouvir a resposta.

— O motivo pra você continuar me dizendo tais coisas, querendo me afastar... Você ainda está tentando me proteger. Verdadeiro ou falso?

— Verdadeiro — reconheço calmamente. — Porque é isso o que fazemos...

— Nós protegemos um ao outro! — Peeta completa a frase. — Mesmo que seja de nós mesmos... Katniss, você só se esqueceu de que essa é uma via de mão dupla e estou aqui pra protegê-la também.

Peeta se aproxima mais de mim e me dá um beijo na testa, irradiando um calor capaz de aquecer toda a frieza que tentei incutir inutilmente em meu coração.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Gostaram da narrativa feita sob o ponto de vista da Katniss?

Opinem, façam sinal de fumaça! Feedback é sempre bem-vindo! ;)

Até breve!



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