Acho que não é só amizade escrita por Nenda


Capítulo 3
Capítulo 3




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Eu podia ter gasto meu intervalo com qualquer coisa – comendo pudim, sendo protagonista de uma conversa pervertida entre a Lucy e a Levy -, mas acabei por perder meu tempo, e um pouco da autoestima, tentando chamar a maldita atenção daquela menina apática e mestra em fingir a inexistência alheia. Perdi a conta de quantas vezes cutuquei aquela estranha e foi como se nada tivesse acontecido, ela continuou olhando através da janela como se a mais bela paisagem estivesse ali.

— Isso cansa, sabia? — questionei, irritado, me sentando na sua mesa, de frente para ela, meus pés apoiados nas suas coxas só para provocá-la. — Eu passei no banheiro e acho que pisei numa poça de xixi... — arrastei as pontas dos tênis nela, lentamente, mentindo, pois desde o ano passado só fui uma vez ao banheiro da Fairy Tail, e tive uma experiência horrível.

Mas minha intenção obteve resultados, a Lockser girou a cabeça para me encarar, um olhar zangadíssimo me mirando, seu rosto ficando vermelho rapidamente.

— Tira. — ordenou entredentes, com aquela forma contida de quem quer na verdade matar alguém.

— Você vai ouvir o que eu preciso te dizer?

Ela olhou meus tênis sugestivamente, então tirei-os dali e os deixei pendendo ao lado do seu corpo.

— Obrigado. — apoiei as mãos atrás de mim, ainda na mesa, e me inclinei um tanto para trás, admirando o teto enquanto tentava lembrar o que eu iria falar. — Ah! — voltei para a frente de repente, assustando-a – o que me fez rir, impulsivamente. — O diretor me explicou sobre isso da sua escola ter dado assuntos diferentes aos alunos, sabe? Ele pediu que eu te ajudasse com umas matérias, por umas semanas. Pra você acompanhar os novos assuntos. Nada demais.

Lockser franziu um pouco as sobrancelhas e me fitou, ainda sem demonstrar algum sentimento. Eu senti que havia sido gentil demais com aquele ser maligno branquelo.

— Mas, se você não prestar atenção no que eu disser e nos prender num assunto por muito tempo, eu vou te punir. — falei o mais sério que consegui, vendo-a entreabrir os lábios, mas logo os fechar. — Qual o seu nome, afinal?

Ela virou a cara, retornando à droga da janela — Não interessa.

— Interessa bastante. Ou você prefere que eu te apelide? — arqueei uma sobrancelha, observando-a por um breve momento atrás de algo interessante. — Azuladinha.

Ela pareceu ofendida, e, do lado oposto da sala, o outro novato tentou conter uma risada, mas não conseguiu.

Sorri maldosamente — Então, qual o seu nome?

Os olhos enormes e azuis dela entrecerraram, intensificaram nos meus, e eu entendi como se novamente minha provocação tivesse surtido a reação que eu queria.

— Não te interessa. — ela disse de forma gélida, mas suas bochechas aparentavam estar quentes, rosadas num tom clarinho. Então a Lockser virou a cara, pela terceira vez, em direção à janela, e o sinal de fim de intervalo tocou.

Erza e Lucy logo entraram na classe, e a loira me olhou com entusiasmo, o que não pude corresponder convincentemente. Fiz biquinho e pulei da mesa, saindo dali sem perder meu tempo dizendotchau, já que provavelmente não seria retribuído.

— Nome? — mal me aproximei e Levy já pulou nas minhas costas, eufórica.

— Ela não disse — sorri de lado, sem vontade, e a baixinha murchou, me largando e indo encostar-se na minha mesa.

— Um dia o seu threesome chega, Levy — Erza tentou consolar, me puxando para minha cadeira. — Você me deve um pudim.

— Pensa rápido! — Natsu berrou da porta, arremessando um potinho para mim, que quase não consegui pegar. — Eram três, mas o Gajeel e eu comemos os outros, foi mal.

— Cadê ele? — perguntei, olhando ao redor um pouco curioso. Só lembrava de tê-lo visto no primeiro dia de aula, e ele estava estranho.

— Sumiu no corredor. — veio se sentar na minha mesa, me encarando empolgadamente. — Então, como foi?

Eu me senti, pelo resto do horário de aulas, como uma menina cercada das amigas curiosas, fui bombardeado de perguntas como se tivesse ido ao meu primeiro encontro da vida com um cara misterioso que todas desejavam conhecer.

Minha mãe, ontem, lembrou que eu havia chegado da tortura de um mês na casa do meu pai e, quando voltei do colégio, me surpreendeu com um bolo de chocolate enorme, e o melhor: só meu, nada de dividir com o Lyon. Eu deixei um tanto escondido no fundo da geladeira para comer hoje, depois da escola, e o tirei e fui para o sofá sem sequer ir deixar a mochila no quarto antes.

— Quer? — ofereci à dona Ur, estendendo um garfo com um pedação enorme para ela, que riu, balançando a cabeça para os lados.

Nós ficamos sentados juntos por um longo período, assistindo a um filme, calados. Eu vez ou outra perguntava as horas, pois tinha que ir às sete ao apartamento da Lucy para uma reunião convocada pela Erza por alguma razão secreta que não pôde ser dita na escola. Estava cansado, e quase dormindo no colo da minha mãe, mas, pelo fato de o Lyon não estar em casa no momento que cheguei, decidi que iria nem que fosse me arrastando – geralmente, quando o Lyon não está em casa à tarde, quer dizer que à noite ele volta com companhia e eu serei obrigado a ouvir os gemidos desesperados de quem quer que ele traga.

Fui para o meu quarto umas seis e tanto – não sou muito de ver os minutos, só me interessam as horas -, organizar o que eu levaria e tomar banho. A preguiça era tanta que eu só lembrei de acender a luz do banheiro depois que por pouco não caí lá dentro.

Aproveitei a noite fria para vestir uma blusa preta de mangas longas que sempre gostei de usar nessas ocasiões – de frio – e me abaixei no chão, próximo à cama, para pegar algum tênis ou coisa assim, só ali me dando conta de que a luz do meu quarto também estava apagada. Senti um calafrio.

Não foi por medo do escuro, não, é que atrás de mim havia um espelho grande, e eu não gosto de espelhos durante a noite, sempre imagino que passarei por ele e meu reflexo se manterá lá e me seguirá com os olhos – vi isso em algum filme e desde então sou traumatizado.

Tentei esquecer e apalpei debaixo da cama, alcançando um par de tênis simples e saindo correndo dali logo em seguida, com a mochila pendurada num ombro e os olhos mirados só no que havia à frente: o breu em todo o segundo andar.

— Mãe, depois cobre o espelho, por favor? — pedi, descendo o último degrau da escada, sentindo meus batimentos aliviarem por estar na presença da mamãe.

— De boa. — ergueu o polegar – um joinha – e me olhou, enquanto eu calçava desajeitadamente os tênis e andava em direção a ela, para em seguida dar-lhe um beijinho. — Até amanhã.

Eu avisei sobre onde estavam meus fones de ouvidos para o caso de os dela falharem, como aconteceu um dia desses, então saí, um pouco apressado por ter negligenciado os minutos e agora estar atrasado e correndo risco de enraivecer a Erza.

Só que, ao fechar a porta atrás de mim, a imagem que tive me fez perder a preocupação.

Não acreditei, a princípio, no que via e cocei os olhos umas duas vezes, até concluir que quem estava prestes a dobrar a esquina era a Lockser. Não, Azuladinha. Só podia ser ela, com aqueles cabelos azuis presos num coque, a pele branquela e o andar rápido. Corri quase que desesperadamente para alcançá-la, desacelerando ao me aproximar.

— Você mora por aqui? — perguntei sem conseguir esconder um sorrisinho entusiasmado – o que me fez repreender a mim mesmo por não manter a pose de garoto rude -, e, ao virar-se e me ver, os olhos dela arregalaram e seus passos ficaram mais apressados. — Espera!

— Sai de perto! — ela começou a marchar para longe, quase correndo, e eu soltei um risinho ao que o vento começou a soprar forte.

— Se você correr, não duvide que eu vá me aproveitar dos momentos que a sua saia levantar! — enunciei, malicioso, vendo-a parar de súbito e me olhar com certa raiva, suas bochechas mais avermelhadas do que quando conversávamos na sala de aula. — Tá indo pra igreja?

— Não interessa. — se encolheu, segurando a saia comprida e virando a cara para a direção oposta a minha.

— Pois é... — mordi o lábio, passando a caminhar lado a lado com ela. — Você mora por aqui ou não? Nem tente dizer que “não interessa”, se não eu vou perguntar de casa em casa!

— Pra que você quer saber?

— Não sei — dei de ombros, me esforçando para enxergar melhor o caminho escuro de onde nos aproximávamos. — Você não tem medo de andar por aqui sozinha?

— Disseram que a cidade não é perigosa.

Um miado assustado ecoou pela rua, e ela olhou ao redor, aparentando ter medo e estar em alerta, de um jeito engraçado.

Me inclinei, chegando com a boca próxima à orelha dela — Você não gosta de gatos? — cochichei curioso, e a Azuladinha tremeu com força, em seguida, sem me dar tempo de rir, acertando a mão na minha cara com uma potência que por pouquíssimo não me jogou no chão. A observei, impressionado, durante uns segundos, e a Lockser evitou me olhar. — Como você pode não gostar de gatos?

Nós andamos em silêncio por minutos, pois ela não abria a boca, e eu estava atordoado e sentindo minha cara arder muito onde a sua mão bateu. Mas começava a incomodar ficar calado, principalmente porque tudo ficou mais gelado do que deveria – e falar me distrairia do frio -, de forma que se estivéssemos dentro de uma das pracinhas eu me agarraria em uma árvore em busca de qualquer calor que ela pudesse me oferecer, mesmo que mínimo. Até pensei em fazer isso com a menina ao meu lado, mas não queria provar mais uma vez aquela força esquisita, o risco de morte por hipotermia, na minha cabeça, era menor que o risco de morte por um outro tapa dela.

— Aonde você vai? — questionei, quando avistei o apartamento da Lucy ao longe. — É por aqui?

— Não.

Admirei toda a escuridão daquela noite, as ruas vazias e assustadoras — Você não quer que eu chame os meus amigos? Aí a gente te leva até sei lá aonde você vai e...

— Preocupado? — notei um traço de deboche e incredulidade na sua voz.

— Não, é que... — pigarreei, pensando em uma justificativa, antes que a Lockser risse de mim. — Tecnicamente, sou seu “professor” desde ontem, e eu... bom... podia começar a te ensinar umas coisas a partir de agora.

— O que você poderia ensinar indo junto?

— Dependendo do caminho que tomássemos, eu poderia te dizer quais são as melhores lanchonetes, as melhores pracinhas, os melhores atalhos pra o lugar que você pretende ir... — sorri, orgulhoso por ter dito isso sem problemas, e também empolgado por imaginar um passeio uma hora dessas. Eu parei onde deveria ficar, e ela deu uns passos à frente, depois parando e olhando o lugar. — Qual o seu nome? — repeti, com alguma esperança de descobri-lo.

Um cantinho da boca dela se ergueu num sorrisinho, eu tive certeza, mesmo minúsculo, era um sorriso — Não interessa.

Enfiei as mãos nas mangas da blusa para não congelar e a assisti ir, até onde pude, antes de ouvir a porta atrás de mim abrir e olhar curioso, encontrando o Gajeel, que desceu os degraus com pressa.

— Finalmente chegou, bastardo mal educado — ele não pareceu muito contente com a minha presença, eu só não sabia por quê. — Amanhã eu quero falar com você, agora não tenho tempo — começou a tomar distância. — Vou te ensinar a ser mais gentil com quem você não conhece, ok?

Eu não entendi uma vogal do que ele quis dizer com aquilo, mas dei de ombros, e ele sumiu na escuridão, a passos rápidos para longe.

— Tá atrasado, Gray!


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Notas finais do capítulo

Ainda vou escrever o próximo x]



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