Kyle não fica para dormir ali, por mais que eu quisesse. Estou começando a me tornar muito dependente de sua presença e isso está me assustando. Estou segurando a porta amarela do apartamento enquanto nos olhamos. Meus cabelos com certeza estão bagunçados, estou vestindo a camiseta branca que ele deixou ali.
—Te vejo amanhã? - ele pergunta e boceja.
Sorrio e acabo bocejando também.
—Se você quiser. - dou de ombros.
Kyle sorri e me puxa para perto do seu corpo. Me dá um beijo rápido.
—Claro que quero.
Dou uma risadinha e mordo o lábio inferior.
—Então até amanhã.
—Amanhã é quinta-feira, certo? - ele pergunta e eu concordo com a cabeça.
—Por que? - pergunto.
Ele suspira e passa a mão pelos cabelos.
—Na sexta terá uma festa na fraternidade de novo. - ele dá de ombros. - Todo mundo vai, entende? Você... Quer ir?
—Ah, entendi. - falo e franzo o cenho.
Não é algo que eu queria, sinceramente. Mas não vou ficar entre Kyle e seus amigos e não tenho o direito de falar para não ir.
—Eu... Vou ver se posso ir. - dou de ombros. - Eu vou trabalhar na sexta, sabe? Mas, quem sabe.
Ele assente e boceja novamente com as mãos nos bolsos.
—Eu vou indo boneca. - ele me dá um beijo e eu o prolongo colocando as duas mãos em seu rosto.
Sinto as mãos dele nas minhas costas, subindo e descendo. Ele olha para meu rosto e suspira.
—Obrigado por me fazer me sentir um idiota por ir embora.
Dou risada.
—Desculpa. Boa noite, Kyle.
Ele pisca para mim e se vira para ir para o elevador. Fico observando ele entrando com sua jaqueta de couro e ar de badboy. É engraçado esse ar que ele tem e muito atraente! Sinto vontade de rir. Seus olhos estão me fitando enquanto a porta de aço se fecha. Volto para dentro do apartamento depois de o elevador levar Kyle dali.
Vou para a cozinha e pego um copo. Levo até a torneira e encho até a metade. Bebo a água lentamente, em pequenos goles enquanto penso em como estou me sentindo... Feliz? Sim, estou me sentindo feliz por estar com Kyle. Não é como se fôssemos namorados. Não tínhamos rotulado nada, mas, estávamos de certa forma juntos, certo? E isso me dava borboletas no estômago.
Eu me sentia diferente com ele. Eu podia ser absurdamente estúpida, falar o que eu quisesse, comer o que eu quisesse e me comportar sem pudor, porque éramos eu e ele. E ele começou a me mostrar um lado meu que eu não conhecia.
Volto para o meu quarto e fecho a cortina bege. Não quero o sol me cegando de manhã. Volto para o emaranhado de lençóis desforrados na cama e me deito. Estou cansada, mas me sinto elétrica. É o que ele faz comigo. Estou sempre sentindo-me elétrica perto dele, ansiosa. É estranho e viciante. É aquela sensação que te vicia, que quanto mais você prova, mais você quer ter.
Eu gostava da sua companhia, gostava do seu jeito comigo, tanto o protetor quanto o incrivelmente safado. Dou risada ao pensar nisso. Eu só não estava muito feliz em ter que suportar seus amigos. Se eu pudesse nunca mais vê-los, seria uma boa, mas o fato era que isso não seria possível. Eu tinha que ir na tal festa, afinal, Lara também estaria lá. Não gostava da ideia de ela estar perto de Kyle. Será que Chloé também iria? Eu gostaria de que ela falasse comigo. Não sabia o que ela acharia de eu e o seu primo saindo, mas tinha esperanças de que ela não se importasse.
Agarro um travesseiro com a fronha gelada e o abraço. Fecho os olhos e espero pacientemente o sono me atingir.
***
Na manhã seguinte, não está chovendo, mas o vento gelado é constante contra meu corpo a caminho da academia de ballet. Decido comprar um café na Starbucks. Lá dentro, o ar é quentinho e tem um forte cheiro de café que faz meu estômago vazio roncar com mais intensidade. Estou morrendo de sono e frio, vestindo uma calça jeans preta, um all-star vermelho e um suéter de lã vermelho. Coloquei em volta do meu pescoço um cachecol de crochê branco e meu cabelo está preso como sempre. Estou pensando em tirar o ombré-hair loiro. Mas é só uma ideia. Gosto só meu  cabelo assim.
Peço um latte com baunilha extra e espero em uma fila grande. Fico olhando para a vitrine cheia de donuts coloridos e gostosos. Minha alimentação mudara drasticamente desde que me mudei para Nova York.
Ouço a porta do local se abrir e uma risada escandalosa tomar conta do local. A voz feminina é conhecida e quando olho para o lado sinto meu corpo todo se arrepiar de repulsa. Não acredito que aquela... Vaca está ali.
Lara está usando uma calça jeans branca e um casaco jeans com uma bota preta. Ela está com um batom vermelho carregado e os cabelos pretos soltos. O jeito com que ela me olha me irrita e tenho vontade de jogar o café que ainda não está na minha mão na cara dela. Me dou conta de que ela está com outra garota que olha para mim também. Ela se afasta e vai para a outra fila, a que serve para fazer os pedidos. Quero que o cara que está na minha frente pegue logo seu café para eu sair dali.
Não fico olhando para ela, pelo menos tento ignorar sua existência. Contudo, é quase que impossível. Sua risada escandalosa toma conta do lugar novamente e muitas pessoas olham para ela, inclusive eu. Sinto meu rosto queimar quando vejo ela cochichando algo sobre mim com a garota de cabelos castanhos ao seu lado. Ambas dão risada olhando para mim. Eu poderia ser baixa como ela e ir tirar satisfações e perguntar "Do que você está rindo, sua ridícula?". Mas decidi ficar quieta na minha e esperar com uma paciência fingida por meu café.
Parada ali, só tenho mais certeza de que tenho que ir nessa festa. Não posso deixar Kyle com ela. Ela não é confiável. É uma cobra.
O homem na minha frente finalmente pega o seu café e depois é a minha vez. Pego o copo envolto em uma tira grossa de papelão com o logo da Starbucks e saio da loja antes que eu realmente jogue meu café na cara daquela vagabunda.
Tomo um gole grande do café do lado de fora, na calçada. O líquido desce pegando fogo por minha garganta e me aquecendo de imediato. Recomeço meu caminho até a academia de ballet que fica pertinho dali. Meu celular vibra no bolso. Eu o pego e vejo o nome de Kyle na tela. Deslizo o dedo pela tela e leio a mensagem.
"Bom dia :)".
Sorrio. A mensagem me deixa com mais calor que o café. Digito com uma mão uma mensagem de volta e ela sai com alguns erros.
"Bom dia, dor mi u bem?"
A resposta vem em segundos.
"Muito bem. Estou no momento no meu carro, em frente a NYU pensando em como eu gostaria de estar em outro lugar agora".
Paro de andar de repente e digito com as duas mãos.
"Onde você gostaria de estar?"
"Provavelmente dormindo na sua cama super confortável e bem arrumada".
Dou risada e me dou conta de que estou parada no meio de uma calçada movimentada de umas das avenidas principais de Nova York. As pessoas que passam por mim me olham com o cenho franzido.
":)" - é o que eu respondo e continuo a andar em direção ao prédio de pintura descascada.
***
Quando chego na academia de ballet, não há muitas pessoas, mas Chloé já está lá, sentada em um dos bancos de madeira arrumando sua sapatilha rosa. Quando ela me vê entrando com o café na mão, sorri ansiosa sem mostrar os dentes. Tomo isso como um sinal para que eu vá falar com ela. Ando em sua direção e sento ao seu lado.
—Oi. - ela diz com o corpo virado para mim. - Eu queria mesmo falar com você.
Sorrio para ela sem mostrar os dentes e concordo com a cabeça.
—Olha, eu sei que ficou um clima estranho depois daquele dia que  eu falei para você aquelas coisas, mas foi o Kyle que falou para eu falar e...
—Chloé. - interrompo-a segurando sua mão. - Está tudo bem.
Ela olha para a minha mão segurando a dela e depois para o meu rosto. Sorrindo ela me envolve num abraço apertado e sufocante.
—Desculpa mesmo, Alice. Eu fiquei muito mal, queria falar com você e você começou a faltar... - ela não termina a frase e olha para o meu rosto. - Agora, você tem que me contar muita coisa, começando pelo porquê de estar no apartamento do Kyle naquele dia. Apesar de eu já desconfiar.
Dou uma risadinha e reviro os olhos.
—Não é nada disso. Não aconteceu nada.
Aquilo era uma pequena mentira. Mas agora não era hora de contar nada para ela.
Ela sorri.
—Você tem um tempinho antes de ir para o Dangerous Woman?
Concordo com a cabeça.
—Que bom, porque você tem que me contar muita coisa.
A sra.Nora entra na sala nesse instante e eu arregalo meus olhos quando vejo que Lucas está ao seu lado, conversando com ela e ambos estão rindo. Chloé segue meu olhar e sorri.
—Digamos que eu tenho que te contar algumas coisas também.