A aula começou com um clima tenso. Nora finalmente disse quem ela queria que participasse do Cisne Negro e eu era uma delas. Eu estava muito feliz por isso, mas ansiosa também. Recebi vários olhares tortos de algumas pessoas-da maioria- mas eu não podia ligar pra isso. Lucas e Chloé também iam participar e nós três estávamos partilhando da mesma felicidade. Os papéis ainda não tinham sido definidos. A manha na academia de ballet passou voando naquela quinta-feira e eu e Chloé nos apressamos a sair já que ela queria conversar comigo.
Fomos para a Starbucks e nos sentamos do lado de fora em uma das mesinhas redondas e pretas.
–Você quer alguma coisa? - ela perguntou. - Eu vou pegar um café puro porque estou com dor de cabeça
–Quero um suco de amora.
Ela entra na loja me deixando sozinha com sua bolsa e a minha na mesinha e eu encaro o céu repleto de nuvens rechonchudas que impedem o sol de aparecer. O vento está gelado e fico feliz por eu ter tido o bom senso de ter me agasalhado.
Olho para dentro da loja e vejo Chloé conversando com o atendente e sorrindo enquanto ele coloca seu café no copo grande e branco. Me lembro de Lara mais cedo. Que raiva daquela garota! Odiava o fato de ela se achar confiante demais para ficar rindo de mim. Era sempre assim comigo. Não sabia o porquê as pessoas no colégio também se sentiam no direito de cochichar sobre mim e rirem da minha cara. Era profundamente irritante e um dos motivos que me deixara com uma raiva profunda de Lara, era por isso. Eu até poderia falar sobre isso com Kyle, mas talvez seja isso o que ela queira. Eu não darei esse gostinho a ela.
Espero alguns minutos a mais e então Chloé sai da cafeteria com um copo de café na mão esquerda e o meu copo de suco de amora com um canudo verde na outra. Ela sorri e me entrega.
–Eu amei seu cachecol, é muito estiloso. Seria mais lindo ainda se fosse preto.
Dou risada.
–Você ama preto, não é?
Chloé se senta na cadeira de frente para mim, a mesinha redonda entre nós.
–Sim, preto é a melhor cor que existe.
–Pensei que preto fosse ausência de cor.
Chloé revira os olhos para mim.
–Não estamos aqui para falar disso, não é? Agora para de me enrolar e conta tudo.
Levo o canudo verde até a boca e tomo vários goles do suco roxo. O que ela quer que eu conte?
–O que você quer que eu te fale exatamente?
–Você e Kyke estão namorando?
Franzo o cenho. É uma situação complicada. Não sei se é bem essa a palavra.
–Ah... Não sei bem.
Chloé arregala os olhos.
–Então vocês estão mesmo saindo? - ela pergunta exclamando e se curvando para frente.
Franzo o cenho e faço um "shh", depois olho em volta.
–Olha, é complicado. - dou de ombros.
– O que você estava fazendo no apartamento dele aquele dia?
Suspiro.
–Eu fiquei bêbada na sua festa.
Chloé da risada.
–Todo mundo ficou.
–E Kyle me levou pro apartamento dele.
Chloé sorri e bate palmas, claramente animada.
–E vocês transaram! Vocês já estão naquela fase onde vocês só conversam e fazem sexo?
No mesmo instante sinto meu rosto ferver. Ela é tão inconveniente!
–O que? Não!
Bom, não naquela mesma noite.
–Olha, ele dormiu no sofá e ai no outro dia a Lara apareceu lá e fez um escândalo e me chamou de um monte de nomes.
Chloé franze o cenho.
–O que ela falou?
Respiro fundo e dou mais umas goladas no meu suco.
–Falou que eu não era melhor do que ela e que o Kyle ia acabar voltando pra ela. - dou de ombros. - E me xingou.
Chloé revira os olhos.
–Essa Lara é uma idiota mesmo. A gente só suporta ela. Mas, - ela leva o copo de café até a boca e toma alguns goles. - e depois disso?
Mordo o lábio inferior e olho para o meu copo de suco pela metade.
–Ah meu Deus! - ela exclama e se debruça na mesa redonda. Olha para o meu rosto e fala em tom de voz baixo - Vocês transaram!
Fecho os olhos e ouço ela rir e bater palmas.
–Não foi bem isso o que aconteceu. - abro os olhos e olho para o rosto sorridente e iluminado de Chloé. Sua jaqueta de couro está aberta revelando a blusa branca por baixo.
–Sei, sei. Mas vocês já transaram?
Reviro os olhos e ela ri.
–Já entendi tudo. - sorrindo ela olha em volta e depois torna a olhar para o meu rosto. Agora está séria. - Olha, eu acho ótimo. O Kyle é uma boa pessoa. Ele tem os defeitos dele, ele tem nossos amigos que são uns idiotas muitas vezes e ele já passou por muitas coisas, entende? Mas ele é ótimo. Fico feliz por vocês estarem namorando ou saindo ou sei lá o quê.
Sorrio para ela sem mostrar os dentes.
–Ele me falou da mãe dele.
Chloé assente e suspira.
–Foi uma época muito difícil. Todos nós sofremos muito, mas principalmente o Kyle. Ele e a tia Claire eram muito apegados. Meu tio também sofreu muito e isso desencadeou muitos problemas na nossa família. O Kyle se perdeu e quando nós o encontramos quase morto da primeira vez, com os pulsos...
–O quê? - pergunto franzindo o cenho e me curvando sobre a mesa.
Sinto meu coração disparado no meu peito. Chloé morde o lábio inferior e depois balança a cabeça.
–Eu sou uma boca grande mesmo! Achei que ele tinha te contado.
–Ele... Tentou se matar? - pergunto com a voz falhando.
Nesse mesmo instante uma ambulância passa a todo vapor na rua com as sirenes ligadas. Tudo faz sentido agora. As cicatrizes! As cicatrizes em seus pulsos.
–Olha Ally, - Chloé segura minha mão em cima da mesinha preta e redonda. - Eu falei demais. É sim. Ele tentou, mas, acho que eu não deva falar mais nada. Se você quiser saber mais, você pode perguntar pra ele. Talvez ele não tenha te contado porque ele tem vergonha, entende?
Concordo com a cabeça, atordoada e olho em volta. Minha cabeça está latejando e há pessoas demais andando de um lado para o outro, carros demais passando um atrás do outro, barulho demais!
Olho para Chloé, que me olha ansiosa, e tento sorrir.
–Olha, eu preciso ir. Tenho que ir trabalhar.
Ela assente e se levanta da cadeira no mesmo instante que eu.
–Ah, o Lucas e a sra.Nora saíram! Isso não é bizarro e legal ao mesmo tempo? O Lucas está tão apaixonado por ela.
Concordo com a cabeça e ando ao seu lado na calçada enquanto ouço vagamente o que Chloé está dizendo. Não consigo parar de pensar na revelação acidental que ela fez.  Não consigo parar de pensar nas cicatrizes finas nos pulsos de Kyle. Elas sempre me chamaram atenção, mas nunca pude desconfiar de algo desse tamanho. Pensar em Kyle tentando tirar a própria vida abre um buraco no meu peito.
Não estou ouvindo o que Chloé está tagarelando ao meu lado, não estou prestando atenção em nada. Gostaria muito de parar de pensar naquilo, mas o pensamento me atormentou o resto do dia.