Sinto meu estômago se revirar ao ler aquele nome. Desço da pia e passo por Kyle que desliga o telefone sem ao menos atendê-lo. Que inferno essa garota!
Entro no quarto e ouço os passos de Kyle se aproximando.
–Ei. - ele diz e segura meu braço.
Suspiro e viro-me para olhá-lo.
–Isso não vai dar certo, não é? - digo.
Kyle solta meu braço e passa a mão pelo cabelo.
–Você tem alguma coisa com ela, não tem?
–Não. - Kyle responde cauteloso. -Quero dizer... Não um relacionamento. Apenas...
Ergo a mão pedindo para ele não falar mais nada e me sento na beira da cama. Fecho os olhos e apoio meus cotovelos em cima das minhas coxas. Apoio meu queixo nas mãos e fito o piso branco do meu quarto.
–Ei, olha pra mim.
–Não Kyle. Isso não vai dar certo. - dou de ombros. - Vamos acabar nos afastando novamente e aí vai acontecer alguma coisa que faça com que eu pare na sua casa ou você na minha e ficaremos nesse ciclo.
Kyle se senta ao meu lado na cama e sinto seu peso afundar o colchão.
–Eu não tenho nada com a Lara. Nós já transamos algumas vezes, mas nada mais.
Reviro os olhos. Como se isso aliviasse as coisas...
–Olha, eu preciso sair para comprar algum presente para a Chloé. - falo olhando para a porta aberta do meu quarto.
–Está me mandando embora?
–Não é isso. Apenas... Temos o que fazer hoje, certo?
Kyle suspira alto e se levanta da cama.
–Tudo bem, então. Te vejo mais tarde no apartamento da Chloé? - ele me olha.
Faço que sim com a cabeça e me levanto da cama para ir para o closet.
Kyle segura meu braço e me prende em um abraço apertado. Fecho meus olhos e apoio minha testa em seu peito. Ele está com um leve cheiro de bebida misturado com café. Mas não me importo com isso agora. Me sinto calma com os braços dele em volta de mim.
Ficamos em silêncio e parados daquele jeito por um minuto. Era surreal aquilo que estava acontecendo.
–Te vejo mais tarde. - ele diz.
–Tudo bem. - me afasto dele e olho para seu rosto.
Seus olhos verdes fitam os meus e ele passa o polegar por meu queixo.
–Até mais, boneca.
Ele me dá as costas e sai do quarto. Fito a porta branca do quarto enquanto ouço seus passos se afastando. Logo depois ouço a porta da sala se fechando.
Volto para a cama, desacreditando de tudo o que acontecera e de tudo o que ele me falara. Sim, era óbvio que eu sentia algo por ele e ele estava cauteloso em relação a isso. Mas o que eu podia fazer? E quanto a Lara? O fato de saber que eles já haviam transado me causava repulsa total.
Deito-me na cama novamente e abraço o travesseiro que Kyle havia usado. Olho para a janela e vejo os pingos de chuva começarem a engrossar. Espero que ele não se molhe muito.
***
A busca pelo presente da Chloé não foi uma tarefa muito fácil debaixo daquela chuva intensa que caia. Enquanto eu andava pela calçada larga segurando o guarda-chuva preto para me proteger da chuva, meus pensamentos voavam de volta constantemente para Kyle. Eu não sabia o que fazer. E se ele olhasse para mim novamente e dissesse"É melhor ficarmos longe um do outro"? Eu acho que surtaria.
Paro em frente a uma loja de roupas de couro. A vitrine está iluminada com luzinhas amareladas no chão, que refletem nos dois manequins grandes com perucas pretas e loiras. Em um dos manequins há uma jaqueta feminina de couro com algumas tachinhas pontudas e douradas. Acho a cara da Chloé e sinceramente não estou no ânimo de ficar procurando o presente perfeito debaixo da chuva.
Entro na loja e logo sou abordada por uma vendedora de cabelos longos e pintados de ruivo.
***
Estou deitada na minha cama; cheguei da rua faz uns dez minutos, a chuva ainda não deu uma trégua e pelo jeito nao vai dar. Olho para a tela do celular e vejo que são três horas da tarde. Passei mais tempo na rua do que achei que passaria. Enquanto eu voltava para casa, recebi uma mensagem de Mike.
"Olá, espero te ver hoje na festa de aniversário da Chloé".
Quando a li segurando o guarda-chuva preto e pesado, ouvindo os pingos de chuva caindo em cima do tecido do guarda-chuva e no chão ao meu redor, senti meu estômago revirar. Como eu poderia dispensar um cara tão legal como Mike? Ele era lindo como Sam e Chloé haviam falado, era educado, formado em Direito, se vestia bem. Era um cara que quase todas procuravam - e custavam encontrar- mas, eu não sentia nada, nem uma pequena excitação. Não me sentia animada por saber que acabaríamos nos encontrando na festa da Chloé. E eu sentia muito por isso.
Não respondi sua mensagem e já tinha a desculpa esfarrapada do meu celular descarregou ou não tive tempo de responder. Quando na verdade meu celular estava com oitenta por cento de bateria e eu tivera - e ainda tinha- tempo de sobra para respondê-lo.

***
Mais tarde, por volta das oito da noite, decidi levantar da cama finalmente e procurar alguma roupa para vestir. Eu tinha minhas suspeitas de que o outono já havia começado porque o tempo estava de fato mais frio.
No closet , peguei um cropped azul escuro de lã e gola V, uma calça jeans azul escura cintura alta e um sapato de salto preto com uma fivela prateada do lado. Depois do banho e de me trocar, decidi ir com o cabelo solto e ondulado, que por ser muito grande, fazia cócegas quando roçava na minha barriga exposta por causa do cropped.
Peguei uma bolsa transversal preta e a coloquei no ombro direito. Pego também a sacola branca e opaca com o embrulho prateado do presente de Chloé e saio.
***
Dentro do táxi, informo o endereço para o taxista. Sei que a corrida até o Brooklyn não ficará muito barata, mas não estou a fim de pegar metrô, ainda mais nessa chuva, as linhas não devem estar operando nomalmente. Além do mais, tudo parece contribuir para que eu tenha uma crise de ansiedade porque sei que verei Kyle novamente e seus amigos estarão lá pois eles são amigos de Chloé também. Pelo menos a maioria.
Geralmente eu me incomodaria com o trânsito e a quantidade de carros apertando as buzinas barulhentas tentando sair do engarrafamento caótico no meio de uma avenida em Manhattan. Mas naquele momento eu não estava ligando para o trânsito, para quanto tempo levaria para atravessarmos a ponte do Brooklyn debaixo daquela chuva, não me importava do céu estar preto e nem de não conseguir ver os carros e os outdoors luminosos da Time Square, já que chovia tão intensamente que a água que escorria pela janela do táxi amarelo não permitia que eu enxergasse nada além de algumas luzes vermelhas e desfocadas dos carros a nossa frente e ao lado. Mesmo que fosse possível enxergar algo, eu provavelmente não prestaria atenção. Não estava me importando de não ser possível ouvir a música na rádio - mesmo que ela estivesse ligada - devido ao barulho dos trovões e dos pingos tintilando no teto como socos e muito menos com os olhares do taxista para mim pelo retrovisor.