Quando me vejo no alto da escada do último andar de um condomínio pequeno de tijolos avermelhados no Brooklyn, sei que cheguei no apartamento de Chloé, pois a porta de um dos apartamentos está aberta e tem uma música alta tocando.
Não me dou o trabalho de bater na porta - aberta com uma faixa branca pendurada com uma letra feita a mão e dourada com os dizeres Feliz Aniversário Chloé - e apenas entro no apartamento.
É um apartamento pequeno, típico apartamento do Brooklyn e muito bonitinho apesar de eu não conseguir reparar muito na decoração. Mas consigo ver que a única coisa que divide a cozinha e a sala de estar é um sofá de três lugares bege que está ocupado com um número excessivo de pessoas sentadas rindo e conversando. Na cozinha há balões prateados e dourados em forma de coração e alguns pretos também.
Do lado direito, há uma janela grande e larga que pega quase a parede inteira e um acolchoado na janela. Ótimo para dias chuvosos -como o de hoje- para sentar e ler, ou apenas sentar para olhar os carros passando na rua com uma caneca de café quente na mão.
Estou com a sacola com o presente de Chloé na mão olhando tudo, parada quase no meio da sala quando ouço alguém gritar meu nome.
Olho ao redor, procurando quem está me chamando e vejo Chloé sorrindo radiante e vindo até mim. Mas meus olhos pousam em Kyle que está encostado em uma parede perto do armário roxo da cozinha. Ele está me olhando com uma garrafa de cerveja na mão. Seu cabelo está como sempre, desgrenhado, está vestindo uma camisa preta de mangas 3x4 e calça jeans preta. Inconsciente do que estou fazendo, amasso a sacola em minha mão e sinto meu coração disparado.
–Achei que você não iria vir, sua louca! - Chloé exclama a minha frente.
Olho para ela, mesmo com Kyle ainda me olhando e tento sorrir.
–É claro que eu viria. Feliz Aniversário. - dou um abraço razoavelmente demorado nela. - Comprei uma coisa para você. Epero que goste.
Entrego a Chloé a sacola branca e opaca com o embrulho prateado.
–Obrigada por lembrar de mim! - ela pega a sacola da minha mão e tira o embrulho prateado.
Dou uma olhada em Chloé. Ela está linda vestindo um vestido roxo escuro curto e uma sandália prateada. Seu cabelo está solto e enrolado com cachos grossos com babyliss. Sua maquiagem está carregada, mas nela fica bem.
Olho em direção a cozinha e vejo Kyle conversando com uma menina de cabelos castanhos. Franzo o cenho e quando a menina ri, a reconheço. É a garota que o cumprimentou em frente ao campus da NYU.
–Alice!
Olho para Chloé.
–Estou falando com você. - ela ri. - Eu amei, é linda! Obrigada. -  seus braços me apertam em um abraço e eu tento a abraçar enquanto olho para a menina rindo com Kyle.
Suspiro quando Chloé me solta.
–Você está bem? Parece um pouco cansada.
–Estou um pouco. - admito.
–Vem, vamos pegar alguma coisa pra você beber.
Chloé segura minha mão e me arrasta até a cozinha.
–O que você quer beber? - ela pergunta abrindo a geladeira roxa.
Olho ao redor e me dou conta de que a geladeira e os armários são da mesma cor. Sorrio. É bem diferente.
–Ah... O que tem aí? - pergunto.
–Cerveja, cerveja, cerveja e vodca. - ela me olha como que se desculpando.
Dou de ombros.
–Cerveja.
Ela me entrega uma garrafa e eu agradeço.
–Pode ficar a vontade, entendeu? Tem alguns salgadinhos para comer. Kyle, faça o favor de não matar ela de fome.
Franzo o cenho enquanto Chloé se afasta. Olho para Kyle que ergue as sobrancelhas.
–É mais fácil ela nos matar de fome.
Forço um sorriso.
–Vou pegar alguma coisa pra você comer.
Concordo com a cabeça e me encosto em um armário comprido. Observo Kyle pegar um pratinho branco descartável e colocar salgadinhos variados nele como: kibe, bolinho de queijo e de pizza.
–Não tem cachorro quente? - pergunto quando ele estende o prato para mim.
Minha pergunta o surpreende e ele sorri. Sorrio sem mostrar os dentes e dou um gole grande na cerveja gelada. Pego um kibe pequeno e levo até a boca. Está uma delícia e eu estou morrendo de fome.
Como olhando ao redor do apartamento. Vejo Matt olhando para mim e Lara está do lado dele, olhando para mim também, como se quisesse me matar. Ela está vestindo um vestido minúsculo e preto de mangas compridas com um salto quinze que a deixa parecendo uma girafa.
–Alice, oi! - ouço alguém chamar.
Olho ao redor procurando e quase engasgo quando vejo quem se aproxima.
–Eu mandei uma mensagem para você hoje mais cedo. Você não viu?
Kyle ao meu lado se endireita, ficando com uma posição mais ereta. Uma de suas mãos passa por seus cabelos e a outra está segurando a garrafa de cerveja.
–Ah... Oi Mike. - forço um sorriso. - Me desculpa não ter respondido. Eu não sabia se vinha. Não estava me sentindo muito bem. - minto.
Até que não minto tão mal e consegui até incrementar mais alguns fatores.
–Entendo. Mas você está melhor?
Nem um pouco.
–Sim. - sorrio. - Obrigada. E o seu pai, como está?
–Ah ele está bem. Só passou mal porque comeu uma torta de kiwi e ele é alérgico.
–Ah. - franzo o cenho.
–Foi uma pena porque eu gostaria de ter te levado para casa.
Kyle pigarreia e eu e Mike olhamos para ele. O próprio força um sorriso.
–Desculpe. A cerveja desceu pelo buraco errado.
Mike estreita os olhos, mas sorri, mesmo que forçadamente.
–Ah bom, não tem problema. Eu sempre vou para a casa sozinha. - digo e forço um sorriso.
Mike sorri.
–Você não fica com medo de andar por aí de madrugada? Há tantos bêbados por aí de madrugada.
Me sinto  totalmente enjoada com o rumo daquela conversa.
–Não. - digo e dou de ombros.
–Ela cuida de bêbados muito bem. - Kyle fala e eu olho para ele.
Mike franze o cenho.
–Digo, ela é muito boazinha, entende? Você pode ficar bêbado a vontade e ela vai cuidar de você sem reclamar. Quando foi que eu fiquei bêbado mesmo? - Kyle leva a mão até o queixo e finge não se lembrar do ocorrido. - Ah... Foi um dia desses aí.
Mike fica encarando Kyle por um tempo, sem entender nada e depois olha para mim e sorri:
–Enfim, mas acho que não faltará oportunidades para te levar em casa, certo?
Kyle de afasta de nós e eu o observo ir até o sofá e se jogar em um espaço vazio. Mike está me olhando.
–Ah, sim. - forço um sorriso. - Claro.
Levo um bolinho de pizza até a boca e mastigo.
***
Durante toda a festa, tenho evitado ficar a sós com Mike porque apesar de ele ser ótimo, não quero nada com ele. Mas é só questão de tempo até ele me achar, onde quer que eu esteja e comece a puxar assunto novamente.
Já estou na festa a pouco mais de uma hora e meia e acho que o tal bolo não será cortado tão cedo. Perdi as contas de quantas garrafas de cerveja já bebi e estou exausta e louca para sair dali. Olho em volta e não vejo Kyle em lugar nenhum, nem Lara.
Respiro fundo e ando um pouco cambaleante até a porta aberta. No corredor há quatro pessoas conversando e rindo. Eu me sento na escada, estou um pouco tonta e ligeiramente bêbada. Não sei se devo terminar a garrafa de cerveja que estou segurando.
Suspiro e olho para os degraus amarronzados. Não se do que eles são feitos, mas parece uma pergunta interessante.
Não conheço a música que está tocando no apartamento, mas é uma mulher cantando algo sobre o dinheiro dela e alguma vadia. É uma música estranha e eu estou com sono.
Sinto saudades de Sean e faz mais de uma semana que não falo com ele. Não tive tempo de ligar e ele também não.
O ar ali está sufocante e sinto que necessito sair dali.
Levanto-me segurando no corrimão e desço as escadas que estão com os degraus duplicados.
***
No térreo do prédio onde há um elevador pequeno ao lado dos lances de escada, vejo que parou de chover e o ar ali é muito melhor.
Ando em direção ao portão aberto e paro no primeiro degrau da escadinha de concreto para descer para a calçada que está molhada.
O vento está gelado e faz todos os pêlos do meu corpo se arrepiarem. Olho para a rua com apartamentos iguais e carros estacionados. Há um fluxo constante de carros que passam no meio da rua apertada. O céu está preto e com nuvens. Vai chover de novo.
Um cachorro para ao lado do meu pé. Ele é branquinho e tem orelhas grandes.
–Oi bonitinho. - digo e dou risada.
Me sento no degrau de concreto e o cachorrinho abana o rabo e late perto do meu rosto.
Solto um grito e me inclino para trás devido ao susto.
Dou risasa e aponto o dedo na cara do cachorro que o lambe.
–Você é um cachorro muito mal.
Olho para o lado quando ouço alguém parar ao meu lado.
–Você é muito engraçada quando fica bêbada, sabia?
Sorrio para Kyle.
–Obrigada. Talvez eu deva fazer stand up bêbada.
Ele concorda com a cabeça e ri.
–Talvez.
Olho para o cachorro que está se afastando do prédio.
–Ei, volta aqui seu puguento maldoso! - grito com a voz arrastada.
Parece que o cachorro me entende porque olha para mim e corre ainda mais.
Kyle se senta do meu lado.
–Você já reparou como tudo fica molhado quando chove? - pergunto fitando o chão de concreto molhado na calçada.
–Já, sim. - ouço Kyle responder com a voz baixa.
–É lindo. - completo e vejo um carro passar na rua. Os pneus fazendo aquele barulho esquisito de quando um carro passa em alta velocidade no asfalto molhado.
Ficamos em silêncio por um momento.
–Eu adoro quando chove.