A Vida de uma Anônima escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 6
Se conselho fosse bom...




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O cheiro de moqueca de peixe invadiu minhas narinas e me fez acordar. Aquilo só podia significar duas coisas: minha família já estava em casa e era um evento importante. Levantei da cama, escovei os dentes e fui para a cozinha ver o que estava acontecendo.

Assim que entrei na cozinha, minha mãe levou um susto, talvez o motivo seja que eu não deveria estar em casa e sim feliz procurando uma para compartilhar com o Arthur, o que não aconteceu.

— O que está fazendo em casa? - perguntou com a mão no coração - Quase me matou de susto, menina.

—Desculpa mãe - respondi abrindo a geladeira. Não que eu quisesse pegar algo lá, era mais para pensar sobre o que responder para minha mãe - Qual é o evento?

— Aniversário da sua avó, todos estão vindo para cá - respondeu cortando a alface - Mas o que está fazendo em casa? Já encontrou a casa? Decidiram onde será o casamento?

— Não - respondi e enfiei a cara dentro da geladeira, não queria chorar na frente dela- Não vamos mais casar.

—Como assim?- perguntou ainda cortando a alface - Fecha a geladeira e olha para mim, seu pai não é dono da empresa de energia elétrica.

— A gente terminou , mãe - respondi, fechando a porta da geladeira. Então apoiei na pia - Eu terminei, ele me traía e ia ser pai.

Então minha mãe parou de cortar a alface olhou para mim e sacudiu a cabeça contrariada. Secou as mãos no avental e veio em minha direção. Parou bem na minha frente e colocou as mãos nos meus ombros. Aquele parecia ser o conselho que mudaria minha vida:

— Homens são assim mesmo. Seu pai de vez em quando dá suas escapulidas, mas sempre volta para casa. Essas coisas sempre acontecem com qualquer casal. Acho que você não deveria ter se precipitado terminando tudo Se continuar escolhendo e terminando, por qualquer coisa, vai ficar encalhada. Escuta o que eu estou te falando.

Esse não era o conselho que eu esperava ter vindo da minha mãe, mas quando pensei em rebater o que foi dito, meu pai entrou na cozinha:

—Rê, sua família já chegou - disse segurando no batente da porta. Então ele reparou que eu estava na cozinha - Oi filha, o que está fazendo em casa? Tudo certo para lá?

—Depois falamos sobre isso Humberto. - respondeu minha mãe. Então falou para mim - Vai colocar a mesa para eu levar a comida.

Enquanto arrumava a mesa, tentava imaginar o quão ruim aquele almoço poderia se tornar.

***

O almoço estava indo bem, todos estavam comendo e conversando sobre diversos assuntos até que meu tio, o mesmo que toda vez que minha mãe faz pavê faz a piada do "pavê ou pacomê", o mesmo que vivia perguntando para mim e para minha irmã dos "namoradinhos", o tio que insiste em perguntar toda vez quando é o casório. Esse foi o catalisador das palavras que vieram a seguir:

— Quando é o casamento? – perguntou sorrindo para mim enquanto espalitava os dentes. Sentia vontade de dizer para ele que seria interessante colocar uma das mãos na boca enquanto fazia isso, assim eu não veria a comida fugindo de seus dentes. – Acho que o noivo tá te enrolando...

Respirei fundo e peguei mais um pouco de peixe. Então olhei para ele e sorri, quando ia lhe dizer:

— Ela terminou com ele, segundo a minha filha, ele a traiu – respondeu minha mãe sem olhar para mim.

Todos da mesa me encaravam, mas eram olhares de como se eu tivesse cometido um crime. Continuei comendo o peixe de cabeça baixa.

— Ainda bem que não começamos a preparar o casamento – disse meu pai interrompendo o silêncio da mesa - Ia ser um desperdício de dinheiro, se bem na hora do sim, você terminasse com ele.

Todos da mesa riram do que seria uma piada. Aquilo que seria um almoço de família tornou-se um tribunal, onde eu era a ré.

— Minha neta, você tem que entender que os homens possuem necessidades. – começou a meu avô que estava na ponta da mesa, ele me olhava com desprezo - Pensa bem, que homem bom igual a ele é muito difícil de encontrar. Pense bem, você poderia ficar em casa cuidando dos filhos enquanto ele sustentava a casa. Agora, terá de trabalhar para ter suas coisas.

— Olha, essa geração está perdida – disse minha vó, contrariada – No meu tempo a gente consertava as coisas, aceitava os erros do outro, relevava , sabe. Agora qualquer erro, já é motivo para desquitar e não dá um ano já está se enroscando com outro. Isso é o fim dos tempos. Jesus tem de voltar logo.

— Nem adianta ficar chorando por causa de macho, vai estudar e trabalhar, encher a cabeça. Cabeça vazia , oficina do Diabo– disse minha tia que já está em seu quinto divórcio.

— Sabe o que é isso? – disse meu tio "pavê ou pacomê" - Isso foi falta de você não dar atenção para ele, nunca cuidou dele, se não quer tem quem queira. Agora ficou para titia.

—Isso serviu de lição para você largar de ser besta e acreditar em romance dos seus livros. Aquilo não existe – disse minha irmã.

Retirei-me da mesa e fui para a sala, não queria escutar mais nada da minha família. Peguei o telefone fixo e decidi ligar para minhas amigas, talvez elas entendessem o que estou passando:


"Acho que você deveria sair para curtir hoje, beber todas, dançar e se fosse eu, me vingaria ficando com o melhor amigo gato dele... melhor, o primo dele... melhor ainda pega o irmão dele... ele não tem irmão... ah irmã dele então." Amiga baladeira e um tanto periguete.


"Homens são todos iguais. Sempre soube que namoro a distância não dava certo. Sempre rola traição. Aliás, todo relacionamento hoje está tendendo ao fracasso antes de completar um mês. Hoje em dia não dá para confiar em ninguém" amiga solteira.

"Vish... tenso... nossa... hum... poutz... Vish... uhum... nossa... complicado assim hein... eita... hum... Vish... hum... hum... nossa... puxa... hum... Vish... tenso... então, nem sei o que dizer" Amiga que pretende ser psicóloga.

"Ele tá solteiro então?" ex- amiga.

"Deixe seu recado, você só será tarifado após o sinal. Tchuru..." Amiga ocupada.

"Você é muito besta, eu teria tacado fogo na casa dele, no carro dele, matado ele e se bobear, matava ela" amiga com sérias chances de ir para a cadeia.

"Nossa... nem sei o que te dizer... Ainda bem que meu namorado jamais faria isso, ele é tão perfeito, tão meigo, cuida tão bem de mim." Amiga que briga com o namorado toda a semana.

"Meu namorado tem um amigo. Se quiser eu posso pedir para ele o convidar e todos sairmos juntos. O que acha?" amiga casamenteira.

Desliguei o telefone triste, não tenho amigas com frases sensíveis, reflexivas, motivadoras e de efeito. Não tenho uma família amável que me faria sentar na sala e dizer que tudo ia ficar bem e que enfrentaríamos tudo juntos. O pior de tudo é que eu tinha medo de eles estarem certos.


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