Denis ficou alguns dias no hospital. Quando voltou para casa, ele não era nada mais além de uma sombra. Não fazia mais nada por vontade própria. Denis precisava de ajuda e incentivo para tudo. Sua mãe saiu do emprego para poder cuidar dele. Somente ela conseguia acalmá-lo e fazê-lo levantar da cama. O pai tentava de tudo para se aproximar do filho, mas Denis o repelia. Sentia que tinha desapontado o pai, ele não seria mais o jogador de futebol que o pai tanto sonhou. Ele nem sequer podia mais assistir à uma partida de futebol. Com o irmão as coisas eram ainda mais difíceis. Denis não queria que o irmão sofresse mais do que já estava sofrendo, não queria que o irmão inteligente perdesse oportunidades por ter de ficar em casa ajudando a cuidar do irmão; não queria também que o irmão fosse ignorado pelos pais. Claro que ele também não queria que sua mãe desistisse do seu emprego, de fazer as coisas que gostava. Na verdade, ele não queria estar mais ali, não queria ser um peso para ninguém. Mas todos insistiam em ficar por perto, em cuidar dele, e ele aceitou que a mãe fizesse isso, que a mãe deixasse tudo para cuidar dele. Ele aceitou porque percebeu que a família ainda não estava pronta para perdê-lo. Decidiu ficar ali, pelo menos por enquanto.

Muitas conversas com Denis e com sua psicóloga, levaram os pais a concordarem com o pedido do filho de não ir para a escola, pelo menos algumas semanas. Por mais que fosse bom ele manter contato com os colegas, no momento era melhor não forçar. Denis não queria ficar em um ambiente que o lembrasse o tempo todo tudo que ele perdeu ou iria perder. Ele não se sentia bem com as pessoas cheias de cuidado com ele e querendo fazer tudo pra ele.

Os colegas de Denis sempre perguntavam por ele na escola, mas raramente apareciam, porque Denis costumava ignorar todos que iam visitá-lo. Leonardo se empenhou mais em procurar coisas que o irmão pudesse fazer para distrair e que não precisassem de uma boa visão. Às vezes ele conversava com algum amigo por poucos minutos ou então brincava com o irmão e concordava com uma de suas novas ideias, que iam de jogos no computador à disputas de qual é a música. E falando nisso, Denis era um ótimo jogador de qual é a música, uma vez que passava o dia ouvindo músicas.

Um dia Leonardo comprou uma bola especial para deficientes visuais, que vem com um guizo dentro. Convidou Pedro para ir até sua casa e juntos conseguiram convencer Denis a jogar com eles. Claro, Denis hesitou em ir experimentar a bola, mas cedeu mediante uma barra de seu chocolate preferido. A ideia era fazer uma disputa de chute ao gol.

A princípio, Denis teve dificuldades para jogar e se irritou. O pai tinha acabado de chegar em casa e vendo a decepção estampada no rosto do filho mais velho, levou os três garotos para tomar sorvete (Denis raramente recusava sair para tomar sorvete) e ninguém comentou mais sobre a bola por alguns dias. Até que alguns dias depois, Leonardo viu pela porta entreaberta que Denis estava brincando com a bola.

Leonardo e Pedro convidaram Denis para jogar novamente e ele aceitou sem hesitar dessa vez. Depois de passar alguns dias treinando seus ouvidos a ouvir os sons da bola, Denis se sentia confiante. Contudo, para jogarem tinha uma condição muito simples, os outros dois garotos tiveram que colocar uma máscara de dormir para que não enxergassem nada quando fossem chutar, para que assim a competição fosse justa.

Denis jogava um pouco todos os dias e inclusive passou a aceitar mais as visitas dos amigos que também jogavam com ele. Todos em sua casa pareciam mais felizes com a melhora no humor do garoto, principalmente Leonardo.

Após semanas mais tranquilas e felizes, Denis quebrou o pé. Ele estava sozinho no quintal de casa, treinando chutes ao gol, quando pisou na bola e caiu em cima do pé em um degrau de concreto, torcendo e quebrando o pé. Leonardo, que estava indo ao encontro do irmão segundos antes da queda, ficou paralisado na porta que dava para o quintal e gritou o pai.

Era de se imaginar que depois disso Denis não quisesse mais brincar com a bola e mais uma vez seu humor mudou. O pior é que agora ele estava mais irritado e nervoso que antes, porque agora ele tinha mais um motivo para se sentir incapaz. Tudo que o garoto mais queria era ter sua vida de volta, tal qual como era antes, mas ele sentia que não tinha mais isso, ele não tinha mais nada.