Mesmo se não der certo escrita por prr


Capítulo 7
7 – O apagar




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A visão de Denis estava piorando mais e seu quase acidente apesar de não causar ferimentos graves, por causa da chuva, causou pneumonia. Nos dias que se seguiram Denis não foi ficou mais sozinho, nem em casa ou na escola. Os pais e o irmão estavam o tempo todo de olho nele.

O pai resolveu que seria uma boa ideia acompanharem os jogos à moda antiga: ouvindo a narração dos jogos pelo rádio. Eles sempre assistiam à jogos de futebol juntos no domingo, inclusive Leonardo que não era muito fã. Por cerca de dois meses, domingo após domingo, o pai sintonizava o pequeno rádio e se sentava no sofá com os dois filhos. A princípio, ele parecia realmente empolgado, mas aos poucos ele tinha que se esforçar, não queria desapontar o filho, e se o filho não queria mais assistir aos jogos pela televisão, porque perdia muitos detalhes e ficava com raiva, ele também não iria.

Os pais foram novamente à escola de Denis, não apenas pelas notas baixas do garoto, mas também para atualizar os professores da situação do filho. Leonardo ajuda o irmão todos os dias em casa, repassando o conteúdo da aula e auxiliando nos deveres. Pedro e outros colegas apareciam na casa de Denis para “dar uma força” (como eles diziam) sempre que podiam. Victor e a irmã Vitória também apareciam com frequência, e a garota, mesmo sendo mais nova, ajudava mais nas lições de casa do que os outros colegas de Denis.

Leonardo instalou vários programas para usuários com baixa visão no computador de Denis, ensinando Denis, com toda a paciência do mundo, a utilizar os programas. Denis ganhou um novo smartphone, já que o que tinha não suportava a grande maioria dos aplicativos para auxiliar pessoas com baixa visão (e esses aplicativos já eram poucos). Leonardo convenceu os pais a assinarem um serviço de streaming de músicas, mesmo que eles ainda preferissem comprar CD’s. Desde que começou a perder a visão, Denis passava cada vez mais tempo ouvindo músicas.

E assim o ano terminou e chegaram as férias.

Nas primeiras semanas de dezembro e nas últimas de janeiro, durante o dia, ficavam em casa somente os garotos. Os pais alternaram os vinte dias de férias que tinham, para que pudessem dividir com Leonardo o tempo de ficar de olho Denis. E reservaram alguns dias para fazer um passeio em família, que não foi tão divertido como das outras vezes, porque Denis se irritava com tudo a todo hora.

Os colegas de Denis, na maioria os do Arsenal, se revezavam para passar um tempo com Denis a pedido de sua mãe. Pedro praticamente se mudou para a casa do amigo. Contudo, com o passar dos dias, Denis foi se irritando mais e mais, e os amigos apareciam menos, dizendo que estavam viajando ou com visitas em casa.

As aulas voltaram e Denis, mesmo enxergando cada vez menos, retornou à escola; os professores se reuniram dois dias antes em um curso providenciado pela mãe de Denis, para dar aulas para alunos com baixa visão e inclusive conseguiram uma professora para ensinar braile ao garoto.

O desempenho escolar de Denis continuava caindo. Ele não estava se esforçando. Não via sentido algum em continuar estudando se não conseguiria trabalhar como uma pessoa “normal”. E ficava feliz sempre que tinha alguma desculpa para não precisar ir à escola ou voltar mais cedo para casa.

Durante as primeiras semanas de aula, alguns alunos desenvolveram projetos de matemática, como uma forma de revisar e reforçar o que tinham aprendido no ano anterior. O encerramento do projeto se daria com uma feira de matemática, onde os alunos apresentariam os projetos deles para os outros colegas e seriam escolhidos os melhores projetos. Leonardo era um dos alunos com projeto na feira. Junto com outros dois colegas, Leonardo fez um site para que os alunos da escola postassem conteúdos de aula, com um espaço para dúvidas e respostas. O site era bem simples e fácil de ser usado, e além disso tinha suporte à programas de sintetização de áudio, facilitando o acesso de alunos com baixa visão.

No dia da feira, Denis disse que acordou passando mal, e os pais o deixaram ficar em casa. Pedro e Victor, que não faziam muita questão de ir à feira, porque para eles isso era coisa para alunos nerds, foram para a casa de Denis, fazer companhia ao amigo. No meio da tarde, Victor teve que ir embora, a mãe dele ligou brava, porque ele não foi na feira apoiar o trabalho da irmã.

Denis já estava cansado de ficar em casa e ele e Pedro estavam ficando sem ter o que fazer. Sem motivo algum, Denis acabou brigando Pedro. Mais uma vez. Pedro estava cansado das intempéries do humor do amigo e cansado de sempre desculpá-lo e fingir que nada tinha acontecido. Irritado, Pedro ficou na sala da casa de Denis, esperando a mãe ou o pai dele chegarem e assim que chegaram, foi embora. Denis deitou na cama e foi ouvir música.

Não se levantou quando a mãe o chamou para jantar. Estava tão chateado por ter brigado com o amigo que não tinha fome. Nem mesmo se levantou para colocar o celular para carregar e pegar o MP3. Apenas continuou deitado, com os fones nos ouvidos. Ouviu então uma conversa mais alta. Era a voz do pai e ele estava bravo.

— Onde você estava até uma hora dessas?

— Eu estava na feira de matemática da escola! Sabe, fiquei esperando por vocês, falaram que iam e... – Denis logo percebeu a voz de irritação do irmão, que vinha com um som alto e rouco. Tirou os fones do ouvido e abriu um pouco mais a porta do quarto. – Todos os pais apareceram lá. E os que não puderam ir, explicaram antes.

— Léo, se você tivesse avisado que era hoje, teríamos ido. – A voz da mãe era baixa e suave. – Você sabe o quanto nos orgulhamos de você, de ver seus projetos. Ainda mais esse projeto que vai ajudar o Denis.

— Ah sim! Mas não foram, né? Fiquei lá feito um idiota esperando vocês até o último minuto. Eu avisei e muitas vezes. – Fez-se silêncio por um instante. – O que me diz desse convite que estava na porta da geladeira? E eu lembrei vocês hoje de manhã. Passei a semana inteira fazendo ajustes finais no meu projeto. Pensaram que eu estava só brincando?

— Sinto muito filho. Devíamos ter prestado mais atenção. Mas você sabe como estão as coisas. – Denis conhecia bem aquela voz do pai. Ultimamente ele usava muito aquele tom de voz com ele, tentando acalmá-lo.

— Eu sei como estão as coisas. Eu também moro nessa casa! Eu também estou preocupado com meu irmão!

— Desculpa Léo. – A voz da mãe parecia de quem segurava o choro. Denis a ouvia chorando muito nos últimos dias. – Nos orgulhamos muito de você, tenho certeza que deve ter feito muito sucesso lá.

— Por que você não nos conta como foi? E poderia também nos mostrar seu site pronto. O Denis vai gostar. – O pai tentava falar como se estivesse tudo bem. – O que é isso na sua mão? Ganhou algum prêmio?

Um forte barulho de algo sendo jogado contra a parede e caindo aos pedaços no chão. Todos ficaram em silêncio. A mãe chorava. O irmão chorava. O pai chorava.

— Vê não se esqueçam que eu também existo! Vocês não tem só o Denis de filho. EU TAMBÉM SOU FILHO DE VOCÊS! – Leonardo gritou. Denis nunca ouviu a voz do irmão desse jeito. Leonardo nunca tinha gritado com os pais ou com qualquer outra pessoa. Ele nunca tinha agido dessa forma. E então a porta do quarto ao lado bateu com força, fazendo tremer as coisas na mesinha do quarto de Denis que ficava encostada na parede que dividia os quartos.

No quarto dos pais estavam uma mulher de olhar cansado, abraçada por um homem de aspecto derrotado. Ambos choravam. Em um quarto, um garoto de dezessete anos, deitado na cama, chorava. E no outro quarto, outro garoto, de quinze anos, voltava da cozinha com uma grande faca escondida embaixo do moletom e uma expressão tensa no rosto.

No meio da noite, Leonardo saiu do quarto e foi até o quarto dos pais. Ele ficou parado na porta por um tempo.

— Desculpa. – O garoto sussurrou. Fez-se silêncio. Ele pensou em falar mais alto, mas não quis acordar os pais, que pareciam estar dormindo.

— Tudo bem. – Duas outras vozes sussurrantes responderam.

— Nós é que temos que nos desculpar.

— Filho, amamos você. – A mãe disse com a voz rouca. As palavras estavam presas nas gargantas dos três.  No momento, apenas o silêncio era suficiente.

Ao voltar para seu quarto, Leonardo viu pela fresta da porta do quarto do irmão que a luz estava acesa. Abriu a porta em silêncio, imaginando que o irmão tinha esquecido de apagá-la.

— DENIS! – O grito de Leonardo ecoou na casa silenciosa. Quando os pais chegaram assustados no quarto, Leonardo tinha a cabeça do irmão no colo e as mãos ensanguentadas, mas não tanto quanto as do irmão que soluçava de tanto chorar.


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