Condenados escrita por jduarte


Capítulo 2
Voltando pra Casa


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!
Beijooos,
Ju! ♥



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14 de Janeiro

 

Terminei de arrumar minhas malas e as empilhei em cima da cama, checando só mais uma vez se eu não havia esquecido nada para trás, suando frio. Finalmente chegara o dia de voltar para casa. Algo dentro de mim se revirava ao pensar na possibilidade deles me receberem de uma maneira ruim, depois de tanto tempo longe. Eu sabia que as outras quatro meninas que dividiam o quarto comigo já tinham se arrumado e estavam esperando para irem embora.

O período que tinha passado dentro da propriedade dos Colégios havia me feito uma pessoa completamente diferente da menina que saíra de casa para se tornar alguém para o mundo. Eu não era mais Aileen Clark, a garota rebelde e tonta que tinha pavor da Sociedade. Eu era Aileen Clark, a formanda menos rebelde e tonta que tinha pavor das Ilhas.

A Sociedade era responsável por toda nossa segurança, e por manter os Rebeldes fora de nossas Províncias. Nós éramos guiados pela Sociedade e ela era quem decidia nossos futuros, trabalhos e principalmente com quem poderíamos nos relacionar. Todos nós éramos obrigados a cursar os Colégios num período de quatro anos e meio; aprendendo tudo sobre a Sociedade e o mundo lá fora, seus perigos e principalmente sobre o ‘Mal do Século’, a doença que levava os condenados às Ilhas. Os Colégios eram restritos somente para alunos de nossa Província, e quando outros alunos vinham fazer cursos especiais, nós não tínhamos acesso à eles; eles não tinham acesso à nós.

Respirei fundo enquanto penteava com os dedos finos o cabelo falsamente enrolado com babyliss para que ele parecesse ter muito mais volume do que realmente tinha, e cocei o ombro em um sinal de desespero contido. Uma batida na porta me pegou desprevenida. Arrumei o casaco e alisei qualquer tipo de amassado invisível que pudesse passar despercebido.

Abri a porta e Petra, a Superior dos Colégios. Mesmo já estando acostumada a vê-la praticamente todos os dias nos refeitórios ou fazendo ronda pelas salas de aula para ver se todos estavam aprendendo de uma maneira que ela gostava de chamar de “saudável”, ainda me surpreendia toda vez que a via. Sempre bem vestida, com uma feição não muito amigável, mas com uma áurea leve e confortável.

Ela era uma Superior nata.

— Aileen Clark, - ela começou, sua voz soando como sinos do Nascimento em uma manhã completamente cheia de neve empapada que grudava nas janelas. Era a primeira vez que eu ouvia meu nome sair de sua boca, e algo me disse que não seria a última. — finalmente está se formando. Como se sente?

“Como se sente?” era uma pergunta muito feita por aqui, e já tinha até mesmo se tornado um hábito responder com um sorriso ou: Muito bem, obrigada. Mesmo que fosse uma mentira, era a mais convincente e conveniente, uma vez que as pessoas perguntavam somente para ter a certeza de que estávamos respirando e andando. E não realmente para saber como nos sentíamos.

— Muito bem, obrigada. – respondi com um sorriso forçado no rosto, que pareceu singelo depois de tê-lo dado diversas vezes nesses quatro anos e meio.

Eu não queria sair das dependências do Colégio. Não saberia como me portar do lado de fora, depois de ter passado tanto tempo do lado de dentro.

Petra juntou as mãos na frente do corpo e sussurrou como se fosse um grande segredo que só nós pudéssemos saber:

— Está muito nervosa?

Balancei a cabeça negando, mesmo que o nervosismo estivesse me corroendo por dentro.

— Na verdade estou muito ansiosa para reencontrar minha família.

Seus olhos me analisaram com cautela e ela inclinou o corpo para frente, cruzando os braços em cima do peito numa postura superior.

— Tem certeza que está preparada para enfrentar a vida lá fora? Mesmo que seja com seus pais, Aileen, a Sociedade tem regras que nem nós podemos interferir.

Os pelos de meu corpo se arrepiaram instintivamente.

Eu conhecia todas – ou quase todas – as regras que a Sociedade tinha criado, e pensava estar segura com eles uma vez que aprendi a respeitá-los, mas Petra parecia dizer o contrário.

— Sei disso, mas sinto que é meu dever ficar com minha família em tempos de crise. – respondi com as mãos atrás do corpo, referindo-me ao ‘Mal do Século’.

Petra assentiu, como se me compreendesse de alguma forma.

— É uma pena que não possa ficar mais conosco. Ainda é tão jovem e tem tanto que aprender... – sua voz foi sumindo, assim como seu sorriso.

Aquela conversa estava me incomodando. Petra não demonstrava os sentimentos nem quando falava conosco em particular, e até alguns minutos atrás eu duvidava que ela soubesse até mesmo meu nome. Por que ela estaria falando coisas assim para mim?

Meu corpo pareceu congelar em desconforto.

— A Sociedade impõe quatro anos e meio de estudo, eu já completei o previsto e estou pronta para começar a viver.

Ela assentiu novamente.

— Espero que sim, Aileen. Não quero ouvir notícias suas por um bom tempo. – suas palavras não foram duras, mas me chocaram de certo modo. Ela me odiava, mas ainda assim demonstrava toda a preocupação por eu estar lá fora com a minha família? Isso definitivamente embaralhava minha cabeça.

Dei meu melhor sorriso afetado e esperei que ela saísse de meus aposentos para terminar de arrumar minhas malas. Precisava estar na estação de trem na frente das dependências dos Colégios até as 15:00, e o relógio analógico pendurado na parede marcava 14:40.

Bem na hora.

Desci pelo elevador com minhas coisas, e me deparei com o jardim gigante que se estendia na frente dos dormitórios e cozinha, e sorri quando vi que a neve já tinha caído em montes pela manhã, e julgando pela cor do céu, não demoraria nada, nada para começar a cair de novo. A caminhada pelos jardins foi longa, e cansativa pelo fato de o carrinho com minhas bagagens ser muito pesado e o caminho específico para nós andarmos com as bagagens estar salpicado de neve.

Quando cheguei à estação, o astral estava levemente diferente. Vários Novatos empurravam os carrinhos com suas bagagens, olhando admirados para a estrutura magnífica que era o castelo em que eu tinha passado meus últimos quatro anos e meio e sorri comigo mesma, pensando se eu tinha parecido tão chocada com tudo aquilo quando vi os Colégios pela primeira vez. Os Novatos, Recém-Aceitos e menores de idade estavam reunidos, rindo e se abraçando quando se conheciam. Alguns dos formando iriam ficar, aqueles que já tinham os Talentos escolhidos e só os precisavam aperfeiçoar, e aqueles que tinham família nas Províncias, voltariam para reencontrá-los.

Empurrei meu próprio carrinho com minhas duas malas e sorri para Ella, minha melhor amiga e uma das meninas que dividia o quarto comigo. Ela acenou em minha direção, terminando de colocar suas malas no bagageiro do trem e eu segui em sua direção, colocando minhas próprias ao lado das suas, não me esquecendo de pegar minha bolsa pessoal com meu ticket de ida e da cabine, para que eu pudesse arranjar um lugar confortável para passar a noite.

Ela me olhou e esfregou uma mão na outra, seu cabelo castanho enrolado balançando em sua face por causa do frio que fazia nessa época do ano. Caminhamos até a entrada do trem e o maquinista nos ajudou a subir, carimbando os tickets, indicando os lugares que ficaríamos com cordialidade e uma voz baixa.

— Fileira 8, cabine 8D.

Dentro do trem não era tão frio quanto do lado de fora, que o tempo parecia estar dois dígitos negativo. Os Colégios eram mais perto da Colônia Antiga, no Norte, por isso ficava absurdamente frio em algumas partes do ano.

Essa, definitivamente, era uma das épocas de grande frio.

Aconchegamos-nos em nossa cabine e Ella me olhou de cima a baixo, analisando minha roupa, cruzando os dedos sobre seu colo.  Sorri quando entendi o que ela estava tentando fazer: dissipar o nervosismo.

O nervosismo fazia as pessoas ficarem confusas e ninguém gosta de pessoas confusas.

— Está tudo bem, Ella. – eu lhe assegurei enquanto me esticava do meu lugar no banco oposto ao dela e apertava seus dedos em um gesto amigo.

Eu quis mentir e dizer que não estava nem um pouco nervosa, mas eles não encorajavam a mentira e por isso ela agora tinha um gosto amargo em minha boca.

Ella bufou e mordeu os lábios finos.

— Eu sei. – ela se levantou do lugar quando eu lhe solei as mãos deu uma vasculhada com os olhos do lado de fora da cabine. Tínhamos mais duas camas disponíveis dentro da cabine. Ela se voltou para mim com o olhar meio confuso e perguntou: — Não era para sermos quatro aqui dentro?

Fiz um sinal dizendo que não sabia e ela bufou. Eu ri enquanto revirava os olhos.

— Você acha que Emelie e Susan vão vir? – Ella perguntou.

Balancei a cabeça enquanto negava.

— Não acho que isso seja possível. Emelie disse que ficaria por mais um tempo para encontrar seu verdadeiro Talento, e Susan não parecia nem um pouco animada em reencontrar a família. Acho muito difícil que ela volte para casa. – disse e a palavra “casa” ardeu minha língua.

Os Colégios tinham se tornado minha casa. Eu não conseguia imaginar outro lugar para viver. Eu não conseguia me imaginar trocando tudo o que eu tinha aqui por algo desconhecido lá fora.

Ella suspirou e voltou a se sentar, desta vez do meu lado, deixando a porta aberta caso alguém quisesse se acomodar conosco.

— Eu ainda não entendo Susan, sabia? Mesmo depois de quatro anos e meio. – ela me confessou e baixou as mãos cuidadosamente no colo para não amassar a saia xadrez cuidadosamente. — Ela sempre foi tão fechada, mesmo quando eu a ajudei com “aquilo”. – Ella disse e eu fiquei confusa.

— Como assim?

Percebendo a besteira que tinha falado, Ella mordiscou o canto interno da boca e eu soube instantaneamente que coisa boa não tinha sido.

— Ella... – seu nome saiu de minha boca como um aviso.

— Eu não deveria ter falado nada, Aileen...

— Eu sou sua melhor amiga, Ella. Não é como se você estivesse contando algo para um desconhecido. – minhas palavras pareceram fazê-la concordar.

Ela fez uma cara esquisita e se levantou para fechar a porta, para que ninguém pudesse nos ouvir.

— Ok, mas me prometa que esse assunto morre aqui!

Cruzei os dedos e os beijei, num sinal de que manteria minha promessa, mesmo que Ella soubesse que eu não tinha mais ninguém para contar nada.

— Lembra quando aqueles alunos de Nova França? – eu assenti e ela continuou. — Bem, vamos dizer que ela acabou conversando por tempo demais com um dos meninos e sem querer eles se beijaram e eu entrei no salão bem na hora.

Ofeguei.

Susan, não!

— Isso é piada? – perguntei.

Ela negou.

— Eu tive que encobrir tudo para que ninguém descobrisse e ainda fiz questão de que ninguém descobrisse. E mesmo depois disso ela não me contou mais nada.

Era exatamente por isso que Susan tinha parecido um zumbi estes últimos meses. O príncipe encantado dela tinha voltado para Nova França.

— Isso é horrível. – eu disse.

— Eu sei, Aileen. É exatamente por isso que eles não nos deixam ter contato com eles. Exatamente por isso.

A conversa foi cortada quando uma menina ruiva entrou em nossa cabine, sorrindo. Ella foi amigável e retribuiu o sorriso e eu fiquei paralisada.

Teria ela ouvido nossa conversa?

— Essa cabine já está lotada?

Neguei rápido demais.

Ela sorriu novamente.

— Vocês se importam se eu ficar com vocês? Acho que todas as outras já estão abarrotadas...

— Imagine! Que besteira deixar uma de nós dormindo do lado de fora. Fique à vontade.

A menina se sentou à nossa frente e um silêncio incômodo se instalou entre nós. Vi pelo canto do olho Ella me lançando um olhar que eu não consegui entender.

— Espero que minha família esteja me esperando na Base. – a menina de cabelos ruivos disse olhando para fora da janela, apertando as mãos uma contra a outra, talvez por frio, talvez por nervosismo.

Não pude não sorrir. A menina emanava um brilho dos olhos.

— Também espero isso. – disse verdadeira.

Ela esticou as mãos com dedos longos e unhas pintadas de branco em nossa direção.

— Victoria Bembrook.

Repeti o mesmo movimento e balancei nossas mãos unidas, dizendo:

— Aileen Clark.

Ella a cumprimentou.

— Ella Thornstone.

— Fazíamos História da Sociedade juntas, não é? – ela perguntou repentinamente e o ar dentro da cabine pareceu ficar mais leve, mais casual.

Assenti. Me lembrava vagamente da ruiva sentada atrás de Clary Ferguson, a garota tímida que sempre sabia a resposta para todas as perguntas que Sr. Shawn fazia.

— Acho que sim... Quer dizer, não fizemos muitas amizades fora de nosso dormitório. – Ella disse enquanto relaxava levemente.

— Eu não me lembro da maioria das pessoas com quem tínhamos aula, - comentei com as duas. — mas é meio impossível que você passasse despercebida. – cochichei enquanto apontava para seu cabelo.

Ela riu enquanto passava os dedos pela cascata vermelha que caía sobre seus ombros.

— Culpe a genética! – ela exclamou alegremente, fazendo com que todas rissem.

Encostei a cabeça no vidro da janela, vendo a paisagem se mover enquanto o trem começava a se descolar pelos trilhos em uma velocidade primeiro devagar, e depois tão rápida que as árvores ao lado de fora não passavam de borrões verdes e brancos disformes.

— Então, de onde vieram? – ela me perguntou, não desistindo de manter a conversa viva entre nós.

Olhei de soslaio para Victoria que nos encarava com a excitação praticamente cravada nos olhos castanhos. Não estava muito inclinada a conversar, mas ela parecia tão animada que foi impossível ser levemente mal educada e dizer que eu estava cansada demais para formar frases coerentes.

Cocei o braço, levemente incomodada.

— Vim das Colônias Antigas e Ella veio de Suza. – respondi por Ella, já que esta parecia animada demais olhando o cardápio do jantar para responder. — E você?

— Vim das Colônias do Sul, é muito calor por lá, diferente daqui. – Victoria choramingou. — Mas meus pais decidiram mudar para o Norte, já que o Sul estava sendo atacado pelos Rebeldes.

A atenção de Ella se voltou totalmente para Victoria.

— Petra disse que é impossível entrar nas Províncias. – ela não conseguiu terminar a frase direito.

Um bolo se formou em minha garganta.

Victoria se inclinou para frente e chamou nós duas com o dedo. Quando hesitei, ela insistiu e colocou a mão em nossos ombros, com os olhos brilhando de empolgação.

— E se eles já estivessem dentro?

Como ela podia ficar empolgada com uma hipótese dessa?, perguntei-me mentalmente.

A ânsia de vômito veio à superfície. A possibilidade de ter um Rebelde, ou até mesmo um grupo deles dentro das Províncias me deixava enjoada. Tínhamos aprendido sobre eles e como eram perigosos e inconsequentes.; sobre os ataques que tinham feito e quantas pessoas haviam morrido por suas mãos.

Eu tinha nojo de Rebeldes e apreciava a Sociedade por tentar acabar com eles.


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Notas finais do capítulo

Continua?



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