Condenados escrita por jduarte


Capítulo 3
Reencontro


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!
Beijooos,
Ju! ♥



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Cruzei os braços em cima do peito e tentei sorrir, enquanto ignorava – sem sucesso – sua pergunta que mais parecia com uma afirmação.

— Como é a Colônia do Sul? – mudei de assunto repentinamente.

Victoria pareceu se esquecer do assunto anterior e começou a tagarelas sobre como o Sol era mais brilhante pela parte da manhã e como ele batia nas costas quando ela saía para andar pelas ruas pela parte da tarde, ou até mesmo em como a Lua reluzia lá longe no céu, sempre muito brilhante. Eu lhe contei como era minha vida nas Colônias Antigas, de como o tempo era frio e instável, mas sempre aconchegante e com várias casinhas velhas e pisos de madeira que rangiam quando postos sob um peso muito grande.

Existiam 3 Províncias: Adelaide, Prega e Kai. Nós morávamos em Adelaide, que tinha as Colônias do Sul, Colônias Antigas, Colônia Primor como principais e Cindra, Suza – onde Victoria morava –, Desager e Guerri como secundárias. Nossa Província costumada a ser dominada como “neutra”. Com os ataques dos Rebeldes eu tinha sérias dúvidas sobre sua reputação continuar sendo como tal.

Olhei para fora do trem, algumas horas depois de conversa jogada fora entre nós e peguei duas fotos de dentro de minha bolsa. A primeira tinha sido tirada poucos dias atrás. Eu estava no centro, sorridente, enquanto Ella me abraçava de um lado e Christine de outro, assim como Susan a abraçava, e Emelie abraçava Ella. Éramos um quinteto quieto, cheio de segredos pelo que aparentava. A segunda foto era a da minha família. Meu coração se apertou.

Será que eles ainda se lembravam de mim?

O carrinho do Buffet chegou pouco tempo depois, anotando nossos pedidos para bebida e número de cabine e a comida chegou tão rápido quanto a mulher anotou tudo com os dedos apressados. Ela tinha que ser rápida, já era tarde, e todos precisavam ser alimentados.

O que eu pensava ser um cardápio era na verdade todas as entradas, pratos principais e sobremesas que teríamos servidas exclusivamente para nós.

Recebemos em nossa cabine algumas receitas que eu aprendi ser de Nova França, e meu coração se apertou ao me lembrar de Susan. Uma mesa fina o suficiente para caber todas as comidas e ainda assim caber entre nós sem nos atrapalhar foi posta, com todos os talheres, copos e tudo mais que tínhamos direito e eu me senti em um restaurante de luxo.

Soufllé au Roquefort, Brochette de frango com ervas, Croque Monsieur, uma incrível seleção de sopas de cebola, legumes e caldo verde, e o Boeuf Bourguignon fizeram meu estômago reclamar pela falta de comida. Ri quando percebi que todas nós olhávamos da mesma maneira para o banquete estendido à nossa frente: maravilhadas.

A sobremesa chegou e o garçom retirou nossos pratos sujos, substituindo-os por novos e limpos, colocando todas as sobremesas à nossa disposição.

Bavaroise de baunilha e frutas vermelhas, Petit Gâteu, Tarte Tatin, Éclairs com chocolate e fatias de bolo de nozes preenchiam a mesa toda.

Quando o Buffet veio recolher tudo, abrimos as camas em nossa cabine, prontas para dormir. Eu deitei na cama de baixo, vendo Victoria subir para a cama acima da de Ella e se aconchegar na cama confortável da maneira que conseguia.

Bocejei e apertei as fotos no peito antes de guardá-las na bolsa.

A noite anterior tinha sido cansativa para todas nós. Passamos a noite inteira acordadas arrumando as malas, e eu tinha certeza de que com Victoria não tinha sido diferente, pois era possível ouvi-la ressonar baixo.

Meu último pensamento antes de dormir foi:

E se Victoria estiver certa? E se os Rebeldes realmente estiverem entre nós?

—--------------

15 de Janeiro

 

Eu fui a primeira a acordar e fiz questão de arrumar minha cama toda para não deixar nada bagunçado. Chegamos a nosso destino algumas horas depois. Mordisquei a boca quando o trem parou com um chiado e Ella me olhou significantemente, abraçando-me antes que eu pudesse reagir.

E eu deixei-me ser abraçada. Era bom sentir que alguém realmente sentiria minha falta.

— Vou sentir sua falta. – eu disse.

Ela sorriu.

— Eu vou escrever para você, Aileen. Suza não é tão longe daqui.

Revirei os olhos.

— Claro. – foi minha última palavra para minha companheira de tanto tempo e eu levantei com certa dificuldade por conta do tempo sentada.

Caminhei por entre os corredores abarrotados de Novatos que se remexiam para sair do trem e reencontrar as famílias depois quatro anos e meio, enquanto era seguida por Victoria. Quando já beirava a porta, vi uma menina de cabelos anelados e escuros correr em direção à sua própria família e ser recebida apenas com tapinhas cordiais nas costas. Sem sorrisos. Sem abraços.

Meu estômago deu voltas.

E se eles, minha família, me tratassem assim? Eu pegaria o primeiro trem de volta aos Colégios e provavelmente me concentraria em encontrar meu Talento. Todos nós tínhamos um, fosse ele escondido debaixo de várias camadas de traumas, receios e segredos, ou não.

Um homem me estendeu a mão para que eu conseguisse sair do trem sem que eu caísse e soltou tão rápido quanto pegou. Era proibido o contato entre pessoas de sexo diferente e que não fossem Pares.

— Espero te encontrar novamente! – Victoria disse enquanto me abraçava. O contato dela me fez recuar levemente, inconscientemente. Meu antigo eu não se afastaria, mas a Sociedade tinha me ensinado que afeição em público nem sempre era vista como algo bom. — Afinal, quão grande pode ser aqui? Vamos ter que nos esbarrar uma hora. – e ela andou em direção a uma mulher ruiva que se portava desengonçadamente ao lado de um homem loiro e alto, procurando com os olhos alguém.

Victoria abraçou a própria família. Eles eram calorosos e bronzeados como ela. Algo me dizia que não conseguiriam se adaptar muito bem aos corações pálidos e frios de nossa Colônia.

Avistei as madeixas loiras de minha mãe e meu coração palpitou. Ela se lembraria de mim mesmo depois de muitos anos sem praticamente nenhum contato?

Vi quando seus ombros giraram em minha direção. Os Novatos esbarravam em mim e pediam desculpas, mas eu não conseguia responder nada; estava completamente hipnotizada pela visão de minha mãe andando rápido em minha direção, quase correndo. Seu vestido azul simples e de mangas compridas se esvoaçavam ao seu redor enquanto ela esboçava feições num misto de preocupação e alívio. Seus braços me rodearam fortemente quando ela me alcançou, enquanto ela sussurrava palavras de consolo para acalmar minha crise evidente de nervos.

A tranquilidade de saber que estava a salvo e que ela não tinha me rejeitado era indescritível. Minha mãe ainda se lembrava de mim. Ela ainda me amava.

Mamãe fez questão de levar minhas malas para a minivan vermelha parada no desembarque de passageiros, guardando-as no porta-malas razoavelmente pequeno para um carro daquele tamanho e enfiando o que não tinha cabido, no banco de trás. Ainda levei uma pequena mala no colo e mamãe entrou pelo lado do motorista, enquanto eu me acomodei no banco de couro conhecido do passageiro. Antes de darmos partida, dei um aceno para Victoria que me encarava tristemente.

Ou ela estava muito chateada por estar se mudando para uma Colônia fria, cheia de pessoas frias, ou estava congelando por não ter trazido nada mais do que um simples suéter de gola “v” branco e muito, muito fino.

O carro fez um barulho engraçado antes de finalmente pegar, começando a andar pela estrada com os campos congelados e somente o trilho de trem cortando pelo meio deles. Não era possível ver nenhum tipo de girassol ou até uma horta de cultivo Frio.

Nenhuma de nós fez questão de abrir a boca antes que mamãe ligasse o rádio e mexesse nos botões para que a estação pegasse direito.

— Então... – ela tentou iniciar uma conversa e ficou calada. Esperei pacientemente, enquanto inclinada meu corpo em direção ao dela. Paciência era uma virtude necessária para qualquer Novato. Os Colégios nos ensinavam a ter domínio sob nossos sentimentos, mesmo que eles fossem um tanto quanto explosivos. — Você cresceu, está tão diferente.

Tive que sorrir com sua tentativa.

— Sim. É o que acontece, mamãe, as pessoas crescem.

Ela apertou o volante, concentrada demais na estrada levemente congelada à frente, para não deixar que o carro saísse da pista.

— Normalmente. Mas você era tão pequena, não sabia nada sobre as Províncias, ou nem como se portar com uma Recém-Aceita. – e mamãe olhou pela primeira vez em minha direção e mesmo que só tivesse sido por uma fração de segundo, pude ver seus olhos marejados. — Foi uma boa escolha para você, não é mesmo? – ela dizia aquilo como se não confiasse na própria escolha de ter me deixado ir para longe de casa. Mas eu não me importava, não mais, pelo menos. Sabia que tinha sido o certo.

Quando mamãe e papai tomaram a decisão de me mandar para longe quando eu tinha apenas treze anos de idade e nem havia trocado todos os dentes, me magoou mais do que deveria. Eu era muito conectada à eles, e isso, para mim naquela época, não passava de uma traição barata. Cheguei diversas vezes a me perguntar quanto a Sociedade havia dado a eles para que eles me mandassem para os Colégios e me recusei a ler as primeiras cartas que eles me mandaram, por pura e simples birra de suas escolhas. Fazia tanto tempo, e eu era somente uma criança. Agora entendia os motivos de meus pais terem me mandado para longe: eu era o problema em carne e osso.

Apertei minhas mãos no colo impedindo-me de tocá-la para confortá-la como fazia antes e mantive minha visão focada no horizonte branco e frio.

— Não se preocupe, virei a pessoa que todos esperassem que eu virasse.

Mamãe fungou uma vez e eu percebi pelo canto do olho que ela sorriu sem me encarar, focando os olhos também na estrada gelada, ficando quieta durante toda a viagem. O carro só não estava completamente silencioso por causa das Doze Canções sendo tocadas no rádio, parecendo longe demais. As canções que eu tanto tinha ouvido e decorado, cada palavra, de trás para frente.

Enquanto passávamos pela cidade, víamos todas as fábricas abarrotadas de gente querendo trabalhar, muito diferente de quando eu tinha partido que as pessoas não precisavam implorar e muito menos fazer fila para que conseguissem um lugar, mesmo banal, em diversas empresas. As árvores, que sempre tinham uma cor verde viva, apesar de todo o frio, agora estavam com as folhas cinzentas e praticamente mortas. Os galhos pálidos e sem cor definida, partindo de um cinza claro a um marrom-opaco em vários pontos da casca. Os campos estavam cobertos de uma neve branca empapada, mas fina, que deixava ver a grama congelada e morta por baixo. Tudo estava morrendo.

As pessoas andando na rua com suas roupas de frio, luvas e botas pareciam um tanto quanto infelizes com suas próprias vidas. Andavam com os ombros curvados e expressão abatida. Em todos os anos que tinha passado morando na Colônia do Norte, nunca tinha visto as pessoas tão angustiadas e parecendo desesperançosas.

Mamãe estacionou o carro na rua de casa e fez questão de tirar minhas malas de dentro dele, arrastando-as com certa dificuldade para a entrada de casa e disse baixo:

— Muitas coisas mudaram quando você foi embora. – parecia até mesmo estar me confidenciando um segredo mortal.

Assenti enquanto arrumava minha calça e fechava o sobretudo por cima da blusa de poá. Eu não estava vestida para vir para casa, mas como Sr. Emillie tinha nos dito nas aulas de Boa Conduta, tudo girava em torno a como você se portava e como se vestia. A boa aparência sempre vinha em primeiro lugar.

Entrei em casa arrastando minhas malas, vendo que nada – ou quase nada – tinha mudado. A casa ainda tinha o mesmo piso escuro de madeira, com as mesmas paredes claras e aconchegantes, o mesmo cheiro de bolinhos que minha mãe fazia nas manhãs de Sábado e Nascimento, e o mesmo cachorro da família que veio latindo esganiçado para nos receber na entrada de casa. Afaguei suas orelhas e o deixei lamber as costas de minha mão. Colocando a mala de canto, ao lado do armário de casacos para não atrapalhar a passagem de ninguém, respirei fundo o ar com cheiro de bolinhos de amora com um toque de algo mais ao fundo.

— Onde está papai? – perguntei. Estava animada para vê-lo, depois de vários anos longe de casa.

Mamãe arrumou o vestido com uma mão enquanto tirava os sapatos na entrada de casa. Um ritual que eu tinha desacostumado. Repeti seus movimentos para tirar minha bota e a deixei no canto da porta, colocando o sobretudo no armário de casacos, já que a casa toda estava aquecida.

— Ele deve estar trabalhando. Já tinha saído quando fui te buscar. – sua voz não era maldosa ou feliz. Na verdade ela não apresentava emoção nenhuma. Era como se saber onde meu pai estava não fosse necessário. — Deixe suas coisas no quarto de hóspedes por enquanto e desça para comer algo. Você está tão pálida, parece faminta. – e se dirigiu até a cozinha, onde começou a abrir a geladeira a procura de algo, assim como os armários.

Suspirei. Não estava, mas não queria contradizer mamãe. Se ela acreditava que eu precisava ser alimentada, então deixaria que ela preparasse algo para mim, somente para vê-la satisfeita.

Enquanto levava minhas malas pesadas para o quarto simples no andar de cima, pensei em como tudo continuava a mesma coisa em certos pontos e tão mudada em outros. As mesmas fotografias de quando eu era pequena ainda estavam penduradas na parede, algumas fotos antigas e outras novas me fizeram olhar para longe. Passei a mão no papel de parede bege e sorri comigo mesma. Era um quarto largo e o melhor para se dormir quando eu era pequena. Sentei-me na cama de madeira clara de casal, e passei as mãos no cobertor azul bebê que pousava arrumado demais, em minha cama nova. Uma coleção de travesseiros que eu nem ao menos tinha noção de onde tinham vindo e um coberta também bege nos pés da cama, fofinha. Passei as mãos nela, sentindo-me aquecida momentaneamente e ajeitei onde minha mão deixou uma marca, com medo de estar fazendo algo errado.

Me perguntei o que teria acontecido com meu próprio cantinho e fui até a última porta, no final do corredor, que estava fechada. Forcei a maçaneta e ela não abriu. Joguei parte de meu peso para que ela se abrisse, mas a porta nem ao menos se moveu. Decidi deixar para outro momento e perguntar para mamãe o que tinha ali dentro depois.

Desci as escadas tentando fazer o menos possível de barulho para não perturbar a paz e o silêncio que reinava ali e encontrei mamãe preparando um lanche natural que parecia um tanto quanto recheado. Ela empurrou o prato para mim sob a ilha de madeira e eu dei algumas mordidas no lanche, sentindo o estômago ser preenchido por algo além do que nervosismo.

— Onde está Kris, Hillden e Prim? – perguntei depois de engolir, limpando os cantos da boca com um guardanapo.

Ela limpou as mãos molhadas em um pano de prato, apoiando os cotovelos em cima do tampo de madeira.

— Estão com a Sra. Fey. Ela se ofereceu para cuidar delas enquanto eu ia buscá-la na Base. – mamãe disse e deu uma mordida em meu lanche, sorrindo.

— Entendi. – ficamos em silêncio enquanto eu terminava de comer. — Tem mais ou menos idéia de que horas papai vai voltar?

Ela se afastou e arrumou o cabelo loiro em um rabo de cavalo alto, me lançando um olhar distante.

— Não sei mesmo, Aileen. – sua resposta não era convincente.

Sua atitude em relação a papai me chateava. Eles eram Pares Perfeitos, mamãe tinha sido feita para papai, sob medida... Então por que ela continuava agindo com tanta indiferença? Lancei um olhar para seu dedo anelar esquerdo sentindo uma onda de alívio ao ver que sua aliança ainda estava no lugar. E por que não estaria? Ela sempre a usaria.


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Notas finais do capítulo

Continua?



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