Tempo Ruim escrita por helenabenett, Lyra Parry


Capítulo 22
Nada se parte como um coração


Notas iniciais do capítulo

Frente a frente pela primeira vez após uma dolorosa separação, Cascão e Magali finalmente têm a oportunidade de acertar suas diferenças. Mas com tantos embaraços e emoções à flor da pele, quem sabe dizer o que é verdade ou ilusão? Às vezes, apenas quem está acima do olho do furacão pode ver com clareza e iluminar o caminho.



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This world can hurt you

It cuts you deep and leaves a scar

Things fall apart

But nothing breaks like a heart

Nothing Breaks Like a Heart – Miley Cyrus ft. Mark Ronson

 

Cascão

“Ela veio”, pensou Cas, aliviado. O artifício com a caixinha de presente tinha sido sua última esperança.

Magali estava linda. Sob a luz prateada da lua, Cascão notou que ela estava mais corada e com o corpo definido – provavelmente havia retomado os treinos de luta. Parecia forte e confiante.

Mas a expressão da magrela não era nada amigável: ela escolhera uma camiseta frouxa estampada com a letra de uma banda de rock que dizia “eu não gosto de ninguém”, uma calça jeans rasgada e tênis surrados. Era como se estivesse dizendo que não queria estar ali.

Por um momento Cássio se sentiu intimidado, mas ele conhecia Magali bem demais para saber que todo aquele esforço para demonstrar indiferença na verdade indicava exatamente o contrário: ela se importava o bastante para levantar uma muralha entre eles, com intenção de se proteger. Sua defesa era atacá-lo com aquela expressão lânguida – que podia enganar aos outros, porém não a ele – e postura agressiva. “Se ela está se esforçando tanto assim”, pensou o sujinho, “então talvez eu ainda tenha alguma importância para ela”.

Esperançoso, Cas deixou a proteção da árvore e andou até Magali. Ela não o cumprimentou. Ao invés disso, foi logo dizendo:

— Acho que isto é seu.

A moça estendeu a mão direita, revelando a caixinha de veludo.

— Eu não quero isto – vociferou ela. – Não sou sua namorada, não tenho motivo para aceitar um presente como este. Acho que nunca fui, não é?

Cas suspirou, balançou a cabeça em discordância e disse calmamente:

— Você sabe que essa não é a verdade.

Os lábios de Magali tremeram e seus olhos faiscaram de ira.

— Francamente, Cássio, como ousa?! – ela gritou. – Por que simplesmente não me deixa em paz?

— Se quisesse me esquecer – replicou ele – você não teria vindo até aqui.

— Vai ficar apenas jogando minhas próprias palavras contra mim, ou vai dizer logo o que tem a dizer? – retrucou a magrela. – Por que me chamou aqui, afinal de contas?

— Para dizer que sinto muito por ter te magoado... – ele disse, e Magali revirou os olhos – ... mas que você também me magoou, Maga. E muito.

— Como é que é?! – ela não podia acreditar no que acabara de ouvir. – Fui eu que te humilhou na frente de todo mundo? Fui eu quem te enganou, quem te fez acreditar que era amado, quando na verdade só foi usado como estepe depois de ter sido rejeitado por outra pessoa?

Magali estava arfando: nunca explodira com alguém daquela forma antes. Sentia-se exausta e ridícula. Queria ir embora dali, fugir de Cas, da turminha, do Limoeiro, porém não encontrava forças. Por que Cascão a estava torturando daquela forma horrível?

— O fato de você acreditar nas besteiras que está dizendo é que me magoa – Cássio respondeu com indignação à altura. – Eu amo você, Magali, há tanto tempo que nem me lembro mais. Tudo o que a gente viveu foi real, cada segundo. Eu ia te pedir em namoro naquela maldita festa, já tinha combinado tudo com o Cebolinha...

— Eu sabia!!! – ela o interrompeu. – Você e ele tramaram juntos aquele vexame!

— Se ao menos você me deixasse FALAR! – ele gritou, expressando toda sua frustração e raiva contidas. Maga se assustou com a violência da reação e calou-se. O sujinho respirou fundo e, mais calmo, prosseguiu:

— Eu pedi pro careca me ajudar. Ele foi a única pessoa para quem contei sobre nós dois. Falei para ele colocar uma música especial para tocar durante a festa. Eu ia te tirar para dançar, te entregar esse presente e te pedir em namoro pra todo mundo ver, porque não aguentava mais ficar feito clandestino por aí com você. O Quim te desmoralizou em público; eu ia fazer justamente o contrário do que ele fez. Você não sabe disso, magrela, mas eu também já fui traído. Sei bem como é a sensação de não conseguir confiar em ninguém. Eu jamais faria com você uma coisa dessas.

Cas parou de falar por um instante e encarou a amiga. Magali estava muda como uma porta; os olhos dela se encheram de lágrimas, e a jovem não fez esforço algum para contê-las.

— Então por que você e a Maria?... – ela não conseguiu concluir a frase.

— Nunca aconteceu nada entre mim e ela – respondeu Cássio, aliviado por finalmente poder dizer aquilo em voz alta. – Eu a encontrei caindo de bêbada na festa. Você ainda não tinha chegado, então fiquei com a Cascuda até ela parar de vomitar. Assim que ela melhorou eu ia voltar para o lugar que combinei de encontrar você, mas aí começou a tocar a música favorita dela. Ela me pediu uma dança e eu aceitei. Não devia ter aceitado, é verdade, e por isso eu te peço desculpas. Não imaginei que você ia se sentir mal, porque eu sempre deixei bem claro que eu e a Cascuda somos só amigos, e achei que você entendia isso. Mas se você ainda tem alguma dúvida, saiba que não houve qualquer má intenção, nem minha, nem dela.

— E onde entra o Cebola nessa história?

— É bem óbvio: foi ele quem falou para o Tikara colocar aquela música ao invés da que eu pedi. Eu quis deixar a Maria para te encontrar, mas o Cebolinha fez um sinal pra mim indicando que iria falar com você, e que eu podia terminar a dança com a Maria já que ele iria resolver tudo. Assim que te vi saindo arrasada da festa depois de conversar com ele no bar, eu entendi o que aquele idiota tinha feito. Acertei minhas contas com ele lá mesmo, você deve estar sabendo.

— Sim, eu sei – disse Magali. – Vi o hematoma.

— Eu teria feito muito pior – falou o rapaz em um tom sombrio. – Mas estava preocupado em encontrar você. Saí desesperado te procurando, liguei um milhão de vezes, mas você não me atendeu. Fui pra casa e pensei que poderíamos conversar no outro dia. Mas você me ignorou, me dispensou, fingiu que nada aconteceu e me excluiu da sua vida como se eu não fosse nada, Maga! NADA! Mesmo depois que a Maria desmentiu a história, ainda assim você não quis me ouvir! – a essa altura, Cas também já estava chorando. – Você não acreditou em mim e não me deu nem uma chance pra te contar a verdade. Eu deveria ter jogado essa droga de presente no lixo e esquecido você, do mesmo jeito que você me esqueceu! Mas eu não tive coragem, sabe por quê? Porque eu ainda amo você, Magali!

Cascão caiu de joelhos no chão, soluçando desesperadamente. Maga, por sua vez, ergueu o rosto molhado de lágrimas para não olhar para o sujinho: ela sabia que se fizesse aquilo desmoronaria também.

Após um momento interminável, que nenhum dos dois soube dizer se durou minutos ou horas, Cássio perguntou em um sussurro:

— Você não vai dizer nada?

Magali estremeceu. Ela não sabia o que pensar, o que fazer... Queria acreditar no que Cas lhe disse, queria tanto que chegava a doer. Isso significaria que ela realmente fora amada e correspondida, que tudo o que pensara ter sofrido não passava de uma grande mentira. Mas ela tinha medo de ser enganada outra vez, e sabia que não seria capaz de se recuperar se abrisse seu coração para ser magoada de novo. Se quisesse ter paz ela precisava arrancar aquele sentimento pela raiz – mesmo que um pedaço de sua alma fosse arrancado junto.

Vencida pelo medo, Magali respondeu apenas:

— Não tenho nada para dizer.

Ela virou as costas para o rapaz que amava e desapareceu na noite. A Cássio restou apenas a luz fria do luar.

***

Magali

No outro dia, Maga chegou cedo na academia.

Não havia dormido na noite anterior, e ainda assim não sentia sono. A tensão do encontro com Cássio fora tão forte que só uma maratona exaustiva de exercícios acabaria com ela. A moça esperava chegar em casa depois do treino e dormir um sono sem sonhos. Não estava bem certa do que faria depois, mas não queria pensar nisso. Aliás, não queria pensar em absolutamente nada. Enquanto não pensasse e não sentisse coisa alguma, tudo ficaria bem.

Ela seguiu para a academia depois da aula, como de costume. Ao se aproximar da esteira, no entanto, Magali notou uma senhora baixa e gordinha tentando erguer dois halteres para exercitar os braços. A simpática velhinha de cabelos brancos parecia estar fazendo um enorme esforço, e Maga correu até ela para ajudá-la:

— Desculpe, senhora – disse Maga – mas qual foi o instrutor que te deu esses halteres? Eles parecem muito pesados para uma iniciante. Por que não tenta com os dois menores?

— Ah, minha filha, eu pensei que tinha forças, mas parece que estava enganada! – riu-se a velha. – Obrigada, meu bem. Você trabalha aqui?

— Na verdade, não. Mas pratico luta faz bastante tempo, já sei de muita coisa.

— Uma moça delicada feito você em um esporte desses? – assombrou-se a senhora. – Não se machuca nas lutas?

— Faz parte do jogo – respondeu Maga com um suspiro. Já estava acostumada a ser subestimada pelas pessoas.

— Vejo que é confiante – observou a velha, desfazendo a carranca de Magali. – Não quero atrapalhar seu treino, querida. A propósito, como se chama?

— Meu nome é Magali. Posso saber o seu?

— Janete.

— Tenha um bom treino, Dona Janete.

— Pode me chamar de tia, docinho, já estou acostumada – ela sorriu. – É assim que me chamam aqui.

— Está bem – sorriu de volta a menina. – Se cuide, tia Janete!

— Obrigada, Magali!

***

Maga derrubou todos os oponentes naquela tarde; ninguém foi capaz de tirá-la do ringue. Durante uma das lutas a magrela notou o rosto amigável de Dona Janete entre a plateia e acenou para a velhinha, que retribuiu o gesto. Encontrou-a depois do treino na porta da academia, quando estava de saída.

— Você é dura na queda, menina! – comentou Dona Janete, admirada. – Aquelas crianças vão demorar para esquecer a surra que deu neles.

— Obrigada! – sorriu Maga. – Sou uma das melhores lutadoras daqui.

— Isso é fácil de ver – disse a velha. – Mas imagino que nenhum dos rapazes em quem bateu seja seu namorado, ou você teria sido um pouco menos impiedosa.

— É verdade – confirmou Magali. – Não tenho namorado.

— E também não deve estar à procura de um, porque todos os rapazes aqui têm uma quedinha por você. Especialmente aquele bonitão ali de cabelo escuro – Dona Janete apontou para um Luke concentrado que fazia contas na calculadora do balcão.

Magali deu uma gargalhada:

— Luke e eu somos só amigos, Dona Janete.

— Ora, meu bem, até eu que sou velha sei que só se dispensa um pão como aquele ali quando o coração já tem dono.

A magrela baixou os olhos.

— Nunca mais entregarei meu coração a ninguém, titia Janete – ela disse. – Ele é meu e pronto!

— Uma frase bonita – suspirou a velhinha. – Pena que não é verdadeira.

— O quê? Por quê? – questionou Magali, indignada.

— Eu não conheço o sujeito, docinho, mas dá pra ver que ele ainda mexe com você. E vindo de uma moça tão esperta, ele deve ser um bom rapaz.

— Ele é, sim – admitiu a moça. – Mas me magoou muito.

— Como você mesma disse, isso faz parte do jogo – Dona Janete sorriu. – O amor é uma linda rosa, mas tem seus espinhos. Se não puder suportar a dor das espetadas, nunca irá sentir o perfume da flor.

— Já estou cansada de levar espetadas.

— E se privará para sempre do doce aroma do amor? Você é jovem, Magali, tem a vida toda pela frente. Não tranque seu coração a sete chaves. Se tem algo a resolver com este rapaz, resolva! Um amor sincero sempre merece mais uma chance.

Dito isso, Dona Janete se despediu de Magali e seguiu seu caminho.


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Notas finais do capítulo

Será que Magali vai dar ouvidos à titia Janete, ou estará nossa menina decidida a esquecer o amor? O que Cássio vai fazer agora que foi definitivamente dispensado? Ah, as voltas que o mundo dá...



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