Tempo Ruim escrita por helenabenett, Lyra Parry


Capítulo 20
Não serei eu


Notas iniciais do capítulo

Depois de ser dispensado por Magali e abandonar a escola, Cascão decide focar toda sua energia nos estudos, determinado a esquecer a magrela. Um encontro inesperado, porém, pode mudar o curso dessa história e reaproximar os amantes desafortunados.



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No, I don't wanna know
Where you been or where you're goin'
But I know I won't be home
And you'll be on your own

It ain’t me – Kygo ft. Selena Gomez

 

Cascão

O ENEM chegou e passou tão rápido que Cas nem teve tempo de se preparar.

É claro que ele havia estudado o ano inteiro, mas se arrependia por não ter dado ouvidos às broncas de Maria e se dedicado com mais afinco. Ele esperava que a tensão dos últimos dias não o impedisse de conseguir ao menos uma nota decente. Mesmo que ainda tivesse que cursar o terceiro ano, ele precisava saber o quão perto estava de entrar em uma boa faculdade.

Embora naquele momento Cas quisesse deixar o Limoeiro por causa do que aconteceu entre ele e os amigos, o sujinho sabia que jamais se afastaria dali de verdade. Talvez ficasse longe durante a faculdade, mas quando terminasse os estudos ele voltaria para o bairro e teria sua própria academia, ou seria professor de educação física na mesma escola em que estudava.

Além do mais, mesmo que a turminha tivesse se separado, ele fez novos amigos. Denise e Tikara preenchiam seus dias com piadas ácidas e todo tipo de passatempos, enquanto Maria o ajudava nos estudos. Sua ex-namorada o elogiou por seguir em frente com o apoio de Denise e Tikara, e até parou de implicar com a blogueira na escola. Denise, por sua vez adicionou uma seção sobre esportistas femininas no seu canal do YouTube. Pensando bem, as duas até que eram muito parecidas: orgulhosas, inteligentes e nunca davam o braço a torcer.

Graças às meninas e ao japa, Cássio sabia de tudo o que se passara no colégio desde o halloween: Aninha tinha dado um basta em Titi e ele caiu na cachaça, quase perdendo a prova do ENEM; Mônica e DC estavam de mal; o time de voleibol de Maria ficou em primeiro lugar no campeonato estadual; e a feira de ciências pela primeira vez não teve um vulcão artificial, já que Cas não participou. Os amigos foram gentis e não mencionaram nem Magali, nem Cebolinha. Mas era inevitável falar da Mônica, já que ela mandava e desmandava em tudo.

— Nossa amiguinha dentuça disse que é bom mesmo você não aparecer mais na escola depois de todo aquele bafafá – comentou Denise no dia em que os três amigos se reuniram na casa de Tikara para consultar o gabarito do ENEM. – Mas eu acho que ela está preocupada. Estão dizendo por aí que você vai pra um colégio interno.

— Pois é, fiquei sabendo – comentou Cascão, roendo as unhas de ansiedade enquanto esperava a página online carregar. – O Jeremias me contou quando eu passei na porta da casa dele semana passada. Eu falei que é só boato, mas não sei se ele acreditou. Falando nisso, ele e o Xaveco apareceram lá em casa pra me convidar pro treino no campinho esse fim de semana. Talvez eu passe por lá.

— Já está pronto para abandonar seu voto de silêncio? – implicou Denise.

— Um futebolzinho não mata ninguém – Cássio deu de ombros. – E é bom as pessoas saberem que eu não virei um monge, nem nada do tipo.

— Está mais pra um eremita, com essa sua mania de correr pela cidade – implicou Denise.

— Não é corrida, é parkour! E você vai acabar com diabetes de tanto beber refrigerante – disse Cas, tomando a lata de coca-cola das mãos dela. – Não deveria ser tão sedentária, blogueirinha.

— Meu cérebro consome bastante energia, eu garanto – ela retrucou, tentando em vão alcançar novamente a lata, e desistindo ao constatar que Cássio era irritantemente alto. Ele devolveu a lata para ela, triunfante, e riu quando Denise lhe mostrou a língua.

— O Cássio tem razão – acrescentou Tikara, apertando a tecla F5 pela milésima vez. – Você precisa se exercitar, Denise, ou vai morrer de ataque do coração aos 30 anos.

— Mas os 30 serão o auge da minha carreira artística! – ela se sobressaltou.

— Não vai ter uma carreira se continuar se entupindo de açúcar – afirmou Cascão.

— Vocês dois são umas pestes, sabiam? – falou Denise, tomando o restante do refrigerante. – Mas talvez eu esteja mesmo precisando mexer o esqueleto. O problema é que eu tenho pavor de academia. Posso ir com você na sua próxima incursão, Forrest Gump? – ela perguntou a Cascão.

— Se conseguir acompanhar o ritmo, gata – ele se gabou. – Parkour não é para os fracos.

— CONSEGUI! – gritou Tikara, obtendo a atenção de todos ao finalmente conseguir acessar o site. Denise e Tikara acertaram praticamente a mesma quantidade de questões e quase a prova inteira, fazendo Cascão se espantar com a inteligência da garota. Parecia que ele estava sempre se surpreendendo com Denise, afinal.

O mundo parou quando Cas terminou de contar seus acertos.

— CENTO E TRINTA QUESTÕES! Como conseguiu isso, seu malandro? – disse Tikara, abraçando e sacudindo o amigo. Denise também lhe deu os parabéns e se somou ao abraço.

— Quem diria que um coração partido pode ajudar nas notas – ela comentou. – Arrasou, Cássio!

Cas ficou sem palavras. Cento e trinta! Isso era mais que dois terços da prova. Dona Lurdinha e Seu Antenor precisavam saber disso! Ele se despediu dos amigos e foi correndo para casa para dar a boa notícia. Estava tão distraído com sua felicidade que não notou quando Mônica atravessou a rua; só a viu quando os dois deram um encontrão e a dentuça se espatifou na calçada.

— Desculpa, moça, eu não vi você... – ele ia dizendo, até que percebeu quem era. – Mônica?!

— Cascão?! – ela parecia igualmente surpresa em vê-lo. – Você não olha por onde anda?

— E nem você, pelo visto – ele retrucou, irritado, enquanto a ajudava a se levantar. – O que está fazendo aqui?

— Não é da sua conta – ela rebateu, sacudindo a sujeira da roupa. – Escuta aqui, você se esqueceu de que tem que estudar? Por que não foi mais à escola?

— Você sabe muito bem o porquê, gorducha – Cas tentou disfarçar a mágoa e a raiva em sua voz, mas foi inútil. – Não vou fazer parte do seu teatrinho ridículo.

— Teatrinho?! Como você se atreve?! Eu sou uma boa amiga, diferente de você. Nunca vou te perdoar depois do que fez com a Magali.

— E o que foi que eu fiz, exatamente? – ele ergueu uma sobrancelha, lançando à amiga um olhar cínico.

— Não se faça de idiota. Eu sei que você fingiu terminar com a Cascuda pra poder ficar com a Magali. Ficar com as duas ao mesmo tempo, que covarde, não esperava isso de você.

— PUTA MERDA!!! –ele gritou, erguendo as mãos e as colocando sobre a cabeça em desespero. –Então foi isso que o careca disse pra ela! Ah, se eu encontro aquele miserável do Cebola...

— O Cebola não tem nada a ver com as suas mentiras, Cascão! Pare de culpar os outros pelas suas atitudes.

Cássio queria gritar, chorar, e socar a cara de alguém – mais especificamente, do seu antigo melhor amigo. Ao invés disso, ele usou todo o autocontrole que lhe restava e disse:

— Quem foi que te contou essa história da carochinha, Mônica?

— Pare de negar, todas as meninas sabem.

— Sabem, é? Por acaso vocês tem alguma prova?

— Não banque o interrogador! A Marina disse que te viu na casa da Cascuda várias vezes, a Carmem te flagrou de mãos dadas com a Magali, e a Aninha falou que... falou que... – a dentuça sacudiu a cabeça: estava ficando confusa. – Ah, não importa! Nós sabemos a verdade, não adianta esconder. A Cascuda negou tudo, mas eu sei que ela só está tentando se proteger do vexame.

— Se isso fosse verdade, acho que a Denise estaria sabendo, não é?

— Só porque ela deixou uma fofoca escapar, não quer dizer que seja mentira – retrucou Mônica, mas Cássio podia ver a dúvida em seus olhos.

— Quem foi que te falou que eu estava com as duas ao mesmo tempo? – ele repetiu a pergunta pausadamente. – Foi o Cebola, não é? – vendo o choque nos olhos dela, Cássio soube que acertara na mosca.

— Deixa eu adivinhar – ele continuou, cheio de sarcasmo. – O careca pediu pra você guardar um segredo e te disse que eu passei meses pedindo pra ele esconder que eu estava ficando com duas garotas. Depois falou que eu bati nele porque ele descobriu que a outra menina era a Magali.

Mônica balançou a cabeça, incrédula.

— Como você sabe disso? – ela murmurou.

— Ajudei o Cebolinha em muitos planos infalíveis, sei muito bem como aquela mente perversa funciona. Eu só nunca imaginei que ele fosse capaz de usar isso contra a gente.

— Pare agora, Cascão! Não vou deixar você acusar o Cebola desse jeito.

— Mônica, você ainda gosta tanto assim do Cebolinha que não consegue enxergar a verdade?

A dona da rua ficou sem palavras. Se aproveitando da abertura dela, Cascão continuou:

— Eu sei que você e o DC estão de mal um do outro. Aposto que isso aconteceu porque você foi visitar o Cebolinha pra ver como estava o olho roxo. O DC não gostou, vocês discutiram e agora o careca está quase conseguindo o que ele quis desde o começo: ter você de volta. E você, Mônica, que se acha tão esperta, está caindo na conversa mole dele.

— O que é que a sua história com a Magali tem a ver com isso? – Mônica estava quase chorando. Mas Cascão não abrandou o tom: ele precisava fazê-la enxergar.

— O Cebolinha se arrependeu por ter magoado você. Ele finalmente percebeu que te ama, Mô. Mas descobriu tarde, porque agora você está com o DC. Só que o careca nunca admite um erro. Ele acha que você está namorando o DC por causa da Magali.

— Que história sem pé nem cabeça é essa?

— Eu e a Maga sabotamos o plano infalível do Cebolinha: aquele plano idiota que ele inventou pra te magoar e que acabou fazendo você escolher o DC ao invés dele. A ideia foi toda da Magali, eu só falei umas verdades pro careca e depois me mandei. Mas o Cebola não engoliu essa. Ele nos separou pra se vingar da gente, e agora está quase conquistando você de novo bancando o coitadinho. Eu achava que ele tinha aprendido alguma coisa depois de te perder, mas não é verdade. Ele está mais egoísta e covarde do que nunca. Então toma cuidado, dentuça: o Cebola não tem mais nada a perder. Ele vai destruir o seu relacionamento do mesmo jeito que fez com o meu e da Magali.

— Se isso for verdade...  – Mônica esfregou os olhos para conter as lágrimas. – Se toda essa maluquice é verdade, então por que você fugiu da escola? E por que não contou pra Magali?

— PORQUE ELA NÃO ME DEU CHANCE! – ele socou o muro ao lado da calçada, colocando para fora toda sua fúria, e fazendo Mônica se encolher de susto. Cas ficou ali parado, arfando e chorando com a dor física e também a emocional. Comovida, a dentucinha estendeu a mão para tocá-lo. Cascão pegou de volta a mão da amiga e os dois se sentaram na calçada, em trégua. Desolado, o sujinho finalmente abriu o coração para Mônica:

— Magali preferiu acreditar nas mentiras que o Cebola contou, ao invés do que a gente viveu. Ela nem sequer me deixou pedir desculpas! Não posso falar com ela pela internet, ela me ignora quando vou na casa dela, e na escola se esconde atrás de você. Eu não vou implorar pra sempre: se a magrela quisesse saber a verdade, ela teria me procurado. Mas ela acha mais fácil fingir que nada aconteceu. Então eu fiz o mesmo.

— Não seja tão duro, Cascão – censurou Mônica. – Você não lembra que ela foi traída?

— Eu jamais me esquecerei disso. Sei exatamente o que ela está sentindo agora, porque eu passei pela mesma coisa.

— Você O QUÊ?! – Mônica arregalou os olhos, incapaz de acreditar no que acabara de ouvir.

— Quando a Maria terminou comigo pela primeira vez – explicou Cascão –  ela conheceu um cara. Mesmo depois que a gente voltou ela continuou se encontrando com ele por um tempo. Eu descobri, a gente conversou e ficou tudo bem. Tive muita raiva dela no começo, mas eu queria entender por que ela tinha feito aquilo e ouvir tudo da boca dela, porque eu sabia que tinha uma explicação.

Entre soluços, ele acrescentou:

— Só queria que a Maga tivesse me dado a mesma oportunidade. Mesmo que ela tivesse me rejeitado, eu estaria de boa agora. O problema é que ela não quis me ouvir, e nem você. Vocês duas acreditam no Cebola, que já aprontou com todo mundo um monte de vezes, mas não em mim, que nunca fiz nada pra merecer esse descrédito e sempre menti mal pra caramba.

— É verdade, você é um péssimo mentiroso – Mônica riu. – Me desculpa, Cascão. O que eu posso fazer para ajudar?

Cas enfiou o rosto entre os joelhos, sufocando um soluço, e então respondeu:

— Só me deixa em paz, Mô.

— Mas e a escola? Você não vai voltar? – ela mudou de assunto.

— Não vou voltar este ano, e talvez não volte ano que vem. Também não sei se você acredita em mim ou não, mas pelo menos você me ouviu, o que já é mais do que a magrela fez – ele se levantou. – Obrigado, Mônica. Se cuida.

Sem olhar para trás, Cássio seguiu seu caminho, deixando uma Mônica estarrecida e arrasada. Ela não sabia em quê ou em quem acreditar depois de tudo o que ouviu, mas sabia exatamente o que tinha que fazer.


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