Alma Noturna escrita por Sama


Capítulo 4
Chamada De Última Hora - 2


Notas iniciais do capítulo

Hola, pessoas o/
Postando aqui again, pq é a vida né, rsrs
Status: esperando comentários...



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Abro a porta do prédio, e alguns olhares se voltam para mim. Outros, para as minhas pernas. O Hunter's é um bar meio restaurante para os Dennitys e todos que tem mais de quatorze anos tem direito a ter uma "assinatura" aqui. Você vem, come e paga quando quer.

Bem, dentro de um período de dois meses. Se não pagar... É, acho melhor correr, colega.

Shark, o dono do Hunter's, foi amigo do meu pai, portanto, ele é um pouco menos rígido comigo.

Aliás, ele diz que atraio fregueses.

Me sento em uma mesa e espero um dos garçons aparecer, mas me deparo com Cardio, um velho amigo.

— Card? Você trabalha no Hunter's agora? - pergunto, arqueando as sobrancelhas em surpresa.

Cardio tem um rosto bruto e contorcido por cicatrizes, tatuagens espalhadas pelos braços musculosos e uma barba rala quase inexistente no queixo. Ele parece ter idade para ser meu pai, apesar de ser bem mais jovem.

— Trabalho aqui faz anos, Claire. - ele diz, rindo - Mas você quase nunca passa por aqui.

— E tenho motivos... - resmungo, olhando em volta.

O Hunter's é um antigo bar, cheio de mesas velhas e paredes manchadas com a infiltração. Em algumas partes, a tinta preta descascou, deixando visível o reboco e, em vários locais, os próprios tijolos.

Os fregueses também não são lá muito melhores. A maioria são homens velhos, Dennitys inativos ou sem teto, e o cheiro de sangue e suor predomina aqui dentro. No segundo andar é onde ficam os mais jovens. Não que lá seja melhor que aqui em baixo, mas um pouco mais confortável.

Lá, as paredes são vermelho escarlate e o bar deles é bem mais elaborado. A música lá em cima é mais animada, mas não tão alta para que possamos escutar aqui e a maioria dos Dennitys lá são novatos a procura de confusão ou emprego.

Mas, aqui em baixo, se você olhar bem, encontrará alguns jovens de classe.

— Bem, o que vai querer? - Cardio pergunta, levantando o bloco de notas.

— Hum... O de sempre. - respondo, deslizando meu dedo indicador pelas curvas do desenho na mesa.

— E o que quer dizer com "O de sempre"? - levanto os olhos pra ele.

— O que eu sempre como aqui, oras. - exclamo.

— Não sou eu quem sempre te atende, Anjo. - faço uma careta.

— Tá andando com o Andy agora, é? - ele ri.

— Estamos no mesmo grupo de Caçadores. Diga logo o que quer.

— Pizza à moda da casa e uma dose de Jack. - ele franze o cenho, e sorrio com essa expressão tão familiar.

— Você pode beber? - ele pergunta, anotando o pedido. Pelo movimento da caneta, vejo que ele escreve só a parte da pizza, e não do whisky.

— Aqui dentro eu posso. Lá fora, não. - ele suspira, então escreve "Uma dose de Whisky - Jack Daniel's" no papel.

— Certo. Trarei o mais rápido possível. - ele segue para o balcão, onde entrega o pedido para Shark. O homem loiro me olha e sorri, então faz um sinal de "Dinheiro ou Morte" para mim.

Balbucio um "Tente!" e ele ri, balançando a cabeça. Alguém desce correndo as escadas que levam para o segundo andar e entrega um telefone sem fio para Cardio. Franzo o cenho ao ver sua expressão mudar para preocupação. Ele diz alguma coisa para quem ligou, então desliga, tira o casaco de garçom e corre porta afora.

Apoio a cabeça no punho, voltando a seguir as linhas da mesa com o dedo. Antes que eu perceba, outro garçom traz o meu pedido. Pego uma das fatias da pizza e encaro o tomate cheio de orégano. O dia promete ser completamente entediante.

Termino a pizza e o Whisky e sigo para o balcão, onde Shark atende uma mulher loira. Ela tenta flertar com ele para conseguir um desconto, mas o olhar frio de Shark a faz desistir. Quando ela se afasta, me apoio no balcão e ele sorri.

— Claire, querida! Quanto tempo, não? - sorrio também.

— Quanto estou devendo? - ele digita alguma coisa no computador, então faz uma soma na calculadora ao seu lado.

— Cinquenta e sete.

— Oi? - exclamo, confusa - Eu estava devendo uns duzentos reais, você deve ter...

— Andy quitou suas dívidas. - ele me interrompe, mordendo a tampa da caneta que segura - Ele veio aqui faz uma semana, mais ou menos. Bebeu até não aguentar mais, pagou a dívida dos dois e foi embora. Não entendo esse garoto.

— Ele bebeu? - sussurro - Ele bebeu até não aguentar mais? - Shark dá de ombros.

— É. Por quê?

— Andy nunca bebe mais que uma garrafa. - digo, passando as mãos pelo cabelo - Te pago outro dia. Tenho que ir. - me afasto rapidamente do balcão, correndo para fora.

Tem algo errado. É por isso que estamos brigando. É por isso que ele está tão distante.

Ele está guardando um segredo.

Corro pelas ruas, procurando, impaciente, por um táxi. Finalmente, depois de tanto procurar, consigo parar um e entrar.

Digo meu endereço e pego meu celular, digitando o número de Andy furiosamente.

"Estou ocupado no momento, ou numa... Me deixa Claire! Ou numa missão, me liga... Ai, sua chata! Me ligue mais..."

Desligo o celular antes de terminar a mensagem gravada, tentando mais uma vez, mas então me lembro de que ele estava em casa. Ligo para o fixo da minha casa, mas também cai na caixa de mensagens. Droga!

Quando o motorista para o carro em frente à minha casa, jogo o dinheiro para ele e desço correndo, mas minhas expectativas caem quando não vejo a moto dele parada no meio fio. Entro em casa e Rocker corre até mim. Ele deixou o cachorro? Andy nunca deixa Rocker sozinho...

Vou para a cozinha, mas está vazia, assim como o quintal e a lavanderia. Corro para o meu quarto, encontrando um bilhete sobre o travesseiro. Me sento e desdobro o papel, lendo rapidamente as palavras escritas em uma caligrafia cursiva deselegante.

"Claire, tive que sair correndo. William me ligou dizendo que havia uma emergência na área 272, por isso não te segui.

Volto o mais rápido que puder.

Andy"

Solto um suspiro, apertando o papel entre os dedos.

O mais rápido que puder?

Dá última vez que ele disse isso, voltou cinco meses depois do início da missão.

Balanço meus pés pendurados para fora da cama. Mais uma vez, ele pode estar em perigo. Mais uma vez, ele pode morrer.

E não sei se aguentaria perder a única pessoa que realmente se importa comigo.

Me levanto e cambaleio para a sala e me jogo no sofá. Rocker vem até mim e se deita entre minhas pernas, acomodando o focinho em um lugar íntimo, mas não me importo.

Ligo a TV e observo um jogo de basquete de caras com uniformes laranjas e azuis até pegar no sono.

[...]

Acordo com o som de um trovão estourando meus tímpanos. Me levanto num pulo, respirando ofegante. Olho para a TV, que ainda está ligada, mas agora em um canal de filmes.

Esfrego os olhos e me levanto, cambaleando até a cozinha. Paro no batente, observando Andy, entretido com as panelas e temperos. Ele sempre adorou cozinhar.

— Andy...? - bocejo, e ele se vira para mim.

— Ah. Você acordou. - diz, sorrindo - Vá tomar um banho, já estou acabando aqui. - resolvo não questionar, afinal, poderei dar-lhe uma bronca melhor se estiver mais acordada. Vou para o meu quarto, e não me surpreendo ao ver Rocker deitado em minha cama. Esse cachorro sempre adorou meus cobertores.

Entro no banheiro e tranco a porta, para logo depois me despir e entrar no box. Pulo para trás quando a água fria queima as feridas abertas em minhas coxas.

Poxa, como me esqueci disso?

Me lavo com cautela para não irritar mais ainda os ferimentos, então me enxaguo e me enrolo numa toalha. Visto uma camisa larga que Andy me deu faz mais ou menos um ano e meio, mas ainda fica grande em mim. Vou para a cozinha e me sento à mesa, que já está decorada à la chef Andy, e espero que ele me note. Quando ele se vira, prende a respiração e aperta o cabo da panela que segura entre os dedos.

— Porra, isso é tortura. - ele diz, servindo meu prato com seu maravilhoso risotto aos quatro queijos.

— O que? - pergunto, puxando o prato para perto de mim.

— Olhe para baixo, Anjo. - fico um pouco confusa, mas obedeço. Solto um suspiro, sorrindo, ao perceber que a camisa está um pouco transparente, deixando meus seios aparentes.

— Ah, isso. - digo, rindo, e enfio uma garfada da comida na boca - Nunca me canso das suas proezas culinárias... - gemo, me deliciando com o sabor.

— Onde você almoçou? - ele pergunta, se sentando para comer.

— No Hunter's. - me lembro da dívida, enfiando mais comida na boca - Por que você quitou a minha dívida? - pergunto.

— Ah... - ele ajeita a salada em seu prato. Planejamento até na hora da alimentação... - Eu estava bêbado.

— Disso eu sei. Você bebeu até passar mal? - rosno, batendo os dentes do garfo em meus lábios. Ele dá de ombros.

— Eu bebi uma, duas, e, quando vi, já não parava em pé. Não vi motivos para parar se já havia ultrapassado os limites. - solto um suspiro.

— Você vai acabar sendo expulso. Você sabe, muitos membros da organização vão ao Hunter's. - digo, comendo mais.

— Eu sei, mas eles não estavam lá naquela noite. Não enquanto eu estava sóbrio.

— Não brinque com a sorte, Andy. - advirto, enfiando uma folha de alface na boca - Hum... Molho shoyo? - pergunto, e ele sorri.

— Com certeza, madame. - continuamos comendo em silêncio, dando, eventualmente, tomates da salada ou montinhos do risotto para Rocker. Quando acabamos, ajudo-o a limpar a cozinha e seguimos para a sala. Me sento no sofá e abraço minhas pernas. Andy desabotoa os cinco primeiros botões da camisa branca, então se recosta no sofá, ao meu lado. Ligo a TV no Disney XD, onde meu programa favorito está passando.

— Como foi a missão? - pergunto, sem tirar os olhos da tela.

— Normal. Rápida, até. Acho que, em todos os meus anos de Guerreiro, nunca participei de algo tão rápido. - ele diz.

— Nem mesmo quando era um iniciante? - ele nega com a cabeça, esticando os braços para cima.

— Minha missão de iniciante mais curta foi de quatro dias e sete horas. - ele passa o braço em volta dos meus ombros.

— Ah. - sussurro, mais concentrada em meu desenho do que nele. Vejo, pelo canto de olho, Andy me observar.

— Tenho duas cicatrizes novas. Você... quer ver? - ele diz, enfim. Me viro para ele, cruzando as pernas e concordo com a cabeça. Ele termina de desabotoar a camisa e me mostra uma cicatriz perto do pescoço, em forma de cruz. Solto um suspiro.

— Me desculpe por ficar tão irritada com você hoje. Isso não é tão importante. Você tinha razão. - digo, deslizando meu dedo sobre a elevação da cicatriz.

— É claro que é importante. É um ritual nosso. Sem segredos, se lembra? Somos transparentes um ao outro, e eu esconder as cicatrizes foi um erro. Eu tenho que me desculpar. - rio, balançando a cabeça.

Sem segredos, se lembra?

— Não tente ser o cavalheiro que você não é. - digo, então continuo, antes que ele possa responder: E a outra?

Ele comprime os lábios, então traça uma linha na parte interna da coxa esquerda sobre a calça.

— Problemas se eu ficar só de cueca? - pergunta. Dou de ombros.

— Já nadamos nus no lago. Te ver de cueca é como te ver vestido. - ele ri, então desabotoa a calça e abaixa o zíper.

Observo atentamente cada movimento seu ao tirar as calças, coisa que vivo fazendo. Encarar os movimentos das pessoas, analisar cada músculo seu, prever o que farão depois. Ele chuta a calça para longe, então me mostra a cicatriz. Acho que ele não esperava que eu fosse mesmo traçar a cicatriz com o dedo em sua coxa, pois seus músculos se contraem.

Ou talvez seja só a dor.

Solto um suspiro, deslizando minha mão até o seu joelho, e volto a olhar para a TV.

— Como conseguiu essa? - pergunto.

— Um Meta. Sabia que eles podem se transformar em clones nossos? Pois é. Eu não. - ele diz, com certa amargura - Mas até que foi uma boa luta. Afinal, voltei com só duas cicatrizes.

— Cardio foi também? - digo, me lembrando de quando ele saiu correndo do Hunter's.

— Sim... Como você sabe? - dou de ombros.

— Foi um palpite. - observo enquanto os dois personagens principais do desenho acabam juntos, o garoto usando uma máscara de caveira, a garota com suas roupas tipicamente coloridas.

Meu olhar se desvia para Andy involuntariamente, me fazendo pensar no quão estranha pode parecer essa cena para quem não nos conhece. Andy, de cueca, com um braço carinhosamente repousado sobre meus ombros, e eu, vestindo só a camiseta, com as pernas cruzadas e a cabeça apoiada em seu ombro.

Ajeito a postura, ficando ereta com a súbita sensação de desconforto que me atinge.

— O que foi? - ele aperta os dedos em meu ombro.

— Nada. - digo, soltando um suspiro. Ele me puxa e esfrega o punho fechado em minha cabeça, bagunçando meu cabelo - Ai! - exclamo, empurrando-o.

— Já está na hora de você se tornar uma verdadeira Dennity, Claire. - ele sussurra, me puxando para mais perto de si - Preciso te ajudar com os rituais, os treinamentos, os estudos. Você deveria ter começado desde os dez anos. - sinto um arrepio percorrer meu corpo.

— Pensei que você tivesse me treinado. - sussurro. Ele olha para mim.

— Eu treinei. E muito bem, por sinal. Mas não é só luta corpo a corpo, Claire. Existem as estratégias, as formas de matar cada ser. E também o seu medo de matar demônios. - faço uma careta.

— Eu não tenho medo. Só não consigo. Eles parecem tão... inocentes. - ele arqueia as sobrancelhas.

— Inocentes? São demônios, Claire. Demônios! Não são inocentes. - ele exclama.

— Não enche. - resmungo, acomodando a cabeça em seu peito - E que história é essa de rituais?

— São algumas coisas básicas para todo Dennity. Vou fazer tudo isso com você esse mês. Acho que, em Março, sairei em uma missão, e você virá comigo. - me afasto dele, piscando.

— Oi? Andy, você é tipo um Mestre Guerreiro, e eu tipo nem sou iniciante, como quer que eu acompanhe você em uma missão? - ele ri, me puxando de novo para perto.

— Vai ficar tudo bem. Eu vou estar lá pra te proteger. E, se eu não estiver, tem o Cardio, o Metal, o Nake e o William. - solto um suspiro.

— O William participa de missões de campo? - pergunto, deslizando meu dedo indicador por uma cicatriz em seu pescoço.

— Não. Mas, ultimamente, ele tem ido com a gente, por causa da falta de voluntários.

— Nossa. Isso é tão animador. - ele ri, me levantando no colo, e me leva até a minha cama.

— Já está tarde. - diz, se sentando na cadeira da escrivaninha.

— Eu acabei de acordar. - resmungo, abraçando minhas pernas na cama.

— E daí? Ninguém mandou você dormir. - solto um grunhido.

— A gente não pode sair pra matar um pouco? - ele suspira, passado a mão pelo queixo.

— Não. Está chovendo, não temos nenhum endereço e eu estou exausto.

— Podemos fazer um trabalho clandestino. - digo, sorrindo, e ele balança a cabeça com um olhar reprovador.

— Não, Claire. Fique longe dos assassinatos ilegais. Se te pegarem... - ele passa as mãos pelo rosto, parecendo perturbado.

— Ei, não vão me pegar! Nunca me pegaram, você sabe! - ele me olha, realmente irritado.

— Acorda, Claire, você não é invencível. Não te pegaram porque estávamos juntos. Não quero que você faça trabalhos clandestinos, entendeu? - ele rosna, se inclinando para frente - Se eu ficar sabendo, você vai ser cruelmente punida. - cravo minhas unhas nas pernas, encolhendo o corpo.

Desde pequena, Andy tem me treinado. E, como qualquer criança, eu não gostava de obedecer. Para resolver isso, Andy me castigava de várias maneiras caso eu me comportasse mal. Começou com coisas básicas, como me trancar no escuro a noite toda (coisa que me aterrorizava na época), e acabou com verdadeiras torturas, como mutilações e açoites.

Andy nunca faz isso comigo. Ele pede para outros fazerem, deixando, de certa forma, suas mãos limpas. Ele alega não ter coragem de me machucar. Mas tem estômago suficiente para ver outras pessoas dilacerando minha pele por ele.

— Você está machucando suas pernas. - ele diz, puxando minhas mãos, e sinto os cortes em minhas pernas arderem. Puxo minhas mãos de volta, entrelaçando os dedos das mãos aos dos pés. Ele suspira, então se levanta e segue para a cozinha. Antes que eu possa segui-lo, ele volta com um copo de água e um comprimido.

— Pílula azul. - ele diz e a entrega para mim - Vai ajudar a dormir. - solto um suspiro, então coloco a pílula na boca. Pego o copo e bebo toda a água em quatro goles, junto com o remédio.

Andy pega o copo da minha mão e o coloca sobre a mesa de cabeceira. Ele se levanta, apaga as luzes e fecha as cortinas, então vem até a cama e se senta, esperando eu me deitar. Finalmente, me deito, e ele me acompanha. Andy me puxa pra perto e nos cobre, como sempre fazia nas noites de inverno do orfanato de Cheshire.

— Você vai estar aqui amanhã? - sussurro. Ele me aperta sob os cobertores.

— Você sabe que não.

 


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