Alma Noturna escrita por Sama


Capítulo 3
Quem Não Tem Cão, Caça Com Gato - 1


Notas iniciais do capítulo

Hello, killer babies! Mais um capítulo! Quero ver comentários, hein?
Doeu meu heart ficar a semana toda sem responder um só comentário :(
Bjinhos e boa leitura ;P



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— Seu filho da mãe! - berro, fincando a faca em seu pescoço. Um líquido negro mancha minha camisa - Merda! Essa era a minha preferida! - puxo a faca, rasgando toda a extensão de seu pescoço, até que a cabeça fica pendurada somente pela coluna (ou seja lá que coisa for essa).

— Você parece irritada. - Andy comenta, me observando enquanto mutilo mais ainda o demônio.

— Vai tomar no meio do seu... Ah, desgraçado! - me interrompo ao sentir as garras do demônio penetrando minhas coxas - Como ainda não morreu?!

— Na testa, Claire, na testa. - Andy debocha, colocando a mão sobre o meu ombro - Acabe logo com isso, já está tarde. - seguro a faca com as duas mãos, mas elas tremem, e os olhos arregalados e pendurados do demônio me imploram piedade - Ah, me dê isso logo.

Andy agarra a adaga de minha mão e a crava na testa do demônio com força. Um filete de líquido vermelho escorre por sua testa, então seus olhos se reviram. Num instante, estou apenas sobre um monte de terra.

Me levanto, sentindo o sangue escorrer dos cortes em minhas coxas, e limpo minha boca.

— Eu odeio demônios. É oficial. - resmungo.

— Desde quando você gosta deles? - lanço um olhar de ódio para Andy, calando seu comentário estúpido - Tá, calei a boca.

— Primeiro a prova, a chuva idiota, e agora isso? Ser chamada de gorda por um demônio? Cara, o universo está de brincadeira comigo! - exclamo, mancando ao lado de Andy.

Mal começamos a sair da floresta e vejo as luzes da grande Nova York.

— Você quer que eu te ajude com isso? - ele pergunta, se referindo aos cortes em minhas coxas.

— Não. Eu sei me cuidar. - resmungo, suspirando ao pisar no asfalto da rodovia que divide a floresta.

— Hum... Por que não dorme lá em casa hoje? - arqueio as sobrancelhas.

— E ouvir você transando com uma das vadias da escola? Ah, claro. Me espere lá! - ironizo, me jogando no banco do carona.

— Não vou levar ninguém pra casa hoje. Só você, se quiser. - ele diz, dando a partida no carro - Acho que você poderia entrar pro Guinness como Dennity mais violenta. - reviro os olhos, apoiando os pés sobre o painel do carro e analisando minhas coxas.

— Ele rasgou minhas calças novas. - digo, puxando o tecido dilacerado. Ou será minha pele?

— Sério? É com isso que você está preocupada? - ele entra na rodovia vazia, seguindo para uma de nossas casas.

— Eu paguei cem dólares nessa porcaria, não usei nem duas vezes! - ele olha pra mim, então sorri.

— Não pegou ninguém na Denighters ontem, não é? - ele debocha, e meu rosto cora.

— O que?! Não! Eu nem vou lá! - Andy balança a cabeça, rindo.

— Meu Deus, Claire, nem um garoto sequer? Fala sério, você tem que aprimorar suas artes de sedução. - fecho a cara, cruzando os braços.

— Seu idiota. - resmungo.

— Ah, você sabe que não precisa se fingir de irritada pra mim.

— Fingir o caralho! - exclamo, batendo a mão com força no painel do carro.

— Ei, ei, ei! Meu carro não tem nada a ver com a sua raiva! Mãozinhas afastadas! - bufo, voltando a ficar emburrada.

— Se você conseguisse amar uma garota do jeito que ama esse carro... - resmungo, olhando pela janela.

— Quem disse que não consigo? - ele pergunta, parecendo surpreso. Me afasto subitamente do vidro quando um carro passa, na direção contrária.

— O seu título de "Pegador de Vadias Profissional". - digo, me mexendo no banco para encontrar uma posição confortável.

— Cara, você é uma péssima amiga. - ele resmunga.

— Eu me esforço. - digo, no mesmo tom.

Passamos o resto do caminho calados, e uma verdadeira tensão se instala no carro. Eu e Andy nunca fomos de brigar por muito tempo, ao contrário, nossas brigas duravam, no máximo, uma hora.

Mas, nos últimos dias, andamos brigando demais. E o pior, por coisas completamente estúpidas, que envolvem: o comprimento do meu vestido na festa do ano novo, ele ter usado a minha cama para uma fantasia sexual com a Stephanie Mellark, o cachorro dele ter defecado nos meus livros de estudo, etcetera e etcetera.

Ele estaciona em frente à minha casa, e desço, com um pouco dificuldade, cambaleando até a varanda.

Andy vem atrás de mim, com as mãos nos bolsos e a cara fechada. Logo que entro, tiro a camiseta, manchada de sangue seco, e a jogo num canto.

Começo a desabotoar minhas calças, enquanto ele passa por mim para ir à cozinha.

Tiro as calças pretas com cuidado, já que estão praticamente coladas ao meu corpo, então jogo-as com a camiseta.

Vou para o meu quarto e me jogo na cama, de barriga para baixo. Andy não demora muito para entrar, e vejo-o carregando uma jarra de água, um tecido e um comprimido.

— Vai querer tomar? - ele pergunta, colocando a pequena cápsula, metade branca, metade cinza, sobre a mesa de cabeceira.

— Você sabe que eu nunca tomo. - digo, desdenhando o remédio. Ele umedece o tecido e começa a limpar meu ferimento da coxa direita.

Sempre me impressiono com a delicadeza de Andy. Ele pode parecer bruto e direto, um verdadeiro Dennity, mas é sempre muito cuidadoso quando se trata de amigos.

— Ai! - exclamo, quando ele aperta demais minha coxa.

— Desculpa. - ele afasta o tecido, mas volta a tocar minha pele logo depois.

— Animado para a volta às aulas? - pergunto, apoiando meu queixo no punho.

— Na verdade, sim. Soube que várias garotas da Western se transferiram para cá. - rio, revirando os olhos.

— E como anda a lista de festas?

— Cheia, como sempre. - ele suspira, como se ir à festas fosse um trabalho cansativo - O Gans vai dar uma festa no domingo, quer ir? - faço uma careta de dor.

— Não sei... Segunda já tem aula... Não acho que... Ai, Andy! - exclamo, quando ele pressiona com força minha coxa esquerda - O que deu em você, hein? - tento virar meu corpo para ele, e reviro os olhos ao ver seu olhar sonhador - Como se eu já não soubesse... - resmungo, voltando a apoiar a cabeça no punho - Vá devagar aí.

— Tô tentando. - ele afasta devagar minhas pernas, o que me causa um leve desconforto.

— Mas o Gans vai oferecer bebida? - pergunto, cravando minhas unhas em meu rosto ao sentir os dedos dele apertarem a ferida.

— Não sei. Ele disse que vai ver tudo na hora. Mas sempre tem os caras da T-cuks, então bebida não falta. - afundo meu rosto no travesseiro.

Quando ele se afasta, continuo deitada, até que ele volta, e sei que trás bandagens. Esse procedimento já é rotina para nós dois, graças aos nossos frequentes ataques de irresponsabilidade.

Até que hoje o resultado não foi tão ruim.

Ele enfaixa a região das feridas em minhas coxas, então suspira ruidosamente, se sentando na cadeira da escrivaninha.

— Porra, Claire, deixa eu te levar pra cama, só uma vez. - ele diz, soando frustrado.

— Hum... Não. - respondo, me sentando - Você tem todas aquelas... Idiotas ao seu dispor. Leve uma delas.

— Eu já estou sem sexo faz três semanas, caralho. Nenhuma delas está disponível.

— Ah, o bebezinho vai chorar, é? - debocho, apertando suas bochechas - Eu não vou dar pra você, Andy. Já disse, somos irmãos, isso seria errado, estranho e inconveniente.

— Não. Somos. Irmãos. Porra. - ele grita, me empurrando. Caio de costas na cama, e solto um grito de dor ao apoiar meu peso nas coxas machucadas - Desculpe. - ele resmunga.

— Acho melhor você ir embora. - digo, me enrolando nos cobertores - Falando nisso, a Aline estava te procurando ontem. Liga pra ela. - ele bufa, mas pega o celular, saindo do quarto.

— Alô? - posso ouvir a voz fraca dela, cheia de ansiedade.

— Vou passar aí em vinte minutos. - Andy diz, então desliga. Ouço a porta ser fechada com uma batida, então afundo o rosto nos travesseiros, visando uma boa noite de sono.

[...]

Acordo com um típico gosto de metal amargo na boca, a luz que passa pela janela inundando o quarto.

Quem abriu as cortinas?

Me sento, mas solto um grito de surpresa ao sentir dor nas coxas, levantando as pernas para que a área machucada não toque o colchão.

Quando o choque passa, me lembro da noite de ontem, quando aquele demônio filho da mãe dilacerou minhas pernas.

Me levanto e entro no banheiro, já tirando minhas roupas - vulgo lingerie -, para entrar no box do chuveiro. Tiro as bandagens das minhas coxas, então deixo a água cair pelas minhas costas, causando uma leve ardência nos meus ferimentos.

O que eu poderia fazer hoje?

Bem, amanhã vou me preparar para a volta às aulas... Já comprei tudo o que precisava, então não terei o prazer de uma visitinha ao Shopping ou supermercado...

Pelo visto, hoje será um dia bem entediante.

Saio do banho depois de me lavar e enxaguar, então me seco com a toalha branca, que se mancha com um pouco de vermelho quando deslizo-a por minhas coxas.

Visto uma roupa de baixo confortável e uma saia rodada, não muito curta, preta. Não costumo usar saias ou vestidos, mas não me atreverei a colocar uma calça ou shorts por cima desses machucados.

Me olho no espelho que cobre a porta do meu guarda roupa, franzindo o nariz. Sempre odiei essas sardas que mancham meu rosto. E, como se não fosse suficiente para o universo me respingar com tinta permanente para toda a vida só na face, ainda tenho manchinhas escuras nos ombros, braços e pernas.

Lembro-me de quando Andy me chamava de Dálmata, e fazia maldades comigo, junto com os garotos do orfanato, aos treze anos. Garotos sempre foram tão irritantes!

Passo uma regata vermelha sobre a cabeça, então a ajeito em meu corpo. Prendo meu cabelo castanho em um coque com um daqueles palitos japoneses e visto sapatilhas vinho.

Hum… São quase oito da manhã… Será que Andy já está acordado?

Vou para a cozinha, passando pela sala, e pego uma pêra da fruteira para servir como café da manhã. Abro a geladeira, não encontrando nada que me chame a atenção, então a fecho novamente, voltando para a sala e ligando a TV.

Mal me sento no sofá e alguém bate na porta. Solto um grunhido, mordendo a fruta, e vou abrir. Puxo a maçaneta e vejo Andy, com o cabelo bagunçado e com cara de quem não dormiu.

— Deixa eu ficar aqui? - ele pergunta, cobrindo os olhos com o braço.

— Por que? - olho para seu corpo e arqueio as sobrancelhas ao notar que ele ainda está de pijamas, que consistem em uma regata branca quase transparente e uma calça moletom cinza larga.

— A Aline não queria falar comigo. Ela levou o namorado dela pra me dar porrada. Estou fora de casa desde ontem à noite. - pisco algumas vezes, então desisto de entender, deixando-o entrar.

— E por que você veio pra cá? - pergunto, fechando a porta, mas um latido me faz abri-la novamente. Rocker entra, pulando em cima do dono, que já se jogou no sofá.

— Porque ele tá escoltando a minha casa. - Andy diz, empurrando Rocker para o chão - É só minha visão falhando ou você tá de saia?

— É, eu tô. - mordo mais um pedaço da pêra - Você conseguiu o que queria?

— Da Aline? Não. - ele cobre o rosto com uma almofada cinza - Cara, que sono! - exclama.

— Quando acha que o tal namorado dela vai sair de lá? - jogo o resto da fruta para Rocker, que a devora numa única mordida.

— Não sei, não sei! - ele resmunga - Porra, qual é o problema em eu ficar aqui? Você vive ficando na minha casa! - reclama, com a voz abafada pela almofada.

— Eu não fico na sua casa. E eu não quero você aqui porque você fede e faz muita bagunça. - ele tira o travesseiro do rosto.

— Eu o que? - rosna, estreitando os olhos.

— Você fede. - repito, cruzando os braços. Ele se levanta num pulo, correndo até mim. Solto um grito quando ele me agarra, esfregando sua axila em meu cabelo - Não! Seu idiota! - grito, empurrando-o - Que nojo! - digo, sem coragem de tocar em meu próprio cabelo. Ele ri, apesar de parecer cansado demais pra isso.

— Eu não sou fedido. - diz - E não faço bagunça. São as garotas que vão lá em casa que fazem. E o Michael. - solto um rosnado, ainda tentando arrumar meu cabelo, que se soltou do coque.

— Vai dormir, vai. - resmungo, indo para a cozinha.

— Eu tô com fome. - ele me segue, então abre a geladeira, pegando tudo o que encontra, desde comida japonesa do jantar de ontem à um bolo que sobrou do meu aniversário.

— E você vai comer a minha comida? - ele dá de ombros.

— Quem não tem cão, caça com gato. - franzo o cenho.

— Mas você tem um cão. - ele revira os olhos.

— Eu quis dizer que, já que não posso te comer, a comida dá pro gasto. - fico espantada com sua grosseria, e imediatamente cruzo os braços - Que foi? - ele pergunta, com a boca cheia de yaksoba e glacê azul.

— Me comer? - rosno, e as bochechas dele coram.

— Ah, foi mal. Não foi isso que eu quis... - reviro os olhos, saindo da cozinha. Como ele se atreve?

Como se eu fosse uma das vadias idiotas que vivem babando por ele!

— Claire, não foi isso que eu quis dizer, e você sabe disso! - ele exclama, puxando meu braço antes que eu entre no quarto.

— Eu não sou uma fatia de bolo pra você descartar como faz com as suas seguidoras, Andy! - exclamo, cerrando os punhos.

— Desculpa, porra! Eu já falei, faço isso por impulso! - reviro os olhos, desistindo da discussão.

— Vai comer e dorme logo. - resmungo, entrando no quarto. Como sempre, ele vem atrás de mim, seguido por Rocker.

— Você vai ficar brava comigo? - ele choraminga, se sentando na cama.

— Você parece uma criança. - digo, me apoiando na mesa do computador.

— Não vou sair daqui até ter certeza de que você não está mais brava comigo. - solto um suspiro.

— Você bebeu antes de vir pra cá? - ele dá de ombros.

— Talvez, um pouco. - murmura.

— Um pouco quanto? - coloco as mãos na cintura.

— Meio Jack.

— Ah, meu senhor... - sussurro, passando as mãos pelo rosto - Andy, você não pode beber! Onde você arrumou isso?

— Michael. - ele diz, encolhendo os ombros. Rocker chega de fininho, subindo na cama e apoiando a cabeça no colo do dono, e, imediatamente, a mão de Andy vai acariciar as orelhas do cachorro.

— Eu vou estrangular aquele desgraçado. - rosno, pegando meu celular, mas Andy me puxa com força para a cama, e num segundo estou apertada entre seus braços, na posição que costumam chamar idiotamente de "conchinha" - Andy! - exclamo, indignada, tentando ajeitar minha saia, mas ele parece não me ouvir.

Demoro um pouco para perceber quando sua respiração se acalma, e ele começa a roncar baixinho, aquele som que sempre adorei.

— Você... dormiu? - pergunto, num sussurro, mas, como o esperado, ele não responde. Os braços dele se afrouxam em volta de mim, e consigo me soltar, pouco a pouco, e colocar um travesseiro entre seus braços para que ele aperte.

Solto um suspiro, olhando para ele na cama. Droga, ele vai bagunçar tudo... Inclino a cabeça um pouco para o lado, sorrindo com a posição dele. Logo estará babando... no meu travesseiro.

Bem, antes aquele travesseiro do que o meu cabelo.

Solto meu cabelo do coque, que, a essa altura, parece mais um ninho de passarinho. Rocker se ajeita ao lado do dono, também passando uma pata sobre o travesseiro.

Sigo para a sala, onde fico até Andy acordar, o que só acontece às uma e quarenta e sete da tarde.

Ele se arrasta até mim, então se joga no sofá, apoiando a cabeça em meu colo.

— Eu odeio dor de cabeça. - resmunga, coçando os olhos.

— Eu não acho que alguém goste de dor de cabeça. - debocho, mexendo em seus cabelos castanhos lisos - Quer que eu pegue um remédio? - ele nega com a cabeça.

— Vai passar. - Andy boceja, esticando os braços para cima, quase acertando meu rosto - Que horas são?

— Deve faltar uns dez minutos pras duas. - respondo, fazendo carinho com o pé na barriga de Rocker.

— Que fome. - Andy se vira no sofá, afundando o rosto em meu colo - Podemos ir ao McDonald's? - pergunta, com a voz abafada pelo tecido.

— Não. Vamos comer algo saudável. - digo, puxando sua cabeça pelos cabelos - Vamos à um restaurante de verdade. - ele solta um gemido de frustração, apoiado nos cotovelos.

Solto seus cabelos e ele imediatamente dirige o olhar aos meus seios. Mesmo que eu lute contra isso, meu rosto cora.

— Andy... - repreendo, afastando seu rosto - Isso é falta de respeito. - ele revira os olhos.

— Um dia você ainda vai implorar pra que eu faça muito mais que olhar pros seus peitos. - resmunga, se sentando.

— Claro. Fique esperando. - digo, me levantando - Você precisa tomar um banho. Tem roupas suas aqui.

— Ah. - ele se levanta também, então coça o saco, o que me faz desviar os olhos - Onde estão?

— No meu quarto. - digo, indo para lá. Abro a segunda gaveta e puxo uma calça jeans, uma camiseta azul, vermelha e branca e uma cueca preta.

— Ah, é aqui que essa estava. - ele diz, pegando a cueca - Achei que tivesse deixado na casa da Rosanne.

— Não. - digo - Foi quando você pediu minha casa "emprestada" pra ficar com a Mellany, aí você deixou aqui. - ele franze o cenho.

— Não, eu fiquei com a Mellany no carro do pai dela. - diz, coçando a barba rala.

— Então foi com a Kat. - ele pensa um pouco, então nega com a cabeça.

— A Kat foi no banheiro do Pizzas And Tacos. Acho que foi com a... Ai, merda, a loira que usava alargadores.

— Ah, sei, aquela com a tatuagem de pombo?

— Isso! Como ela se chamava? Hamara? Hamita?

— Hakera.

— É! Hakera! - paramos por um segundo e nos encaramos.

— Por que estávamos discutindo isso mesmo? - pergunto. Ele pisca algumas vezes.

— Não faço a mínima ideia. - diz, enfim, e pega as roupas, entrando no banheiro.

Me sento na cama, e Rocker vem até mim. Acaricio suas orelhas, e ele coloca as patas pesadas em meu colo.

Rocker, só para o seu conhecimento, é um dos cães encantados dos Dennitys. Eles são dados por feiticeiros ou conquistados em batalhas contra demônios.

No caso de Andy, Rocker lhe foi entregue por um feiticeiro no final de uma de suas missões contra demônios Meta. Andy e o feiticeiro estavam trabalhando juntos, e o mágico salvou a vida dele.

Os cães encantados não tem muita diferença dos normais, a não ser pelo fato de crescerem até seis metros de altura e que as feridas causadas por eles são extremamente letais.

Um cão encantado é leal a você até o último segundo de sua vida, e você pode doá-lo para qualquer um, que ele o seguirá com a mesma lealdade.

Rocker é de uma raça única, que chamamos de Letrane. Se parece em quase tudo com um Akita, exceto pela força descomunal e inteligência admirável.

Levanto meu olhar quando ouço o rangido da porta, e encontro Andy, segurando a camisa e a toalha em uma das mãos, com o peito nu e ainda meio molhado. Suas calças estão largas, deixando visível o elástico de sua cueca preta, graças à falta de cinto.

Franzo o cenho, me levantando, ao avistar três cicatrizes novas em seu peito.

— Você ficou aí esse tempo todo? - ele pergunta, mas estou concentrada demais para responder. Deslizo meus dedos sobre uma cicatriz que desce da clavícula esquerda até o meio do peito, acima do osso esterno.

— Onde você conseguiu essa? - pergunto, levantando meu olhar para o dele.

— Ahn... No Canadá... A última missão... - ele diz. Minha mão escorrega para a lateral de seu corpo, numa cicatriz que rasga toda a extensão de seu tronco.

Quem fez isso era destro.

— Você não me falou sobre as novas. - digo, deslizando mais uma vez meus dedos sobre outra cicatriz mais aparente, que começa na altura da cintura e desce, mais para baixo do que sua cueca me permite ver.

— Eu deveria? - olho para ele, indignada.

— Claro! É o nosso ritual, Andy! Todas as novas cicatrizes são apresentadas um ao outro! - ele pisca, então seus olhos clareiam.

— Ah. - suspira, se apoiando no batente - Desculpe, eu esqueci.

— Já faz quase dois meses que você voltou da missão, Andy! Você teve dois meses para me contar! - ele desvia o olhar.

— Eu esqueci. - ele repete, pausadamente.

— Você não pode ter esquecido. Eu te mostrei as minhas novas. Todas as oito, em semanas separadas. Você não esqueceu. - ele faz um barulho estranho com a garganta, me olhando com desdém.

— Isso nem é tão importante. - resmunga, o que me faz enfurecer.

— Mas é claro que é importante! - berro - Fazemos isso desde os onze anos! É uma coisa só nossa! - minha voz sobe uma oitava, ficando tão aguda quanto eu podia imaginar.

— Não grite comigo. - ele rosna - Eu ainda mando em você. E isso não é mais tão importante. Fazíamos isso quando éramos crianças. Você tem dezessete anos agora, Claire, deveria arrumar novos hábitos. - as palavras me atingem como facadas, e percebo que deixei isso transparecer em minhas feições quando o rosto dele se suaviza - Claire...

— Talvez eu devesse arrumar novos amigos também. - rosno, saindo do quarto batendo os pés. Ele agarra meu braço com força, mas não me viro para ele.

— Me desculpe. - ele sussurra - Eu não mostrei porque...

— Eu não quero saber porquê. Isso é coisa de criança. - digo, o mais ácida que posso. Puxo meu braço com força, saindo de casa. Passo pela moto dele, então continuo andando, à passos largos, até o parque que fica perto de casa.

Me sento no banco que fica em frente ao centro da praça, onde há um grande círculo feito de ladrilhos cinzas. Minha barriga ronca, e solto um grunhido. Droga.

Pelo jeito, vou ter que almoçar no Hunter's. Aquela espelunca.

Me levanto novamente, começando a caminhar para o lado mais escuro e pobre da cidade. Entre sobrados e becos esquecidos pelo tempo, um prédio de três andares chama a atenção por sua placa de neon roxa.

 


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