O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 18
Capítulo 18




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Ainda pelo lado de fora da cerca da propriedade ele viu coisas estranhas. Um caminhão guincho estacionado ao lado do estábulo. O carro preto ele conhecia. Achou que ouvia ruído de conversas. Resolveu dar a volta com o seu jumento e o amarrou atrás do casarão. Silenciosamente penetrou no imóvel segurando o cabo da garrucha que vinha enfiada no cós da bermuda. A cozinha tinha sido usada recente, pelo cheiro de comida que ainda resplandecia. Sem perceber a presença de ninguém, novamente saiu pelos fundos e foi se esgueirando entre as árvores até alcançar um ponto em que pudesse ver quem estava por lá. Ele pretendia acabar com tudo o mais rápido possível e para isso já deixara uma cova aberta debaixo de um pé de manga. – Merda! – Ele teria que cavar outro buraco. Esquecera-se por completo da gordinha. Com esse pensamento lhe achacando o juízo, desistiu momentaneamente de checar o estábulo e retornou para buscar a pá e adiantar o serviço, já que teria poucas chances de vê-las juntas e disparar. Quem sabe não as acertava com um tiro só! Ninguém ia acreditar.

Pensou nos métodos que o seu pai usava para satisfazer seus clientes. O velho tinha ido na cidade comprar uma máquina de foto instantânea pra que quando matasse seus alvos pudesse comprovar aos seus contratantes o cumprimento do contrato antes mesmo que a primeira mosca pousasse no defunto. Passava em casa pra tomar um banho e se livrar das evidências, incluindo a arma que voltava pro seu esconderijo usual. Romeu teve chance de ver o estrago que a arma do seu pai fazia nas vítimas. Eram tiros à queima roupa pra economizar balas. Evitava o rosto do alvo para preservar a sua identidade e o morto ser reconhecido mais facilmente. Havia buracos no pescoço, no peito e algumas vezes nos ouvidos, o que não estragava muito suas feições, mas deixava os olhos das vítimas esbugalhados. Eram daqueles olhos que ele não esquecia e o levou a ter pesadelos por muitas noites.

Todas as vezes que pedia pra ver a foto, o seu pai deixava, mas antes perguntava aonde tinha sido o tiro. Com essas recordações, ele decidira não atirar nos ouvidos. Aliás ainda não decidira onde. E continuou cavando um buraco mais largo que o outro tentando lembrar das dimensões de Gemima.

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— Tá aqui coroa, seu tatu – Disse fazendo uma caretinha de dengo que Franco passou a gostar, enquanto lhe entregava um prato ainda quente.

— Que cheiro bom meu docinho. Tenho medo que isso seja afrodisíaco e a gente não tenha mais cama pra dormir hoje – Disse enquanto remendava o estrado de madeira arrebentado pelo coito selvagem de mais cedo.

— Vá comendo que vou voltar pra cozinha pra preparar alguma coisa pros noivos e pro traste do meu mari...ex-marido – Corrigiu lembrando de Godô amarrado lá fora.

— É assim que se fala! – Bradou dando-lhe um tapa no traseiro que ela recebeu como se fosse uma declaração de amor.

— Safado!

— Dizer isso é chover no molhado. É o óbvio ululante! – Retrucou dando um estalo na língua.

— Você fala tão bonito.

— Minha Gemima, fazer sexo é pra florzinhas eu gosto mesmo é de putaria casca grossa.

— Então empatou – Disse saindo do quarto e rebolando a bunda o mais que podia.

Franco parou com o garfo a meio caminho da boca pra apreciar os glúteos da menina-moça e suspirou. - Doce calvário para um velho em fim de carreira.

Se tivesse idade daria um bom rufião na cidade grande. – Touché! – E passou a dar garfadas vigorosas, pensando, não sabia bem porque na garota Felícia.

Ele não teve culpa do estrangulamento. A menina tinha aprendido a gozar daquele jeito com algum malandro da área e toda vez lhe pedia pra apertar o seu pescoço enquanto metia nela. Tinha ido longe demais com ela. Quando percebeu a sua boca já tinha arroxeado e era tarde demais. Tentou respiração boca a boca, massagem cardíaca, enfiara os dedos na sua traqueia procurando uma obstrução. Mas quando viu que o seu pescoço estava quebrado percebeu o que tinha que ser feito. No início a ideia era jogá-lo no rio, mas logo achariam o corpo e passariam a investigar, fazer perguntas, cercá-lo por sempre ser visto com ela pra lá e pra cá. Achavam que catavam lixo juntos, mas na verdade comiam o lixo um do outro. Encontrou a solução quando lembrou de Dirce, outro caso parecido, mas daquela vez ele fora provocado. Dois pescoços quebrados. Aquilo estava se tornando um modus operandi perigoso. O único problema de enterrar a garota ali era que tinha que marcar hora com Diolindo, outro frequentador assíduo daquela cova. Roía os ossos do bicho cascudo pensando no quanto o pescoço de Gemima era vigoroso. Aquilo era quase um seguro contra essas coisas ruins.

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Não precisava tomar o depoimento do Padre Inácio já que as informações relevantes ele já tinha dado ao colega de plantão. As peças iam dançando na sua mente buscando os seus encaixes. Precisava conversar com o Sr. Almeida o quanto antes. O tempo não era o seu amigo naquele instante. Pensou no que a sua Vó Geruza lhe dissera antes de fechar os olhos pra sempre no leito do hospital. – Aquele menino Diolindo é de ouro, um pouco atrapalhado, mas é de ouro puro. Têm um coração bom e é respeitoso. O que aconteceu no asilo foi fruto de alguma perturbação que o coitado têm desde a infância. Sua mãe me falava sobre isso.

 

Se perturbação fosse fruto e se reproduzisse, o homem era um pomar fértil de abacaxis. E pelo pouco que entendia de esquizofrenia, problemas mentais, distúrbios de cabeça, essas coisas só poderiam piorar. Não sabia se tomava remédios controlados, não sabia se a morte de sua mãe o abalara a ponto de partir algo dentro dele. No caminho iria passar na farmácia de Haroldo pra tentar saber alguma coisa.

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Estavam exaustos com mais uma sessão épica de amor em estado puro. Diolindo estampava um sorriso bobo na cara deitado na cama. Desirée apagara no sono. Selma tomava banho. A coisa chamada amor saia em jorros de dentro dele como se estivesse derretendo aos poucos. Clímax. Êxtase. Havia muitas palavras, mas não encontrava uma que significasse tudo, que abraçasse a ideia geral. Achava que era amor mesmo. Mas lembrou que também se sentia amor por uma mãe, por filhos, entre irmãos. Então voltava ao estado anterior de dúvidas e aquilo o consumia mais que o normal. A coisa não tinha nome.

Quando tinha chegado a essa conclusão ouviu um barulho de caminhão lá fora. Levantou de um pulo e correu com o lençol enrolado no corpo ainda em tempo de ver o Godô fugindo e o caminhão derrubando a porteira.

— Selmaaaa! Francoooo! – Godofredo fugiu! – Gritava batendo na porta do pai e depois na do banheiro do seu quarto.

Fizeram uma reunião de emergência no estábulo, Franco de ceroulas, Selma enrolada numa toalha e Diolindo no lençol.

— Temo ter que dizer com todas as letras....Fodeu! – Dizia Franco com cara de poucos amigos.

— Não tarda muito e esse cara volta com mais gente, pra vingar a cabeçada e o chifre que lhe dei – Continuou coçando o saco sem nenhum cerimônia.

— E agora? – Perguntou Diolindo quase surtando. O medo era de que a sua bolha de felicidade pudesse estourar a qualquer momento. Isso ele não iria suportar.

— Temos que sair daqui. Depois eu invento uma desculpa pra minha irmã e dou a melhor explicação que eu puder, afinal eles também podem estar correndo perigo com esse homem solto por aí.

— Temos que levar Gemima! – Lembrou o ex-padre, agora cheirando os dedos.

— Claro, essa menina é alvo desse bandido depois de tudo o que aconteceu.

— Mas como vamos sair daqui com o carro impossibilitado – Perguntou um Diolindo cada vez mais impaciente.

— Se alguém não viu lá perto da porteira, eu vi – Bradava o velho em tom de confidência – Um boteco onde os caipiras tomam pinga com uma carroça puxada por jumentos pra alugar.

— Pra alugar? – Perguntaram Diolindo e Selma em uníssono.

— É. Deve ser o táxi daqui.

— Eu tenho o dinheiro que saquei do banco – Lembrou o homem que queria uma saída rápida pro problema surgido.

— Gente, acorda! Carroça?– Perguntou a mulata incrédula com a sugestão surreal. O velho só podia estar brincando. Mas olhando outra vez o seu rosto afogueado, viu que aqueles olhos vermelhos não estavam brincando.

— Alguém têm uma sugestão melhor? – Ralhou o velho – Ou é isso, ou vamos a pé, ou de ônibus misturado no meio do povo que não vai acreditar num padre dando bicotinhas numa gordinha com cara de menor de idade, e numa boneca vestida de noiva. Vai pegar mal pra vocês dois que parecem mais normais – Disse fixando o olhar nas partes baixas de Selma. – Além do que, eu sou um fugitivo da polícia e trafegar pela estrada principal pode não ser uma boa ideia. Também pra vocês se forem visto comigo.

 

Aquilo começava a fazer sentido, era só pensar um pouco pra dar razão ao velho. Diolindo não poderia deixar a polícia pegar o sem vergonha do seu pai sem antes garantir que tivesse um bom advogado. E pra isso ainda teria que vender a pedra.

— Quando estivermos seguros temos que vender a pedra – Afirmou olhando pra cara de Franco que engoliu seco colocando a mão na barriga.

 

Gemima entra com uma bandeja de acepipes preparados por ela, e encontra uma reunião de nudistas.

— Posso ficar pelada também? – Perguntou imaginando que ia rolar algo ali.

— Venha cá que precisamos lhe por ao par de algumas informações. – Pediu Selma calmamente, fazendo-a pousar a bandeja no aparador de madeira que servira de altar mais cedo.

— Cadê o safado? – Questionou assustada vendo a baia onde Godô estava amarrado vazia, assim como o espaço onde o MACK 1951 estava estacionado.

 

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Terminando de cavar o outro buraco, ele foi pra cozinha beber água, com a cautela de sempre. Observou que a tinham usado novamente. – Diacho, quantas pessoas tinham ali? – Perguntou-se olhando o tamanho da panela de comida que Gemima devia ter preparado. Aquilo não era bom, nada bom. Fez novamente o caminho pro estábulo, e segurando a arma, constatou que não havia ninguém. Nem sinal dos seus alvos. A comida ainda estava quente na bancada. Aquilo era alguma brincadeira? Do outro lado havia um carro preto com um pneu arriado. Peraí, dois pneus. No quarto que ele ocupava, subia um fedor de merda arretado e sua cama parecia remendada. No outro, o colchão completamente úmido. Ele tocou a ponta do dedo no lençol embolado e cheirou. Aquilo era...era.. esperma! O quarto todo cheirava a esperma. O mundo gozava dele, ou pior, gozava nele. E saiu enfurecido para dar início a sua caçada e cumprir o seu contrato.


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