O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 19
Capítulo 19




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O homem vinha ao volante do mastodonte fumacento puto da vida por não ter conseguido um cabra frouxo que fosse pra lhe acompanhar na sua vingança. Os que levantaram o dedo pra lhe seguir estavam tão viajandões de maconha que nas suas cabeças o convite era pra ir no puteiro matar o tempo. Bando de imprestáveis, queria era matar gente. Ele sim já tava hora de dar um tapinha na erva, e acendeu um tarugo de bom tamanho. Muito mais que um tapa era o que ele ia dar naquela putinha sem vergonha que lhe traíra com aquela múmia vestida de padre. Tudo na sua frente sem a menor cerimônia. Vagabunda. Ia ter o que merecia, ela e o padre que lhe dera aquela cabeçada.

 

Quando lembrava do golpe unha a mão no galo que crescia na crânio ainda em dúvidas se já não era o chifre querendo brotar na cabeça. Ao menos a viagem até a plantação servira pra pegar a outra arma que gostava de ter guardada para uma eventualidade. Aquilo não era uma eventualidade, era uma catástrofe. Aliás, depois dela viria uma hecatombe. Palavras difíceis que significam tragédias e desgraças eram as suas favoritas, mesmo que não soubesse direito os seus conceitos, afinal ainda juntava sílabas bem devagar, por conta do colégio ruim que estudara, ou talvez por conta das pernas da Professora Diana. Aquele par de coxas quase o deixaram analfabeto.

 

Distraiu-se um pouco e quase saiu da pista para desviar de um jumento com outro jumento em cima que vinha tentando fazer o bicho cavalgar, mas o animal não saia do trote. O desgraçado devia tá com pressa. Olhou pelo retrovisor e conheceu o rosto diminuindo a marcha para encostar o bichão. O sol do meio da tarde era abrasivo e o asfalto só não brilhava porque aquele pedaço de estrada era de chão. O jumento cansado foi se aproximando com o homem concentrado em lhe esporar pra aumentar a velocidade. Quando passava pelo caminhão guincho Godô o chamou pelo nome.

 

— Êi, você num é o Romeu que trabalhou na fazenda do Doutor Duílio? Que pressa é essa homem? O animal já tá sangrando no bucho.

Freando o animal, que estava a ponto de despencar no chão de cansado, puxando a rédea com violência, ele parou próximo a porta do carona aberta e espremeu os olhos para em seguida reconhecer o ex-companheiro de colheita de epadu.

 

— Godô? Homem tô numa pressa lascada, será que você poderia me ajudar? – Perguntou tirando o chapéu de palha.

— Claro, me conte aí pronde cê vai?

— Esse é o problema. Na verdade o problema é outro, mas tô correndo pra resolver.

— Também tô numa perseguição dos diabos agora. Mas conte aí.

 

No início, o homem ficou meio travado. Não sabia se podia confiar no ex-colega, mas lembrou do episódio em que ele o defendeu num caso de roubo de ferraduras no qual ele era culpado. Por via das dúvidas o chefe lhe demitiu, mas ele não poderia esquecer daquele gesto que poderia ter lhe custado a vida, se o velho traficante ficasse sabendo da verdade.

 

— Quando a gente conversava ao redor da fogueira pra experimentar o produto do chefe eu cheguei a te contar que o meu sonho era ser matador profissional como o meu pai.

— Contou, mas eu pensei que era o efeito da erva, por sinal das boas.

— Aceitei o meu primeiro trabalho.

— Vixi Maria! – Se arretou Godô batendo com as mãos no volante.

E Romeu contou todo o episódio, apenas saindo do transe quando ele disse onde trabalhava e quem ele teria que matar.

— Peraí então. Sua patroa mandou dar fim na irmã dela e na minha Gemima?

— Como você conhece a Gemima hômi? – Espantou-se o capataz.

— É a minha mulher, na verdade eu tô indo atrás daquela rapariga pra calar a boca dela pra sempre. A filha duma égua me meteu chifre. E com um padre! Pode isso?

 

Romeu contou a história da estrada, que foi nocauteado pelo velho sacerdote e sequestrado juntamente com o seu caminhão. E que conseguiu fugir.

— Parece coisa do destino juntar nós dois aqui nessa estrada onde não passa ninguém – Refletiu Romeu coçando uma barbicha que começava a crescer no queixo.

— Então tá tudo certo, ocê vai dar conta da irmã da tua patroa, da boneca e do homem magricela. Eu fico com Gemima e o padre.

— Que boneca? Que magricela?

 

Godô contou o resto da história encafifando mais ainda a cabeça do futuro empreendedor de mortes sob encomenda, mas ainda assim deixando-lhe soberbo por ter que matar um a mais que o companheiro. Ficou preocupado porque a garrucha só dava dois tiros, mas aí lembrou da peixeirinha que trazia numa capa de couro amarrada na perna. Alguém ia ser estripado. Na hora escolheria. Ele deu a localização de um bar de beira de estrada que reunia toda a pinguçada da região depois dos seus trabalhos de peões e que era uma verdadeira central de informações. Se alguém sabia de algo, tava bebendo pinga lá no Cebola Podre. Romeu, baixou a plataforma pra ele subir o jumento esbagaçado, deu duas aceleradas vigorosas que jogou vastas colunas de fumaça negra no ar e arrancou o caminhão.

 

####

 

 

Depois de passar na farmácia e tido uma aula detalhada sobre um esquizofrênico não medicado, Fredson frustrou-se um pouco ao saber que teria que contar com a possibilidade de Diolindo ser inimputável pela lei, já que o homem confirmou que ele ainda não havia pego a sua cota de remédios naquele mês. No momento em que cometeu aqueles atos irascíveis podia estar em transe, delirando, ouvindo vozes. Uma pessoa assim fica desconfiada, têm manias de perseguição e podia ser mais cautelosa que qualquer um, assim o disse o boticão.

 

Seguiu pra o Bar do Almeida pra ver o que conseguia a respeito do paradeiro de sua filha, e quem sabe a partir daí traçar um plano de perseguição. Queria antes de mais nada pegar o velho. E queria fazer valer a sua vontade de pô-lo atrás das grades, mas dificilmente um juiz o manteria preso sem flagrante com a idade que tinha. O caso era frustrante, mas também era pessoal. Como poderia esquecer sua paixão platônica por Selma. Se algo tivesse acontecido com a mulata ele não saberia dizer do que seria capaz. Sempre fora um homem tímido e reservado. Namorara muito pouco e aos trinta e oito anos nunca se casara. Havia colegas que pensavam que ele era um gay enrustido por nunca levar companhias nas festas de fim de ano da polícia. Eram duas coisas parecidas que lhe torturavam. A chacota dos colegas e a incerteza sobre o tema que pairava dentro dele como uma pluma que flutuava e nunca chegava ao chão.

 

Lembrou quando ainda morava com a sua Vó Geruza ali na comunidade e ia a missa de domingo de mãos dadas a ela. Contava com seis anos de idade e não sabia se ia pra casa de Deus com vontade de rezar e entoar os cânticos religiosos a plenos pulmões (gesto esse recriminado pela sua tia com beliscões), ou se para encontrar seu amigo Natanael, neto de uma amiga de sua avó. Sentavam todos na mesma fileira de banco e ele ao lado do amigo de oito anos com quem pouco se encontrava fora da casa de Deus. Quando a missa alcançava o seu auge e pareciam todos transmutados e de pé, as crianças ficavam sentadas e nessa ocasião eles se davam as mãos repetindo o gesto dos adultos. Como não aguentavam muito ficar com os braços estendidos por muito tempo, Natanael pousava a suas mãos ainda entrelaçadas, no colo dele, e ficavam movimentado os dedos no ritmo da música sobre o seu pênis que logo aumentava de tamanho. Prontamente o seu amigo fechava os olhos, mas ele não conseguia fechar os dele, encantado com o que aquilo estava lhe proporcionando de prazer e ao seu amigo. Depois do amém final ele ia pra casa contando nos dedos quantos dias faltavam para a missa e fazia questão de perguntar para a avó. Era quase como lhe encher de orgulho. Deus estava operando na cabeça do seu netinho órfão.

 

Perdido em pensamentos quase passa direto pela frente do boteco. Deu uma marcha a ré e encostou a viatura, mas não saiu logo dele. Teve que esperar uma potente ereção se esvair para não passar vergonha, afinal era uma autoridade.

 

###

 

A negociação fora rápida e ao invés de alugar a carroça coberta puxada por dois jumentos, Diolindo comprou-a com os bichos e tudo, olhando pra cara do seu pai como a perguntar se ele sabia manejar aquele troço. Para disfarçar Desirée dos olhos alheios ali perto do comércio tosco e agora cheio de bêbados e cachorros esfaimados em busca de um pedaço de qualquer coisa pra roer, ele a trouxe puxando-a pelo cangote e cobrindo o seu rosto com um lençol. Se a cara de bêbado de um homem vestido de padre não chamou atenção dos presentes, Selma e Gemima conseguiram o feito. O homem que lhes vendeu o transporte primitivo não fizera perguntas, apenas imaginou um bando de excêntricos querendo um pouco de aventura, já que ele também mal conseguia contar as notas em sua mão devido ao seu grau de alcoolismo, mas ainda dispensando especial atenção aos fartos seios da gordinha e a bunda pronunciada da mulata.

 

Embarcaram na esperança de Franco saber que rumo tomar, mas quem tomou as rédeas fora Selma que demonstrando uma habilidade fora do comum subiu na carroça informando que ela ia pilotar aquilo, sob protestos do velho que aproveitando a passadinha no boteco pediu ao filho duas garrafas do combustível do capeta. Acomodaram-se a bordo do veículo de madeira de maneira incrivelmente confortável. Já que umas almofadas velhas fazia as vezes de assento nas duas ripas de madeira que serviam para sentar, uma atrás da outra. Como o veículo era dotado de uma cobertura de ferro e lona, ao menos dos olhares curiosos estariam livre. Mas fazia um calor infeliz ali debaixo.

 

Com os jumentos saciados de água e depois de terem capinado com a boca quase toda a frente do estabelecimento chamado Cebola Podre, puseram-se em marcha pra estradinha vicinal que Franco disse que daria no arraial.


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