O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 17
Capítulo 17




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O dinheiro que tinha recebido de sinal não incluía matar a gordinha. Teve vontade de ir até o orelhão mais próximo e chamá-la no número que ela havia lhe dado para confirmar a execução do plano, mas pensou melhor. Poderia chantageá-la depois. Já vinha pensando mesmo em picar a mula dali de volta pra sua terra. Mas não ia levar consigo a mulher e os quatro bacuris. Ia fugir dessa vidinha chinfrim e de quem mais pudesse lhe encher o saco. Talvez se tornasse enfim o grande matador de aluguel que sonhara ser quando pequeno e seguir a profissão do seu pai.

O velho quando chegava de madrugada era porque tinha ido cumprir algum contrato. Tinha o ritual de limpar a arma e em seguida o espírito. Pedia perdão a Deus de joelhos com o crucifixo nas mãos e no dia seguinte ia ao enterro da sua vítima, se lhe fosse conhecido, que na maioria das vezes era. Romeu, mesmo pequeno, sabia o que seu pai fazia. Ele não lhe escondia, e era como se quisesse que o menino lhe seguisse os passos. Ainda como parte do processo, levara o menino para ver onde ele enterrava a arma. E lá ela repousava escondida até o próximo serviço. Dizia que se algo acontecesse com ele, ela seria sua.

Pouco tempo depois seu pai fora emboscado na estrada pela polícia durante um serviço. Um dedo duro. Cumpria cento e cinquenta anos de cadeia por cinco homicídios que as investigações puderam comprovar sua culpa. Já havia se passado quase vinte e dois anos desde então e fazia um mês que soube da morte do seu velho durante uma briga na penitenciária por causa de um maço de cigarros. Ele iria buscar aquela arma um dia.

Olhou pro céu pra calcular as horas e viu que precisava pegar a estrada. Resolvera de última hora que mataria a mulata com a sua garrucha de dois canos, comprada na feira depois de juntar um dinheiro. Passara todo o feriado lubrificando a arma, alisando o seu metal como se ela fosse uma velha amante, o que era verdade. Aqueles canos eram mais apertados e quentes do que sua mulher, que depois de parir tanto menino se descuidara. Não havia como sentir tesão por uma baranga de trinta e dois anos com aparência de cinquenta. Quem sabe depois do serviço ele não pudesse brincar um pouco com o corpo da mulata. Daria um jeito de não deixar um rombo muito grande que lhe desfigurasse pra poder usufruir dela ainda quente. Vestiu seu gibão, apeou o seu jumento, e saiu sem se despedir da mulher, irritado com a orquestra de choro dos seus catarrentos.

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O nome daquilo era química. Essa era a palavra que Diolindo buscava na mente enquanto tomava uma xícara de café do lado de fora do estábulo revivendo a noite que ele passara junto as suas duas mulheres. Evitou a floresta de fios de ouro de Desirée por causa do diamante guardado lá dentro e usou a gruta encantada. Mesma escolha que Selma tinha feito com ele. E ficaram um dentro do outro por um longo tempo em movimentos cadenciados e gemendo baixo para que o seu pai não ouvisse, nem o filhote de lampião que dormia amarrado numa baia do estábulo. Ele nunca havia sentido prazer de verdade na vida e não sabia que tantas coisas novas ainda estavam por ser descobertas. Selma fora delicada com ele e perguntara antes se poderia penetrá-lo. Claro! Ele não entendeu o porque da cerimônia já que achava aquilo válido e uma maneira a mais de gozar, a tal da sodomia, viria a saber. Ela era um pouco diferente das outras mulheres que apareciam nas revistas masculinas, mas tudo nela era incrível. Não havia no mundo um homem mais feliz e perturbado do que ele. Por isso queria acordar o pai e pedir que desse continuidade ao seu casamento, agora com duas noivas.

Selma chegou por trás e lhe deu um abraço trazendo-lhe uns biscoitos de polvilho que ele aceitou.

— Já alimentei os nossos hóspedes. O seu pai está te esperando lá dentro. Acho que o velho tá com dor de barriga, mas mesmo assim não para de comer.

— Vai entender aquela cabeça – Disse resignado pensando na própria cabeça como uma gaiola com um hamster hiper ativo dentro que não parava nunca de correr em círculos.

Entraram e encontraram Franco terminando o seu lauto desjejum com a boca cheia de farelos de broa que limpava com a manga da batina.

— Se peixe morre pela boca é porque sabem de coisas que a nossa vã filosofia ainda não compreende – Falava e cuspia comida ao mesmo tempo – Mas lembro que cu de peixe não têm hemorroidas. Aliás, peixe têm cu? – E parou por um momento que pareceu mais a Diolindo uma reflexão sobre algum grave problema da humanidade. O velho sabia ser ridículo com classe.

— Quero que você dê continuidade ao casamento o mais rápido possível – Ordenou Diolindo em um tom monocórdico, justamente aquele que Franco mais temia.

— Claro. As roupas do padre estão meio sujas, ele está meio bêbado e com uma puta caganeira, mas acho que ainda em condições de unir vocês dois.

— Nós três. Eu, Desirée e Selma. É a nós que você vai unir.

— Mas assim não pode Lindinho! A igreja só une dois de cada vez. – Tentou fazer a voz mais doce que encontrou, mas o que subiu à garganta foi um bolo de catarro que o fez pigarrear.

— Você não é a igreja e o meu conceito de família é diferente. Só quero que faça os ritos.

Franco baixou a cabeça e disse que ia se preparar, enquanto os noivos foram arrumar uma bancada de madeira que serviria de altar e dar as boas novas a Desirée que estava nua no quarto desde a farra noturna.

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Aquele papel era protocolar já que não teria a quem mostrar. Protocolar também foram as batidas que Fredson dera na porta. Poucos segundos depois já estava na sala da casa de Diolindo sem dar mais que dois pontapés na porta de madeira vagabunda. A casa aparentemente estava bem arrumada com quase nada fora do lugar. Era um lugar pequeno e simples mas decorado com zelo apesar de tudo lhe parecer antiquado. Com a ajuda do perito que fez questão de lhe acompanhar passou as vistas em todos os cômodos pra se certificar que estavam sozinhos antes de começar a abrir as gavetas. Nelas não encontraram nada demais. Na sala havia algumas cordas jogadas num canto como se utilizadas em alguém. A louça estava lavada no secador em cima da pia. As camas dos quartos forradas. No banheiro havia um buraco embaixo do chuveiro preenchido de forma tosca com cacos de tijolos. No quintal apenas uma cisterna de plástico vazia e restos de material de construção. – Mas, espere! Aquilo sim poderia ser alguma coisa! – Pensou o detetive enquanto pegava para si a pá suja de terra para estudá-la melhor depois.

Uma hora depois, satisfeito com o achado, decidiu que era o suficiente. Aquela pá poderia ser o elo que incriminaria Diolindo, mas ainda faltava peças para encaixar no seu quebra cabeças. O que ele, Franco e a filha do Almeida faziam juntos. Podiam ter sequestrado a moça, mas com que propósito? Se Almeida pudesse confirmar que a filha chegara no sítio da irmã, então teria sido apenas uma carona. Mas pra onde? Também teria que falar com a moça.

Enquanto ajeitava a fechadura arrebentada para fechar a porta como achara, o seu bipe soou. Na mensagem que o delegado lhe enviara, dizia: ACABO DE RECEBER A VISITA DE UM PADRE CONTANDO QUE HOUVE UM ROUBO DE PARAMENTOS SACERDOTAIS NA IGREJA.

Depois de guardar a pá no porta malas da viatura, ele sorriu e segurou a vontade de acender o segundo cigarro do dia.

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Gemima desembarcou do ônibus e cruzou a estrada. Tirou a sua cópia das chaves da bolsa e abriu a porteira do sítio indo direto pro casarão se apresentar a Dona Selma. Entrou pela cozinha e guardou a marmita de tatu na geladeira. Viu três pratos sujos na pia e estranhou o fato de ter deixado tudo lavado quando Dona Clarice se fora pro hospital com o menino. Será que a mulher trouxera convidados? Andou pelos cômodos da casa em silêncio. Talvez ela ou eles estivessem descansando. Os quartos estavam vazios e arrumados do jeito que deixara. Abriu um janelão que dava pros pés de manga a meio caminho entre a casa e o estábulo e pensou ter visto um vulto lá dentro. Cavalo já não tinha lá fazia tempo, só podia ser gente. Resolveu dar uma busca no local.

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— Ok, ok, o noivo no meio por favor. A testemunha como o próprio nome diz, é só testemunha, não fala – Disse o ex-padre apertando a mordaça do filhote de lampião que estava prostrado numa cadeira ao lado do altar improvisado.

— Os votos que ireis fazer uns aos outros, será feito em nome de Deus, que conhece os segredos dos corações de suas filhas e filhos – Proferia Franco de maneira empolada e quase sóbrio depois de secar a garrafa de aperol durante a noite. – Selma e Desirée, querem permanecer tendo Diolindo por teu companheiro, e vivendo com ele um relacionamento baseado no amor, lealdade e responsabilidade?

Sim, sim! – Respondia a mulata, pelas duas, que agora vestia uma calça de microfibra bege com uma batinha branca de renda.

— Querem consagrar –lhe amor e honra? Querem respeitá-lo e conservá-lo tanto na riqueza como na pobreza, na enfermidade como na saúde, enquanto os três viverem?

Sim, sim!

Eu como ministro do evangelho, declaro esta união abençoada em o Nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E desejo de todo o meu coração que nada no mundo possa ser impedimento ao amor de vocês. Pode beijar as noivas. Preciso tomar um trago.

 

Ela não conseguia discernir o que estava se passando ali no estábulo. Estava com o olhar fixo no homem vestido de padre. Aquilo sim era um coroa e tanto, e ainda por cima Santo! Suas maiores fantasias eram encenadas na sua mente com um padre, de preferência velho e safado. Mas quem ele estava casando? Selma estava de costas, um homem magro meio encovado de meia idade de um lado e uma mulher branca que não se mexia. Havia um homem amarrado sentado numa cadeira ao lado. Espremeu os olhos e viu duas coisas. Uma era o caminhão guincho de Godô do outro lado do estábulo, e a outra era o próprio Godô amordaçado. Jesus! O que ele fizera de ruim dessa vez? Decidiu se aproximar devagar, mas o seu coração já entrava em processo de taquicardia ao ver o coroa de perto. Era a polaróide do padre safado que ela tinha na sua mente. Começou a ficar úmida, mas decidiu que não era hora pra ficar excitada. Mesmo assim os mamilos intumesceram e uma gota de leite lhe vazou através da blusa leve que vestia.

 

Dona Selma! – Disse pegando a todos de surpresa enquanto os três se beijavam.

— Gemima! – Respondeu sem jeito, e se aproximando para abraçar a funcionária de sua irmã.

— O que o desgraçado do meu marido aprontou com vocês? – Disse apontando de forma acusatória pro homem assustado ao ver a mulher naquele lugar, afinal sua Gemima nunca fora muito específica sobre a localização do sítio onde trabalhava e ele nunca tinha tempo de ir buscá-la, já que o seu patrão ocupava muito do seu tempo, assim como o seus fregueses que compravam o epadu que ele surrupiava na calada da noite.

— O carro quebrou na estrada e ele tentou nos assaltar. Mas como é mesmo o nome desse encanto de mulher? – Entrou na conversa o ex-padre já encantado com o rosto de adolescente safada da gordinha que imediatamente lhe despertou depravações do arco da velha.

— Gemima – Respondeu a moça com os olhos faiscando de um tesão genuíno.

— Encantado. Franco, o seu servo – retrucou o velho pegando a mão da moça e beijando-a pondo a língua pra fora pra tocar-lhe a pele.

 

A funcionária de Clarice apagou a sua visão periférica e pulou no pescoço do velho como se ele fosse a tábua de salvação da sua vida. O velho surpreso com a reação da jovem levou um segundo a mais que ela para retribuir a intimidade. Selma e Diolindo riam sem compreender o que se passava, mas confirmando nas suas cabeças o ditado popular que dizia que pra todo pé cansado existe um chinelo velho. Naquele caso, uma chinelinha nova em folha. E fofinha.

 

Godofredo se debateu na cadeira até cair no chão sem entender nem o casamento a três, nem sua mulher beijando um padre e nem porque diabos estava ali. Desmaiou batendo a cabeça pensando que a culpa era do tatu que não comera na noite anterior e estava atormentando a sua vida.

 

O trio de recém-casados se recolhera para consumar as núpcias recém contraídas sem se preocupar nem um pouco com a presença da gorduchinha que caíra de amores pelo velho depravado, e que logo foram pro outro quarto apagar o fogo que lhes queimavam as partes íntimas desde que se viram.

 

Há muito tempo o velho não tinha uma ereção completa e duradoura. Arrebentaram o lastro da cama e sem perceberem continuaram a conjunção carnal como se os seus dias na terra estivessem contados. A gorduchinha estava extasiada com o fôlego do seu coroa e se soubesse que ele existia antes, jamais teria juntado seus panos com o frouxo do Godô que vivia desfilando armado pela cidade como se aquilo substituísse o seu pau. E se comeram mais uma vez até a exaustão.

 

— É filha, tem xoxó que precisa de araldite pra manter a integridade, mas a sua precisa de gente especialista em demolição pra penetrar. Ainda bem que o meu mondrongo deu conta – Disse o velho banhado de suor e ainda resfolegando.

— Você têm culpa nisso coroa.

— Eu sou o Nabokov dos tempos modernos baby! E agora tô dentro da lei né! Você têm dezenove com carinha de querubim. Não me mostre a identidade, prefiro continuar correndo o risco, assim o mondrongo pode lhe cumprimentar todos os dias.

 

Ela só entendeu o nabo do nabokov e já pensou em putaria. Ele ligou o rádio relógio na cabeceira na esperança de coroar o momento e não achou nada mais apropriado.

 

Nós somos dois sem vergonhas em matéria de amar

Eu te amo e tu me amas mas brigamos sem parar

Nós somos dois sem vergonhas não podemos ocultar

Você porque vai e volta e eu por lhe deixar ficar

 

Na vida tudo é metafórico minha Gemima! O ouvido é o filtro das impurezas, os olhos são o seu programa ao vivo editado por você mesma, a boca é o gerador das suas energias, o nariz é quem lhe diz onde pisar!

— E aqui ó! – Disse ela colocando a mão dele em cima da sua genitália.

— A boceta..sim, ela é a única esperança da humanidade. Pode ser que daí saia o próximo Papa! – E caíram numa risada enquanto ouviam os gemidos vindo do quarto vizinho, fazendo sinal de silêncio um pro outro.

 

— Você gosta de tatu, hein coroa? – Perguntou ela fazendo a carinha mais linda que um anjo pode fazer depois de bater uma punheta.

— Contanto que não se interesse pelo buraco do meu cu, tudo bem – Ralhou.

— O buraco que ele vai entrar em você é o da boca seu tonto! – Disse saindo para esquentar o seu manjar para o homem mais encantador que aparecera em sua curta vida sem lembrar o quanto era estranho tudo aquilo ali. Até uma boneca vestida de noiva! Daquele sonho ela não queria acordar nunca. Ela era a Alice no país das ervilhas. Acho que era esse o nome do filme.

O velho poderia morrer naquele minuto que ia pros braços do coisa ruim feliz como um cachorro entrando numa máquina de fazer salsichas. Ao ouvir os gemidos do quarto ao lado aumentarem o volume não perdeu a chance.

— Quem tá comendo quem?

Vai se foder Franco – Respondeu Selma enquanto penetrava Desirée e Diolindo brincava com suas bolas. Aquilo tudo era kafkiano demais pra ser verdade – Pensou o velho se beliscando e correndo pra bacia pra tentar cagar o diamante.


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