Nico Di Angelo não conseguia ver como a mudança de cidade poderia ser uma boa experiência para ele – como seus pais insistiam em lhe dizer –, apesar de estar realmente indiferente em ter de ir, em Montréal existe vários clubes de hockey no gelo assim como em Quebéc, e praticar o esporte seria a única coisa da qual sentiria falta caso não pudesse continuar treinando. E da sua casa, é claro, Nico estava acostumado a ter o terceiro andar só para ele, tinha conseguido convencer seus pais a ter somente o seu quarto e o banheiro no último andar, mas agora eles morariam em um apartamento, nem de longe tão grande quanto a antiga casa.

Ele não se despediu das pessoas que o chamavam de amigo, passou a última semana em Quebec empacotando as suas coisas nas caixas e colocando etiquetas para que não se confundisse.

— Vamos Nico, papai está te chamando há tempos vai continuar ai parado olhando para a parede? — Bianca, sua irmã, lhe perguntou animada.

— Já ‘tô indo.

Nico deu uma última olhada no seu quarto, agora vazio, pegou a última caixa e tomou cuidado ao descer as escadas, levando a caixa em direção ao caminhão. Logo depois entrou no carro e colocou seus fones antes de poder ouvir a voz de sua irmã tagarelando sobre quão animada estava para se mudar.

Bianca era dois anos mais velha do que ele, apesar de sempre parecer mais infantil, ele observou sua mãe e pai entrarem no carro aproveitando para observá-los, a irmã era uns bons dez centímetros mais alta do que Nico, seus cabelos enormes e escuros balançavam com o vento que vinha da sua janela aberta, ela estava inclinada para frente, gesticulando e provavelmente falando muito alto – como normalmente fazia – ela estava radiante e se parecia muito com a mãe deles, Maria Di Angelo, tanto na aparência quanto no estado de espírito. Nico não conseguia enxergar seu pai com clareza, mas sabia que ele estava indiferente como sempre, Hades não era o tipo de pessoa que sorria muito, mas quando estava ao lado de Maria ele parecia tão feliz que seus olhos chegavam a brilhar; Nico via fotos antigas do pai e não podia deixar de achá-lo muito parecido consigo, os olhos escuros sempre apagados e o cabelo no rosto.

Por fim, desviou os olhos e encostou a cabeça na janela, esperando que não demorasse muito.

***

Demoraram exatamente dois dias para que Nico conseguisse arrumar o seu quarto e mais dois para terminar de ajudar seus pais com o resto da casa; quando chegou tinha uma semana para as aulas em sua nova escola começar, no pouco tempo não conseguiu conhecer tanto a vizinhança em que moraria quanto gostaria. Teria que pegar dois ônibus todo dia para ir a escola, depois poderia andar até a pista em que faria hockey, entretanto teria que esperar cerca de duas horas, usaria o tempo para almoçar.

***

Nico chegou a pista uma hora antes da sua aula, ficou sentado na arquibancada vendo o treino de patinação artística no gelo, tinha no máximo doze garotas (sem contar com a professora), todas com coques apertados ou rabos de cavalo e vestidos curtos colados no corpo – ele não pode evitar pensar se elas não sentiam frio com aquelas roupas – a professora ficava no meio da pista gritando instruções em francês e corrigindo as garotas, ele teria se sentido mal por elas, se não achasse que com treinadores assim os alunos tinham um resultado bem melhor; meia hora antes de o seu treino começar Nico foi colocar o uniforme que consistia em muitas peças de roupas e proteções; ele entrou junto dos outros caras na pista de gelo, pode ver as garotas se reunindo em vários grupos assim que saíram, com exceção de uma, ela se sentava mais afastada das outras meninas, tirando os patins sem olhar para os lados ou mudar a expressão para uma de dor como as outras faziam, ela parecia com Bianca de longe – um pouco mais baixa e sem aquela aura alegre que sua irmã tinha – mas quando seus olhos se encontraram, os dela não eram escuros como os dele, e sim azuis, um azul tempestuoso que ele nunca tinha visto antes, ela não manteve os olhos nos dele por muito tempo, com indiferença simplesmente colocou seus sapatos e levantou, provavelmente indo em direção ao vestiário. Ele colocou o protetor bucal e o capacete, tentando prestar atenção no que seu novo treinador dizia.

No seu segundo dia na Quiron’s High School a secretária lhe mandara ir a sua sala na hora do intervalo para que colocassem seus dados no sistema. Ele andou calmamente pelos corredores vazios e silenciosos, estava para chegar a secretaria quando ouviu o barulho de algo caindo no chão e um xingamento, ele foi até uma porta meio aberta e encontrou uma sala escura, com uma garota sentada em um banquinho na frente de uma tela e de costas para ele, tinha um pote de tinta caído no chão – o que ela devia ter derrubado, no entanto para a sorte da garota o pote estava fechado – ela pintava a tela rapidamente e com a mão firme. Ele se segurava para não perguntar o que ela fazia ali quando o seu celular fez um barulho que indicava que ele recebera uma mensagem e ela se virou para ele assustada, deixando o pincel cair no chão e seus fones pendurados no pescoço.

Era a mesma garota que ele vira sozinha na pista, ela lhe olhava com os olhos arregalados e a boca um pouco aberta.

Ela não era parecida com Bianca em nada que não fosse a cor da pele e dos cabelos, seus olhos azuis eram maiores e assustadores, o rosto não era delicado como o de sua irmã, seus cabelos não eram finos e cortados perfeitamente na altura da cintura, na verdade eles eram muito mais curtos e pareciam bem grossos e desordenados como se a garota os tivesse cortado na pia do banheiro da própria casa, deixando algumas mechas bem maiores do que as outras; ele quase podia ouvir Bianca dizendo que aquilo era uma ofensa aos cabeleireiros.

— Ahn, — ele começou sem saber o que dizer. — me desculpe por interromper.

A surpresa no rosto dela foi logo trocada pela raiva e ele se arrependeu de ter falado.

— Vai embora. — ela mandou em um tom ríspido.

Nico não ficou surpreso, só um pouco curioso para saber por que ela estava ali.

— Só, saia daqui.

Quando ele finalmente deu as costas – somente porque ainda tinha que ir a secretaria – pode ouvi-la soltando a respiração, como se antes estivesse nervosa com o que ele faria e agora pudesse relaxar, Nico achou estranho, ela lhe parecia tão confiante de que ele faria o que ela mandara.

Reprimindo a vontade de voltar ao lugar e falar com ela, perguntar lhe o seu nome e sentar se ao seu lado, ele recomeçou a andar, pegando o celular e checando a mensagem que recebera.